segunda-feira, outubro 10, 2016

Denúncias apequenam Lula e o PT derrete junto - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA - 10/10
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Acontece com Lula um fenômeno muito comum na política: o sujeito acha que é uma coisa. Mas a sua reputação indica que ele já virou outra coisa. A nova denúncia, protocolada contra Lula hoje em Brasília, por suas relações promíscuas com a Odebrecht, é a terceira acusação formal da Procuradoria em que o ex-presidente petista é retratado como protagonista de casos de corrupção. Nas outras duas denúncias, Lula já virou réu. Uma em Curitiba e outra em Brasília. Lula em breve será réu pela terceira vez.

A realidade de Lula é muito parecida com a de uma mulher fictícia criada por um escritor chamado Josué Guimarães. Essa mulher da ficção sofria de uma doença que a fazia diminuir diariamente de tamanho. E seus parentes serravam os pés das mesas e das cadeiras, rebaixando os móveis, para que ela não percebesse o que lhe acontecia. No caso de Lula, a família petista tenta disfarçar o encolhimento do seu ex-grande líder reduzindo o drama jurídico do personagem a uma conspiração da Polícia Federal, da Procuradoria e da mídia.

A imagem de Lula, antes monumental, agora cabe numa caixa de fósforo. E o encolhimento deve continuar. Afora as encrencas da primeira instância, Lula é investigado em dois inquéritos no STF. Num deles, é acusado de chefiar o quadrilhão, como os procuradores se referem ao esquema que assaltou a Petrobras e outros cofres públicos. O PT derrete junto com Lula. De fundador do partido, Lula virou afundador do PT. Quando o PT, já bem pequenininho, decidir sair da caixa de fósforo, talvez descubra que sua fantasia não substituiu a realidade. Apenas adiou o reconhecimento de que seus erros o tornaram um partido insignificante.


Totalitário é o governo que quer cuidar cada vez mais dos súditos - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 10/10

A vocação totalitária em política não é algo fácil de se entender. O primeiro erro é achar que o governo totalitário o é porque deseja o mal para seus súditos. Não: o que caracteriza um governo totalitário é querer cuidar cada vez mais da vida de seus súditos.

Se você perguntar para um prefeito totalitário a razão de ele querer mandar em sua vida, ele dirá apenas que você não o entende e que ele quer apenas o seu bem. O totalitarismo moderno é o pecado dos governantes que têm grandes projetos para sua vida. E isso é muito difícil de entender, porque quase todo mundo hoje pensa que governantes com projetos de mundo ou sociedade são bons.

O filósofo britânico Michael Oakeshott (século 20), um desconhecido entre nós, costumava dizer que se mede a qualidade positiva de um governante pela ausência de teorias de mundo em sua mente.

A rigor, um governante "ideal" seria alguém que não tem qualquer projeto para a sociedade que governa a não ser manter a ordem, a infraestrutura, a garantia de que a economia seja livre (sem protecionismos ou assistencialismos). Enfim, o "ideal" seria garantir que ele atrapalhará a vida das pessoas o mínimo possível.

Nesse sentido, a pior coisa do mundo seria um governante que tem uma "visão de cidade", uma "visão de sociedade" ou uma "visão de educação" para seus súditos. O totalitarismo é fruto de um projeto de bem social e político. A primeira marca de um totalitário é ele ter certeza que representa o bem para todos.

O filósofo romeno Emil Cioran (século 20) costumava dizer que vizinhos muito preocupados com o prédio se tornam facilmente vizinhos autoritários. Basta alguém achar que sabe como você deveria viver para essa pessoa ou governo se tornar totalitário.

O que ninguém quer entender é que o fascismo sempre se viu como um projeto para o bem do mundo. Enquanto o "amor" que o fascismo nutria pelo mundo não for reconhecido plenamente, o risco da "bondade do bons" jamais será plenamente identificado. É necessário vermos o prefeito fascista com os olhos que ele (e seu seguidores) o veem: com os olhos do "amor" que ele nutre em ensinar a você como você deve viver.

Vejamos um exemplo dramático disso. A cidade de Roterdã, na Holanda, tem um novo projeto de lei proposto por um dos tipos mais totalitários do mundo moderno: o "educador". Segundo esse projeto, mulheres "incapazes para a maternidade" serão obrigadas a tomar contraceptivos. Essas mulheres são mulheres que usam drogas, que não têm domicílio fixo, portadoras de alguma doença importante diagnosticada ou prostitutas. Os "inteligentinhos", na pobreza de espírito que os caracteriza, não percebem aqui o totalitarismo porque na Holanda se anda de bike.

Essas mulheres seriam "acompanhadas" por psicólogos e assistentes sociais a fim de determinar a capacidade delas em exercer uma possível maternidade.

Os proponentes da lei entendem que há um risco totalitário na ideia, porém "escolhem respeitar o direito das crianças" em detrimento do direito das mulheres de serem mães. Você pode, talvez, se perguntar onde estariam essas crianças cujo direito deveria ser respeitado. Você pergunta isso porque não entendeu (e a culpa não é sua, é duro mesmo perceber quais crianças são essas a serem respeitadas) que o direito aqui em jogo é "o direito de uma criança não nascer".

Evidente que estamos aqui muito além do aborto. Estamos aqui diante de uma lei que decide quem deve ou não nascer em nome de um estatuto que diz cuidar dos direitos das crianças.

A intenção por trás desse blá-blá-blá é limpar a cidade de crianças que poderão custar caro para o Estado. Mas, de novo, os "inteligentinhos" ficam confusos porque na Holanda se anda de bike e, quando se anda de bike, creem eles, sempre se carrega o bem no coração.

