quarta-feira, setembro 20, 2017

Eis o desastre a se consumar - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL

Eis o desastre a se consumar: Câmara mantém voto proporcional; fundo eleitoral deve ser rejeitado

Não era isso o que queria o moralismo chulé? Então devem estar todos satisfeitos agora, não? Vai ver que, assim, virá a renovação... Os idiotas também fazem história!



Os idiotas que foram às ruas berrar sandices e jumentices já podem comemorar. Apenas 205 deputados votaram nesta terça na proposta que criava o distritão para as eleições de 2018 e o voto distrital misto para 2022. Nada menos de 238 dos nobres parlamentares disseram “não”. Como se tratava de uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC, eram necessários 308 votos para efetivar a mudança. Deve ir para o vinagre também a proposta que cria o fundo público para financiar a campanha. Como é mesmo o grito de guerra? “Não queremos mais dinheiro público para os políticos”. Não haverá. O crime organizado tomará conta da coisa toda.

Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado, anunciou ontem a formação de uma comissão para redirecionar para a eleição dinheiro público que já vai hoje para os partidos. Como a coisa seria feita? Uma das ideias é manter obrigatório o horário eleitoral apenas nas TVs públicas. Os recursos com que o Estado ressarce as emissoras privadas para transmitir os programas, via renúncia fiscal (as emissoras deixam de pagar impostos), seria convertido em fundo eleitoral. Os partidos que quisessem acesso a esse canal de propaganda teriam de comprar o horário. Duvido que prospere. Se acontecer, a coisa está longe de ser uma solução. Por quê? Estamos falando de algo em torno de R$ 1 bilhão. Oficialmente, as eleições de 2014 custaram mais de R$ 5 bilhões. De verdade, em razão do caixa dois, foi muito mais do que isso.

Assim, a reforma política pode mesmo se limitar à proibição das coligações proporcionais e uma nova regra para a chamada cláusula de barreira. E mesmo isso passou a correr risco.

Eu tinha especial amor pelo “distritão” e “pelo fundo público”? Eu não! Trata-se de duas estrovengas. Eu estava de olho no futuro. Entendia, e estava certo, que eram caminhos para duas soluções virtuosas: voto distrital misto e volta da doação de pessoas jurídicas, com novas regras. Mas estava antevendo a tragédia. E ela está aí, com todas as letras.

Eu sou favorável ao horário eleitoral obrigatório nas emissoras privadas? É claro que não! Que cada partido compree o seu tempo, como acontece nos EUA, por exemplo. Mas, para tanto, as empresas não podem ser proibidas de fazer doação. O nosso país, o Bananão, como chamava Ivan Lessa, resolveu, no entanto, inventar quadratura do círculo.

Assim, a disputa de 2018 estará entregue, como nunca, ao crime organizado e ao caixa dois. O dinheiro que vai financiar a disputa será mais secreto do que aquele que alimenta os ditos “movimentos de rua”. É inútil tentar saber quem os financia. E eles têm uma resposta na ponta da língua: não são obrigados a nominar seus “donos” porque são entes privados e coisa e tal… Pois é! São agentes privados, financiados por alguém, que têm o topete e a ambição de determinar o que devem fazer os agentes públicos.

Não poderia haver pior desdobramento do que este que aí está. Caminhamos, pois, para 2018 mantendo o voto proporcional — com sua ineficiência conhecida — e com os candidatos aptos a receber a “doação” de pessoas que se movem nas sombras.

Está tudo de acordo com o, como é mesmo?, espírito da Lava Jato. Desde que o Supremo proibiu a doação de empresas e desde que ficou claro que o Congresso não a resgataria por intermédio de uma PEC, restava evidente que a transição deveria ser feita com o voto em lista — não com o distritão — em 2018 e com o fundo público. Era o preço a pagar para fazer a coisa certa em 2022.

O falso moralismo e o moralismo de meia-tigela resolveram sair gritando burrices por aí. Então fica tudo como está. Os pretendentes a cargo público já podem dar início à Interlocução com aqueles que realmente vão mandar no circo: os chefões do PCC, do Comando Vermelho, da Família do Norte, dos doleiros, das igrejas mafiosas…

Viva a Lava Jato que levou esse espírito às ruas!

Viva Rodrigo Janot, o cadáver que procria!

Viva Deltan Dallagnol na casa de Caetano Veloso!

