terça-feira, setembro 27, 2016

As 149 páginas que o Brasil não leu - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Este Brasil lindo e trigueiro, malandro e brejeiro, se fixou no PowerPoint. Tudo bem. A Olimpíada acabou, o pessoal precisa se divertir com alguma coisa. Mas, sem querer ofender ninguém, fica a sugestão: Brasil, leia a denúncia do Ministério Público Federal contra Lula. Não, não estamos falando de reportagem, nem de comentário, nem de flash na TV, no rádio ou na internet. Leia a denúncia assinada por 13 procuradores da República. São 149 páginas. Não dói tanto assim. Até diverte.

Ao final, você poderá tirar sua própria conclusão sobre a polêmica do momento: Lula era ou não era o comandante máximo do esquema da Lava-Jato? Perdoe o spoiler: você vai concluir que era. E que PowerPoint não é nada.

De saída, uma ressalva: a referida denúncia, apesar de sua extensão que dá uma preguiça danada neste Brasil brasileiro, é só o começo. As obras completas do filho do Brasil demandarão muito mais páginas – se é que um dia chegarão a ser publicadas na íntegra. De qualquer forma, ao final dessas primeiras 149, você não terá mais dúvidas sobre quem é Luiz Inácio da Silva e sobre quem é o Brasil delinquente que o impeachment barrou.

Os procuradores seguiram um caminho simples: o do dinheiro. A literatura da Lava Jato é tão vasta que a plateia se perde no emaranhado de delações, na aritmética dos laranjas e na geometria das trampolinagens. Aqui, a festa na floresta está organizada basicamente em três eixos: a ligação direta e comprovada de Lula com os diretores corruptos da Petrobras, incluindo a nomeação deles e sua manutenção no cargo para continuarem roubando; a ligação pessoal e comprovada de Lula com expoentes do clube das empreiteiras, organizado para assaltar a Petrobras; e a ligação orgânica e comprovada de Lula com os prepostos petistas e seus esquemas de prospecção de propinas.

José Dirceu, João Vaccari Neto e Silvinho Pereira são algumas dessas estrelas escaladas pelo ex-presidente para montar o duto nacionalista que depenou a Petrobras. Interessante notar que, quando Dirceu cai em desgraça por causa do mensalão, o esquema do petrolão continua a todo vapor – e o próprio Dirceu, mesmo proscrito, continua recebendo o produto do roubo. Claro que um ex-ministro sem cargo, investigado e, posteriormente, preso, só poderia atravessar todo esse calvário recebendo propina se continuasse tendo poder no esquema – e só uma pessoa poderia conferir tanto poder a um político defenestrado: o astro-rei do PowerPoint.

A novela da luta cívica de Lula em defesa de “Paulinho” (Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos mais famosos ladrões do esquema) é comovente. O então presidente da República não mede sacrifícios e atropelos para nomear e manter o gatuno no cargo. Os procuradores não foram genéricos em sua denúncia. Ao contrário, optaram por aproximar o foco de algumas triangulações tão específicas quanto eloquentes. Uma delas, envolvendo também Renato Duque – colocado pela turma de Lula na Diretoria de Serviços da Petrobras para roubar junto com o Paulinho –, ilumina outro protagonista da trama: Léo Pinheiro, executivo da OAS. Montado o elenco, os procuradores apresentam o eletrizante enredo do caso Conpar.

“A expansão de novos e grandiosos projetos de infraestrutura, incluindo a reforma e a construção de refinarias, criou um cenário propício para o desenvolvimento de práticas corruptas”, aponta a denúncia. Ou seja: o governo Lula criou um PAC da corrupção. O ladrão fez a ocasião. E entre as ocasiões mais apetitosas estava uma obra de R$ 1,3 bilhão na Refinaria Getúlio Vargas (Repar), que acabou custando R$ 2,3 bilhões. A OAS integrava o consórcio Conpar, que graças ao prestígio de Léo Pinheiro, amigo do rei, arrematou o contrato em flagrante “desatendimento da recomendação do departamento jurídico da Petrobras sobre a necessidade de avaliação da área financeira para a contratação do consórcio Conpar, em junho de 2007”.

Como 149 páginas não cabem em uma, fica só o aperitivo para este Brasil brejeiro largar o PowerPoint e conhecer, com seus próprios olhos, a denúncia que Sergio Moro acatou. O caso Conpar, como você já imaginou, termina em Guarujá. No mínimo, você aprenderá como ocultar (mal) um tríplex à beira-mar.


Pessoas ignorantes em política devem ter direito de votar? - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 27/09

Vamos ser honestos? A democracia não é o melhor regime político. Você sabe disso. As maiorias, muitas vezes, elegem governos incompetentes, mentirosos, corruptos. Até autoritários. Devemos conceder o direito de voto a quem não tem inteligência suficiente para escolhas responsáveis?

O cientista político Jason Brennan defende que não. O livro, que provocou polêmica nos Estados Unidos, intitula-se "Against Democracy" ("contra a democracia"). Não é um panfleto populista contra o populismo circunstancial de Donald Trump. É um estudo acadêmico com toneladas de bibliografia científica.

Tese do dr. Brennan: em todas as pesquisas disponíveis, os eleitores americanos são comprovadamente ignorantes sobre os assuntos da República. Desconhecem coisas básicas, como identificar qual dos partidos controla o Congresso. Para usar a terminologia de Brennan, a maioria dos eleitores se divide em "hobbits" e "hooligans".


Os "hobbits" são apáticos, apedeutas, raramente votam –e, quando votam, votam com a cabeça vazia.

Os "hooligans" são o contrário: fanáticos, como os torcedores do futebol, defendendo os seus "clubes" de uma forma irracional, ou seja, tribal. É possível perguntar a um "hooligan" democrata se ele concorda com uma política de Bush e antecipar a resposta. (É contra, claro.)

E depois, quando o pesquisador comunica ao "hooligan" que a referida política, afinal, é de Obama, o "hooligan" muda de opinião; ou afasta-se; ou indigna-se. Como dizia T. S. Eliot sobre Henry James, a cabeça de um "hooligan" é tão dura que nenhuma ideia é capaz de violá-la.

O eleitor ideal, para Brennan, é um "vulcan": alguém que pensa cientificamente sobre os assuntos. Mas os "vulcans" são artigo raro. Em democracia, somos obrigados a suportar as escolhas de "hobbits" e "hooligans".

Felizmente, Jason Brennan tem uma solução: se as pessoas precisam de uma licença para dirigir, o mesmo deveria acontecer para votar. "Epistocracia", eis a proposta. O governo dos conhecedores. Antes de votar, é preciso provar.

Existem vários modelos de epistocracia. Dois exemplos: todos teriam direito a um voto e depois, com a progressão acadêmica, haveria votos extra; ou, em alternativa, só haveria votos para quem tivesse boa nota em exame de política. Faz sentido?

Não, leitor, não faz. Seria possível escrever várias páginas de jornal a desconstruir o livro de Jason Brennan. Por falta de espaço, concentro-me na sua falha básica: Brennan, um cientista político, não compreende a natureza da política.

