domingo, janeiro 14, 2018

O custo dos Refis - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 14/01
Só de juros e multas que não foram cobrados de contribuintes em atraso beneficiados com os seguidos programas de parcelamento de débitos tributário, a União deixou de arrecadar R$ 176 bilhões nos últimos dez anos. Esse número dá a dimensão do impacto que esses programas, conhecidos como Refis, têm sobre as receitas do governo federal. É um valor que supera o déficit acumulado de janeiro a novembro do ano passado pelo Regime Geral de Previdência Social – que atende basicamente trabalhadores da iniciativa privada –, de R$ 172,7 bilhões.

Esta é a perda fiscal passível de aferição. Há outras que os seguidos programas desse tipo impõem ao Tesouro, mas que não podem ser calculadas com a mesma precisão. O mais pernicioso deles é o estímulo gerado por esses programas para que os contribuintes deixem de pagar os tributos em dia na certeza de que contarão com alguma forma de anistia, por meio de um novo Refis.

O levantamento das perdas em que a Receita Federal incorreu nos últimos anos foi feito por ela a pedido do Estadão/Broadcast. O estudo envolve apenas os descontos de juros e multas oferecidos pelos seguidos programas adotados nos últimos anos. Adicionalmente, a Receita estima em R$ 18,6 bilhões a perda anual decorrente da suspensão de recolhimento de tributos devidos por contribuintes que esperam um novo programa de parcelamento de suas dívidas.

É certo que programas de refinanciamento de débitos tributários representam um alívio para contribuintes cumpridores de seus obrigações fiscais, mas que foram temporariamente prejudicados por fatores fora de seu controle, como a crise econômica. Nesses casos, as facilidades de renegociação do débito e a redução de multas, juros e encargos propiciadas por programas como o Refis podem ser vitais para a preservação das atividades das empresas beneficiadas. Recuperadas, estas voltarão a recolher regularmente os tributos.

É certo também que o Refis produz uma receita adicional imediata para o Tesouro, pois os contribuintes que a ele aderem são obrigados a recolher um determinado valor no momento da adesão. Esse valor corresponde à primeira parcela da dívida renegociada.

Em tese, essa receita deveria repetir-se durante a vigência do acordo, caso os contribuintes que renegociaram seu débito recolhessem regularmente as demais parcelas. Ocorre, porém, que, segundo a Receita, metade dos contribuintes que aderem aos programas de parcelamento de débitos em pouco tempo deixa de recolher as parcelas devidas. Esses contribuintes são imediatamente excluídos do programa, mas, em muitos dos sucessivos Refis dos últimos anos, adquiriram o direito de renegociar os débitos antigos. São os contribuintes que a Receita chama de “viciados em Refis”.

“O Fisco acaba recebendo mais no ano (da instituição do programa), mas o que está fazendo é abrindo mão da arrecadação do ano seguinte”, diz o secretário da Receita, Jorge Rachid. Pior ainda, os contribuintes começam a apostar que no ano seguinte poderão deixar de pagar, porque o exemplo recente deixa claro que haverá novo Refis.

Do ponto de vista da concorrência, cria-se uma situação de desequilíbrio entre os contribuintes em dia com suas obrigações e os que, à espera de um novo Refis, deixam de recolher os tributos devidos no prazo de vencimento. O efeito é nocivo para o sistema tributário. “Entre um contribuinte que paga os tributos em dia e outro que logra êxito nesses parcelamentos, o último sai com vantagem competitiva”, disse ao Estado o professor de Direito Financeiro da USP Heleno Torres. “O primeiro, então, não vê nenhuma vantagem em ser um bom contribuinte.”

Só em 2017 houve cinco programas de refinanciamento de dívida tributária. Nos últimos dias, felizmente, o presidente Michel Temer vetou integralmente o projeto que permitia a renegociação de dívidas tributárias de micro e pequenas empresas, já beneficiadas pelo regime tributário especial do Simples Nacional, e vetou parcialmente a renegociação das dívidas do Funrural.

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