A mentira é que não se trata de "direito" de criança nenhuma, mas, sim, de um forma de higienizar o mundo. O "amor" pelo mundo melhor é uma das maiores misérias modernas. Não confio em gente que "ama" o mundo. Uma obsessão que custará a passar, mas passará, como tudo mais.

A vez do titanossauro - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 10/10

RIO DE JANEIRO - Começa sempre com a descoberta de um caco de osso num ermo qualquer. Não parece ter pertencido a uma vaca, nem a ninguém conhecido na região. Trâmites depois, o osso cai em mãos hábeis, que o identificam como um fóssil, parte de um dinossauro que viveu ali há 100 milhões de anos. Pela sua composição, estabelecida por tomografia computadorizada, pode-se reconstituir o bicho inteiro – idade, gênero, seus hábitos pessoais, sua preferência por rúcula ou agrião, se aceitaria um pterodáctilo como genro etc.

Durante muito tempo, todos os dinossauros que conhecemos eram indivíduos com oito metros de comprimento, da ponta do focinho ao fim da cauda, por cerca de três de altura, e grandes o suficiente para nos assombrar, vide Godzilla. Mas empalideceram diante dos formidáveis tiranossauros de 13 metros de comprimento por quase 5 de altura que apareceram depois, e dos quais há um exemplar em exibição na Quinta da Boa Vista.

Pois até estes já foram para a segunda divisão, com a recente descoberta, na região de Presidente Prudente (SP), de um colossal titanossauro de 25 metros de comprimento por 8 de altura. E ninguém pode afirmar que ele será o maior que já existiu.

Algo semelhante acontece com as investigações sobre os nossos políticos, empreiteiros e operadores acusados de corrupção. O mensalão, por exemplo. Quando surgiu, em 2005, parecia enorme. Em 2014, o petrolão, a Operação Lava Jato, a apreensão de documentos, as prisões preventivas e as delações premiadas reduziram o mensalão àquele primeiro e singelo dinossaurinho.

As investigações continuam, agora em muito mais frentes. E, com o que se diz que a polícia, a Justiça e a Receita Federal, o Ministério Público e o STF têm a apresentar, o próprio petrolão, que equivale ao titanossauro, arrisca-se a parecer um camundongo.

A saída está na Previdência - RAUL VELLOSO

O Globo - 10/10
Dada a elevada fatia ocupada pelos segmentos privilegiados dos orçamentos subnacionais e o fato de a maioria deles ter conseguido se livrar do pagamento de seus próprios inativos & pensionistas (I&P), os titulares dos governos respectivos têm tido enorme dificuldade para pagar a conta dos I&P usando o suborçamento residual que lhes restou. O “orçamento dos pobres” precisa ser usado não só para isso, mas também para cobrir os gastos de outras funções igualmente importantes, como segurança pública e os investimentos em infraestrutura.

Tenho repetido ad nauseam que o investimento é o “primo pobre” do Orçamento. Já a dificuldade de cobertura da despesa com os I&P é a face menos conhecida da gigantesca crise que assolou as administrações subnacionais do país. O Estado do Rio, por exemplo, que, de forma inédita, havia destinado a totalidade de um item relevante das receitas, os royalties do petróleo, à cobertura da dívida previdenciária, foi surpreendido pela derrocada dessa fonte de recursos diante da queda no preço externo dessa importante commodity, além de enfrentar a recessão. Daí sua grande dificuldade de caixa. Registre-se, ainda, que a conta dos I&P tem subido fortemente nos últimos anos e tende a subir ainda mais nos próximos.

Nos orçamentos, os segmentos protegidos são Educação, Saúde e poderes autônomos (Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas, Defensoria Pública e Legislativo), além da conta relativa a outras vinculações de receita (transferências carimbadas etc.) e o serviço da dívida. Em 2015, o conjunto desses suborçamentos imexíveis alcançou fatias acima de 60% da receita total relevante. Na União, embora com configuração um pouco diferente, o problema é basicamente o mesmo.

E o pior é que o espaço aberto pela transferência dos I&P para a conta residual vem sendo ocupado por novas contratações de servidores ou reajustes salariais para os existentes, já que os segmentos têm direito a quinhões fixos do orçamento total. Essa é a melhor explicação para a escalada recente do gasto de pessoal. E como há outras secretarias igualmente importantes a atender, como a de Segurança Pública, sem falar nos investimentos em infraestrutura, a folha dos I&P ficou sem pai nem mãe.

Em que pese haver previsão legal para a busca de equilíbrio atuarial nos regimes previdenciários de todas as esferas de governo, temos evoluído muito pouco nessa direção. É preciso projetar receitas e despesas para, digamos, os próximos 75 anos, apurar o resultado financeiro anual, e, imaginando a prevalência de déficits, calcular o passivo total a preços constantes e em termos de valor presente, a fim de adotar as medidas adequadas de correção. Basicamente, essas medidas seriam: aumento da contribuição dos ativos e inativos e destinação de maiores contribuições do empregador (os governos) e/ou ativos/recebíveis financeiros ou reais de sua propriedade.

Os estados mais endividados conseguiram algum alívio financeiro junto à União na recente renegociação, ora em exame no Senado. Deixando o tema dos precatórios de fora por falta de espaço, as atenções deveriam se concentrar no equacionamento dos gigantescos passivos atuariais de todos os entes, inclusive a União. Sem o encaminhamento desse problema, muitos estados terão de começar a atrasar o pagamento da folha de I&P, entre outros itens do Orçamento, como alguns já fizeram, algo que sempre causa algum tremor social.