Viva a boçalidade de rua!

Viva Marcola, que deve começar a ser chamado de “excelência”.

Quebrou-se o mito - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 20/09

A Constituição não confere poderes absolutos ao Ministério Público, mas, da forma como ele está organizado, sem hierarquia funcional, cada membro da instituição torna-se a própria instituição


A Constituição de 1988 foi um valioso instrumento para consolidar a redemocratização do País, resgatando o respeito a importantes direitos e garantias fundamentais. Deve-se reconhecer, no entanto, que ela também trouxe alguns sérios problemas, que até hoje dificultam o desenvolvimento político, econômico e social da Nação. Várias reformas constitucionais foram feitas, mas os desequilíbrios ainda persistem e, em alguns casos, foram agravados. Basta ver, por exemplo, o tratamento dado pelo texto constitucional a supostos direitos, sem a necessária contrapartida e, pior, sem condicioná-los à existência de recursos. Um grave problema fiscal foi introduzido no próprio fundamento do Estado.

Outro sério problema institucional trazido pela Constituição de 1988 foi o tratamento dado ao Ministério Público, contemplado com uma autonomia que, a rigor, é incompatível com a ordem democrática. Num Estado Democrático de Direito não deve existir poder sem controle, interno e externo. Não há poder absoluto. Explicitamente, a Constituição de 1988 não confere poderes absolutos ao Ministério Público, mas, da forma como ele está organizado, sem hierarquia funcional, cada membro da instituição torna-se a própria instituição.

Ao longo dos anos, esse problema foi agravado por dois motivos. Em primeiro lugar, consolidou-se nos tribunais uma interpretação extensiva das competências do Ministério Público. Obedecendo a uma visão unilateral, que olhava apenas para os supostos benefícios de uma atuação “livre” do Ministério Público, permitiu-se que procuradores se imiscuíssem nos mais variados temas da administração pública, desde a data do vestibular de uma universidade pública até a velocidade das avenidas. Parecia que o Estado nada podia fazer sem uma prévia bênção do Ministério Público.

A segunda causa para o agravamento da distorção foi uma bem sucedida campanha de imagem do Ministério Público, que, ao longo dos anos, conseguiu vincular toda tentativa de reequilíbrio institucional à ideia de mordaça. Qualquer projeto de lei que pudesse afetar interesses corporativos do Ministério Público era tachado, desde seu nascedouro, de perverso conluio contra o interesse público. O resultado é que o País ficou sem possibilidade de reação.

Na prática, a aprovação no concurso público para o Ministério Público conferia a determinados cidadãos um poder não controlado e, por isso mesmo, irresponsável. Nessas condições, não é de assustar o surgimento, em alguns de seus membros, do sentimento de messianismo, como se o seu cargo lhes conferisse a incumbência de salvar a sociedade dos mais variados abusos, públicos e privados. Como elemento legitimador dessa cruzada, difundiu-se a ideia de que todos os poderes estavam corrompidos, exceto o Ministério Público, a quem competiria expurgar os males da sociedade brasileira.

Nos últimos três anos, esse quadro foi ainda reforçado pelos méritos da Lava Jato, como se as investigações em Curitiba conferissem infalibilidade aos procuradores e um atestado de corrupto a todos os políticos. Os bons resultados obtidos ali foram utilizados para agravar o desequilíbrio institucional.

Construiu-se, assim, a peculiar imagem de um Ministério Público inatingível, como se perfeito fosse. Basta ver, por exemplo, o escândalo produzido quando o Congresso não acolheu suas sugestões para o combate à corrupção. A reação dos autores do projeto foi radical: ou os parlamentares aceitavam todas as vírgulas – com seus muitos excessos – ou seriam comparsas da impunidade.

Pois bem, esse monopólio da virtude veio abaixo nos últimos meses de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ações radicais e destemperadas deixaram explícita a necessidade de que todos, absolutamente todos, estejam sob o domínio da lei, com os consequentes controles. Poder sem controle não é liberdade, como alguns queriam vender, e sim arbítrio.

Na crise da PGR envolvendo a delação de Joesley Batista há uma incrível oportunidade de aprendizado e de reequilíbrio institucional. Com impressionante nitidez, os eventos mostram que também os procuradores erram.

