segunda-feira, setembro 25, 2017

Não faltaram poder real e simbólico ao Rio, que tem a nata do establishment; faltou vergonha - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL

A tragédia a que se assiste na capital fluminense não tem precedentes. E foi criada com dedicação, com desvelo. Que coisa, né? Ideias estúpidas acabam em desastres... Quem diria!?


Não é só segurança pública que entrou em falência no Rio. O Estado também quebrou. Refiro-me às contas públicas mesmo. É curioso! Não é que tenha faltado à cidade e ao Estado representantes a transitar nas altas esferas. Ao contrário. Os fluminenses, em especial os cariocas, herança talvez dos tempos de capital federal, têm uma influência na vida pública que não guarda intimidade com o tamanho de sua economia ou de sua população. Querem ver? No Supremo, por exemplo, estão Marco Aurélio Mello, Roberto Barroso e Luiz Fux. A alta burocracia nacional está coalhada de fluminenses, de cariocas em particular.

Peguem uma instituição que não tem importância prática, mas que não deixa de ser uma medida de prestígio: a Academia Brasileira de Letras. São 40 membros. Sabem quantos nasceram no Rio? Nada menos de 21: 52,5%. E olhem que FHC está fora da minha conta. Afinal, fez carreira política em São Paulo. Mas atenção! O critério que fez excluir FHC da lista de fluminenses-cariocas me obrigaria a incluir, deixem-me ver, mais uns 10 entre os “cariocas de formação”. Que coisa, não? O Estado do Rio tem mais ou menos 8,5% da população, mas 52,5% da nata que pretende representar a inteligência nacional — ou 80% caso se levem em conta os cariocas por adoção.

Por que destaco esses números? “Paulista tem mania de fazer conta”. Não acho que seja vocação geográfica ou cultural. Até porque, infelizmente, nem sempre isso é verdade. Também não estou aqui a estabelecer relação de causa e efeito, claro! “Ah, como o Rio domina a academia, é super-representado no Supremo e na burocracia federal, entrou em colapso”. Claro, não foi por isso. Mas tem a ver com isso.

A cidade também é sede do maior grupo de comunicação do país, que atua em todas as pontas. A Hollywood caipira, hoje um bastião da diversidade — logo haverá quem reivindique que os que sentem um certo “crush” por rinocerontes também tenham seu lugar na novela… Faço uma referência coberta a um clássico da literatura progressista de esquerda: “Porcos com Asas”, de Marco Lombardo Radice e Lidia Rivera. Corrijo-me: o livro é do fim dos anos 70 e já ironiza as esquerdas. Com humor e inteligência, coisa que a esquerda de hoje perdeu e que a direita nunca encontrou. Mas volto: a única diversidade pouco explorada na Globo é o sotaque. Todas as sexualidades estão lá. Mas quase todas são do Rio. Todas as ideologias estão lá. Mas quase todas são do Rio. Todas as esquisitices estão lá, mas quase todas são do Rio.

Preconceito contra o Estado e a cidade? Uma ova! O Rio é a cidade mais linda do mundo. A geografia do interior do Rio é um encanto. O que demonstro aqui é que não faltou aos cariocas e fluminenses poder real e poder simbólico para responder aos desafios que se impunham. A desordem de agora é fruto direto da proteção dispensada ao senhor Sérgio Cabral, em conluio com o petismo, sim — o partido nem quis se meter no bantustão do seu amigão do peito. Ali, o homem fez e desfez: com as contas do Estado, com as empreiteiras, com a segurança pública.

E foi saudado como herói. Oh, não, não é culpa da Globo, mas a emissora sabe como tratou o senhor governador no primeiro mandato e em parte do segundo. Parecia que o Estado tinha governo pela primeira vez na República. Sim, Copa do Mundo e Olimpíada pela frente não combinavam com crítica, parece. Quem sabe se ganharia em negócios o que se perdia em realismo, né? Recorram aos arquivos para saber o tratamento que foi dispensado às UPPs, as tais Unidades de Polícia Pacificado, que já traz no nome a expressão da má consciência.

Aponto isso agora? Não! Vejam o que escrevi no dia 12 de setembro de 2011.