Assim, deveria haver um pacto entre as partes envolvidas, inclusive os representantes dos servidores em geral, em torno, em primeiro lugar, da criação de um fundo de pagamento de I&P, para onde se dirigiriam essas contribuições e os citados ativos/recebíveis, com vistas a zerar ou reduzir drasticamente os respectivos déficits atuariais, e em segundo na aprovação de todas as medidas requeridas no Congresso e nas respectivas assembleias.

A contribuição do empregador seria um percentual de todos os suborçamentos, considerando o peso de cada na despesa com I&P. Dever-se-ia ainda facilitar a antecipação das receitas das vendas dos ativos/recebíveis que forem destinados aos fundos, como forma de evitar uma enorme calamidade financeira e humana no curtíssimo prazo. As autoridades fazendárias federais vêm financiando, e continuarão a financiar déficits gigantescos com emissão de moeda, mesmo com a difícil aprovação da PEC do Teto, mas deixam implícito que os estados têm de se virar como puderem.

Finalmente, deverão ser aprovadas medidas de reforma previdenciária afetando os futuros I&P e capazes de contribuir de forma expressiva para o reequilíbrio atuarial em causa. Dessa forma, os atrasos de pagamento seriam evitados e o futuro estaria garantido.

O pacto referido neste artigo poderia finalmente incluir a aprovação das medidas de ajuste fiscal ora tentadas pela área federal, sem falar nas reformas previdenciárias em gestação no Ministério da Fazenda, ao que parece abrangendo tanto os regimes próprios como o Regime Geral do INSS. Só assim o país se daria os braços na busca do bem comum.

Pela segunda vez em uma geração, Brasil tenta sair do buraco econômico - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 10/10

SÃO PAULO - Esta semana pode marcar a abertura de um longo período de alterações constitucionais no domínio econômico. O congelamento do gasto global do setor público, se for cimentado sobretudo pela reforma previdenciária, alterará em alguns graus o curso do transatlântico.

No correr dos anos, lentamente, ele vai se desviar da rota de choque com os rochedos da falência civil, que no modo brasileiro costuma significar inflação e desigualdade ascendentes, desorganização produtiva e estagnação econômica.

A ocasião se assemelha à do início dos anos 1990. Como acontece hoje, o país vinha de uma trombada recessiva e de uma crise política que decapitara o presidente da República. Como agora, deparava-se com amarras constitucionais a bloquear o avanço da produtividade.

Seja porque a visão da forca ajuda a concentrar o pensamento, seja por outra razão, a resposta do sistema político submetido ao estresse foi notável. De 1995 a 2006, maiorias de no mínimo 3/5 do Congresso aprovaram cerca de 30 mudanças na Carta com impacto na economia.

Outra batelada de consertos infraconstitucionais foi implementada ao longo daquele período. Tanto ativismo normativo favoreceu a abertura à competição econômica, o fortalecimento do direito de propriedade, o florescimento do crédito e a percolação da eficiência produtiva por diversos setores antes fossilizados.

Deixou-se sem remédio eficaz, contudo, a insustentável marcha da despesa pública. Mais tarde, a volta do velho desenvolvimentismo com seu consórcio de parasitas do Estado colocou obrigações pesadíssimas sobre os ombros de algumas gerações de contribuintes brasileiros.

O Brasil quebrou, mas o passado e eventos recentes indicam que talvez tenha preservado a capacidade de reformar-se na crise para melhorar a perspectiva do futuro. É o que veremos a partir de agora.

Delações sem fim - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 10/10

Os 'aditamentos' nas delações de executivos da Camargo Corrêa e da Andrade Gutierrez na Lava Jato já estão avançando



Os “aditamentos” nas delações de executivos da Camargo Corrêa e da Andrade Gutierrez na Lava Jato, em razão das novas revelações das colaborações da Odebrecht, da OAS e de Sérgio Machado já estão avançando. Um dos acionistas da Camargo Corrêa, Luiz Nascimento, deve confirmar aos procuradores de Curitiba que pagou pessoalmente R$ 350 mil a Machado, ex-presidente da Transpetro, por contratos do Estaleiro Atlântico Sul.

Segundo entendimentos preliminares, Nascimento deve afirmar que a construtora Queiroz Galvão, sócia no estaleiro, também pagou propina a Machado.

A Camargo Corrêa vai relatar ainda pagamento de propina ao PSDB de São Paulo por intermédio do ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. A empresa irá reconhecer cartel, fraude e superfaturamento nas obras do Rodoanel e do metrô de 2007 a 2014, nos governos José Serra e Geraldo Alckmin.

Mesmo com o “recall”, temem que as delações sejam anuladas caso o MPF entenda que as omissões foram intencionais.

REVISÃO 1
Executivos da Andrade podem envolver Aécio e Berzoini Nas negociações para que relatem propina na obra da Cidade Administrativa, no governo de Minas, os procuradores pedem que executivos da Andrade Gutierrez confirmem se ela foi paga a Oswaldo Borges da Costa Filho, o Oswaldinho, ligado a Aécio Neves (PSDB). A Andrade dirá que pagou propina pela obra da usina de Santo Antonio ao ex-ministro Ricardo Berzoini, que já foi citado em colaborações de ex-diretores da empresa.

NOS TRILHOS
Governo vai liberar R$ 153 mi para retomar Transnordestina O governo autorizou a liberação de R$ 153 milhões de reais para a retomada da ferrovia Transnordestina pela CSN. Os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Helder Barbalho (Integração) se reuniram na semana passada com Benjamin Steinbruch, que relatou a situação das obras e pediu nada menos que R$ 300 milhões para conclui-las. Levou a metade e deixou o encontro com a promessa de criar 8 mil postos de trabalho.

