FOLHA DE SP - 09/05
Tenho os meus momentos Elis Regina. Deitado no sofá, deprimido com a vida moderna, começo a imaginar uma casa no campo. Não para compor rocks rurais. Mas para plantar meus amigos, meus discos, meus livros. E nada mais.
Pessoas próximas sabem que não minto. Gosto de ler biografias de grandes eremitas. E, se não fossem as matérias carnais, o meu lugar era o mosteiro.
São momentos que duram pouco. O mesmo mundo que me deprime tem o condão de me divertir ou provocar -e eu pulo do sofá, como um gato subitamente acordado por um rato, e marcho para uma nova batalha. A casa no campo pode esperar.
Por isso li com interesse um dos livros do momento. Intitula-se "The Benedict Option" (a opção beneditina), foi escrito por Rod Dreher e o assunto é sério. Que lugar há para um cristão conservador numa América crescentemente anticristã e pós-cristã?
É uma pergunta que muitos cristãos podem formular em várias partes do Ocidente. Porque o cenário não é animador, escreve Dreher: os cristãos perderam todas as guerras. O materialismo vulgar triunfou. E, em matérias morais, há aborto livre e casamento gay.
Além disso, a juventude doméstica tem uma visão light da religião, sem compromisso ou seriedade. Porque a única religião que existe é um relativismo dogmático em que nada tem valor, exceto a satisfação imediata de desejos individuais. Perante isso, que fazer?
A resposta de Rod Dreher é o momento-chave do seu livro: nada. Entender a derrota. Aceitá-la. E pensar em são Bento, que no século 6 lançou as bases da ordem monástica. O Império Romano fora tomado pelos bárbaros. Os cristãos deveriam recolher-se ao mosteiro e, pacientemente, cultivar os valores centrais da civilização sitiada.
A proposta de Dreher segue pelo mesmo caminho: o debate público e a disputa política são inúteis. O secularismo moderno triunfou, e qualquer participação no grande palco é um desperdício de tempo e energia. Os cristãos falam uma linguagem que o "espírito do tempo" não entende -ou, pior, ridiculariza.
Como são Bento, é preciso regressar ao mosteiro. Não em sentido literal. Metafórico. Cultivar as virtudes cristãs em pequenas comunidades. Quem sabe? Talvez um dia os bárbaros possam sofrer nova conversão.
Entendo a inquietação do autor. No essencial, e tal como o próprio reconhece, ele repete o diagnóstico que o filósofo Alasdair MacIntyre já tinha escrito em "Depois da Virtude".
Dizia MacIntyre, embora com outra profundidade, que o Ocidente abandonara a fé ou a razão como instrumentos de conhecimento ou diálogo. O "emotivismo" é a língua-franca da condição moderna. Penso, logo existo? Acredito, logo existo? Não. Sinto, logo quero.
Fatalmente, Rod Dreher parece cometer os mesmos erros de Mac-Intyre na defesa de um corte radical com a modernidade. Erros políticos e, no limite, suicidas.
O primeiro erro é uma insuficiente compreensão do que significa a liberdade religiosa na democracia liberal. Fato: os cristãos perderam várias guerras culturais. Mas a questão fulcral é saber se existe algum poder que interfira na liberdade de cada um professar o que entende.
A observação não é trivial. Os cristãos são perseguidos e mortos em várias latitudes da Ásia ou de África. Isso não acontece no Ocidente. Rod Dreher, no livro, chega a fazer uma comparação entre a "clandestinidade" dos cristãos americanos e a situação vivida pelos cristãos do leste da Europa sob o comunismo. É uma comparação excessiva, para usar um eufemismo.
Mas existe um segundo erro: se Dreher (e MacIntyre) entende que a ameaça secularista é realmente severa, então os cristãos precisam dos instrumentos típicos do liberalismo político para garantirem a sobrevivência dos seus valores. Por outras palavras: precisam de participar na esfera pública, e não de abandoná-la, para defenderem os seus pontos de vista.
Quem recua para o mosteiro sem lutar corre sérios riscos de ter os bárbaros a arrombar a porta. Pode ser uma luta condenada ao fracasso. Mas muitos cristãos deveriam saber que também existe beleza e virtude na defesa das causas perdidas.
O secularismo da modernidade pode ser um lugar inóspito para os homens de fé. Mas a tentação do mosteiro é como a minha casa no campo: uma vitória ilusória para o meu cansaço e a minha soberba.
terça-feira, maio 09, 2017
Talvez Deus tenha criado o mal para nos salvar do retardamento moral - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 08/05
Existe uma tendência depressiva no mundo contemporâneo, com certeza. Esse viés depressivo já foi identificado há cerca de dois séculos pelo filósofo alemão FWJ Schelling (1775-1854), quando disse que o fundo da personalidade era uma melancolia infinita e que nossa vida era a luta para sobreviver a ela, inclusive, negando sua existência. Sabemos que Schelling é o verdadeiro descobridor do inconsciente, mais tarde investigado por Freud, Jung e tantos outros. Devemos aos românticos idealistas, como Schelling, a invenção da psicologia profunda.
Um dos traços dessa síndrome é a tentativa de negação das dimensões sombrias que todo saber triste traz em si mesmo. Outro autor do período romântico, Soren Kierkegaard (1813-1855), dizia que todo verdadeiro autoconhecimento passa por um profundo entristecimento consigo mesmo.
O romantismo foi o grande mal-estar com a modernização cujos sintomas se faz sentir até hoje, mesmo que contaminados pelo mercado que vende tudo, até mal-estar chique em mosteiros no Vietnã.
Mas há outro sintoma nessa síndrome de negação de qualquer contradição e sofrimento que define nosso retardo mental contemporâneo: a negação de toda dimensão sombria em nosso ser, psicológico, social, político, moral, que se caracterize por algum traço de violência ou mal em nós mesmos.
O mal está sempre nos outros. E, se em mim existe algo que pode ser ou sempre foi índice de maldade, por exemplo, logo transformo esse traço em algo "legítimo" que exige seus "direitos".
Como se Freud nunca tivesse existido, passamos a acreditar mesmo que a pulsão de morte é uma invenção do capitalismo. Ou que a sombra da qual falava Jung não passa de formas políticas de opressão. Ao contrário do cristianismo, que pelo menos nos deixava ser um pecador, e, com isso, resguardava alguma dignidade do mal em nós, a tradição humanista de Rousseau a Marx e Foucault nos nega até isso: o mal são os outros, em mim habita apenas a doçura, os bons sentimentos e as boas intenções.
Quando esse mal exterior para de contaminar meus "afetos políticos alegres", torno-me um ser tão adorável que Jesus, ele mesmo, se sentiria humilhado diante de tão bons sentimentos.
Quando é retirada de nós toda forma de mal possível, perdemos nossa espinha dorsal. Não há dignidade em nós se em nós não existir nenhuma sombra intratável. Talvez seja por isso que Deus criou o mal: para nos salvar do retardamento mental e moral. Sem a dignidade do mal não há bem que não seja alguma forma de farsa.
O leitor, curioso, deve estar se perguntando: afinal, o que essa filosofia tão profunda teria a ver com algo tão prosaico como uma dominatrix vegana? E a leitora, em sua perspicácia feminina: seria essa dominatrix vegana uma forma de fantasia erótica do colunista? Esqueçamos a filosofia profunda, fiquemos com a dominatrix vegana.
Como todos sabem, dominatrix é uma mulher dominadora que faz você sentir dor num relacionamento sadomasoquista, hoje chamado de BDSM = bondage (escravidão), disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo. Normalmente representada vestida em couro, ela bate, humilha e realiza o sonho de uma mulher que domine você plenamente (claro que existem figuras assim em todos os gêneros e sexos, que ninguém fique ofendidinh@ porque não cito todos os 7 bilhões de gêneros que berram por aí).
Não vou fazer uma avaliação moral desse tipo de tara sexual, apesar de considerar todo perverso um monótono. O que me chama atenção é o fato de que em breve você encontrará uma mãe numa reunião de pais e mestres exigindo que a escola permita que ela traga sua dominatrix nas próximas reuniões. E que BDSM seja ensinado como uma forma de diversidade sexual legítima para menines. E, como as escolas estão mais perdidas do que cego em tiroteio, vítimas de modas baratas há décadas, provavelmente aceitarão. Logo bancos farão comerciais com dominatrix sonhando com a casa própria.
E a dominatrix, quando vier à escola, se apresentará como vegana, numa forma de atestar que é uma santa sobre a face da Terra.
