terça-feira, maio 09, 2017

Fatos e enviesados - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 09/05

Quem observa a desimpedida campanha presidencial de Lula terá notado que ele, faz tempo, trata a audiência em que, na condição de réu, deporá ao juiz Sergio Moro como se fosse um debate eleitoral, um embate de natureza política, com partícipes em condições iguais, ocasião em que poderá divergir do adversário e mesmo confrontá-lo — desafiá-lo.

Amplificado pela repercussão acrítica (ou engajada) da imprensa, não há dia em que não invista nessa distorção, com o que também atiça os mortadelas a fazer dos arredores do tribunal uma espécie de La Bombonera. É evidente que haverá provocação orquestrada à polícia, depredação de patrimônio público e privado, e alguns feridos para compor o teatro projetado pelos oprimidos. Tudo com altíssimo grau de profissionalismo. Mestre alquimista do nós contra eles, que verteu em oxigênio, Lula precisa de inimigos imaginários poderosos (os reais lhe são amigos), condição ideal a que prospere como vítima do tal sistema de que, no entanto, é beneficiário histórico.

Não importa. O que disse Renato Duque não importa. Os fatos não importam. Ele está em campanha e não move peça se no lance não vislumbrar boa chance de vitória — mais do que judicial — política. O caso recente em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou decisão de Moro — aquela segundo a qual Lula deveria presenciar os depoimentos das 87 testemunhas que arrolou — representa uma dessas vitórias muito bem capitalizadas politicamente, que o ex-presidente manipula de modo a propagandear como exemplo de que não responde à Justiça, mas à Inquisição. Ou, ainda melhor para ele, a um inquisidor.

É fundamental ter clareza a respeito de que não há como competir com Lula em molecagem. Insistir em que duelará com Sergio Moro, cara a cara, consiste em elemento fundamental à sua estratégia narrativa. Há, pois, método na deturpação — cálculo: transformar aquele que o pode condenar segundo a letra fria da lei em algoz motivado por interesses alheios ao ordenamento jurídico.

E então vem a pesquisa Datafolha, divulgada em 30 de abril, exatos dez dias antes do compromisso judicial que obriga Lula — o réu — a depor à Justiça Federal de Curitiba. E o que traz o levantamento? Ou melhor: quem faz constar — pela primeira vez — entre os presidenciáveis? Ora, ora, leitor: Sergio Moro.

É batata! Que precisamos descascar em perguntas. A quem, senão a Lula, serve a inclusão daquele que o julgará entre seus possíveis adversários em 2018? A quem, senão à vitimização do perseguido Lula, serve a sugestão de que o juiz federal à frente da Lava-Jato será candidato a presidente?

O leitor viu a capa da revista “Veja” desta semana, em que o magistrado Moro é ilustrado como igual a um múltiplo réu, dois gladiadores de mesma estatura, assim como se estivéssemos à véspera de um ansiado debate televisivo final, batalha decisiva ao desenlace, por exemplo, de uma acirradíssima eleição em segundo turno?

Nem Lula desenharia melhor. Ele não está sozinho. 
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Que coisa perigosa é a inversão de valores, a manipulação de sentidos, a adulteração de evidências e mesmo da cronologia. Que espanto é a força da desinformação. Com que habilidade os de sempre conseguem costurar e emplacar narrativas criminosas. Há mesmo quem viva disso. Como profissão. Mas por que escrevo assim? Na semana passada, um grupo que se manifestava — pacificamente — contra a nova lei de imigração foi vítima de um ataque a bomba na Avenida Paulista, em São Paulo. Não importa se protestavam por boa causa ou não. O fato é que o faziam ordeiramente e com o aval do poder público. O fato é que o faziam porque a lei lhes garante o direito à livre expressão. O fato é que, ao passarem por um grupo comandado pelo líder do movimento Palestina para Todos, foram emboscados pelo lançamento de um artefato explosivo. O fato, portanto, é que são eles, os manifestantes, as vítimas. E os outros, os agressores. É incontroverso.

No entanto, esse conjunto de acontecimentos foi, de modo geral, ignorado pela imprensa e afinal tratado — aí já obra de ficção — como grande confusão, um choque, um conflito violento entre inimigos. Pura distorção. Mentira mesmo. Porque o que houve foi — repito — um ataque covarde, pelas costas, a um grupo que, concorde-se ou não com sua bandeira, protestava em paz. E, sim, agora sim, para que se chamem as coisas pelo nome: foi um ataque terrorista — porque desdobrado de motivação política. Novamente — para não deixar dúvida: ataque terrorista. Ou não terá fundamento político radical o ataque — a bomba — de algo intitulado movimento Palestina para Todos a um grupo contrário à Lei de Imigração?

Ainda bem, contudo, que há vídeos a documentar o que se passou de verdade e assim desmontar as mistificações, a indústria dos oprimidos (mais do que bombas, à mão, esse pessoal só tem mesmo advogados) e os filtros ideológicos rapidamente jogados sobre a realidade.

Serei claro como sempre: os integrantes do movimento Palestina para Todos, novo queridinho da esquerda paulistana, não estavam ali, no caminho da manifestação, à toa; programaram o que ocorreria; premeditaram o ato, inclusive a narrativa deturpada que logo difundiram (com escandalosa adesão jornalística) e que os lambuzava de vítimas; conceberam uma estratégia terrorista e se armaram para executá-la. Ou aquela bomba, arremessada por um dos seus, estava ali por acaso? (Porque, afinal, é comum ter explosivo na mochila.)

Pior que os canalhas são as canalhices.

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