Como um bom racionalista, Brennan acredita que os fatos políticos são neutros; consequentemente, as escolhas do eleitor podem ser "científicas".

Acontece que nunca são: a política, ao contrário da matemática ou da geometria, lida com a complexidade e a imperfeição da vida humana.

Um "exame" de política, por exemplo, dependeria sempre das preferências políticas dos examinadores –nas perguntas e na correção das respostas. Brennan até pode defender perguntas "factuais" para respostas "factuais". Mas a simples escolha de certos temas (mais economia) em prejuízo de outros (menos história) já é uma escolha política.

Além disso, acreditar que diplomas acadêmicos conferem a alguém um poder especial em política é desconhecer o papel que os "intelectuais" tiveram nos horrores do século 20.

Ou, para não irmos tão longe, é ignorar o estado de fanatismo ideológico que as universidades, hoje, produzem e promovem.

Por último, não contesto que a maioria desconhece informação política relevante. Mas as pessoas não precisam de um Ph.D. para votarem. Basta que vivam em sociedade. Que sintam na pele o estado dos serviços públicos. O dinheiro que sobra (ou não sobra) no final do mês. A segurança que sentem (ou não sentem) nos seus bairros, nas suas cidades, nos seus países. E etc. etc.

Como lembrava o filósofo Michael Oakeshott, não se combatem ditadores com a balança comercial. Tradução: a política não depende apenas de um conhecimento técnico; é preciso um conhecimento prático, tradicional, vivencial. O conhecimento que só a experiência garante.

A democracia pode não ser o regime ideal para seres humanos ideais. Infelizmente, eu não conheço seres humanos ideais. No dia em que Jason Brennan me mostrar onde eles vivem, eu prometo jogar a democracia no lixo.


CRISTO RÉU - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

A Justiça dirá quem está com a vida mais dura, se os procuradores, transformados em saco de pancada da imprensa, ou se Lula, cujo problema não está no que ele nega — está no que ele admite

ESTÁ EM CIRCULAÇÃO, após receber usinagem na manufatura nacional de verdades pré-moldadas, a mais recente estimativa sobre o futuro político do ex-presidente Lula — a grande pergunta a ser respondida hoje na política brasileira, em sequência à agonia, óbito e enterro da Presidência de Dilma Rousseff. Parece tratar-se de um futuro promissor. Levando em conta o grosso do que foi dito a respeito até o momento, a denúncia por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro apresentada contra Lula pela Procuradoria-Geral da República em Curitiba está sendo uma boa noticia para o ex-presidente; quem arrumou um problema para si foram os procuradores. De acordo com a visão que acaba de ser laminada e se encontra à disposição dos consumidores, a acusação enfiou o pé numa imensa jaca. Sua denúncia, que acaba de ser aceita pelo juiz Sergio Moro e põe Lula na posição de réu, sujeito a ir para a cadeia, foi descrita como tecnicamente arruinada, amadora, inepta, sem provas, grosseira e burra. Lula. como resultado disso, teria sido automaticamente beneficiado; diante de uma acusação como a que foi feita, ganhou de graça o papel de Jesus Cristo, o único que aceita desde o começo de suas desventuras como Código Penal, e acabará sendo absolvido, pelo próprio Moro ou pelos tribunais superiores. Em seguida, disputará a Presidência da República em 2018 e será eleito para mais oito anos.

Se ele mesmo, Lula, acredita ou não nisso tudo é coisa em aberto. As decisões finais da Justiça vão dizer, em futuro mais ou menos próximo, se a denúncia contra Lula perante o juízo da 131 Vara Criminal Federal em Curitiba foi uma boa ou uma má notícia para o ex-presidente — e quem, afinal, está com a vida complicada, se são os procuradores, transformados em saco de pancada da imprensa, ou se é ele, transformado em réu. O que se pode afirmar com certeza, desde já, são duas coisas distintas. A primeira é que a denúncia, vista por muita gente como um espetáculo de auditório e não como um ato jurídico, ficou perfeitamente de pé — tanto que foi aceita e será julgada por Moro. Seu propósito foi agredir Lula, sem dúvida. Mas, do ponto de vista técnico, os procuradores têm provas de todas as acusações que fizeram; os fatos em relação aos quais não têm provas simplesmente não foram objeto de denúncia. Em segundo lugar, coloca-se finalmente em julgamento perante a lei penal um fato que aconteceu na vida real, sem a mínima dúvida, e que envenena a honra do ex-presidente desde o primeiro minuto dessa história: Lula recebeu milhões de reais de empreiteiras de obras públicas com as quais seu governo teve relações diretas. Não foi "contribuição de campanha", "doação para o partido'; ou coisa parecida. Foi dinheiro mesmo, pago a ele pessoalmente ou através do instituto que dirige. Não há força capaz de mudar isso.

O problema, para Lula, não está no que ele nega; está no que ele admite. Sim, atenção aqui: o réu não desmente os fatos apresentados contra ele. Para todos os efeitos, é como se tivesse assinado uma confissão. E o que Lula confessou? Ele nem precisou confessar nada, pois todo o dinheiro que recebeu está contabilizado oficialmente. Entre 2011 e 2014, o Instituto Lula e a LILS Palestras, Eventos e Publicações, empresa privada da qual o ex-presidente é dono, receberam, como doação ou em pagamento de palestras cobradas por Lula, cerca de 27 milhões de reais. Quem pagou? Não foram organizações beneméritas, e sim empresas que confessaram ter cometido atos de corrupção nos episódios do petrolão: tais empresas tiveram diretores condenados à prisão por esses crimes e aceitaram pagar indenizações pelos prejuízos que causaram. Uma das companhias envolvidas, a OAS, pagou 1,3 milhão de reais para guardar bens de Lula no depósito de uma transportadora de mudanças. A mesma empresa pagou 2,4 milhões de reais para fazer reformas no infausto triplex do Guarujá, cuja propriedade pesa como uma tonelada de chumbo sobre o patrimônio do ex-presidente. Mais claro que isso é impossível — e ninguém resumiu a coisa tão bem como seu assessor financeiro Paulo Okamotto. "A gente estava sem dinheiro na época em que montou o Instituto Lula", lembra Okamotto. "Daí pedimos ajuda às construtoras para pagar nossas despesas; qual é o crime?" É como se tivesse dito: "Bati a sua carteira, mas é que eu estava a perigo. Desculpe o mau jeito.