Existe uma tendência depressiva no mundo contemporâneo, com certeza. Esse viés depressivo já foi identificado há cerca de dois séculos pelo filósofo alemão FWJ Schelling (1775-1854), quando disse que o fundo da personalidade era uma melancolia infinita e que nossa vida era a luta para sobreviver a ela, inclusive, negando sua existência. Sabemos que Schelling é o verdadeiro descobridor do inconsciente, mais tarde investigado por Freud, Jung e tantos outros. Devemos aos românticos idealistas, como Schelling, a invenção da psicologia profunda.
Um dos traços dessa síndrome é a tentativa de negação das dimensões sombrias que todo saber triste traz em si mesmo. Outro autor do período romântico, Soren Kierkegaard (1813-1855), dizia que todo verdadeiro autoconhecimento passa por um profundo entristecimento consigo mesmo.
O romantismo foi o grande mal-estar com a modernização cujos sintomas se faz sentir até hoje, mesmo que contaminados pelo mercado que vende tudo, até mal-estar chique em mosteiros no Vietnã.
Mas há outro sintoma nessa síndrome de negação de qualquer contradição e sofrimento que define nosso retardo mental contemporâneo: a negação de toda dimensão sombria em nosso ser, psicológico, social, político, moral, que se caracterize por algum traço de violência ou mal em nós mesmos.
O mal está sempre nos outros. E, se em mim existe algo que pode ser ou sempre foi índice de maldade, por exemplo, logo transformo esse traço em algo "legítimo" que exige seus "direitos".
Como se Freud nunca tivesse existido, passamos a acreditar mesmo que a pulsão de morte é uma invenção do capitalismo. Ou que a sombra da qual falava Jung não passa de formas políticas de opressão. Ao contrário do cristianismo, que pelo menos nos deixava ser um pecador, e, com isso, resguardava alguma dignidade do mal em nós, a tradição humanista de Rousseau a Marx e Foucault nos nega até isso: o mal são os outros, em mim habita apenas a doçura, os bons sentimentos e as boas intenções.
Quando esse mal exterior para de contaminar meus "afetos políticos alegres", torno-me um ser tão adorável que Jesus, ele mesmo, se sentiria humilhado diante de tão bons sentimentos.
Quando é retirada de nós toda forma de mal possível, perdemos nossa espinha dorsal. Não há dignidade em nós se em nós não existir nenhuma sombra intratável. Talvez seja por isso que Deus criou o mal: para nos salvar do retardamento mental e moral. Sem a dignidade do mal não há bem que não seja alguma forma de farsa.
O leitor, curioso, deve estar se perguntando: afinal, o que essa filosofia tão profunda teria a ver com algo tão prosaico como uma dominatrix vegana? E a leitora, em sua perspicácia feminina: seria essa dominatrix vegana uma forma de fantasia erótica do colunista? Esqueçamos a filosofia profunda, fiquemos com a dominatrix vegana.
Como todos sabem, dominatrix é uma mulher dominadora que faz você sentir dor num relacionamento sadomasoquista, hoje chamado de BDSM = bondage (escravidão), disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo. Normalmente representada vestida em couro, ela bate, humilha e realiza o sonho de uma mulher que domine você plenamente (claro que existem figuras assim em todos os gêneros e sexos, que ninguém fique ofendidinh@ porque não cito todos os 7 bilhões de gêneros que berram por aí).
Não vou fazer uma avaliação moral desse tipo de tara sexual, apesar de considerar todo perverso um monótono. O que me chama atenção é o fato de que em breve você encontrará uma mãe numa reunião de pais e mestres exigindo que a escola permita que ela traga sua dominatrix nas próximas reuniões. E que BDSM seja ensinado como uma forma de diversidade sexual legítima para menines. E, como as escolas estão mais perdidas do que cego em tiroteio, vítimas de modas baratas há décadas, provavelmente aceitarão. Logo bancos farão comerciais com dominatrix sonhando com a casa própria.
E a dominatrix, quando vier à escola, se apresentará como vegana, numa forma de atestar que é uma santa sobre a face da Terra.
Além da letra da lei - MERVAL PEREIRA
O Globo 09/05
A defesa do ex-presidente Lula continua utilizando todos os meios a seu alcance para polemizar com o juiz Sergio Moro, que vem tendo atitudes que abrem caminho para eventual derrota em recurso judiciais.
Ao utilizar o Facebook para um chamamento aos “apoiadores da Operação Lava-Jato” para que não façam manifestações em Curitiba amanhã, dia em que Lula será interrogado, Moro deu margem a que os advogados do ex-presidente o acusassem de ter um lado no processo que julgará.
Com relação à negativa da gravação da audiência por parte da defesa, Moro se utiliza do artigo 251 do Código de Processo Penal, que diz que “ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública”.
Em seu despacho ele alega que “não se ignora que o acusado [Lula] e sua defesa pretendem transformar um ato normal do processo penal, o interrogatório, oportunidade que o acusado tem para se defender, em um evento político-partidário, tendo, por exemplo, convocado militantes partidários para manifestações de apoio ao ex-presidente na referida data e nessa cidade, como se algo além do interrogatório fosse acontecer”.
No entanto existe, de fato, um debate sobre a possibilidade de gravação própria das audiências, e não há um entendimento pacificado sobre o tema. Houve ações no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra uma decisão de 2015 do Tribunal de Justiça de São Paulo que dizia que, “não obstante ausência de previsão legal acerca da gravação da audiência pelas partes, compete ao juiz do feito, no âmbito jurisdicional, autorizar ou vedar a referida gravação”.
Não chegou a haver uma decisão do CNJ, pois o TJ-SP mudou a regra logo depois, com a publicação do novo Código de Processo Civil. A partir de então, a Corte paulista definiu que a gravação deve ser “comunicada ao magistrado previamente ao início da gravação”.
O novo CPC define no artigo 367 : “§ 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.” A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por diversas instâncias, já definiu que é um direito da defesa usar o Código de Processo Civil por analogia, por isso os advogados de Lula recorreram ao Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4).
Além disso, o debate sobre a cenografia da filmagem também é tema de ampla discussão acadêmica. Mesmo não autorizando uma gravação própria, o juiz Moro informou que haverá “gravação adicional do depoimento”. Além da câmara focada em Lula, haverá uma câmara lateral, “que retratará a sala de audiência com um ângulo mais amplo”. A defesa de Lula alega que a maneira como as audiências são filmadas e depois divulgadas, com o foco da câmera no depoente e apenas a voz do juiz e dos advogados e procuradores ao fundo, sem que apareçam seus rostos, coloca os depoentes, especialmente os réus, em posição de desvantagem, produzindo uma imagem que os fragiliza e culpabiliza.
Na definição da defesa de Lula, “essa forma de gravação coloca o réu em posição de inferioridade em relação ao juiz e ao Ministério Público, afrontando também a garantia da presunção de inocência”.
A questão da imagem nas audiências, especialmente de casos penais, é analisada por diversos juristas, que se utilizam de estudos de especialistas em tecnologia da informação para afirmar que a divulgação de vídeos realizados em determinadas condições pode influenciar a opinião pública e provocar um juízo condenatório independente de provas. Ironicamente, a defesa do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, o ex-amigo de Lula que agora o acusa, fez uma petição ao juiz Sergio Moro para que rejeite mudanças na captação das imagens das audiências. Segundo os advogados do ex-presidente da OAS, “o princípio da publicidade não autoriza a livre gravação da imagem das partes relacionadas ao processo, de seus representantes legais e de quaisquer pessoas que estejam presentes.”
Como está convencido de que a intenção da defesa de Lula é politizar o interrogatório, e não utilizar o vídeo próprio “com finalidades privadas ou com propósitos compatíveis com os admitidos pelo processo, por exemplo permitir o registro fidedigno do ocorrido para finalidades processuais”, Moro proibiu a filmagem, mas ampliou sua abrangência cênica. No entanto sua alegação de que o Código de Processo Penal não trata da gravação das audiências, como faz o Código de Processo Civil, é equivocada, pois o CPP prevê que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica (...)”. Resta saber qual será a interpretação do TRF-4. O mais provável é que o tribunal permita a gravação mas proíba sua utilização para fins políticos.
A defesa do ex-presidente Lula continua utilizando todos os meios a seu alcance para polemizar com o juiz Sergio Moro, que vem tendo atitudes que abrem caminho para eventual derrota em recurso judiciais.
Ao utilizar o Facebook para um chamamento aos “apoiadores da Operação Lava-Jato” para que não façam manifestações em Curitiba amanhã, dia em que Lula será interrogado, Moro deu margem a que os advogados do ex-presidente o acusassem de ter um lado no processo que julgará.
Com relação à negativa da gravação da audiência por parte da defesa, Moro se utiliza do artigo 251 do Código de Processo Penal, que diz que “ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública”.