TETO 1
Governo monta plantão jurídico para garantir a votação Após a manifestação da Procuradoria-Geral da República pela inconstitucionalidade da do teto de gastos, o governo se preparou para rebater uma chuva de ações contra a votação da PEC nesta semana.

TETO 2
Blindagem na base contra “corporativismo” de servidores Outro medo do governo é que os deputados sejam pressionados por “interesses corporativistas” de categorias de servidores públicos, que veem na PEC do teto de gastos um sinal de congelamento de salários em médio e longo prazos. “Essa elite do funcionalismo representa um porcentual mínimo da população”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

PODE ESPERAR
Negociação da Previdência só depois da viagem de Temer A rodada com centrais sindicais, na terça-feira, será a única reunião que Michel Temer terá para tratar da reforma da Previdência antes da viagem à Índia e ao Japão, na quinta-feira. Não há tempo hábil para organizar uma mesa com empresários numa semana dominada pelo teto e encurtada pelo feriado. O presidente volta dia 20, a tempo de acompanhar o segundo turno  da PEC na Câmara

'Designated survivor' à brasileira - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

ESTADÃO - 10/10

Diante do avanço das negociações para a delação da Odebrecht, seria oportuno haver alguém predestinado a sobreviver



Nova série de TV gringa explora o drama do único e predestinado sobrevivente do governo dos EUA após ataque catastrófico que elimina de uma só vez o presidente, seu vice, os principais ministros - além da cúpula do Congresso e a Suprema Corte. Ele fora escolhido com antecedência para ficar escondido. Sem a paranoia da Guerra Fria nem o trauma do 11 de Setembro, no Brasil não há precaução similar. Mas, diante do avanço das negociações para a delação da Odebrecht, seria oportuno haver.

Nos EUA, o "sobrevivente designado" é levado para local secreto longe de Washington durante o discurso anual que o presidente faz no Capitólio e que é conhecido por "o estado da União". Nessa ocasião, toda a cúpula do poder político norte-americano se reúne com pompa em um local fechado e restrito por horas. É a oportunidade perfeita para um atentado terrorista devastador.

Até os ataques simultâneos às Torres Gêmeas e ao Pentágono, o protocolo era tratado como aborrecida obrigação. Pelo relato do "Washington Post", o "designated survivor" de 1997, o ministro da Agricultura Dan Glickman, passou aperto, tamanho o descaso.

Ele foi levado pelo Serviço Secreto ao apartamento de sua filha em Nova York, enquanto todo o resto do gabinete assistia pessoalmente ao discurso de Bill Clinton no Congresso. Finda a cerimônia, Glickman procurou os seguranças para voltar para casa. Tinham partido sem avisá-lo. Ficou na calçada, debaixo de chuva, tentando chamar um táxi. Não havia Uber na época.

Nos últimos 15 anos, porém, a operação envolvendo aquele que é escolhido para sobreviver passou a ser levada mais a sério. Detalhes como local do esconderijo, aparato de segurança e o que o "sobrevivente" fez ou deixou de fazer são segredos de Estado.

Sabe-se apenas que o escolhido precisa ter mais de 35 anos e ser nascido nos EUA. A regra tem alguns detalhes bizantinos. Se o sobrevivente for o ministro da Habitação, e, por acaso, o ministro das Relações Exteriores estiver no exterior e também sobreviver, este último será o novo presidente - apenas porque seu cargo foi criado antes que o do outro.

Há pouco tempo, os EUA passaram a ter um segundo "designated survivor" entre deputados e senadores. Sua missão é ajudar seu par a reconstruir o poder. Dado o espírito do tempo, melhor adaptar a regra por aqui. No Brasil, a ameaça de aniquilação da cúpula política não vem do exterior. É doméstica, bem familiar.

Diante das centenas de nomes de políticos brasileiros que constam das planilhas do setor de "operações estruturadas" - a central de propinas da Odebrecht -, talvez fosse a hora de começar a pensar em um protocolo de "sobrevivente escolhido".

Piada? Não faz muitas semanas o Brasil se viu à beira de ser presidido pelo deputado Waldir Maranhão (PP-MA). Não era terrorismo, mas a perspectiva provocou terror em Brasília. Foi necessário improvisar um esquema para evitar que a linha sucessória chegasse ao presidente da Câmara então em exercício.

É melhor estar preparado para a hipótese de a Polícia Federal e os procuradores da República abrirem os ouvidos a tudo o que Marcelo Odebrecht e executivos do grupo quiserem dizer, sem restrições de tempo, governo ou coloração partidária. É difícil? Sim, mas já pareceu impossível. Ninguém previu o 11 de Setembro.

Duro mesmo seria escolher o sobrevivente designado, seja na Esplanada dos Ministérios ou no Congresso - especialmente se os pretendentes a delator confirmarem os apelidos que constam ao lado dos valores nas planilhas apreendidas. "Atleta", por exemplo, estaria automaticamente excluído da linha sucessória. O ministro equivalente ao "designated survivor" da série também.

De exclusão em exclusão, não seria surpresa se a escolha do presidente sobrevivente recaísse sobre um nome do Judiciário. Em tempos de antipolítica, nada mais oportuno.