Eis o começo, o meio e o fim da história: Okamotto, o próprio Lula e mais todos os que se mostram indignados com as acusações acham que não há problema nenhum em nada disso. Caberá à Justiça, claro, decidir se Lula violou o Código Penal, ou não, ao aceitar os pagamentos citados acima. Mas não há absolutamente mais nada aprovar em matéria de moral — a menos que alguém acredite que é honesto aceitar dinheiro de empresas que receberam bilhões de reais do poder público, durante anos a fio, por terem sido escolhidas como fornecedores, prestadores de serviços ou construtores de obras. Trata- se de uma crença impossível. Esse dinheiro é contaminado na origem; não pode ser limpo nunca. Não pode ser aceito, e muito menos pedido - da mesmíssima maneira pela qual um governante não pode aceitar presentes de quem precisa do governo. Nem na empresa privada se admite que funcionários aceitem presentes — pelo menos quando se trata de empresas sérias. Como o mais alto funcionário do governo podia aceitar o que Lula aceitou?

As coisas ficaram ainda piores quando Okamotto se ofereceu para novas explicações. Tentou demonstrar, por exemplo, que Lula não tinha como evitar o recebimento de doações ou de pagamentos de empresas cujos negócios são afetados pelo poder público. Tinha, é claro: bastava não aceitar os donativos e os pagamentos. Mas o ponto aqui não é bem esse. "Me indique qual é a empresa", pediu ele, "que de uma forma ou outra não tem relação com governo, seja para fazer alguma legislação, seja para usar financiamento." São milhares de empresas, dr. Okamotto. A imensa maioria, de todos os tamanhos, de capital nacional ou de capital estrangeiro. A única relação que elas têm com o governo é pagar imposto — ou, pior ainda, defender-se contra extorsão de fiscais, a tirania dos burocratas e por ai vai. Talvez tudo tenha sido feito de boa-fé? Talvez Lula tenha pegado o dinheiro sem pensar direito no que estava fazendo? Talvez na sua cabeça não entre, realmente, que esse é um procedimento 100% desonesto? Talvez. Mas é o máximo que pode dizer em seu favor.

O resto é um monte de conversa absurda — como dizer, por exemplo, que Lula estava fazendo a mesma coisa que "o Bill Clinton" e cobrando caro, porque "fez muito mais do que ele". Invocaram até o patriotismo para explicar esse casamento com as empreiteiras. Não foi para Lula ganhar dinheiro; foi para ele ajudar o comércio externo brasileiro, dando apoio às nossas construtoras nos seus esforços para ganhar obras no mercado latino-americano. Ou foi para dar suporte à nossa diplomacia, na sua estratégia de fazer do Brasil um líder da América Latina. Só conseguiu de prático, ao que se sabe. construir um porto de graça em Cuba — de graça para Cuba, mas não para a Odebrecht, que cobrou pela obra no caixa do BNDES, nem, menos ainda, para o contribuinte brasileiro, que pagou até o último tostão por esse e outros gestos de amor ao Brasil.

O verdadeiro Lula agora em julgamento é esse.

Dados cruzados - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 27/09
Prisões mostram que o PT usou a Fazenda para arrecadar bem mais do que impostos. Foi um paciente quebra-cabeças o que levou à prisão de Antonio Palocci. A 35ª fase da Operação Lava-Jato pegou dados da 23ª, que prendeu João Santana e Mônica Moura, e que, por sua vez, ajudou a esclarecer pistas da 14ª, a que prendeu Marcelo Odebrecht. Foi com o cruzamento de dados que se chegou à planilha de propinas da construtura e à elucidação de quem é o “italiano".

O delegado Filipe Hille Pace e a procuradora Laura Tessler mostraram que a fase saiu desse quebra-cabeças, juntando um fio solto capturado numa fase com um e-mail encontrado em outra fase, e assim por diante. A Odebrecht está preparando a delação premiada da empresa e dos executivos, mas o que ficou claro na entrevista dos investigadores é que, ainda que eles não falassem, as provas já elucidam muitos fatos.

— Achamos uma planilha na 23ª onde havia um nome que não sabíamos quem era (italiano), e outras investigações nos levaram ao que deflagramos hoje. Nós não escolhemos uma pessoa e vamos procurar os dados. As informações que investigamos é que levam aos personagens — disse Filipe Pace.

Na 23ª fase, a Acarajé, foram presos, entre outros, os dois marqueteiros do PT e uma funcionária de confiança da Odebrecht, a secretária há mais de três década na empresa Maria Lúcia Guimarães Tavares. Ela entregou informações valiosas, e com ela foram apanhadas também planilhas de pagamentos de propinas, que, apesar dos codinomes, ajudaram a esclarecer vários pontos investigados. Por esse caminho se chegou ao setor de operações estruturadas da Odebrecht, a ala clandestina da empreiteira dedicada à corrupção. Para se saber quem era o “italiano” foi importante cruzar com informações que estavam no celular de Marcelo Odebrecht, apreendido quando ele foi preso na 14ª fase, a Erga Omnes.

O que impressiona é a quantidade de interesses que a Odebrecht tinha no governo, e os muitos fios que ligavam a construtura ao ex-ministro da Fazenda. Um deles era a Medida Provisória que recriava o crédito-prêmio de exportação. O absurdo desse benefício era evidente e o assunto foi ao Supremo, que felizmente derrubou a medida. Com essa vantagem frustrada, a Odebrecht começou a conversar com Palocci sobre como a empreiteira poderia ser “compensada”. Tudo impressiona pela desfaçatez. Uma delas está explícita no e-mail de Marcelo Odebrecht a seus assessores, quando ele diz que vai se encontrar com um político e que deve proteger o bolso. Ele responde: “a pergunta é se tem algo que eu posso buscar com ele.”

Os dados revelam que a ligação com Palocci acontece inicialmente com ele na Fazenda. Nesse caso, os investigadores tiveram que descobrir que JD não era José Dirceu, mas sim Juscelino Dourado, o chefe de gabinete de Palocci na Fazenda. Os contatos com a empreiteira continuaram no período em que ele não exercia cargo público, foram mantidos quando foi para a Casa Civil e permaneceu depois que saiu. Essa linha constante é que o levou à prisão, ontem, porque Palocci, dentro ou fora do governo, estava citado nos negócios da Odebrecht.

Palocci foi uma escolha inesperada para o Ministério da Fazenda em 2003. Havia dúvida se Lula escolheria para ministro Aloizio Mercadante ou Guido Mantega, que vinham assessorando a economia do PT desde o começo das disputas presidenciais. Os dois economistas defendiam ideias que se chocavam diretamente com as bases da estabilização e por isso a chegada do partido ao governo elevou o dólar e a inflação.

O médico Antonio Palocci foi um bom ministro da Fazenda, mas acabou derrotado pelo seu lado obscuro. Com grande capacidade de comunicação, uma equipe competente de economistas sem ligação partidária, Palocci venceu a crise de confiança, fez um ajuste fiscal em 2003 que permitiu o crescimento a partir de 2004.

Palocci tem muito a explicar, além das suas relações com a Odebrecht. Ele foi citado por recolher propina em Belo Monte na delação de Otávio Azevedo, da Andrade. E está na extensa lista de Delcídio Amaral. Não há relação entre a acusação que levou Palocci a ser preso ontem e a que levou Guido Mantega para a prisão, baseado no depoimento do empresário Eike Batista. Mas as duas fases, 34ª e 35ª, mostram que o PT usou o Ministério da Fazenda para arrecadar bem mais do que impostos.