Em seu despacho ele alega que “não se ignora que o acusado [Lula] e sua defesa pretendem transformar um ato normal do processo penal, o interrogatório, oportunidade que o acusado tem para se defender, em um evento político-partidário, tendo, por exemplo, convocado militantes partidários para manifestações de apoio ao ex-presidente na referida data e nessa cidade, como se algo além do interrogatório fosse acontecer”.
No entanto existe, de fato, um debate sobre a possibilidade de gravação própria das audiências, e não há um entendimento pacificado sobre o tema. Houve ações no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra uma decisão de 2015 do Tribunal de Justiça de São Paulo que dizia que, “não obstante ausência de previsão legal acerca da gravação da audiência pelas partes, compete ao juiz do feito, no âmbito jurisdicional, autorizar ou vedar a referida gravação”.
Não chegou a haver uma decisão do CNJ, pois o TJ-SP mudou a regra logo depois, com a publicação do novo Código de Processo Civil. A partir de então, a Corte paulista definiu que a gravação deve ser “comunicada ao magistrado previamente ao início da gravação”.
O novo CPC define no artigo 367 : “§ 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.” A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por diversas instâncias, já definiu que é um direito da defesa usar o Código de Processo Civil por analogia, por isso os advogados de Lula recorreram ao Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4).
Além disso, o debate sobre a cenografia da filmagem também é tema de ampla discussão acadêmica. Mesmo não autorizando uma gravação própria, o juiz Moro informou que haverá “gravação adicional do depoimento”. Além da câmara focada em Lula, haverá uma câmara lateral, “que retratará a sala de audiência com um ângulo mais amplo”. A defesa de Lula alega que a maneira como as audiências são filmadas e depois divulgadas, com o foco da câmera no depoente e apenas a voz do juiz e dos advogados e procuradores ao fundo, sem que apareçam seus rostos, coloca os depoentes, especialmente os réus, em posição de desvantagem, produzindo uma imagem que os fragiliza e culpabiliza.
Na definição da defesa de Lula, “essa forma de gravação coloca o réu em posição de inferioridade em relação ao juiz e ao Ministério Público, afrontando também a garantia da presunção de inocência”.
A questão da imagem nas audiências, especialmente de casos penais, é analisada por diversos juristas, que se utilizam de estudos de especialistas em tecnologia da informação para afirmar que a divulgação de vídeos realizados em determinadas condições pode influenciar a opinião pública e provocar um juízo condenatório independente de provas. Ironicamente, a defesa do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, o ex-amigo de Lula que agora o acusa, fez uma petição ao juiz Sergio Moro para que rejeite mudanças na captação das imagens das audiências. Segundo os advogados do ex-presidente da OAS, “o princípio da publicidade não autoriza a livre gravação da imagem das partes relacionadas ao processo, de seus representantes legais e de quaisquer pessoas que estejam presentes.”
Como está convencido de que a intenção da defesa de Lula é politizar o interrogatório, e não utilizar o vídeo próprio “com finalidades privadas ou com propósitos compatíveis com os admitidos pelo processo, por exemplo permitir o registro fidedigno do ocorrido para finalidades processuais”, Moro proibiu a filmagem, mas ampliou sua abrangência cênica. No entanto sua alegação de que o Código de Processo Penal não trata da gravação das audiências, como faz o Código de Processo Civil, é equivocada, pois o CPP prevê que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica (...)”. Resta saber qual será a interpretação do TRF-4. O mais provável é que o tribunal permita a gravação mas proíba sua utilização para fins políticos.
Fim de ciclo - JOSÉ CASADO
O Globo
Em maio de 1982, PT fez comício de Lula em Curitiba. Ele continua candidato, 35 anos depois. Antes novidade política, agora é autodefesa em praça pública de um réu por corrupção
A banda passou devagar na Rua das Flores, calçadão central de Curitiba, abrindo caminho para um grupo com faixas e cartazes improvisados de um partido desconhecido (contava dois meses de registro). Surgiu, então, a comitiva com um barbudo sorridente no meio. Seguiram para o comício na Boca Maldita, onde a tradição curitibana recomenda que se fale mal de tudo e de todos, num exercício de liberdade. Na estridência daquele ajuntamento havia novidade, o prelúdio do ocaso da ditadura.
Nesta semana completam-se 35 anos dessa manifestação de Lula e do PT, em Curitiba. Outra, mais ruidosa, está prevista para amanhã. Entre ambas sobram evidências de uma estética do desalento. Naquele maio de 1982, desfilavam em defesa de utopias do igualitarismo, sempre vitais à política, sufocadas pelo regime ditatorial. Desta vez, a marcha é para comício de autodefesa de um político réu por corrupção, um direito na democracia.
Em maio de 1982, PT fez comício de Lula em Curitiba. Ele continua candidato, 35 anos depois. Antes novidade política, agora é autodefesa em praça pública de um réu por corrupção
A banda passou devagar na Rua das Flores, calçadão central de Curitiba, abrindo caminho para um grupo com faixas e cartazes improvisados de um partido desconhecido (contava dois meses de registro). Surgiu, então, a comitiva com um barbudo sorridente no meio. Seguiram para o comício na Boca Maldita, onde a tradição curitibana recomenda que se fale mal de tudo e de todos, num exercício de liberdade. Na estridência daquele ajuntamento havia novidade, o prelúdio do ocaso da ditadura.
Nesta semana completam-se 35 anos dessa manifestação de Lula e do PT, em Curitiba. Outra, mais ruidosa, está prevista para amanhã. Entre ambas sobram evidências de uma estética do desalento. Naquele maio de 1982, desfilavam em defesa de utopias do igualitarismo, sempre vitais à política, sufocadas pelo regime ditatorial. Desta vez, a marcha é para comício de autodefesa de um político réu por corrupção, um direito na democracia.
Mudaram o país e o mundo, e Lula continua candidato no mesmo palanque de 12 mil dias atrás. É caso singular de concentração de poder dentro de um partido: já gastou 49% dos seus 71 anos de vida impondo-se como única alternativa ao PT, até para escolha do substituto eventual, como foi com Dilma Rousseff.
O PT reduziu-se ao papel de alavanca da defesa de Lula num processo criminal. A mais organizada máquina partidária acaba de completar três décadas e meia de história prisioneira de candidato único. Tornou-se símbolo de um sistema falido de organização e método de se fazer política. Fixou-se no ponto extremo da monotonia de um sistema partidário fragmentado e impeditivo à formação e renovação de lideranças.
Há indícios da petrificação petista. Pela primeira vez, por exemplo, o partido amarga uma estagnação no número de filiações. O 1,5 milhão de alistados que possuía em março do ano passado, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, continuou imutável no último abril. Agregou somente 3,8 mil novos seguidores, nove vezes menos que o PSDB e o PMDB no período. No mesmo palanque há 35 anos, Lula agora lidera a repulsa nas pesquisas eleitorais. Com 45% de rejeição, segundo o Datafolha, só é superado por Michel Temer, chefe de um governo-tampão, que ele e o PT escolheram duas vezes como vice-presidente, num pacto eleitoral com o PMDB de Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Romero Jucá, entre outros.
A mesma pesquisa indica que prevalece a percepção (32%) de que Lula comandou o mais corrupto dos governos. Injusta ou não, é indicativa da corrosão da imagem do eterno candidato numa democracia que, em três décadas, só elegeu quatro presidentes pelo voto direto (Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma) — metade deposta por impeachment.
A obsolescência do que está aí se torna ainda mais evidente na proliferação de novos partidos, organizações e movimentos, como é o caso do Agora!, Novo, Nova Democracia, Muitos, Acredito, Brasil 21, Livres, Ativistas, entre outros. Procuram reduzir o distanciamento do eleitorado, com uso de tecnologias para participação direta — inclusive para projetos de leis de iniciativa popular, como permite o aplicativo recém-desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade, do Rio.
O tempo passou na janela. Aparentemente, vem aí um mandado de despejo aos antigos mandarins da política brasileira.
Há indícios da petrificação petista. Pela primeira vez, por exemplo, o partido amarga uma estagnação no número de filiações. O 1,5 milhão de alistados que possuía em março do ano passado, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, continuou imutável no último abril. Agregou somente 3,8 mil novos seguidores, nove vezes menos que o PSDB e o PMDB no período. No mesmo palanque há 35 anos, Lula agora lidera a repulsa nas pesquisas eleitorais. Com 45% de rejeição, segundo o Datafolha, só é superado por Michel Temer, chefe de um governo-tampão, que ele e o PT escolheram duas vezes como vice-presidente, num pacto eleitoral com o PMDB de Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Romero Jucá, entre outros.
A mesma pesquisa indica que prevalece a percepção (32%) de que Lula comandou o mais corrupto dos governos. Injusta ou não, é indicativa da corrosão da imagem do eterno candidato numa democracia que, em três décadas, só elegeu quatro presidentes pelo voto direto (Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma) — metade deposta por impeachment.