A negação como método - ROBERTO DAMATTA

ESTADÃO - 20/09

No Brasil, é uma maneira de mostrar superioridade. ‘O que vem de baixo não me atinge’



É necessário ignorar e negar para viver. Mas alguns estudos revelam que em muitas sociedades ignorar é uma arte e negar um método.

No Brasil, a negação é um método de demonstrar superioridade. “O que vem de baixo não me atinge”, falamos diante de um desafeto. As pedras (ou flechas) atiradas pelos inimigos não nos afetam. Pelo elo contrário, podem – como bumerangues – cair nos que ousaram nos atacar. Descobrir que isso tem mudado é um dos trabalhos da crise.

Anular o outro distingue sistemas aristocráticos imobilizados por posições sociais fixas das democracias marcadas pela mobilidade. O privilégio marca certos cargos e categorias sociais nas aristocracias. Nelas, uma mesma ação é crime se for feita por um indivíduo sem “eira ou beira” (sem relações), mas vira crise política se o seu praticante for “gente grande”.

A resistência extremada à igualdade perante a lei é o cerne da crise. Nela, as chamadas imunidades atreladas a certos cargos impedem qualquer processo. Seria absurdo sugerir que esse oceano de privilégios seria uma projeção da matriz aristocrática e escravocrata, que vigorou de 1500 até 1889 no contexto republicano?

Na monarquia, nobres, claro, e povo tinham os seus códigos. Numa república proclamada a partir desse contexto (sem esquecer a escravidão), capitularam-se cuidadosamente os privilégios dos seus funcionários. Altas patentes, hoje chamadas de assessores ou aspones – esses recebedores de mochilas, malas e caixas cheias de dinheiro sujo –, são muito mais do que governantes. Eles passaram a ter foro privilegiado e, mais obsceno que isso, prescrição para seus crimes que têm o colarinho mais branco do que suas camisas.

O viés aristocrático da burocracia republicana é um brasileirismo. A surpresa de Pedro II diante da maluquice republicana é significativa. Pois a maluquice é imaginar que se pode sair de uma monarquia para uma república sem crises e tumultos. As perenes crises republicanas todas, aliás, muito semelhantes resultam de uma revolução: a se tentar governar por meio do mérito individual uma sociedade de credo escravocrata e patriarcal. Republicanismo num contexto sócio-histórico patriarcal e escravocrata é muito mais revolucionário do que se pode imaginar. E as crises são o testemunho disso. Elas são chamadas de políticas mas, de fato, são crises sociais e de valores promovidas na sua totalidade por racionalidades opostas ou muito diferenciadas. Imaginar que a transição seria sem crise ou que a crise é defeito nosso é tão absurdo quanto pensar que os responsáveis por empresas estatais sejam indicados por suas capacidades e trabalhem para o bem do País e não para os seus partidos e famílias.

A passagem por golpe de uma monarquia a uma república não é algo trivial. Esse é o ponto.

Somente no Brasil se pode imaginar que o trânsito de uma reciprocidade maussiana do dar para receber para os labirintos contratuais hobbesianos seria como tomar um sorvete ou ir ao cinema. Não é de graça que se substitui a mão visível do amigo preocupado em providenciar a propina, pela mão invisível de Mr. Adam Smith. Tal transformação é profunda e a ausência dessa percepção engendra todo tipo de mal-entendidos. Um deles é fantasiar que o Estado deve “corrigir” ou “curar” a sociedade.

Não se pode negar o papel de impulsionador do Estado, mas isso não é igual a ele atribuir uma onipotência que em todo lugar resultou em totalitarismo e, no Brasil hodierno, nessa vasta roubalheira.

Estou dizendo que a república foi um erro ou que ela é historicamente impossível no Brasil? De modo alguém. Só os imbecis negam o que foi feito. Mas como não apontar que a crise brasileira é sistêmica e que ela tem um elo profundo com a tentativa largamente inconsciente de operar com valores opostos sem discuti-los.

O que espanta na construção da democracia à brasileira é a inocência cultural relativa ao seu funcionamento. Inocência da qual os malandros se aproveitam.

A “corrupção” é o resultado na intrusão do passado no presente. Um anacronismo que reproduz no novo regime as práticas recorrentes dos tempos do rei e dos déspotas porque sua força simbólica sempre foi subestimada. E o poder da política como uma engenharia sem consequências sociais sempre foi superestimado.