Desonerações tributárias são exageradas - NILSON TEIXEIRA

VALOR ECONÔMICO - 27/09

Executivo e Legislativo terão de proteger os mais pobres e escolher os grupos que arcarão com o custo do ajuste

Há um consenso de que o país precisará de um amplo ajuste fiscal para retomar o crescimento de forma sustentável. O primeiro passo importante dado pelo governo foi o encaminhamento ao Congresso da PEC-241, que limita a expansão dos gastos federais à inflação do ano anterior. Apesar da sua relevância, a aprovação dessa emenda constitucional só terá efeito caso seja aprovada uma abrangente Reforma da Previdência Social. Do contrário, o ajuste será impraticável. Sem a aprovação dessa reforma, o cumprimento da PEC será muito difícil já em 2018, pois exigiria um corte bastante expressivo das despesas não associadas a educação e saúde.

Mesmo sem nenhuma descaracterização, as duas propostas não assegurarão um superávit primário suficiente para estabilizar a dívida pública como percentual do PIB até o início da próxima década. A obtenção de equilíbrio fiscal no curto prazo exigiria cortes de gastos adicionais ou aumento da carga tributária. Como o Executivo optou por um ajuste gradual das despesas nos próximos anos, restaria o aumento de tributos. Todavia, o governo garantiu que não encaminhará nenhuma proposta dessa natureza antes da discussão sobre a reforma previdenciária. Dado o calendário político, a aprovação no Congresso de uma alta de tributos antes de 2019 é improvável.

Uma alternativa seria reverter parte das elevadas renúncias de receitas tributárias, conforme já discutido neste espaço. Segundo o PLDO 2017, essas renúncias alcançarão R$ 280 bilhões em 2017. A "Folha de S. Paulo" de 26 de setembro publicou que a Receita Federal iniciou uma avaliação dos incentivos fiscais que, caso modificados, podem gerar receitas significativas. Esse estudo é bem-vindo, mas os valores podem ser bem superiores aos R$ 15 bilhões mencionados para 2017.

A estratégia mais adequada seria iniciar a avaliação pelas maiores cifras. As projeções dos principais gastos tributários para 2017 são a do Simples Nacional (R$ 80 bilhões), a da Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 28 bilhões) e a da Agricultura e Agroindústria - desoneração da cesta básica (R$ 25 bilhões). Esses segmentos respondem por R$ 133 bilhões (2% do PIB) ou quase 50% das desonerações projetadas para 2017.

Apesar da ausência de uma análise de custo-benefício para os dois primeiros grupos, o Congresso aprovou nos últimos anos a ampliação do Simples Nacional e a extensão do prazo de vigência do apoio às zonas francas. Portanto, a redução desses benefícios não avançará no curto prazo, em virtude dos fortes interesses contrários à redução desses privilégios.

O segundo maior conjunto de benefícios é direcionado às entidades sem fins lucrativos - imunes e isentas (R$ 24 bilhões) -, aos rendimentos isentos e não tributáveis - IRPF (R$ 23 bilhões) -, à desoneração da folha de salários (R$ 17 bilhões) e às deduções do rendimento tributável - IRPF (R$ 16 bilhões). Esses segmentos respondem por R$ 80 bilhões, ou mais de 25% das desonerações projetadas para 2017. A eliminação integral dessas renúncias reduziria o déficit primário em 1,2% do PIB.

Em um ambiente de crise fiscal e alta desigualdade de renda, o Congresso precisa analisar se é adequado conceder benefícios tributários para as entidades sem fins lucrativos relacionadas a instituições de ensino e de prestação de serviços médicos, clínicos e hospitalares que atendam majoritariamente as camadas mais favorecidas da população. Do mesmo modo, merece reavaliação a desoneração gerada pela redução da base de cálculo do IRPF das despesas com serviços médicos e clínicos (R$ 12 bilhões) e com instrução (R$ 4 bilhões) do contribuinte e de seus dependentes em 2017.

No atual contexto de debate sobre a reforma previdenciária, seria apropriado rever não apenas as despesas futuras como também as isenções e reduções de alíquotas da contribuição para a Previdência Social, previstas em R$ 60 bilhões para 2017. A eliminação da desoneração da folha de pagamentos talvez seja a parcela de mais fácil reversão no Congresso, por conta da sua incapacidade de evitar a elevada alta do desemprego.

Também são questionáveis os benefícios associados à redução da base de cálculo e à modificação das alíquotas para as microempresas e empresas de pequeno porte que optam pelo Simples (R$ 22 bilhões), à isenção das contribuições previdenciárias patronais para as entidades beneficentes de assistência social (R$ 12 bilhões) e à diminuição da alíquota da contribuição previdenciária do microempreendedor individual (R$ 1 bilhão).

Há vários outros privilégios passíveis de reconsideração. Por exemplo, não parece razoável oferecer isenção de IRPF de R$ 6,1 bilhões para os rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, limitados a valores específicos, para contribuintes acima de 65 anos. Seria importante, também, reavaliar os benefícios da dedução no IRPJ dos gastos de empresas com serviços de assistência médica, odontológica e farmacêutica a empregados (R$ 5 bilhões) e com Programas de Alimentação do Trabalhador (R$ 1 bilhão) e as isenções e reduções de diversos tributos, como para os setores de embarcações e aeronaves (R$ 2 bilhões) e automotivo (R$ 2 bilhões).

Mesmo se o ajuste fiscal não fosse necessário, haveria ganho de eficiência econômica e aumento do crescimento potencial, caso uma parte das desonerações fosse extinta e substituída por um corte horizontal de impostos. Todavia, apesar de a maioria ser a favor da redução das excessivas renúncias tributárias, que alcançam mais de 4% do PIB ao ano, a maioria argumenta que os benefícios oferecidos a seus setores não podem ser extintos, pois elevariam o desemprego e a inflação.

A avaliação dos benefícios das renúncias tributárias dependerá, em grande medida, do juízo de valor do governo e do Congresso. Ao fim, Executivo e Legislativo terão de proteger os mais pobres e escolher os grupos que arcarão com o custo do ajuste fiscal. Como já defendi neste espaço em diversas ocasiões, todos teremos de arcar com uma parte desse custo.

Nilson Teixeira é Economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

Prisões metafísicas - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/09

SÃO PAULO - As prisões cautelares determinadas por Sergio Moro são ilegais e injustas, como alegam os defensores dos encarcerados? Aristóteles abre o livro Z da "Metafísica" escrevendo: "Tò òn légetai pollachôs", que pode ser traduzido como "aquilo que é se diz de várias maneiras". A multiplicidade de significados também se aplica às prisões.

Num primeiro sentido, bem ao rés do chão, as ordens são legais, já que foram assinadas por um magistrado que as fundamentou juridicamente, como exige a lei. Quando os defensores afirmam que elas são ilegais, não contestam esse aspecto formal, já que nunca aconselham seus clientes a evadir-se ou resistir à injusta agressão dos policiais, o que estaria em seu direito se as prisões fossem ilegais nesse sentido mais estrito.