De volta ao futuro - PAULO GUEDES

O Globo - 10/10

Sinal de governabilidade após o impeachment, a aprovação da PEC 241 é o primeiro passo para a recuperação das finanças públicas e a retomada do crescimento


A aprovação da proposta de emenda constitucional que limita a expansão dos gastos públicos (PEC 241) é decisiva não apenas para o curto mandato do governo Temer, mas principalmente para o futuro do país. Sinal de governabilidade após o impeachment, indica capacidade de coordenação política e anuncia também, na dimensão econômica, uma gradual recuperação das finanças públicas. Uma importante ferramenta das lideranças partidárias para a aprovação da PEC 241 é “fechar questão”, o que tenho chamado de “cláusula de votação em bloco”, garantindo todos os votos do partido no assunto sob exame. Quando associado a uma “cláusula de fidelidade partidária”, esse fechamento de questão tem se demonstrado um instrumento efetivo de governabilidade. Sempre que acionado, viabilizou apoio parlamentar orgânico e no atacado, sem a necessidade de recorrer à compra disfuncional e no varejo de um apoio mercenário que desmoraliza os partidos e a fidelidade partidária de seus membros.

A ininterrupta escalada dos gastos públicos como porcentagem do PIB é um problema estrutural herdado do antigo regime militar. Foi agravada por sucessivos governos de uma obsoleta social-democracia, que lubrificou fisiológicas alianças com piratas privados e criaturas do pântano político à base de despesas crescendo sempre acima da inflação. Essa falta de compromisso com o controle de gastos públicos foi o calcanhar de aquiles de todos os nossos programas de estabilização. A PEC 241 assegura a reversão dessa explosiva trajetória dos gastos públicos em relação ao PIB, por um horizonte de 20 anos.

Prisioneiros da armadilha do baixo crescimento, com juros astronômicos e impostos excessivos, custamos a perceber que a estagflação na economia e a corrupção na política são as duas faces dessa perversa dinâmica fiscal. São legítimas as ampliações de gastos de uma democracia emergente em Saúde, Educação e Previdência Social. É meritória a democratização dos orçamentos públicos com programas sociais de transferência de renda. Mas, após três décadas de redemocratização, sofremos ainda pelo despreparo a respeito das necessárias reformas que tornem sustentáveis as trajetórias desses gastos. A aprovação da PEC 241 é apenas o primeiro passo de volta a um futuro de prosperidade.


Pichações, bofetadas na cidade - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 10/10

As cicatrizes que desfiguram o rosto de São Paulo e do Brasil podem ser superadas


No dia seguinte ao debate dos candidatos à Prefeitura de São Paulo na TV Globo, em que a pichação foi criticada por João Doria (PSDB) e Marta Suplicy (PMDB), o Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera, zona sul, e a Estátua do Borba Gato, em Santo Amaro, na mesma região, amanheceram cobertos de tinta colorida: rosa, verde, amarela e azul. A barbárie é ponta do iceberg de algo mais grave: a degradação das cidades e a incompetência arrogante das suas autoridades.

A reação do prefeito Fernando Haddad (PT) foi emblemática. Em campanha na zona leste, Haddad disse achar que as pichações podem ser fruto da radicalização criada no debate.

“Acho que tem a ver com o tipo de provocação que foi feito no debate. Quando você instiga as pessoas, desafia as pessoas, como Doria e Marta fizeram, dizendo que ‘não vai acontecer nunca mais’. Não é assim que se fala com as pessoas, se dialoga”, afirmou. Lamentável. É a defesa do diálogo demagógico e transgressor. O crime não deve ser punido. A lei não deve ser cumprida. No episódio, a cidade de São Paulo foi demitida por seu governante.

O centro antigo de São Paulo, por exemplo, está à deriva. Edifícios pichados, prédios invadidos, gente sofrida e abandonada, prostituição a céu aberto, zumbis afundados no crack, uma cidade sem alma e desfigurada pela ausência criminosa do poder público.

Nós, jornalistas, precisamos mostrar a realidade. Não podemos ficar reféns das assessorias de comunicação e das maquiagens que falam de uma revitalização que só existe no papel. Temos o dever de pôr o dedo na chaga. Fazer reportagem. Escancarar as contradições entre o discurso empolado e a realidade cruel. Basta percorrer três quarteirões.

As pautas não estão dentro das redações. Elas gritam em cada esquina. É só pôr o pé na rua e a reportagem salta na nossa frente. Os jornais precisam ter cheiro de asfalto.

Jornalismo é isso: mostrar a vida, com suas luzes e suas sombras. São Paulo, a cidade mais rica do País e um dos maiores orçamentos públicos, é um retrato de corpo inteiro da falência do Estado.

Também o Brasil, um país continental, sem conflitos externos, com um povo bom e trabalhador, está na banguela. Os serviços públicos não funcionam. Basta pensar na educação. A competitividade global reclama crescentemente gente bem formada. Quando comparamos a revolução educacional sul-coreana com a desqualificação da nossa educação, dá vontade de chorar. A assustadora falta de mão de obra com formação mínima é um gritante atestado do descalabro da recente “pátria educadora”.

Governos sempre exibem números chamativos. E daí? Educação não é prédio. Muito menos galpão. É muito mais. É projeto pedagógico. É exigência. É liberdade. É humanismo. É aposta na formação do cidadão com sensibilidade e senso crítico.

O custo humano e social da incompetência e da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade em velocidade assustadora.

Os protestos que tomaram conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública. Há uma clara percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil. Os gastos públicos aumentaram assustadoramente.

A Lava Jato trabalha bem. Mas a percepção de impunidade é ainda muito forte. Ela empurra a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas, esperam uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é gravíssima. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. Os governos podem perder o controle da situação.

Promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte da promoção de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade.

Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça a nossa democracia.

A sociedade está cansada da inconsistência de alguns governantes, de tanto jogo de faz de conta, de tanto cinismo. Quer mudança. Quer um projeto verdadeiramente transformador.