A obsolescência do que está aí se torna ainda mais evidente na proliferação de novos partidos, organizações e movimentos, como é o caso do Agora!, Novo, Nova Democracia, Muitos, Acredito, Brasil 21, Livres, Ativistas, entre outros. Procuram reduzir o distanciamento do eleitorado, com uso de tecnologias para participação direta — inclusive para projetos de leis de iniciativa popular, como permite o aplicativo recém-desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade, do Rio.
O tempo passou na janela. Aparentemente, vem aí um mandado de despejo aos antigos mandarins da política brasileira.
Fatos e enviesados - CARLOS ANDREAZZA
O Globo - 09/05
Quem observa a desimpedida campanha presidencial de Lula terá notado que ele, faz tempo, trata a audiência em que, na condição de réu, deporá ao juiz Sergio Moro como se fosse um debate eleitoral, um embate de natureza política, com partícipes em condições iguais, ocasião em que poderá divergir do adversário e mesmo confrontá-lo — desafiá-lo.
Amplificado pela repercussão acrítica (ou engajada) da imprensa, não há dia em que não invista nessa distorção, com o que também atiça os mortadelas a fazer dos arredores do tribunal uma espécie de La Bombonera. É evidente que haverá provocação orquestrada à polícia, depredação de patrimônio público e privado, e alguns feridos para compor o teatro projetado pelos oprimidos. Tudo com altíssimo grau de profissionalismo. Mestre alquimista do nós contra eles, que verteu em oxigênio, Lula precisa de inimigos imaginários poderosos (os reais lhe são amigos), condição ideal a que prospere como vítima do tal sistema de que, no entanto, é beneficiário histórico.
Não importa. O que disse Renato Duque não importa. Os fatos não importam. Ele está em campanha e não move peça se no lance não vislumbrar boa chance de vitória — mais do que judicial — política. O caso recente em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou decisão de Moro — aquela segundo a qual Lula deveria presenciar os depoimentos das 87 testemunhas que arrolou — representa uma dessas vitórias muito bem capitalizadas politicamente, que o ex-presidente manipula de modo a propagandear como exemplo de que não responde à Justiça, mas à Inquisição. Ou, ainda melhor para ele, a um inquisidor.
É fundamental ter clareza a respeito de que não há como competir com Lula em molecagem. Insistir em que duelará com Sergio Moro, cara a cara, consiste em elemento fundamental à sua estratégia narrativa. Há, pois, método na deturpação — cálculo: transformar aquele que o pode condenar segundo a letra fria da lei em algoz motivado por interesses alheios ao ordenamento jurídico.
E então vem a pesquisa Datafolha, divulgada em 30 de abril, exatos dez dias antes do compromisso judicial que obriga Lula — o réu — a depor à Justiça Federal de Curitiba. E o que traz o levantamento? Ou melhor: quem faz constar — pela primeira vez — entre os presidenciáveis? Ora, ora, leitor: Sergio Moro.
É batata! Que precisamos descascar em perguntas. A quem, senão a Lula, serve a inclusão daquele que o julgará entre seus possíveis adversários em 2018? A quem, senão à vitimização do perseguido Lula, serve a sugestão de que o juiz federal à frente da Lava-Jato será candidato a presidente?
O leitor viu a capa da revista “Veja” desta semana, em que o magistrado Moro é ilustrado como igual a um múltiplo réu, dois gladiadores de mesma estatura, assim como se estivéssemos à véspera de um ansiado debate televisivo final, batalha decisiva ao desenlace, por exemplo, de uma acirradíssima eleição em segundo turno?
Nem Lula desenharia melhor. Ele não está sozinho.
Quem observa a desimpedida campanha presidencial de Lula terá notado que ele, faz tempo, trata a audiência em que, na condição de réu, deporá ao juiz Sergio Moro como se fosse um debate eleitoral, um embate de natureza política, com partícipes em condições iguais, ocasião em que poderá divergir do adversário e mesmo confrontá-lo — desafiá-lo.
Amplificado pela repercussão acrítica (ou engajada) da imprensa, não há dia em que não invista nessa distorção, com o que também atiça os mortadelas a fazer dos arredores do tribunal uma espécie de La Bombonera. É evidente que haverá provocação orquestrada à polícia, depredação de patrimônio público e privado, e alguns feridos para compor o teatro projetado pelos oprimidos. Tudo com altíssimo grau de profissionalismo. Mestre alquimista do nós contra eles, que verteu em oxigênio, Lula precisa de inimigos imaginários poderosos (os reais lhe são amigos), condição ideal a que prospere como vítima do tal sistema de que, no entanto, é beneficiário histórico.
Não importa. O que disse Renato Duque não importa. Os fatos não importam. Ele está em campanha e não move peça se no lance não vislumbrar boa chance de vitória — mais do que judicial — política. O caso recente em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou decisão de Moro — aquela segundo a qual Lula deveria presenciar os depoimentos das 87 testemunhas que arrolou — representa uma dessas vitórias muito bem capitalizadas politicamente, que o ex-presidente manipula de modo a propagandear como exemplo de que não responde à Justiça, mas à Inquisição. Ou, ainda melhor para ele, a um inquisidor.
É fundamental ter clareza a respeito de que não há como competir com Lula em molecagem. Insistir em que duelará com Sergio Moro, cara a cara, consiste em elemento fundamental à sua estratégia narrativa. Há, pois, método na deturpação — cálculo: transformar aquele que o pode condenar segundo a letra fria da lei em algoz motivado por interesses alheios ao ordenamento jurídico.
E então vem a pesquisa Datafolha, divulgada em 30 de abril, exatos dez dias antes do compromisso judicial que obriga Lula — o réu — a depor à Justiça Federal de Curitiba. E o que traz o levantamento? Ou melhor: quem faz constar — pela primeira vez — entre os presidenciáveis? Ora, ora, leitor: Sergio Moro.
É batata! Que precisamos descascar em perguntas. A quem, senão a Lula, serve a inclusão daquele que o julgará entre seus possíveis adversários em 2018? A quem, senão à vitimização do perseguido Lula, serve a sugestão de que o juiz federal à frente da Lava-Jato será candidato a presidente?
O leitor viu a capa da revista “Veja” desta semana, em que o magistrado Moro é ilustrado como igual a um múltiplo réu, dois gladiadores de mesma estatura, assim como se estivéssemos à véspera de um ansiado debate televisivo final, batalha decisiva ao desenlace, por exemplo, de uma acirradíssima eleição em segundo turno?
Nem Lula desenharia melhor. Ele não está sozinho.
___________
Que coisa perigosa é a inversão de valores, a manipulação de sentidos, a adulteração de evidências e mesmo da cronologia. Que espanto é a força da desinformação. Com que habilidade os de sempre conseguem costurar e emplacar narrativas criminosas. Há mesmo quem viva disso. Como profissão. Mas por que escrevo assim? Na semana passada, um grupo que se manifestava — pacificamente — contra a nova lei de imigração foi vítima de um ataque a bomba na Avenida Paulista, em São Paulo. Não importa se protestavam por boa causa ou não. O fato é que o faziam ordeiramente e com o aval do poder público. O fato é que o faziam porque a lei lhes garante o direito à livre expressão. O fato é que, ao passarem por um grupo comandado pelo líder do movimento Palestina para Todos, foram emboscados pelo lançamento de um artefato explosivo. O fato, portanto, é que são eles, os manifestantes, as vítimas. E os outros, os agressores. É incontroverso.
No entanto, esse conjunto de acontecimentos foi, de modo geral, ignorado pela imprensa e afinal tratado — aí já obra de ficção — como grande confusão, um choque, um conflito violento entre inimigos. Pura distorção. Mentira mesmo. Porque o que houve foi — repito — um ataque covarde, pelas costas, a um grupo que, concorde-se ou não com sua bandeira, protestava em paz. E, sim, agora sim, para que se chamem as coisas pelo nome: foi um ataque terrorista — porque desdobrado de motivação política. Novamente — para não deixar dúvida: ataque terrorista. Ou não terá fundamento político radical o ataque — a bomba — de algo intitulado movimento Palestina para Todos a um grupo contrário à Lei de Imigração?
Ainda bem, contudo, que há vídeos a documentar o que se passou de verdade e assim desmontar as mistificações, a indústria dos oprimidos (mais do que bombas, à mão, esse pessoal só tem mesmo advogados) e os filtros ideológicos rapidamente jogados sobre a realidade.
Serei claro como sempre: os integrantes do movimento Palestina para Todos, novo queridinho da esquerda paulistana, não estavam ali, no caminho da manifestação, à toa; programaram o que ocorreria; premeditaram o ato, inclusive a narrativa deturpada que logo difundiram (com escandalosa adesão jornalística) e que os lambuzava de vítimas; conceberam uma estratégia terrorista e se armaram para executá-la. Ou aquela bomba, arremessada por um dos seus, estava ali por acaso? (Porque, afinal, é comum ter explosivo na mochila.)