A negação como narrativa – ninguém cometeu nenhum crime, tudo foi inventado, MAS... ninguém é de ferro – nada mais é do que a consequência da descoberta da democracia. Hoje sabemos que ela não é uma utopia; que ela é alérgica a privilégios e tem como ideal a igualdade, essa igualdade que é, de longe, o maior problema brasileiro.

Debate econômico requer teoria e fatos, mas o que mais se vê são chutes - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 20/09

Yoshiaki Nakano cometeu coluna na semana passada argumentando que as elevadas taxas de juros observadas no Brasil teriam origem na economia cafeeira, que dominou o país de meados do século XIX até a primeira metade do século XX.

Segundo Nakano, o cafeicultor "se assemelhava mais a um rentista do que um produtor preocupado com redução de custos. Seus lucros dependiam da extensão da sua posse de terras e de variáveis fora de seu controle, não do seu empreendedorismo ou espírito inovador." Como recebia o pagamento uma vez por ano e tinha que guardar o dinheiro, preferia juros elevados. Por outro lado, como "consumia importados e passava parte do ano na Europa", preferia uma taxa de câmbio apreciada. Por causa disto, conclui, até hoje temos que conviver com juro alto e câmbio apreciado...

Há vários problemas com o raciocínio, se cabe aqui o termo.

Quem já estudou o assunto deve ter ficado chocado com a caracterização do cafeicultor como um "rentista". A economia cafeeira se caracterizava por grandes investimentos, pois, ao contrário de culturas anuais, pés de café precisam ser plantados com antecedência, bem antes da materialização das receitas. Posto de outra forma, cafeicultores eram, por natureza, empreendedores e, como tal, precisavam constantemente de crédito.

E, como algum leitor já deve ter notado, a produção de café não se destinava ao mercado interno, pois sequer um exército de bebedores do precioso líquido do meu calibre (seis a nove xícaras de expresso por dia) dariam conta da produção local. Na qualidade, portanto, de exportadores, é curioso imaginar que cafeicultores pleiteassem uma taxa de câmbio mais apreciada. Ao contrário, as pressões do setor sempre foram no sentido de depreciar a moeda.

Só para lembrar, logo após a Proclamação da República, apoiada entusiasticamente pela cafeicultura, a política econômica foi caracterizada pela rápida expansão do crédito (o famoso Encilhamento, que começou ao fim da monarquia, por pressão do setor de café). Já o mil-réis, que comprava 27 pence em 1888, só conseguia comprar 7 pence 10 anos depois. Houve valorização para 11 pence por ocasião da política de estabilização de Joaquim Murtinho (1898-1902), mas já em 1906 foi criada a Caixa de Conversão, justamente para evitar a apreciação da moeda, por reivindicação do setor.

Vale dizer, cafeicultores não defendiam nem câmbio apreciado, nem juro alto, muito pelo contrário e qualquer um que tenha lido a respeito sabe disto, mas não, claro, Nakano. Não bastasse o ridículo de atribuir a persistência de altas taxas de juros a acontecimentos tão remotos, ainda erra sobre fatos que são de conhecimento comum.

Isto pode parecer implicância, mas, creiam, não é (só) o caso.

Há economistas que acreditam poder escrever sobre qualquer tema sem se dignar a verificar se há um mínimo de verdade nas afirmações que fazem. Ignoram fatos, mas querem que suas ideias sejam levadas a sério a ponto de influenciar decisões de política.

Argumentos no debate econômico têm que ser ancorados em boa teoria e, principalmente, em fatos. Infelizmente, o que mais vejo são "chutes" como o explorado acima, sem qualquer conexão com a realidade.

Não sei, sinceramente, como ainda dão importância para quem apresenta esta postura lamentável...

Meirelles segura na mão de Deus e vai - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 20/09

Henrique Meirelles pode ainda não ser candidato a presidente, mas está à beira de se tornar "presidenciável", esse nome brasileirinho para aqueles ensaios de candidatura do gênero "vai que cola".

Desde junho, o ministro vai a festas e palestras de evangélicos, da Assembleia de Deus; nesse mês, estreou no Twitter.