O ponto dos advogados, com o qual concordo, é que as justificativas para as prisões nem sempre são sólidas. Pela lei, tanto a prisão preventiva como a temporária deveriam ser excepcionais, só cabendo quando não houver outro modo de dar seguimento às investigações ou quando se provar que a liberdade do acusado traz riscos como fuga, sumiço de provas ou perigo para a ordem pública.

O próprio juiz Sergio Moro se traiu no caso de Guido Mantega, cuja prisão foi decretada e revogada num intervalo de poucas horas. Ou bem ela não era tão imprescindível quanto o magistrado inicialmente pensara, ou então a soltura é que foi precipitada.

Há ainda uma terceira camada de sentido, que diz respeito a como as prisões cautelares são usadas de fato no país. Aqui, infelizmente, o abuso é a regra. Isso significa que os defensores têm razão ao reclamar de que a melhor interpretação da lei não está sendo seguida, mas avançam o sinal quando afirmam que seus clientes são vítimas de um tribunal de exceção. A menos, é claro, que estendamos o "de exceção" ao próprio sistema judiciário brasileiro, mas, neste caso, a grita não poderia ficar limitada aos réus da Lava Jato.

Mercosul terminal - MAURO LAVIOLA

O Globo - 27/09

Breve análise da atual situação do Mercosul deve levar em conta alguns antecedentes importantes. Inicialmente, o projeto contido no Tratado de Assunção, de 1991, inverteu os parâmetros básicos do objetivo final, mediante a aprovação prévia de uma tarifa externa comum sem que os quatro países fundadores tivessem realizado estudos visando à coordenação de políticas macroeconômicas e comerciais.

A segunda metade dos anos 90 marcou os descompassos existentes na condução das respectivas políticas de estabilização argentina e brasileira, aquela regida pela conversibilidade do peso ao dólar e a nossa visando estabilizar o descontrole fiscal e a inflação com a adoção do Plano Real. No âmbito internacional, o final da década marca frequentes turbulências nos sistemas cambiais e de movimento de capitais que afetam, basicamente, os países em desenvolvimento e, na região, particularmente o plano argentino de “conversibilidade”.

No início dos anos 2000, as partes aprovam a Decisão CMC 32, que veta negociações individualizadas dos países membros com nações ou blocos não regionais. O ano seguinte marca o começo do calvário argentino com os credores externos com a declaração de default à sua dívida externa. Os períodos subsequentes caracterizam-se por grandes dificuldades operacionais no desenvolvimento da agenda de consolidação da união aduaneira, não obstante as duas frustradas tentativas de “relançamento do Mercosul” causadas pela incapacidade política dos países membros de procederem a uma revisão no processo e abdicarem de conduzir suas interesses nacionais de forma totalmente autárquica.

Os episódios subsequentes mostraram o desalinhamento progressivo dos objetivos básicos do processo, contaminados por conduções políticas orientadas pelo “bolivarianismo” adotado pela quase totalidade dos países membros da época, além da desnecessária adesão da Venezuela ao Mercosul, cujo vínculo comercial com os demais membros já estava amparado pelo Acordo de Complementação Econômica 59 da Associação LatinoAmericana de Integração. Em 2010, a Argentina inicia a adoção de uma série de medidas restritivas às importações em geral premida pela ausência de créditos internacionais. Em julho de 2012, ocorre a suspensão temporária do Paraguai pela destituição do presidente Lugo. Em julho de 2014, voltou a ser membro pleno e invalidou todas as medidas adotadas pelo bloco durante sua suspensão porque aprovadas sem consenso dos países membros.

Os últimos acontecimentos políticos só encontram paralelo nas óperas bufas. O Mercosul está totalmente acéfalo de direção, seus objetivos básicos estão esfacelados, e a situação política tende a se agravar com a crítica situação da Venezuela e a eventual adesão da Bolívia ao bloco.

Num ambiente imprevisível como esse, caberia indagar aos senhores mandatários que contribuições podem esperar dos empresários regionais. Imagino que apenas velas e uma bela coroa de flores.

‘Mundo de sombras’ - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 27/09

O céu era o limite para Antonio Palocci Filho, mas, na versão do juiz Sérgio Moro, ele preferiu esgueirar-se por um “mundo de sombras que encobre sua atividade”, atirar-se no colo da empreiteira Odebrecht, fazer as maiores tramoias e reunir somas inimagináveis sob o pretexto da eternização do PT no poder. Palocci poderia ser tudo, mas acaba como um triste troféu de luxo entre os presos da Lava Jato.

Tivesse mantido a aura de médico sanitarista, prefeito bem-sucedido de Ribeirão Preto (SP) e ás do diálogo e da composição, Palocci teria todas as condições para disputar a sucessão de Lula em 2010. Tinha um patrimônio pessoal: sólidas relações em três mundos cada vez mais embolados, o político, o empresarial e o financeiro. E tinha um patrimônio herdado de Lula: o crescimento econômico de 7,5% naquele ano.

Seria imbatível dentro do governo, da base aliada e do próprio PT, já que José Dirceu tinha a máquina do partido, mas jamais foi próximo o suficiente de Lula para ser lançado por ele à Presidência e começou a balançar já no início da era petista, quando seu braço direito, Waldomiro Diniz, foi flagrado pedindo propina... a um bicheiro. Dirceu foi afundando até ser tragado pelo mensalão. Quanto mais ele submergia, mais Palocci emergia.

Dirceu caiu da Casa Civil de Lula em junho de 2005 e Palocci caiu da Fazenda menos de um ano depois, metido numa casa suspeita no bairro mais rico de Brasília e em figurinos bem diferentes do jaleco do médico do bem, cara bonachão, maridão exemplar, político acima de qualquer suspeita. Segundo o caseiro Francenildo Pereira, a tal casa era usada para orgias à noite e para acomodar pastas de dinheiro durante o dia.

O destino ainda deu uma segunda chance a Palocci. Por intermédio de Lula, virou o cérebro da campanha de Dilma Rousseff, caiu nas graças dela e voltou por cima a Brasília: do antigo Ministério da Fazenda, subiu para a chefia da Casa Civil, no Planalto. Mas ele desabou de novo, agora sob o peso de contas milionárias, empresas mal explicadas e negócios esquisitos que, tantos anos depois, continuam vagando como fantasmas – dele e do PT.

O “Italiano”, como Palocci é chamado nos e-mails da Odebrecht, deveria ser o guardião da economia nacional, mas cuidava era das contas milionárias do PT e era pau para toda obra da maior empreiteira do País. É suspeito de dar jeitinhos para ajustar regras de IPI numa medida provisória, favorecer a empresa no nebuloso negócio dos navios-sonda e mergulhar até no projeto de submarinos da Marinha, o Prosub. Como “é dando que se recebe”, Palocci é acusado pelos investigadores de dar uma força para a Odebrecht com uma das mãos e embolsar uma gorda porcentagem com a outra.