Pior que os canalhas são as canalhices.
No entanto, esse conjunto de acontecimentos foi, de modo geral, ignorado pela imprensa e afinal tratado — aí já obra de ficção — como grande confusão, um choque, um conflito violento entre inimigos. Pura distorção. Mentira mesmo. Porque o que houve foi — repito — um ataque covarde, pelas costas, a um grupo que, concorde-se ou não com sua bandeira, protestava em paz. E, sim, agora sim, para que se chamem as coisas pelo nome: foi um ataque terrorista — porque desdobrado de motivação política. Novamente — para não deixar dúvida: ataque terrorista. Ou não terá fundamento político radical o ataque — a bomba — de algo intitulado movimento Palestina para Todos a um grupo contrário à Lei de Imigração?
Ainda bem, contudo, que há vídeos a documentar o que se passou de verdade e assim desmontar as mistificações, a indústria dos oprimidos (mais do que bombas, à mão, esse pessoal só tem mesmo advogados) e os filtros ideológicos rapidamente jogados sobre a realidade.
Serei claro como sempre: os integrantes do movimento Palestina para Todos, novo queridinho da esquerda paulistana, não estavam ali, no caminho da manifestação, à toa; programaram o que ocorreria; premeditaram o ato, inclusive a narrativa deturpada que logo difundiram (com escandalosa adesão jornalística) e que os lambuzava de vítimas; conceberam uma estratégia terrorista e se armaram para executá-la. Ou aquela bomba, arremessada por um dos seus, estava ali por acaso? (Porque, afinal, é comum ter explosivo na mochila.)
Pior que os canalhas são as canalhices.
A encruzilhada - JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
ESTADÃO - 09/05
Após nadar arduamente contra a maré, sem aprovar as reformas acabaríamos ‘morrendo na praia
Os últimos dois anos foram particularmente importantes para o Brasil. A Operação Lava Jato escancarou a corrupção endêmica na política do País. Uma parte importante das principais lideranças políticas está sob investigação pelo Ministério Público e um número expressivo de ex-ministros, ex-deputados e lideranças partidárias foi condenado ou está preso preventivamente.
Pela primeira vez na história um presidente foi afastado pelo Congresso Nacional por ter desrespeitado a Lei Fiscal. O vice-presidente assumiu a Presidência da República sem questionamento quanto à sua legitimidade e governa com o apoio do Congresso.
Como resultado da política econômica implementada pelo governo anterior, a economia brasileira entrou em forte recessão, com queda de 10% da renda per capita em dois anos, inflação de dois dígitos e desemprego de 14% da força de trabalho - ou seja, 14,2 milhões de trabalhadores.
Apesar de tudo isso, reformas estruturais importantes foram enviadas pelo atual governo ao Congresso Nacional - inclusive emendas constitucionais que vão mudar positivamente o desempenho da economia brasileira nas próximas décadas. E, o que surpreendeu muitos analistas, estão sendo aprovadas pelos congressistas com seriedade e celeridade.
Concomitantemente, o novo governo adotou uma política econômica que, em 12 meses, reduziu a taxa de inflação a menos da metade, liberalizou a taxa de câmbio, retirou todos os controles de preços introduzidos pelo governo anterior e aprovou uma reforma constitucional sinalizando equilíbrio fiscal sustentável, entre outras medidas.
A combinação de reformas estruturais com política econômica adequada já afeta positivamente o desempenho da economia. A queda da taxa de inflação tem dois efeitos importantes: permite uma redução substancial das taxas de juros e gera ganhos de salários reais para os trabalhadores que permaneceram empregados. Ambos os efeitos geram aumento de demanda, da produção e do emprego.
Como consequência, as pesquisas de opinião pública começam a mostrar os primeiros sinais de uma mudança na percepção da população em relação ao futuro, um aumento da sensação de bem-estar e mais otimismo.
Reformas.Para que este processo se converta em crescimento sustentável no segundo semestre deste ano e se intensifique em 2018, é fundamental que as reformas trabalhista e da Previdência sejam aprovadas pelo Parlamento. A não aprovação levaria o Brasil de volta a uma situação similar àquela em que nos encontrávamos um ano atrás. Significaria “jogar fora” o esforço feito pelo Congresso nos últimos 12 meses. Depois de nadar arduamente contra a maré, acabaríamos “morrendo na praia”.
Sem a aprovação das reformas, teremos a volta da recessão e do desemprego e, nas eleições de 2018, o Congresso teria pouco ou nada de positivo a apresentar para a população, acossado pela Justiça, pela imprensa e pela opinião pública, em razão dos sérios desvios éticos. Não é difícil de prever como se comportarão os eleitores neste cenário. Desacreditados e execrados, os congressistas serão, provavelmente, dizimados por seus eleitores.
Caso as reformas sejam aprovadas, teríamos, então, um Congresso que, apesar das condições adversas apontadas acima, foi capaz de aprovar reformas fundamentais, que atacam os privilégios dos grupos de interesse, liberam recursos para saúde, educação, ciência e tecnologia e criam as condições para a retomada do crescimento econômico e a redução da pobreza e da desigualdade. Um governo que reduziu a taxa de inflação e uma economia que, após dois anos de profunda recessão, estará crescendo a uma taxa próxima a 3,0% ao ano, com desemprego em queda e aumento dos salários reais. Não seria surpreendente se os eleitores decidissem dar aos parlamentares uma segunda chance em 2018.
*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS
Após nadar arduamente contra a maré, sem aprovar as reformas acabaríamos ‘morrendo na praia
Os últimos dois anos foram particularmente importantes para o Brasil. A Operação Lava Jato escancarou a corrupção endêmica na política do País. Uma parte importante das principais lideranças políticas está sob investigação pelo Ministério Público e um número expressivo de ex-ministros, ex-deputados e lideranças partidárias foi condenado ou está preso preventivamente.
Pela primeira vez na história um presidente foi afastado pelo Congresso Nacional por ter desrespeitado a Lei Fiscal. O vice-presidente assumiu a Presidência da República sem questionamento quanto à sua legitimidade e governa com o apoio do Congresso.
Como resultado da política econômica implementada pelo governo anterior, a economia brasileira entrou em forte recessão, com queda de 10% da renda per capita em dois anos, inflação de dois dígitos e desemprego de 14% da força de trabalho - ou seja, 14,2 milhões de trabalhadores.
Apesar de tudo isso, reformas estruturais importantes foram enviadas pelo atual governo ao Congresso Nacional - inclusive emendas constitucionais que vão mudar positivamente o desempenho da economia brasileira nas próximas décadas. E, o que surpreendeu muitos analistas, estão sendo aprovadas pelos congressistas com seriedade e celeridade.
Concomitantemente, o novo governo adotou uma política econômica que, em 12 meses, reduziu a taxa de inflação a menos da metade, liberalizou a taxa de câmbio, retirou todos os controles de preços introduzidos pelo governo anterior e aprovou uma reforma constitucional sinalizando equilíbrio fiscal sustentável, entre outras medidas.
A combinação de reformas estruturais com política econômica adequada já afeta positivamente o desempenho da economia. A queda da taxa de inflação tem dois efeitos importantes: permite uma redução substancial das taxas de juros e gera ganhos de salários reais para os trabalhadores que permaneceram empregados. Ambos os efeitos geram aumento de demanda, da produção e do emprego.
Como consequência, as pesquisas de opinião pública começam a mostrar os primeiros sinais de uma mudança na percepção da população em relação ao futuro, um aumento da sensação de bem-estar e mais otimismo.
Reformas.Para que este processo se converta em crescimento sustentável no segundo semestre deste ano e se intensifique em 2018, é fundamental que as reformas trabalhista e da Previdência sejam aprovadas pelo Parlamento. A não aprovação levaria o Brasil de volta a uma situação similar àquela em que nos encontrávamos um ano atrás. Significaria “jogar fora” o esforço feito pelo Congresso nos últimos 12 meses. Depois de nadar arduamente contra a maré, acabaríamos “morrendo na praia”.
Sem a aprovação das reformas, teremos a volta da recessão e do desemprego e, nas eleições de 2018, o Congresso teria pouco ou nada de positivo a apresentar para a população, acossado pela Justiça, pela imprensa e pela opinião pública, em razão dos sérios desvios éticos. Não é difícil de prever como se comportarão os eleitores neste cenário. Desacreditados e execrados, os congressistas serão, provavelmente, dizimados por seus eleitores.
