quarta-feira, março 08, 2017

O hiato da discórdia - FÁBIO ALVES

ESTADÃO - 08/03

Debate é quanto a atividade econômica está rodando abaixo do PIB potencial



Mesmo antes de o IBGE confirmar a pior recessão desde 1948, com a queda de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, um debate já havia começado a esquentar entre analistas: com a recuperação esperada da economia brasileira em 2017 e, com mais força, em 2018, a inflação poderá voltar a se acelerar a ponto de forçar o Banco Central a elevar os juros novamente ou, no mínimo, ser menos agressivo no corte da taxa Selic?

Na mais recente pesquisa Focus, do BC, a projeção de inflação neste ano está em 4,36%. Para 2018, essa previsão é de 4,50%. A projeção da taxa Selic ao fim de 2017 está em 9,25%, caindo para 9,0% ao fim de 2018. E a estimativa para o PIB é de crescimento de 0,49% em 2017 e de expansão de 2,39% em 2018. No centro do debate está a questão do hiato do produto: quanto a atividade econômica está rodando abaixo do PIB potencial.

De um lado, há os analistas que acreditam que, com os estímulos monetários já injetados pelo BC, a partir do momento que começar a recuperação da atividade econômica, o hiato do produto começa a fechar, ou seja, diminui o grau de ociosidade da economia, levando a retomada da produção e a contratação de mão de obra. E ao diminuir o tamanho do hiato, já começa a haver pressão inflacionária, refletindo reajustes de salários e de outros custos. Esse cenário forçaria o BC a ser menos agressivo ao cortar juros ou, na pior das hipóteses, a voltar até a apertar a política monetária mais adiante.

De outro lado, os analistas que apostam num ciclo de redução dos juros mais profundo consideram que o hiato do produto está amplo o suficiente para permitir que o Brasil cresça novamente sem causar pressão inflacionária por recursos ociosos da economia, quer seja no mercado de trabalho, quer seja na capacidade de produção das indústrias e empresas. Isso permitirá que, enquanto o Brasil estiver “consumindo” esse hiato, a inflação tenderia ficar bem comportada.

O economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall, é um dos que acreditam que a ociosidade da economia permitirá que o BC siga cortando os juros sem a ameaça da pressão inflacionária. Kawall diz que a maioria das projeções aponta para um PIB potencial entre 1% e 1,5%. Ele estima que, se a economia crescer, por exemplo, ao redor de 2,5% em 2018 e em diante, o hiato do produto seria fechado só em 2022, ou seja, este seria o ano em que a economia voltaria a crescer no seu potencial.

Para Kawall, o debate entre os que veem pressão inflacionária com o início da retomada da economia e os que acreditam que a ociosidade permitiria crescer sem acelerar os reajustes de preços envolve também a discussão sobre o nível de juros neutros, ou a taxa de equilíbrio que não afeta a demanda e, ao mesmo tempo, mantém a inflação na meta. Muitos creem que a taxa neutra real (descontada a inflação) esteja ao redor de 5%. Se a inflação, de fato, ficar ao redor da meta de 4,5%, teoricamente os juros básicos teriam de parar em 9,5%.

“Dado o juro neutro, ainda há a questão de como seria a resposta da inflação à medida que a economia volte a crescer acima do seu potencial mesmo na presença de um hiato do produto bastante negativo”, argumenta Kawall. Ele projeta uma taxa Selic a 8,5% ao fim deste ano e a 8,0% ao fim de 2018.

No momento em que se espera a redução da Selic para apenas um dígito, a discussão sobre o tamanho do hiato do produto e dos juros neutros deve ficar mais acalorada. Para que a projeção da Selic nos próximos anos caia abaixo do nível projetado como neutro, ou o BC teria de optar por manter a Selic temporariamente abaixo do juro neutro para estimular a economia ou essa taxa neutra teria de cair de forma estrutural e consistente daqui em diante. Mas, sem a aprovação de reformas fiscais, como isso será possível?

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