Lá atrás, com a queda de Dirceu e de Palocci em 2005 e 2006, Lula chegou a namorar a tese de um terceiro mandato, mas os amigos e o bom senso entraram em campo para dissuadi-lo dessa saída “bolivariana” e só restou para sua sucessão em 2010 o nome de Dilma, que não tinha a liderança política de Dirceu nem a habilidade pessoal e o trânsito de Palocci. Uma tragédia.

A vida não é feita de “se”, mas impossível não derivar para uma reflexão quando Palocci é preso pela Lava Jato: se fosse realmente grande, como se imaginava, ele poderia ter sido o candidato do PT à Presidência em 2010 e toda a história poderia ter sido muito diferente. Mas Palocci, segundo o despacho de Moro, preferiu usar as campanhas e os mais altos cargos da República para achacar empresários, fazer negócios escusos e amealhar a bagatela de R$ 128 milhões (fora os R$ 70 milhões ainda em investigação) para o PT. Moral da história: ao tentar eternizar o partido no poder, ele se transformou no oposto – em agente decisivo para ameaçar o PT de extermínio.

Um método revelado - MERVAL PEREIRA

O Globo - 27/09
PT perde fôlego eleitoral enquanto cresce envolvimento do partido na Lava-Jato. À medida em que vai sendo revelado pela Operação Lava-Jato o esquema de financiamento do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, com a prisão de dois dos ministros da Fazenda de raiz do petismo, Guido Mantega e Antonio Palocci — Joaquim Levy foi um equivocado estranho no ninho que, para sua própria felicidade, não passará de um pé de página na História desse período —, vai chegando também ao limite mais baixo a sua capacidade de atuação eleitoral, o que vem sendo explicitado pelas pesquisas de opinião para as eleições municipais, cujo primeiro turno se realiza no próximo domingo.

No Rio, a candidata do PCdoB, Jandira Feghali, que tinha a aspiração de ser o voto útil da esquerda, parece ter tomado uma decisão equivocada ao chamar para seu palanque a ex-presidente Dilma e, subsidiariamente, o ex-presidente Lula. Sua ascensão foi subitamente estancada com esse movimento, dando passagem a uma possível união de centro-direita em torno do candidato oficial, Pedro Paulo.

A ligeira subida deste também revela um provável erro de estratégia de sua campanha, que tirou de cena o prefeito Eduardo Paes, por conta de algumas gafes e polêmicas provocadas por declarações infelizes, mas não levou em conta que sua administração tem uma avaliação de bom e ótimo que pode compensar as deficiências do candidato oficial, ainda vulnerável à acusação de ter surrado sua exmulher mesmo depois de absolvido pelo Supremo Tribunal Federal.

Em São Paulo, o petismo atinge até mesmo quem fugiu dele, como a ex-prefeita Marta Suplicy, que teve uma queda constatada nessa recente pesquisa do Ibope, quando parecia que superaria Celso Russomanno para disputar o segundo turno contra João Doria, o candidato tucano do governador Geraldo Alckmin. O prefeito petista Fernando Haddad, que recebeu o suposto reforço do ex-presidente Lula nos últimos dias de campanha, não demonstra fôlego para ir ao segundo turno.

Em comum nos dois principais estados do país há o fato de que candidatos da Igreja Universal estão bem colocados para a disputa do segundo turno, o que representa um perigoso e indesejável envolvimento de uma seita religiosa com um projeto de poder político.

Justamente porque seu projeto político de poder permanente está sendo desvendado pela Operação Lava- Jato, o PT se defronta com uma previsível debacle nessas eleições municipais.

A prisão de Antonio Palocci tem uma gravidade política muito maior que a de Guido Mantega, na semana passada. Mas as duas, em sequência, denotam que o esquema de financiamento político para a permanência no poder tinha um método, a ponto de Palocci ter sucedido a Celso Daniel, que seria o homem forte da candidatura Lula em 2002 não tivesse sido assassinado, e Mantega sucedeu a Palocci na continuação da montagem do esquema de financiamento político.

Não é à toa, portanto, que o caso Celso Daniel voltou à tona durante a Operação Lava-Jato, já que está ligado a um empréstimo fraudulento do Banco Schahin para o pagamento de uma chantagem a que Lula e outros dirigentes do partido estavam sendo submetidos.

A família de Celso Daniel afirma que o ex-prefeito de Santo André foi morto porque descobriu o que depois ficou claro nas investigações do petrolão: o esquema de corrupção montado para viabilizar a chegada ao governo central, desde quando o PT alcançou o poder em alguns municípios, estava sendo desvirtuado para o enriquecimento de alguns “companheiros”.

Por essa teoria, Celso Daniel considerava que a causa final justificava os desvios, mas não aceitava o enriquecimento pessoal, que acabou sendo revelado em relação aos dirigentes petistas originais, como José Dirceu e o próprio Palocci, que foi prefeito de Ribeirão Preto.

O envolvimento no esquema de corrupção de três tesoureiros do partido e mais dois ministros da Fazenda e dois chefes da Casa Civil mostra bem como a escala de liderança do PT passava pelos mesmos postos, sem nenhuma improvisação.

Tanto que a ex-presidente Dilma assumiu o comando, e a sucessão de Lula, ao chegar à Casa Civil e à presidência do Conselho de Administração da Petrobras, fonte de investigações sobre desvios de dinheiro que atingem igualmente Palocci e Mantega e se aproximam de Dilma.

Antes de elogiar Haddad, Gregorio Duvivier precisa conhecer São Paulo - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 27/09

Com a notícia de que nem o candidato a prefeito Fernando Haddad (PT) acredita na própria campanha, Gregorio Duvivier resolveu escrever um texto de autoajuda para petistas decepcionados com o desempenho do prefeito com um dos maiores índices de rejeição da história de São Paulo.

Do alto de sua torre de marfim –que, com certeza, não fica na cidade de São Paulo–, Gregorio crê que todo repúdio à gestão do prefeito petista é mera implicância. Afirma até "que todo dia o paulistano abre o jornal ansiando por um escândalo de corrupção envolvendo o prefeito".

Polarizando o debate de maneira absolutamente boba, essa tentativa de psicanalista das massas dá a entender que o paulistano torce contra si mesmo, que quer ser roubado simplesmente para atacar um político que não dá razões para ser criticado.

A realidade é muito mais dura do que a teoria mirabolante de Gregorio. Haddad não "levou cinema para a periferia" –na verdade, entregou menos da metade das obras que prometeu para os mais pobres.

Vale lembrar que as intenções de voto de Haddad são menores entre os eleitores com renda média de até dois salários mínimos, aqueles que não vivem em abstrações, mas na cidade de São Paulo, e sentem na pele o desastre da gestão petista.

Concordo com Gregorio quando ele diz que Haddad "priorizou a bicicleta". De fato, nunca vimos tantas obras para bicicletas e tão poucas para pessoas.