Caso as reformas sejam aprovadas, teríamos, então, um Congresso que, apesar das condições adversas apontadas acima, foi capaz de aprovar reformas fundamentais, que atacam os privilégios dos grupos de interesse, liberam recursos para saúde, educação, ciência e tecnologia e criam as condições para a retomada do crescimento econômico e a redução da pobreza e da desigualdade. Um governo que reduziu a taxa de inflação e uma economia que, após dois anos de profunda recessão, estará crescendo a uma taxa próxima a 3,0% ao ano, com desemprego em queda e aumento dos salários reais. Não seria surpreendente se os eleitores decidissem dar aos parlamentares uma segunda chance em 2018.
*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS GESTÃO DE RECURSOS
Adeus, Lula - MARCO ANTONIO VILLA
O Globo - 09/05
Na Presidência, ele adotou como lema ter como princípio não ter princípio, repetindo o método de dirigente sindical
Luiz Inácio Lula da Silva é um fenômeno político. Disso ninguém pode duvidar. Afinal, venceu as quatro últimas eleições presidenciais. Hoje, é de conhecimento público que, especialmente, nas eleições de 2006, 2010 e 2014, movimentou verdadeiras fortunas comprando aliados antes e durante o período eleitoral, além de ter efetuado as campanhas publicitárias mais caras da história eleitoral brasileira. Mas só isso — que já é muito — não justificaria as quatro vitórias e alguns momentos, como no segundo governo, quando obteve índices recordes de popularidade.
Como explicar o sucesso de Lula? É produto dele próprio ou também de características específicas do Brasil, principalmente após o processo incompleto de redemocratização? Lula surgiu no mundo político como um líder sindical que negava a política. Mais do que isso, nas suas primeiras entrevistas, na segunda metade dos anos 1970, chegou a satanizar a política. Serviu, naquele momento, para barrar um processo de politização dos sindicatos que os aproximava da esquerda tradicional, representada pelo Partido Comunista Brasileiro, ou de correntes à esquerda que tiveram origem em divisões no velho PCB, desde os anos 1960.
Saltando do mundo sindical para a política partidária, liderou a fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Teve papel marginal nas eleições diretas para os governos estaduais, em 1982. Para o Congresso Nacional conseguiu eleger apenas oito deputados federais e nenhum senador. As mudanças que estavam ocorrendo no país passavam ao largo da sua liderança. Lula era mais um personagem folclórico do que um relevante ator político.
Mesmo dobrando a representação parlamentar petista na Constituinte, Lula teve atuação apagada. Em momento algum se sobressaiu em algum debate. Faltou a diversas sessões. Não deixou sua marca em nenhum dispositivo constitucional. Foi, apenas, um espectador privilegiado nas discussões. Inexiste registro de algum discurso que tenha sensibilizado os constituintes. Pelo contrário, nos anais da Constituinte encontram-se diversos deputados petistas que tiveram participação expressiva nos trabalhos, como Plínio de Arruda Sampaio.
Na campanha presidencial de 1989 adotou um figurino de esquerda. Como confessou, anos depois, tinha uma plataforma de governo descolado dos novos ventos que estavam soprando no mundo após a queda do Muro de Berlim. Lula não acreditava no que dizia. Mas sabia que isto poderia dar um capital político para ser explorado no futuro. Repetiu à exaustão nas campanhas de 1994 e 1998 a cartilha esquerdista. Não tinha chance de vitória, portanto, não se preocupava com a aplicação prática do que propalava aos quatro ventos. Era puro oportunismo com o objetivo de ocupar o espaço político à esquerda e se transformar aos olhos da direita no seu grande opositor.
Quando veio a campanha de 2002, Lula aproveitou para vestir um novo figurino, mais à direita, como se algum dia tivesse acreditado na cartilha esquerdista. Apresentou a mudança como um símbolo de modernidade. Ocupou o vazio político deixado por Fernando Henrique Cardoso, que pouco fez para eleger seu sucessor — é inegável o desinteresse de FHC na eleição de 2002, pouco ou nada realizou pelo candidato Serra e demonstrou, após o término do processo eleitoral, satisfação pela eleição de Lula.
Na Presidência, Lula adotou como lema ter como princípio não ter princípio, repetindo o método utilizado quando foi dirigente sindical. Só que tendo um imenso poder. Buscou cooptar o Congresso Nacional e as cortes superiores de Brasília. Conseguiu. Comprou apoios e vaidades. Superou a crise do mensalão. Desmoralizou as instituições democráticas. Usou do aparelho de Estado como se fosse propriedade privada, sua propriedade. Fez do contato direto com o povo seu grande instrumento político, eficaz numa sociedade invertebrada, como a nossa. E contou com o auxílio da oposição parlamentar — especialmente do PSDB —, frágil, pouca combativa e que temia enfrentá-lo no Congresso, nas ruas e até no voto.
Sua forma de fazer política foi um grande salto para o passado. Retroagimos como nunca na história recente brasileira. Aparentando ser o novo, Lula deu novamente enorme poder aos coronéis, ampliou as antigas formas de obter apoio parlamentar e estabeleceu o maior esquema de desvio de recursos públicos da História, o petrolão. Acabou legitimando a corrupção através da sua popularidade.
Em 2010 e 2014, conseguiu eleger Dilma Rousseff como sua preposta. Demonstrou um poder nunca visto na nossa História. Contou com o apoio entusiástico do grande capital espoliador. Foi considerado um estadista, um político insubstituível — até por jornalistas experientes. Mesmo com denúncias de suas mazelas, nada parecia abalá-lo.
Tudo começou a ruir em 2014 com a Operação Lava-Jato. Nestes três anos o país ficou estarrecido com as revelações do petrolão e da participação de Lula como “o comandante máximo da organização criminosa,” na definição do Ministério Público Federal.
Hoje, a decadência política de Lula é inegável. Não passa de um réu temeroso de ser condenado a regime fechado — o que deve ocorrer ainda este ano. Sua queda — e de seu nefasto legado — é fundamental para que o Brasil retome o processo de construção de uma sociedade democrática. Lula representa a velha forma de fazer política, o conchavo, a propina, o saque do Erário, o desprezo pelas instituições. Removê-lo da política, condená-lo a uma pena severa, é um serviço indispensável ao futuro do nosso país.
Na Presidência, ele adotou como lema ter como princípio não ter princípio, repetindo o método de dirigente sindical
Luiz Inácio Lula da Silva é um fenômeno político. Disso ninguém pode duvidar. Afinal, venceu as quatro últimas eleições presidenciais. Hoje, é de conhecimento público que, especialmente, nas eleições de 2006, 2010 e 2014, movimentou verdadeiras fortunas comprando aliados antes e durante o período eleitoral, além de ter efetuado as campanhas publicitárias mais caras da história eleitoral brasileira. Mas só isso — que já é muito — não justificaria as quatro vitórias e alguns momentos, como no segundo governo, quando obteve índices recordes de popularidade.
Como explicar o sucesso de Lula? É produto dele próprio ou também de características específicas do Brasil, principalmente após o processo incompleto de redemocratização? Lula surgiu no mundo político como um líder sindical que negava a política. Mais do que isso, nas suas primeiras entrevistas, na segunda metade dos anos 1970, chegou a satanizar a política. Serviu, naquele momento, para barrar um processo de politização dos sindicatos que os aproximava da esquerda tradicional, representada pelo Partido Comunista Brasileiro, ou de correntes à esquerda que tiveram origem em divisões no velho PCB, desde os anos 1960.
Saltando do mundo sindical para a política partidária, liderou a fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Teve papel marginal nas eleições diretas para os governos estaduais, em 1982. Para o Congresso Nacional conseguiu eleger apenas oito deputados federais e nenhum senador. As mudanças que estavam ocorrendo no país passavam ao largo da sua liderança. Lula era mais um personagem folclórico do que um relevante ator político.
Mesmo dobrando a representação parlamentar petista na Constituinte, Lula teve atuação apagada. Em momento algum se sobressaiu em algum debate. Faltou a diversas sessões. Não deixou sua marca em nenhum dispositivo constitucional. Foi, apenas, um espectador privilegiado nas discussões. Inexiste registro de algum discurso que tenha sensibilizado os constituintes. Pelo contrário, nos anais da Constituinte encontram-se diversos deputados petistas que tiveram participação expressiva nos trabalhos, como Plínio de Arruda Sampaio.
Na campanha presidencial de 1989 adotou um figurino de esquerda. Como confessou, anos depois, tinha uma plataforma de governo descolado dos novos ventos que estavam soprando no mundo após a queda do Muro de Berlim. Lula não acreditava no que dizia. Mas sabia que isto poderia dar um capital político para ser explorado no futuro. Repetiu à exaustão nas campanhas de 1994 e 1998 a cartilha esquerdista. Não tinha chance de vitória, portanto, não se preocupava com a aplicação prática do que propalava aos quatro ventos. Era puro oportunismo com o objetivo de ocupar o espaço político à esquerda e se transformar aos olhos da direita no seu grande opositor.