Muitos leitores me perguntam por que me meto em certos assuntos, especialmente quando estou na contramão da metafísica influente, e indagam se vale a pena brigar etc. e tal. Eu nunca me faço essa pergunta porque não escrevo uma bendita vírgula pensando no efeito que aquilo possa causar. Escrevo porque acho necessário e pronto. E o faço especialmente quando noto que a lógica está sendo afrontada, pouco importa o assunto. Não preciso ser especialista em física, química, matemática, economia ou segurança pública para detectar um raciocínio fraudulento.

Volto às UPPs do Rio, o “milagre” desses dois santos da lógica oca, chamados José Mariano Beltrame e Sérgio Cabral. O Centro de Justiça e Sociedade da Escola de Direito da FGV-Rio fez uma pesquisa com os moradores da favela Cantagalo, em Copacabana. Boa parte dos cariocas chama hoje favela de “comunidade” ou prefere substituir a palavra pelo acidente geográfico: “morro”. Daqui a pouco, só existirão favelas em outras cidades. O Rio terá extinguido as suas — será a cidade com 1.200… comunidades! Mas sigamos.

A FGV constatou — da próxima vez, podem encomendar a pesquisa pra mim, que faço aqui de casa, sem sair da cadeira… — que 70% dos moradores avaliam que a segurança melhorou com a presença da UPP! Depois da Nossa Senhora de Forma Geral, a santa de devoção de Dilma Rousseff (falo sobre sua entrevista ao Fantástico em outro post), temos a Nossa Senhora do Óbvio, padroeira da pesquisa. Imaginem se o contrário seria possível: “Para 70%, a segurança piorou…”

Ah, qual é??? A UPP significa levar uma unidade de polícia onde não havia. É claro que melhora. A questão é saber por que se chama uma ação com características de “polícia comunitária” (uma invenção que tem uns dois séculos) de “pacificadora”. Pacifica quem? Já chego lá. Por definição, a menos que o estado estivesse enviando bandidos fardados para as favelas, a segurança melhora. A pesquisa também aponta que 47% já passaram por revista policial ou tiveram alguém da família que passou. Corto o mindinho se isso não vai ser visto aqui e ali como o “lado negativo” da presença policial. Por quê? Reclamam de violência policial 29%. Isso, claro!, tem de ser apurado. Mas com cuidado. O narcotráfico, é óbvio como o dia que sucede a noite, tem interesse em satanizar a presença policial na área.

Agora vamos ao que interessa. É evidente que a polícia tem de estar presente nas favelas, ora essa! O estado tem de oferecer segurança onde o povo está. E, se a polícia faz direito o seu trabalho, vai ser aplaudida. O lado ruim da política de segurança do Rio, de que a instalação do posto policial é um aspecto, é deixar a bandidagem solta. Lamento: sem prender ninguém, em paz mesmo fica a bandidagem!

A FGV também fez a pesquisa na favela do Vidigal, onde não há o UPP, e o tráfico é comandado pela facção Amigo dos Amigos. A Nossa Senhora do Óbvio se fez presente: ali, a nota média da polícia foi 4,7; no Cantagalo, 6,2. Em ambas, disseram se sentir seguros mais de 50% dos entrevistados. A santinha, de todo modo, me diz que uma pesquisa num grupo dominado pelo terror do narcotráfico tende a não revelar um retrato muito fiel da realidade. Quem respondeu foi o medo.

Para encerrar: é claro que a polícia tem de chegar a todos os moradores do Rio. Se e quando acontecer, havendo um trabalho honesto, a população aprovará. Eu só não abro mão de continuar a afirmar o que me inspira a Nossa Senhora do Óbvio: com bandidos presos, em vez de flanando pelas belezas do Rio, a população estaria mais segura — muito especialmente aquela das áreas aonde as UPPs ainda não chegaram.

Encerro
Não! Nem os meus colegas da imprensa queriam prosa com esse negócio de criticar UPP. Era uma das minhas “loucuras”, né? Anos depois, eu viria a ser voz isolada nas críticas a uma outra sigla: o MPF.

Engraçado… O católico meio carola sou eu. Mas são eles a acreditar em milagres.

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