A ciclovia da Faria Lima, por exemplo, custou, em média, cinco vezes mais por quilômetro do que a construída em Paris –qual a definição de superfaturamento, mesmo? Apesar da tal prioridade, boa parte das ciclovias foi extremamente malfeita, e a tinta de algumas já está até sumindo. Aposto que Haddad não se reelegeria nem se bicicletas votassem.

Há, sim, motivos para elogiar São Paulo. Nenhum deles é mérito de Haddad. O cidadão paulistano desconfia dos políticos. A cidade protagonizou as maiores manifestações da história do Brasil e se livrou de um governo corrupto e autoritário. Pintou de verde e amarelo as ruas que só conheciam o vermelho. Quebrou a hegemonia de um discurso que afundou o país.

Ainda assim, a cidade é esperançosa. Tanto o é que deu uma chance para aquele que prometeu ser diferente de todos os outros, mas que, no fim, acabou sendo pior.




Nomes e notas - JOSÉ CASADO

O Globo - 27/09

Ele nada disse à polícia. Nem precisava, porque deixara o roteiro escrito. As investigações agora avançam na Camex e na Secretaria de Assuntos Internacionais da Fazenda


Lava-Jato avança rumo a Camex e Secretaria de Assuntos Internacionais da Fazenda. Desta vez, a iniciativa não foi do Ministério Público, criticado nas últimas semanas pelo formato da denúncia contra o ex-presidente Lula e da prisão do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Foi a Polícia Federal que apresentou ao juiz Sérgio Moro o pedido de prisão de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff. O detalhe é relevante porque sinaliza um nível inédito de cooperação entre instituições encarregadas das investigações sobre corrupção.

Notável, também, é a aparente quietude do empresário Marcelo Odebrecht. Preso há 15 meses, guardou silêncio diante dos policiais, porque seu pai, Emílio, conduz negociações para um acordo com a Procuradoria em troca da sua prisão domiciliar. No próximo dia 18, completa 48 anos. Até a eventual homologação da colaboração com a Justiça, é incerto o tempo que resta a Marcelo Odebrecht atrás das grades.

Ainda assim, foi integral sua contribuição na prisão do ex-ministro Palocci, ontem. Ele nada disse, segundo a polícia. Nem precisava, porque registrara nomes e notas em arquivos eletrônicos.

Detalhes estavam na rede de contabilidade paralela do grupo Odebrecht, que Marcelo organizou para centralizar o controle dos pagamentos de subornos a agentes públicos no Brasil e em países pelos quais espraiavam negócios de exportação, subsidiados pelo BNDES.

Entre 2004 e 2013, as empreiteiras brasileiras exportaram US$ 13 bilhões (R$ 42,9 bilhões). O grupo Odebrecht foi responsável por 76% dessas vendas (US$ 9,8 bilhões, equivalentes a R$ 32,3 bilhões). Ficou com 96% de todo o crédito público dado às exportações de engenharia, via BNDES. Dessa montanha de dinheiro eram extraídos os subornos nacionais e internacionais. Na era Lula, quando o petróleo oscilou na faixa de US$ 100 por barril, Odebrecht extraiu da Petrobras lucros de US$ 1 bilhão anuais. Em Angola e Venezuela os negócios chegaram a render US$ 500 milhões (ou seja, R$ 1,6 bilhão) por ano. Os dados já repassados pelo grupo privado à Procuradoria sugerem que o bilionário “caixa” de Angola e Venezuela viabilizou a escalada de subornos a governantes e partidos políticos dentro e fora do Brasil, quase sempre pagos no exterior. Palocci, por exemplo, foi preso sob a acusação de intermediar repasses ilegais de R$ 128 milhões, o equivalente a US$ 38,7 milhões, já identificados.

Não se sabe se por ele transitaram as maiores “gratificações” por serviços ilícitos no Brasil. Os telefones de Marcelo registram, entre outros, um “Amigo” brasileiro de US$ 23 milhões. Figuram, ainda, empresários-satélites nas operações externas, como José Roberto Colnaghi, da Asperbras, em negócios com os donos do poder em Angola (o presidente José Eduardo Santos, o vice Manuel Vicente e os generais Manuel Dias “Kopelipa”, Leopoldino Fragoso, Adriano Makevela, António Faceira, Armando da Cruz Neto, Carlos Alberto Hendrick Vaal, João Baptista de Matos e Luís Pereira Faceira).

É nítido, porém, o avanço das investigações na direção da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. Nelas estavam outros “amigos”, alguns deles com poder decisivo sobre a liberação de créditos às exportações e serviços e sempre prestativos no tráfico de informações privilegiadas.

O exército do 'Fora, Temer' - ARNALDO JABOR

ESTADÃO - 27/09

Eu também quero ser feliz. Fico com inveja dos manifestantes que berram “Fora, Temer”, orgulhosos, iluminados pela certeza de que lutam pelo bem do Brasil. Tenho inveja deles. Nada é mais cobiçado do que a chamada “boa consciência”, a sensação de estar do lado certo da história ou da justiça. Tenho inveja de famosos artistas e intelectuais que aderiram à causa do “Fora, Temer”, se bem que ainda não consegui entender o labirinto ideológico dentro de suas cabeças que desemboca nesses protestos. Fico inquieto, mas logo me tranquilizo, porque eles, pessoas especiais, têm um fino saber e se tivessem tempo (ou saco) me elucidariam sobre suas profundas razões. Esforço-me, mas ainda não alcanço essa profundidade. Acho que tenho de me rever, fazer uma autocrítica. Talvez eu seja levado por minha cruel personalidade que, como eles dizem, não deseja o progresso do País. Eu sei que, ai de mim, talvez eu não passe mesmo de um fascista neoliberal, mas também sou um ser humano. Por isso, me entendam – eu quero ser salvo, doutrinado, catequizado pelo saber histórico dos manifestantes. Peço, por favor, que me ajudem a entender suas teses, para que eu saia das trevas da ignorância. Eu sou um pobre homem alienado, mas quero me atualizar. Por isso, trago algumas perguntas para me livrar dessas dúvidas pequeno-burguesas.

Me expliquem porque a palavra de ordem é “golpe, golpe”. Como assim? – pensei, na minha treva: se a Suprema Corte, o Congresso, o Ministério Publico, a PGR, a Ordem dos Advogados, a Associação dos Magistrados do Brasil levaram nove meses para cumprir o ritual constitucional e legitimaram o impeachment, por que é golpe? A turma do “Fora, Temer” deve saber. Talvez, alguém da direita tenha envenenado a mente desses juízes, congressistas, advogados e procuradores. Quem, na calada da noite, se reuniu com eles e juntos planejaram um golpe contra a Dilma? Imagino a cena, tarde da noite num bar de hotel: ministros e juízes bebem e celebram, às gargalhadas, um plano para arrasar o PT. Me expliquem esse mistério, pelo amor de Deus.

