domingo, julho 30, 2017

No morro - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

A vida é dura. Não dá para ser vice de Dilma e acabar bem

ONDE TERIA IDO parar, a esta altura dos acontecimentos, a imensa questão da saída ou da permanência de Michel Temer na Presidência da República, esse drama de quinta categoria em que todos representaram o papel de palhaços, a começar pelo público pagante? Tirar Temer para colocar em seu emprego o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, ou algum outro gigante da política nacional, sempre foi uma das piadas mais prodigiosas que a vida pública brasileira já conseguiu produzir em toda a sua história de país subdesenvolvido. Ninguém, em nenhum momento, conseguiu encontrar um único fato, por mais miserável que fosse, capaz de mostrar alguma diferença para melhor entre o cidadão que queriam enfiar no Palácio do Planalto e o cidadão que queriam despejar de lá. Rodrigo Maia? Nesse caso, por que não o empresário Joesley Batista? Em termos de qualificação, seria tudo a mesma coisa; aliás, seria a mesma coisa com praticamente qualquer homem público brasileiro hoje em atividade. Muito se falou, também, sobre “eleições diretas” e outros disparates. Mas no mundo real nunca aconteceu nada. Lula, o PT e a “esquerda” gritam “fora Temer” em nome da honestidade — e como alguém poderia levar a sério uma coisa dessas? É uma oposição subnutrida em números, sem gente nas ruas e em estado de coma moral. Não derruba nem um síndico de prédio.

Tem sido um sinal de realismo, a propósito, que todo o monumental terremoto armado em torno dessa história esteja preso até agora no cercadinho dos políticos, comunicadores e elites em geral — mais, naturalmente, as multidões de parasitas que se organizam para tirar dinheiro do Erário. Na população, ao longo desse tempo todo, a única reação notada é uma quase completa indiferença — ou o desprezo por todos os envolvidos. É o que merecem. O assunto todo, no momento, só sobrevive através de espasmos de cachorro atropelado, como descreveria Nelson Rodrigues — o procurador vai fazer mais isso, o procurador vai tentar mais aquilo, o relator vai, o delator não vai, a presidenta do STF vai e não vai. E a comissão? E o plenário? E o quórum? A mídia acha tudo isso importantíssimo. Os cientistas políticos garantem o fim do mundo a cada quinze minutos. Michel Temer, enfim, continua sendo o ex-presidente que já é há tempos. Paga pelo que fez. Há quinze anos, ou sabe-se lá quantos, vive para servir o ex-presidente Lula e o PT, e para servir-se de ambos. Os grandes amigos de ontem e inimigos de hoje lhe deram de presente o cargo de vice. Em compensação, deram-lhe também o desastre que vinham construindo desde que assumiram o comando do país, em 2003 — o governo Temer, no fim das contas, é apenas a segunda parte da calamidade que foi o governo Dilma Rousseff. A vida é dura. Não dá para ser vice de Dilma e acabar bem.

O fato é que, com Temer, Maia ou o rei da Bessarábia, não há a mais remota possibilidade de melhorar coisa nenhuma em qualquer dos 100 principais problemas na vida prática do cidadão deste país. Como seria possível, se as disputas na política brasileira continuam sendo apenas uma briga interna de quadrilhas cujo propósito comum é saquear o Tesouro Nacional? Brigam unicamente porque querem uma parte maior que a parte do inimigo. A aprovação das reformas propostas pelo governo tem sido um avanço, sem dúvida, e a administração da economia passou a fazer sentido após treze anos e tanto de demagogia, rapina e demência. Mas isso tudo, até agora e sabe-se lá por quanto tempo ainda, é muito mais uma tentativa de sobrevivência do que um progresso real, consistente e duradouro. No dia a dia, e no mundo das coisas como elas são, o que se tem é a guerra pelo controle dos pontos de tráfico — a exemplo do que acontece nos morros, onde os bandidos brigam pelos pontos de droga, os políticos brigam pelos pontos de poder. No momento, aliás, muitos brigam apenas para sobreviver. Enquanto se falava no fim de Temer, a realidade trouxe a primeira sentença de condenação para Lula; ficar fora da cadeia, desde então, passou a ser o seu objetivo máximo, e para o PT, que não vive sem ele, torn­ou-se uma questão de vida ou morte. Se ficarem vivos, seu “projeto político” mais precioso será lutar pelo “financiamento público” das campanhas eleitorais, talvez o maior ato de escroqueria já tentado na história do Brasil. Aí se poderá ver, precisamente, o buraco em que estamos: os maiores aliados do PT nesse golpe são seus maiores inimigos. É onde todos, do extremo Lula ao extremo Temer, vão se encontrar: no “fundo partidário”. O resto é conversa.

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