As cicatrizes que desfiguram o rosto de São Paulo e do Brasil podem ser superadas. Dinheiro existe, e muito. Falta vergonha na cara, competência e um mínimo de espírito público.

*Jornalista

Votação de teto dos gastos públicos pode levar a salto no precipício - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 10/10

BRASÍLIA - Entre o teto e o precipício. É basicamente sobre isso que a Câmara dos Deputados irá decidir a partir desta segunda (10), quando começa a ser votado no plenário da Casa o teto dos gastos públicos.

Os parlamentares terão de decidir o futuro do Brasil. Se o Estado passará a viver de acordo com o que arrecada ou se continuará vivendo no mundo da fantasia, para bancar a farra de corporações e saltar no precipício, levando junto todo o país.

A história recente brasileira deveria servir de exemplo para os senhores deputados tomarem sua decisão. Depois de um período de respeito à responsabilidade fiscal, Executivo e Legislativo deram-se as mãos, sob aplausos das corporações, e se entregaram à gastança.

O que isso significou? Basta olhar os números. Estamos vivendo a pior recessão da nossa história. O número de desempregados bateu em 12 milhões e vai subir, antes de cair. E o rombo das contas públicas será de R$ 170,5 bilhões neste ano.

Caso a triste realidade econômica brasileira não seja argumento suficiente para convencer os parlamentares, eles deveriam tratar a votação como uma questão de sobrevivência política. E aí está o exemplo fresquinho da petista Dilma Rousseff.

A ex-presidente herdou de seu criador, Lula, um país arrumadinho, crescendo, tirando milhões da pobreza, gerando emprego, com as contas no azul. Aí, em vez de persistir no caminho, partiu para o experimentalismo econômico.

Lembro de várias conversas com seus assessores, que diziam que se endividar não era problema, que o Estado precisava induzir o crescimento diante da crise e tudo o que sabiam fazer era jogar dinheiro na economia como se crescesse em árvore.

Recordo de ter dito ao ex-ministro Guido Mantega que eles iriam quebrar o país. A resposta foi curta: você é um neoliberal. Bem, Dilma caiu, afundou o PT e arrastou o país junto. E não foi a Lava Jato a principal algoz dos petistas. Foi a economia.

Por que Crivella deverá vencer - RICARDO NOBLAT

O Globo - 10/10

Marcelo Freixo (PSOL) sabe que remotamente ganhará a prefeitura do Rio. Sabe que o melhor para ele seria perdê-la, pela segunda vez. Por isso, hesita em enfrentar Marcelo Crivella (PRB) com a garra e o gosto de sangue na boca, marcas de um candidato disposto a vencer. Freixo quer conservar-se como a maior referência da esquerda no Rio para disputar o governo do estado, em 2018. E talvez esteja certo.


QUEM, DE FATO, venceu a eleição do Rio no primeiro turno foi a soma de abstenção com brancos e nulos, que chegou a 42,54%. Os 25% dos eleitores que votaram em Crivella representaram algo como 25% do total apto a votar. Freixo beneficiou-se do racha da direita. Juntos, Pedro Paulo (PMDB), Flávio Bolsonaro (PSC), Indio da Costa (PSD) e Carlos Osorio (PSDB) tiveram quase 48% dos votos.

ELEITO DEPUTADO estadual em 2006, com 13.574 votos, e reeleito com 177.253, Freixo alcançou quase 30% dos votos válidos (914.082) ao disputar a prefeitura do Rio em 2012. Perdeu para Eduardo Paes (PMDB). Na época, foi o segundo mais votado entre oito candidatos. Dispensou aliança com outros partidos. Quase não teve tempo de propaganda no rádio e na televisão. Fez a campanha mais barata.

VALEU-SE DA MESMA receita este ano. Com uma diferença, como ele observa: passou para o segundo turno. E terá, no rádio e na televisão, o mesmo tempo de propaganda do seu adversário. Em 2008, apoiado pelo PSDB e o PPS, o jornalista Fernando Gabeira (PV), candidato a prefeito do Rio, acabou derrotado no segundo turno por uma diferença de apenas 1,66% dos votos para Paes.

TEMPO DE propaganda igual pode fazer diferença, sim, mas não impede que no segundo turno alguém vença e alguém perca. Em 2006, por exemplo, Geraldo Alckmin (PSDB), autor, este ano, do feito notável de eleger um poste prefeito de São Paulo no primeiro turno, bateu-se com Lula no segundo turno da eleição presidencial. Teve menos votos do que no primeiro. Um prodígio.

FREIXO NÃO DÁ a impressão de que possa ou esteja empenhado em reverter a derrota por ora desenhada. Ganhou de graça o apoio do PCdoB, do PT, da Rede e do PSB. A candidata do PCdoB atraiu menos de 4% dos votos. O PT não teve candidato próprio. O da Rede não passou de 1,5% dos votos. E no PSB do Rio, quem tem voto (o senador Romário) desfila com Crivella por aí.

FREIXO APRESSOU-SE a dizer que Lula e Marina Silva não terão lugar no seu palanque. Candidato interessado em vencer comporta-se assim? Freixo e Crivella disseram descartar o apoio do PMDB. Mas Crivella mentiu. Freixo parece que não. Crivella suou para arrancar o apoio de Indio e de Osorio. Freixo apenas conversou com os dois. Indio apoiará Crivella nesta quarta-feira. Osorio já apoia.

NO PRIMEIRO TURNO, a vantagem de Crivella sobre Freixo foi de 9,52% dos votos válidos. A primeira pesquisa de segundo turno divulgada pelo Datafolha conferiu a Crivella uma vantagem de 17 pontos percentuais. A única notícia boa que a pesquisa trouxe para Freixo é que ele vence Crivella entre os eleitores que ganham mais de dez salários mínimos. Que ironia para um candidato de esquerda!