Se é uma estratégia de pré-candidatura, faz sentido. Meirelles não tem máquina partidária grande nem grupo político relevante. Mas os evangélicos pentecostais são 21% do eleitorado, pelos levantamentos do Datafolha. Outros 8% são evangélicos não pentecostais. A bancada evangélica na Câmara tem quase 90 deputados. Caso consiga difundir seu nome entre esses eleitores, pode aparecer com alguns pontos nas pesquisas eleitorais. Torna-se, então, presidenciável.

A conversa da candidatura voltou a ficar mais ruidosa desde a semana passada, quando o PSD, partido do ministro, o relançou à Presidência. Sim, relançou, pois Gilberto Kassab, ministro de Ciência e Comunicações e dono do partido de 39 deputados, trata disso pelo menos desde abril do ano passado, quando Meirelles era ainda apenas cotado para assumir a Fazenda de Michel Temer. No final do ano, Meirelles deve ser a estrela do programa eleitoral do partido, na TV.

Nesta semana, vazou um vídeo em que Meirelles manda uma mensagem para evangélicos cariocas, de um minuto e meio, filmagem amadora, em que o ministro aparece com o que parece ser uma Bíblia aberta à sua esquerda.

"Me sinto à vontade para conversar com vocês porque temos os mesmos valores. Valores da lei de Deus e dos homens visando crescer e colaborar com o país. Portanto, preciso da oração de todos", diz o ministro. No fim do vídeo, sobre fotos de árvores floridas, aparecem os textos "vamos ajudar o Brasil" e "outubro, mês de oração pela economia".

Meirelles de fato ouviu dos deputados do PSD um convite para se lançar candidato. Mas não teria dito nada respeito. Segundo um participante da reunião, Meirelles riu e "fez cara de vaidoso", uma reação típica do ministro quando confrontado com a ideia de uma possível candidatura. Ri, feliz, dá um olhar cúmplice e muda de assunto.

Lideranças religiosas da Assembleia de Deus dizem que não se discute política ou se pede voto nos encontros em que Meirelles aparece.

O ministro da Fazenda não conta por ora com a boa vontade do círculo político de Temer, o que pode não parecer grande empecilho, dado que está todo mundo com um pé na porta da cadeia. No entanto, o pessoal do Planalto não facilitaria a promoção da imagem de Meirelles e muito menos ainda seu trânsito no PMDB. Sim, o PMDB ainda pensa o que fazer da vida em 2018 e está uma confusão maior do que a habitual. Mas o nome do ministro "simplesmente agora não está sobre a mesa. E nem debaixo", diz um senador do partido.

Meirelles teria de sair em abril para disputar a eleição, o que não é simples. Antes disso, Meirelles teria de parecer uma candidatura mais que nanica nas pesquisas. Além de fazer pré-campanha mais direta, ter intenções de voto, teria de contar que recuperação econômica fosse mais que nanoscópica, tivesse efeitos práticos mais difusos. Difícil. Mas, na confusão brasileira, vai que cola.

Quadro sombrio. Por quê? O que fazer? - MARIO CESAR FLORES

ESTADÃO - 20/09

Há que facilitar a ascensão protagônica de políticos que ‘desencalhem’ o Brasil


Nos últimos 80 anos o Brasil passou de majoritariamente rural a urbano e se transformou na quarta democracia de massa do mundo. Houve desenvolvimento expressivo, mas em anos recentes o País “encalhou”.

Por quê?

O potencial físico brasileiro – extensão, clima e recursos naturais – atende com folga ao nosso desenvolvimento. Nos demais quesitos – padrão social e cultural, economia e força militar – estamos em déficit. Sua maior razão vem sendo nossa condução política. Seus tropeços sugerem alguns comentário – em particular, sobre sua contaminação pelo populismo. Deslanchado no Brasil por Getúlio Vargas, moderado (mas não extinto) no período 1964-1985, o populismo reemergiu forte nas últimas décadas de urbanização e aumento da população, intenso exatamente na população vulnerável à sedução populista. Mas o que é esse populismo, cuja influência tem crescido na Europa e na América?