Quando veio a campanha de 2002, Lula aproveitou para vestir um novo figurino, mais à direita, como se algum dia tivesse acreditado na cartilha esquerdista. Apresentou a mudança como um símbolo de modernidade. Ocupou o vazio político deixado por Fernando Henrique Cardoso, que pouco fez para eleger seu sucessor — é inegável o desinteresse de FHC na eleição de 2002, pouco ou nada realizou pelo candidato Serra e demonstrou, após o término do processo eleitoral, satisfação pela eleição de Lula.
Na Presidência, Lula adotou como lema ter como princípio não ter princípio, repetindo o método utilizado quando foi dirigente sindical. Só que tendo um imenso poder. Buscou cooptar o Congresso Nacional e as cortes superiores de Brasília. Conseguiu. Comprou apoios e vaidades. Superou a crise do mensalão. Desmoralizou as instituições democráticas. Usou do aparelho de Estado como se fosse propriedade privada, sua propriedade. Fez do contato direto com o povo seu grande instrumento político, eficaz numa sociedade invertebrada, como a nossa. E contou com o auxílio da oposição parlamentar — especialmente do PSDB —, frágil, pouca combativa e que temia enfrentá-lo no Congresso, nas ruas e até no voto.
Sua forma de fazer política foi um grande salto para o passado. Retroagimos como nunca na história recente brasileira. Aparentando ser o novo, Lula deu novamente enorme poder aos coronéis, ampliou as antigas formas de obter apoio parlamentar e estabeleceu o maior esquema de desvio de recursos públicos da História, o petrolão. Acabou legitimando a corrupção através da sua popularidade.
Em 2010 e 2014, conseguiu eleger Dilma Rousseff como sua preposta. Demonstrou um poder nunca visto na nossa História. Contou com o apoio entusiástico do grande capital espoliador. Foi considerado um estadista, um político insubstituível — até por jornalistas experientes. Mesmo com denúncias de suas mazelas, nada parecia abalá-lo.
Tudo começou a ruir em 2014 com a Operação Lava-Jato. Nestes três anos o país ficou estarrecido com as revelações do petrolão e da participação de Lula como “o comandante máximo da organização criminosa,” na definição do Ministério Público Federal.
Hoje, a decadência política de Lula é inegável. Não passa de um réu temeroso de ser condenado a regime fechado — o que deve ocorrer ainda este ano. Sua queda — e de seu nefasto legado — é fundamental para que o Brasil retome o processo de construção de uma sociedade democrática. Lula representa a velha forma de fazer política, o conchavo, a propina, o saque do Erário, o desprezo pelas instituições. Removê-lo da política, condená-lo a uma pena severa, é um serviço indispensável ao futuro do nosso país.
Marco Antonio Villa é historiador
A manipulação em torno do depoimento de Lula - EDITORIAL O GLOBO
O Globo 09/05
Tenta-se criar polarização entre o ex-presidente e Moro, quando, na verdade, se trata de uma sessão de testemunho em um dos cinco processos a que ele responde
É conhecida a capacidade do lulopetismo de criar “narrativas” e repeti-las à exaustão até ganharem ares de verdade para os desavisados. A primeira demonstração desta faceta ocorreu em 2005, na denúncia do escândalo do mensalão, em que ficou explícito o uso de caixa 2, explicado por Lula como algo que “todos (os partidos) fazem”. Mesmo que tenha pedido desculpas em público, recuou mais à frente e passou a responsabilizar a “elite” e a “mídia” pela invenção do escândalo.
Doze anos depois, Lula e PT tentam converter o depoimento do ex-presidente marcado para amanhã em Curitiba, perante o juiz Sergio Moro, da Lava-Jato, em um evento político. Mesmo que a sessão seja adiada, em aceitação de pedido da defesa de Lula, alegadamente para tomar conhecimento de novos documentos juntados ao processo, a intenção do lulopetismo é no mínimo uma impropriedade. Pois nem sequer será um ato decisivo neste processo.
Induz ainda a se pensar que Lula não se considera capaz de responder às denúncias que em algum momento lhe serão feitas pelo Ministério Público, e por isso deseja usar uma audiência para perguntas do juiz a fim de convertê-la em palanque. O objetivo da politização ficou explícito com o pedido da defesa para que Sergio Moro permitisse a gravação em vídeo da sessão, pelo PT, a fim de se contrapor ao registro que faz a Justiça, com a imagem fixa no depoente. Pedido negado.
Tenta-se transformar a presença de Lula perante Moro num embate decisivo num ringue judicial. Trata-se, na verdade, de um rito de praxe — como tudo na Justiça —, em que o juiz faz perguntas e o réu responde.
Esta sessão é de uma das cinco ações a que Lula responde na Justiça. Refere-se ao tríplex do Guarujá, litoral paulista, reformado pela empreiteira OAS, cujo presidente à época, Léo Pinheiro, já disse a Moro e a procuradores da Lava-Jato que estava reservado para Lula.
Que o imóvel era de Lula, foi informação publicada pelo GLOBO em 2010. Há, inclusive, vídeo de uma visita dele ao apartamento, ciceroneado pelo próprio Léo Pinheiro. A OAS também adquiriu e instalou as cozinhas do sítio de Atibaia e do tríplex, segundo testemunhos.
As outras quatro ações: atuação da Odebrecht na compra de um terreno para o Instituto Lula, afinal não usado; obstrução de Justiça, no caso em que é acusado de, por meio do ex-senador Delcídio do Amaral, tentar evitar delações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró; tráfico de influência no BNDES; obtenção de ajuda ao filho Luís Cláudio, em troca da indução a que a presidente Dilma prorrogasse incentivos fiscais de empresas (Operação Zelotes).
A capacidade de o lulopetismo travar lutas políticas por bandeiras vazias é reconhecida. A diferença em relação a 2005 é que o Lula de hoje conta com longa lista de denúncias contra ele. Inclusive a de que era o “chefe” do petrolão, segundo o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.
Tenta-se criar polarização entre o ex-presidente e Moro, quando, na verdade, se trata de uma sessão de testemunho em um dos cinco processos a que ele responde
É conhecida a capacidade do lulopetismo de criar “narrativas” e repeti-las à exaustão até ganharem ares de verdade para os desavisados. A primeira demonstração desta faceta ocorreu em 2005, na denúncia do escândalo do mensalão, em que ficou explícito o uso de caixa 2, explicado por Lula como algo que “todos (os partidos) fazem”. Mesmo que tenha pedido desculpas em público, recuou mais à frente e passou a responsabilizar a “elite” e a “mídia” pela invenção do escândalo.
Doze anos depois, Lula e PT tentam converter o depoimento do ex-presidente marcado para amanhã em Curitiba, perante o juiz Sergio Moro, da Lava-Jato, em um evento político. Mesmo que a sessão seja adiada, em aceitação de pedido da defesa de Lula, alegadamente para tomar conhecimento de novos documentos juntados ao processo, a intenção do lulopetismo é no mínimo uma impropriedade. Pois nem sequer será um ato decisivo neste processo.
Induz ainda a se pensar que Lula não se considera capaz de responder às denúncias que em algum momento lhe serão feitas pelo Ministério Público, e por isso deseja usar uma audiência para perguntas do juiz a fim de convertê-la em palanque. O objetivo da politização ficou explícito com o pedido da defesa para que Sergio Moro permitisse a gravação em vídeo da sessão, pelo PT, a fim de se contrapor ao registro que faz a Justiça, com a imagem fixa no depoente. Pedido negado.
Tenta-se transformar a presença de Lula perante Moro num embate decisivo num ringue judicial. Trata-se, na verdade, de um rito de praxe — como tudo na Justiça —, em que o juiz faz perguntas e o réu responde.
Esta sessão é de uma das cinco ações a que Lula responde na Justiça. Refere-se ao tríplex do Guarujá, litoral paulista, reformado pela empreiteira OAS, cujo presidente à época, Léo Pinheiro, já disse a Moro e a procuradores da Lava-Jato que estava reservado para Lula.
Que o imóvel era de Lula, foi informação publicada pelo GLOBO em 2010. Há, inclusive, vídeo de uma visita dele ao apartamento, ciceroneado pelo próprio Léo Pinheiro. A OAS também adquiriu e instalou as cozinhas do sítio de Atibaia e do tríplex, segundo testemunhos.
As outras quatro ações: atuação da Odebrecht na compra de um terreno para o Instituto Lula, afinal não usado; obstrução de Justiça, no caso em que é acusado de, por meio do ex-senador Delcídio do Amaral, tentar evitar delações do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró; tráfico de influência no BNDES; obtenção de ajuda ao filho Luís Cláudio, em troca da indução a que a presidente Dilma prorrogasse incentivos fiscais de empresas (Operação Zelotes).