O QUE NÃO QUER dizer que os ricos estejam errados quando enxergam nele o melhor nome para governar a cidade. Nem que os pobres estejam certos ao preferir Crivella. Na verdade, o tamanho do não voto é que será a melhor indicação do que pensa dos dois candidatos boa parte dos eleitores do Rio.

A importância da PEC do Teto - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 10/10

A medida que tramita no Congresso tem o poder de estancar o crescimento descontrolado, e muitas vezes irracional, dos gastos públicos


O grande teste do governo Michel Temer está em curso: após a aprovação em comissão especial, na semana passada, a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto de gastos, parte importante de um conjunto imprescindível de ações para evitar a insolvência do país nos próximos anos, deve ir a plenário nesta semana. Trata-se de uma primeira medida urgente, necessária e sem a qual o país não irá tão cedo retomar o crescimento econômico.

Políticas fiscais expansionistas adotadas nos últimos governos conduziram a uma aguda deterioração nas contas públicas. A trajetória crescente do endividamento do governo federal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), fruto da má gestão financeira petista, é bastante grave e precisa ser atacada rapidamente. A dívida bruta do setor público fechou 2015 correspondendo a 66,2% do PIB (contra 57,2% no fim de 2014) e deve ultrapassar os 70% ainda neste ano. Em abril de 2016 (antes do impeachment, portanto), o Fundo Monetário Internacional alertava que a dívida brasileira poderia ultrapassar os 90% do PIB em 2021.

Como porcentagem do PIB, a dívida brasileira ainda é menor que a de vários países – está bem longe, por exemplo, dos mais de 240% do Japão –, mas é uma dívida cara: o pagamento de juros rivaliza apenas com os gastos da Previdência entre as maiores rubricas do orçamento nacional. Mesmo bons superávits primários são insuficientes para cobrir as centenas de bilhões de reais gastos anualmente com os juros. Com esse crescimento quase que inercial da dívida pública, sobram poucas alternativas realistas ao governo. Aumentar impostos alivia o caixa no curto prazo, mas não resolve o problema, além de reduzir o poder aquisitivo das pessoas e a capacidade de investimento das empresas, o que tende a agravar a crise. Sobram fazer ainda mais dívida ou emitir moeda, o que aumentaria a inflação, um cenário assustador para um país que há não muito tempo viveu o drama da hiperinflação.

Como facilmente se nota, nenhuma das alternativas descritas é, de fato, uma solução realista ao problema criado pelo próprio governo. Daí ser do mais amplo e irrestrito interesse da sociedade que a PEC do teto de gastos seja aprovada ainda neste ano. Além de dar previsibilidade sobre o montante do gasto público anual, a aprovação da medida vai sinalizar claramente ao mercado que tanto o governo quanto o Congresso não estão para brincadeiras no compromisso de retirar o país da crise.

A bem da verdade, será o primeiro ato concreto desde o início do governo Temer para sanear as contas públicas. E, enquanto a proposta não for aprovada, o mercado certamente vai continuar em compasso de espera, aguardando sinais que deem credibilidade ao discurso do governo e que resultem em alguma previsibilidade à economia. Não se espera, desta PEC, que seja o remédio para todos os males gerados pelas desastrosas administrações lulopetistas. Mas ela tem o poder de estancar o crescimento descontrolado, e muitas vezes irracional, dos gastos públicos. Nesse sentido, poderá ser tão importante quanto foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000.

Mas a PEC do Teto enfrenta obstáculos. A bancada governista a vê como maneira de chantagear Temer em busca de cargos – foi assim que o presidente do Senado, Renan Calheiros, conseguiu emplacar um réu no STF, Marx Beltrão, no Ministério do Turismo. Por outro lado, a oposição, assim como fez com a LRF e o próprio Plano Real, faz o que pode para barrar a PEC do Teto para impor uma derrota a Temer e pela convicção ideológica que vê – erroneamente – nos gastos do Estado o grande motor da economia. Se essa dupla irresponsabilidade prosperar, aproximará o que o relator da PEC na comissão especial, deputado Darcísio Perondi, chamou de “dia do juízo fiscal”, numa comparação que de exagerada não tem nada.

Um país afundado em dívidas - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 10/10

Endividamento público e privado impõe desafios à politica fiscal


Com o governo atolado em dívidas e sem perspectiva de arrumar suas finanças a curto prazo, as empresas brasileiras mais endividadas terão de buscar no mercado a solução para seus problemas. As condições internacionais ainda são benignas, mas poderão piorar quando os juros subirem de novo nos Estados Unidos. Quando isso ocorrer, muito dinheiro hoje disponível para os emergentes será provavelmente desviado para aplicação em ativos americanos. Riscos financeiros são hoje elevados em todo o mundo e a situação de alguns grandes bancos europeus preocupa os mercados. Mas governos do mundo rico e de alguns países emergentes têm algum espaço para socorrer companhias endividadas e facilitar o ajuste do sistema bancário. No Brasil, o setor público terá de se empenhar prioritariamente, por muitos anos, em melhorar o próprio balanço.

Este quadro resume informações importantes – e pouco animadoras – de dois documentos liberados na semana passada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e comentados por diretores da instituição. Um relatório sobre finanças globais mostrou um cenário de curto prazo melhor que o esperado e uma coleção de riscos significativos a médio prazo. Outro relatório mostrou como o enorme endividamento público e privado impôs desafios à política fiscal. Nos dois estudos, mas especialmente no segundo, o Brasil aparece em situação especialmente vulnerável.