Embora aparente mais à esquerda, o populismo não é de direita nem de esquerda: é oportunista. Situa a popularidade acima da ideologia explícita (na verdade, nem sequer a tem) e se vale da ilusão difundida pelos meios modernos de comunicação de massa, que transformam slogans banais em dogmas vulgares. Usa a democracia para chegar ao poder e o poder para mutilá-la (exemplos simbólicos: Hitler e seu populismo à direita, Chávez/Maduro). Sem explicitar alternativas, opõe-se a medidas austeras exigidas pela realidade por serem antipopulares – é antipopular evitar o desastre que vitimaria o povo... – e os que as defendem são classificados como inimigos do povo. Atribui seus insucessos ao capitalismo (com que convive muito bem...) ou a um vago imperialismo e pratica uma retórica nacionalista emocional que nem sempre é “para valer”. Uma vez no poder, “aparelha” a máquina pública e confunde o Estado com o partido.

O populismo não as criou, todas se alicerçam em nossa fantasia cultural de Estado gigante onipotente, mas estimulou algumas razões concretas do “encalhe” nacional e que dificultam o “desencalhe”. Em destaque, nosso modelo de bem-estar social, que pretende imitar modelos ideais como os da Noruega e da Suécia – pretensão irrealizável com nosso PIB per capita (1/7 do norueguês) e nossa população (207 milhões, 40 vezes a norueguesa) dependente (parte ponderável dela) de expressivo apoio público, a exemplo do déficit da Previdência. O clientelismo que contamina o serviço público com a incompetência e a improbidade e o faz cúmplice, em vez de moderador de desmandos políticos – despautério estendido a todos os partidos, haja vista reportagem do Estadoque reflete o descaso do clientelismo pelo interesse nacional, Centrão cobra cargos e ameaça travar a Previdência (11/8). Em trágica evidência hoje, a improbidade no nosso imenso capitalismo de Estado e nas relações entre o Estado e grandes empresas que trabalham para o Estado ou em empreendimentos financiados por bancos públicos. E o corporativismo do serviço público, direto e das empresas estatais, que resiste às privatizações porque a estatização atende a seus interesses, nem sempre coerentes com o nacional e cuja condição de operador do Estado gigante permitiu a construção da sua carga imensa, nos orçamentos públicos.

O quadro é sombrio. Quando o modelo político democrático amplia ou cria problemas e não os corrige, cresce no ânimo popular a ideia de que há algo errado nele – sentimento já sensível no Brasil. Não há hoje risco de autoritarismo explícito, mas há o da democracia messiânico-salvacionista de pendor populista, que talvez iludisse temporariamente alguns problemas, sem resolvê-los. Ao contrário, ele os agravaria. O direito formal seria flexibilizado pelo direito político da razão de Estado, do politicamente correto, do nebuloso controle social da mídia e outros artifícios de frágil consistência democrática.

O que fazer?

Impõe-se de imediato informar o povo sobre a realidade, sem malabarismos otimistas fantasiosos e sem atenuantes da gravidade da situação, para que o povo a compreenda e apoie as correções necessárias em concepções culturalmente consagradas, ao invés de manifestar-se contra elas, a reboque da demagogia que explora a cultura superada.

Já é consenso no País a urgência da revisão da estrutura e metodologia da política, com sua sistemática eleitoral. As dificuldades estão nos detalhes, que deverão apoiar ou prejudicar interesses de quem a deve realizar. Há que resgatar o sistema partidário do pandemônio de legendas de oportunismo, sem projeto integrado nem mesmo ideias relevantes; há que facilitar a ascensão protagônica de partidos com ideários consistentes e de políticos que “desencalhem” o Brasil e o ponham a navegar novamente, no rumo certo.

Uma vez realizada a revisão fundamental – a da política –, as temáticas acontecerão, se bem que algumas não podem esperar por ela. Exemplos emblemáticos: a revisão realista da onipotência do Estado gigante, em que se insere a questão previdenciária; a restauração da qualidade do serviço público, que existiu ao tempo do Dasp, quando o clientelismo era limitado e a competência objetiva era quesito; a adoção de políticas de retomada do fôlego da economia e do emprego; e (complemento inspirado pelo DNA profissional do autor...) a configuração responsável de nosso poder militar.

Os desdobramentos das revisões não caberiam neste artigo nem poderiam ser desenvolvidos nele porque exigiriam familiaridade profunda com os diversos temas. Há muito que rever, frequentemente em descompasso com as fantasias populistas influentes no povo e com interesses de pedrosos. Os agentes revisores precisam estar apoiados em altruísmo que os satisfaça com o sentimento do dever cumprido e o reconhecimento da História; no curto prazo, enfrentarão dissabores.

Pergunta de cidadão preocupado: é possível hoje?

*Almirante