A capacidade de o lulopetismo travar lutas políticas por bandeiras vazias é reconhecida. A diferença em relação a 2005 é que o Lula de hoje conta com longa lista de denúncias contra ele. Inclusive a de que era o “chefe” do petrolão, segundo o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.
Lula arma o circo - EDITORIAL ESTADÃO
ESTADÃO - 09/05
Está armado, em Curitiba, mais um ato do grande circo populista do lulopetismo
Luiz Inácio Lula da Silva pode não ser culpado de tudo de que é acusado em matéria de corrupção, mas é um atentado ao bom senso imaginar que ele nada tem a ver com o mar de lama que sob seu nariz atingiu profundidade inédita em 13 anos de PT no poder. Por outro lado, é igualmente insustentável o argumento de que a Operação Lava Jato é instrumento de uma conspiração armada para criminalizar o ex-presidente e seu partido, uma vez que praticamente todas as lideranças políticas de alguma expressão, todos os grandes partidos, e não apenas Lula e o PT, estão implicados nas investigações de corrupção. É a inconfessada consciência dessa realidade que, em desespero de causa, está levando o lulopetismo, com a esquerda a reboque, a apostar no caos, apelando para recursos espertos e condenáveis como transformar uma vara judicial em palanque político e Curitiba em praça de guerra. É o que Lula pretende fazer na capital paranaense, quando depuser perante o juiz Sergio Moro em um dos cinco processos em que é réu por corrupção.
Para quem não tem o menor constrangimento em exaltar o “extraordinário sucesso” da “greve geral” do último dia 28, é fácil imaginar o precioso material de propaganda que poderão significar imagens da “manifestação espontânea” de militantes que, nas ruas de Curitiba, farão o possível para provocar a “repressão policial”. Petistas estimam que pelo menos 50 mil pessoas atenderão à convocação para “apoiar Lula”. Fez bem o juiz Sergio Moro, portanto, ao divulgar vídeo nas redes sociais, desaconselhando que apoiadores da Lava Jato saiam às ruas da capital paranaense.
“Tenho ouvido que muita gente que apoia a Operação Lava Jato pretende vir a Curitiba manifestar esse apoio, ou pessoas mesmo de Curitiba pretendem vir aqui manifestar esse apoio. Eu diria o seguinte: esse apoio sempre foi importante, mas nessa data ele não é necessário. Tudo que se quer evitar nessa data é alguma espécie de confusão e conflito”, afirma Moro.
Com a mesma preocupação de evitar conflitos, a Justiça do Paraná proibiu, na última sexta-feira, manifestações públicas que impliquem a “montagem de estruturas” na área da sede da Justiça Federal em Curitiba e recomendou que sejam negociadas com as lideranças de manifestantes “soluções a fim de garantir o direito de manifestação, com as limitações ora deferidas”. Por medida de precaução, não haverá expediente no prédio da Justiça Federal amanhã e o acesso ao local só será permitido a pessoas cuja presença esteja relacionada com a audiência.
Todas essas medidas acauteladoras são realmente sensatas e óbvias e demonstram que, em tese, providências oficiais cabíveis estão sendo tomadas para evitar tumultos nas ruas de Curitiba. Na prática, porém, é inevitável o perigo potencial de que pessoas que decidam “pacificamente” ignorá-las acabem provocando a ação repressiva dos policiais. Esse é um cenário que com toda certeza não desagradaria a Lula e sua turma, que quando estão em dificuldades, como hoje, recorrem à hipocrisia de assumir o papel de vítimas das “injustiças” e “perseguições” que “eles” impiedosamente lhes infligem.
Está armado, portanto, mais um ato do grande circo populista do lulopetismo. Hoje à noite, véspera do depoimento, com a provável presença de todas as lideranças importantes do PT convocadas a Curitiba, Lula participará de um ato ecumênico na Catedral Metropolitana. Após o depoimento, amanhã, fará um pronunciamento público cujo teor é possível imaginar: o “homem mais honesto do Brasil” demonstrará toda sua indignação pelo fato de estar sendo penalizado por ter feito um governo “a favor dos pobres”. E provavelmente repetirá a esperteza que não teve nenhum escrúpulo de usar no vídeo de propaganda do PT veiculado na semana passada. Ignorou, então, deliberadamente o papel de sua pupila Dilma Rousseff na crise que o País enfrenta, para prometer, cinicamente, como candidato à Presidência no ano que vem: “Eu tenho certeza de que nós podemos retomar o caminho do crescimento”. Isso, obviamente, se escapar da prisão.
Está armado, em Curitiba, mais um ato do grande circo populista do lulopetismo
Luiz Inácio Lula da Silva pode não ser culpado de tudo de que é acusado em matéria de corrupção, mas é um atentado ao bom senso imaginar que ele nada tem a ver com o mar de lama que sob seu nariz atingiu profundidade inédita em 13 anos de PT no poder. Por outro lado, é igualmente insustentável o argumento de que a Operação Lava Jato é instrumento de uma conspiração armada para criminalizar o ex-presidente e seu partido, uma vez que praticamente todas as lideranças políticas de alguma expressão, todos os grandes partidos, e não apenas Lula e o PT, estão implicados nas investigações de corrupção. É a inconfessada consciência dessa realidade que, em desespero de causa, está levando o lulopetismo, com a esquerda a reboque, a apostar no caos, apelando para recursos espertos e condenáveis como transformar uma vara judicial em palanque político e Curitiba em praça de guerra. É o que Lula pretende fazer na capital paranaense, quando depuser perante o juiz Sergio Moro em um dos cinco processos em que é réu por corrupção.
Para quem não tem o menor constrangimento em exaltar o “extraordinário sucesso” da “greve geral” do último dia 28, é fácil imaginar o precioso material de propaganda que poderão significar imagens da “manifestação espontânea” de militantes que, nas ruas de Curitiba, farão o possível para provocar a “repressão policial”. Petistas estimam que pelo menos 50 mil pessoas atenderão à convocação para “apoiar Lula”. Fez bem o juiz Sergio Moro, portanto, ao divulgar vídeo nas redes sociais, desaconselhando que apoiadores da Lava Jato saiam às ruas da capital paranaense.
“Tenho ouvido que muita gente que apoia a Operação Lava Jato pretende vir a Curitiba manifestar esse apoio, ou pessoas mesmo de Curitiba pretendem vir aqui manifestar esse apoio. Eu diria o seguinte: esse apoio sempre foi importante, mas nessa data ele não é necessário. Tudo que se quer evitar nessa data é alguma espécie de confusão e conflito”, afirma Moro.
Com a mesma preocupação de evitar conflitos, a Justiça do Paraná proibiu, na última sexta-feira, manifestações públicas que impliquem a “montagem de estruturas” na área da sede da Justiça Federal em Curitiba e recomendou que sejam negociadas com as lideranças de manifestantes “soluções a fim de garantir o direito de manifestação, com as limitações ora deferidas”. Por medida de precaução, não haverá expediente no prédio da Justiça Federal amanhã e o acesso ao local só será permitido a pessoas cuja presença esteja relacionada com a audiência.
Todas essas medidas acauteladoras são realmente sensatas e óbvias e demonstram que, em tese, providências oficiais cabíveis estão sendo tomadas para evitar tumultos nas ruas de Curitiba. Na prática, porém, é inevitável o perigo potencial de que pessoas que decidam “pacificamente” ignorá-las acabem provocando a ação repressiva dos policiais. Esse é um cenário que com toda certeza não desagradaria a Lula e sua turma, que quando estão em dificuldades, como hoje, recorrem à hipocrisia de assumir o papel de vítimas das “injustiças” e “perseguições” que “eles” impiedosamente lhes infligem.
Está armado, portanto, mais um ato do grande circo populista do lulopetismo. Hoje à noite, véspera do depoimento, com a provável presença de todas as lideranças importantes do PT convocadas a Curitiba, Lula participará de um ato ecumênico na Catedral Metropolitana. Após o depoimento, amanhã, fará um pronunciamento público cujo teor é possível imaginar: o “homem mais honesto do Brasil” demonstrará toda sua indignação pelo fato de estar sendo penalizado por ter feito um governo “a favor dos pobres”. E provavelmente repetirá a esperteza que não teve nenhum escrúpulo de usar no vídeo de propaganda do PT veiculado na semana passada. Ignorou, então, deliberadamente o papel de sua pupila Dilma Rousseff na crise que o País enfrenta, para prometer, cinicamente, como candidato à Presidência no ano que vem: “Eu tenho certeza de que nós podemos retomar o caminho do crescimento”. Isso, obviamente, se escapar da prisão.