A dívida bruta do setor empresarial, das famílias e dos governos atingiu US$ 152 trilhões no ano passado, valor correspondente a 225% do produto bruto mundial. Oito anos depois do estouro da última grande crise financeira, em 2008, o risco financeiro permanece elevado. A recessão foi superada na maior parte do mundo, mas o crescimento continua insatisfatório, desajustes importantes subsistem e o endividamento excessivo ameaça de novo a estabilidade mundial.

Vários fatores negativos diferenciam a posição brasileira nesse quadro. Depois de dois anos de recessão, a economia continua em marcha lenta, a inflação ainda é elevada, as contas públicas estão arrasadas e o setor não financeiro – público e privado – enfrenta os efeitos do endividamento acumulado nos últimos anos. Com a contração dos negócios e o aperto do crédito, a situação financeira das empresas, principalmente das grandes, ficou muito complicada.

Segundo o FMI, as firmas “fracas”, isto é, com dificuldade para cobrir os juros, devem cerca de US$ 51 bilhões, aproximadamente 11% de todo o débito corporativo. Num cenário adverso, a dívida em risco poderá subir para US$ 88 bilhões. A recomendação é aproveitar as condições internacionais por enquanto favoráveis.

Em países com menor aperto fiscal os governos poderão socorrer as firmas endividadas. O caso do Brasil é muito diferente. A dívida bruta do setor público bateu em 73% do Produto Interno Bruto (PIB), 30 pontos acima da média de outros emergentes.

Se o governo conseguir arrumar as próprias contas nos próximos anos, já fará um serviço muito importante. Se mostrar forte compromisso com a pauta de ajustes e de reformas, empresários e investidores privados se animarão a intensificar os negócios e isso facilitará a recuperação geral da economia.

Pelas projeções do FMI, o saldo primário das contas públicas – sem os juros, portanto – continuará deficitário até 2019. Para 2020 está estimado um saldo positivo equivalente a 0,3% do PIB. O resultado deverá chegar a 0,7% no ano seguinte. Mas isso ainda será insuficiente para impedir a deterioração geral das contas. O saldo nominal – com o custo dos juros – continuará no vermelho, com valores negativos de 7% em 2020 e 6,4% em 2021.

Como o dinheiro, até lá, será insuficiente para o pagamento integral dos juros, a dívida bruta chegará a 90,8% do PIB em 2020 e a 93,6% no ano seguinte. Em 2021, a dívida pública dos emergentes e dos países de renda média corresponderá a 52,6% do PIB, de acordo com o FMI. Para a América Latina, a média projetada é 63,6%. Também a deterioração da situação financeira do setor público brasileiro expressa nesses números é parte da herança deixada pelo PT.

Segurança jurídica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/10

Era esperado o esvaziamento dos clamores do PT e aliados, à medida que o tempo passasse e o governo Temer continuasse a trabalhar. E o que não falta é trabalho para retirar o país da crise em que Dilma e o lulopetismo o colocaram, e da qual a expressão mais dramática e trágica são os 12 milhões de desempregados, número que ainda crescerá até o primeiro semestre de 2017.

Especialista em forjar slogans e teses para animar a militância, o PT , diante da inevitabilidade do impeachment de Dilma Rousseff, cunhou a ideia do “golpe”, panfletada até no exterior. Mesmo que os fatos reais o desmentissem todos os dias. Afinal, jamais se viu um golpe em que a Constituição e leis correlatas fossem cumpridas com tamanho zelo.

Tampouco um “golpe” com o Supremo Tribunal na função de guardião de todos os ritos do impedimento — por sinal, criados por ele. À presidente afastada foi permitido, inclusive, continuar residindo no Palácio da Alvorada, às expensas do contribuinte.

Como estabelecido em lei, o então presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, dirigiu as sessões propriamente ditas de julgamento, no Senado, perante o qual a supostamente golpeada Dilma pôde se defender sem interrupções e responder a perguntas dos parlamentares, estes sem direito a réplicas.

Enquanto a tramitação do processo de impedimento esvaziava o “golpe”, tentou-se a alternativa sonhática de, se preservada a presidente, seria convocado um plebiscito para deliberar sobre a antecipação das eleições de 2018. O próprio presidente do PT, Rui Falcão, entendeu que esta operação levaria tanto tempo que seria melhor esperar 2018. É claro que a economia, aos frangalhos, não resistiria a tanta incerteza e iria a pique, numa debacle incomensurável.

Em último recurso, lulopetistas alçaram a bandeira das “diretas já”, simpática por relembrar o movimento da década de 80, nos estertores da ditadura. Mas inexequível, por ser inconstitucional. Deve-se, então, entender a proposta apenas como forma de manter acesa a chama militante até 2018.

Não é possível antecipar o pleito de 2018 porque a periodicidade das eleições está preservada como cláusula pétrea. Também impede a mudança o fato de o direito de o vice-presidente assumir, na ausência do titular do cargo — não importa por qual motivo —, também não pode ser alterado por emenda. Também por tudo isso a ideia do plebiscito era vazia.

Uma decorrência da crise do impeachment de Dilma é a importância de se seguir a Carta, essencial para reforçar a segurança jurídica, fator-chave até na atração de investimentos para o país. O caminho a seguir até as próximas eleições é inexorável. Presidente com o cargo garantido por lei, Temer, eleito pelos mesmos 54 milhões de votos com os quais Dilma assumiu, só sairá do Planalto à meia-noite de 31 de dezembro de daqui a dois anos. Se não puder continuar, eleição indireta feita no Congresso, para alguém concluir o mandato.