Vejo, com assombro de inocente inútil, que ignorei a estratégia bolivariana quando Dilma declarou em campanha que, na economia, estávamos bem. Frívolo que sou, achei que o Dilma estava mentindo; mas, logo lembrei que era “mentira revolucionária” para ser eleita – hoje, entendo que Dilma fez bem em encobrir um rombo de 170 bilhões de reais com dinheiro dos bancos públicos.

Quebrou-se a Petrobrás, mas já posso ouvir nossa “intelligentsia”: “os fins justificam os meios e, se a Petrobrás era do povo, seu dinheiro podia ser expropriado para o bem do povo”. Na mosca. Espantei-me com a visão de mundo que justificou a compra da refinaria de Pasadena por um preço 30 vezes maior; pagamos por uma lata velha um bilhão e meio de dólares. Mas eu, um idiota da objetividade, tenho a convicção de que vocês me revelarão a límpida verdade: Dilma sabia da venda, mas fez vista grossa em nome de nossa salvação. Afinal, o que são um bilhão de dólares diante do socialismo (ou brizolismo) triunfante que virá?

Às vezes, em minha hesitante mediocridade, temi que os 50 mil petistas empregados no governo estivessem trabalhando para o PT e não para a sociedade, mas já ouço a voz de grandes artistas explicando-me, com doce benevolência, que a sociedade não é confiável e que os petistas não eram infiltrados, mas vigilantes de sua missão no futuro.

Houve um momento em que achei, ingenuamente, que a nova matriz econômica de Dilma e Mantega era o rumo certo para a catástrofe. Ou para o brejo. Mas, sei que os sapientes comunistas dirão que esse será um brejo iluminista que acordará as mentes para a verdade. Assim, respiro aliviado. Entendi-os: “mesmo a ruína poderá ser didática”. Eles dirão, imagino, que um poder popular não podia se ater a normas econômicas neoliberais e tinha de estimular o consumo. Isso criou 12 milhões de desempregados? Sim, mas, nossos teóricos rebaterão que, mesmo quebrando o País e provocando inflação, esses 12 milhões sentiram o gostinho das geladeiras e TVs e que isso é a criação de um desejo para o socialismo. Na mosca.

Confesso também que fiquei desanimado com o atraso de todas as obras prometidas, que o PAC não andou, que não devíamos financiar portos e pontes em Venezuela, Angola e Cuba, mas eles me ensinarão que a solidariedade internacional bolivariana é fundamental para a vitória de seu projeto. Quero me penitenciar também por ter me entusiasmado com a Lava Jato, que considerei uma mutação histórica. Depois, lendo os jornais e as explicações de gente lúcida como a barbie-bolivariana Gleisi Hoffman e Lindenberg Farias, o homem que salvou Nova Iguaçú, voltei atrás e vejo que Moro e seus homens não passam de fascistas que querem impedir o avanço das forças do progresso. A Lava Jato, hoje o sei, é de direita.

Às vezes, reacionários criticam o governo Dilma por gastar muito em publicidade, porque desde o início do governo do PT foram gastos 16 bilhões de reais. Eu achava isso errado, mas sábias palavras me provarão que a população é uma grande “massa atrasada” e que há que lhes ensinar a verdade do capitalismo assassino.

Também achei pouco elegante a difusão pelo mundo da tese de que um golpe terrível tinha se passado no Brasil, achei que uma presidenta não podia espalhar uma difamação sobre o próprio país. Mas, artistas e intelectuais vão sorrir com superioridade e me ensinar (já os vejo...) que a adesão internacional é mais importante que velhas fronteiras nacionais.

Por isso, creio que estou pronto para minha reforma mental. Estou pronto para renegar minhas dúvidas pequeno-burguesas. E logo poderei fazer parte daqueles que invejo por seus rostos iluminados de certeza, por sua sabedoria acima da história e do obvio.

Assim, poderei participar desses protestos, me sentir um revolucionário e gritar, de punho erguido e fronte alta: “Fora, Temer!!”.

LULA, DILMA, OS AVIÕES DE CARREIRA E OS JATINHOS - PERCIVAL PUGGINA

DIÁRIO DO PODER - 27/09

Quem nunca disse bobagem que atire a primeira pedra. Por prudência, e em benefício das minhas, só me disponho a fazê-lo quando as bobagens passam a ser insistentemente repetidas, tais como o petismo parece prescrever a seus discípulos. É nessa toada de repetir frases sem nexo com a realidade, em busca de um efeito político, que Lula conseguiu a proeza de dizer e repetir três tolices numa única e bem conhecida frase. Ei-las: 1ª) graças aos governos petistas, pobres viajam de avião, 2ª) os ricos a bordo não gostam dessa companhia e 3ª) por coisas assim, os ricos são contra o PT.

Quem dera fosse verdadeira a afirmação de que pobres viajam de avião! Nossas companhias aéreas seriam blue ships na bolsa de valores, beneficiadas pelo ingresso, em seu mercado, de 60% da população nacional! Chega a ser cruel essa afirmação num país em que os pobres têm dificuldades para custear a tarifa dos ônibus. Quem viaja de avião comprando o próprio bilhete não pode ser considerado pobre. Essa possibilidade é ainda menor se levarmos em conta os autoindulgentes parâmetros socioeconômicos desenvolvidos pelo marketing petista que criou uma classe média a partir de R$ 300. Pobre, então, seria alguém com renda inferior a essa.

Por outro lado, a ideia de que a presença de pobres a bordo das aeronaves comerciais seja incômoda aos outros passageiros é um agravo gratuito tanto a uns quanto a outros. Na minha experiência, a bordo só são incômodos os bêbados, os mal-educados e os malcheirosos. Lula, então, estaria confundindo pobreza com isso e riqueza com esnobismo. Finalmente, afirmar que a suposta ascensão social dos miseráveis teria sido a causa do antagonismo que o PT enfrenta é a maior das três leviandades contidas na tal frase. A ascensão social de todos a todos beneficiaria, ora essa!

Com três tolices em uma única afirmação, Lula e aqueles que as repetem expressam a patologia ideológica que os faz necessitar do conflito (no caso, do conflito de classes) tanto quanto um intelecto livre necessita da verdade. E sobre a relação de Lula com a verdade ninguém pode falar com mais conhecimento de caso e causa do que dona Marisa Letícia.

Aliás, se já transporte onde pobre não embarca é nesses jatinhos a que Lula e Dilma se afreguesaram. Imagino que já levem mais de uma década sem enfrentar as filas, os apertos e os pacotinhos de bolacha dos aviões de carreira. Essas viagens seriam muito valiosas para ambos aferirem sua popularidade.

Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

Uma medida indispensável - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 27/09

Em outubro, após as eleições municipais, o Senado Federal deverá votar as reformas políticas previstas em Proposta de Emenda Constitucional (PEC) já aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que prevê a adoção de quatro medidas, entre as quais se destaca uma que é essencial para acabar com a disfuncional fragmentação partidária que tem sido um entrave à governabilidade, especialmente num momento de crise econômica aguda que exige a adoção de medidas duras nem sempre populares. Trata-se da cláusula de desempenho, que estabelece metas eleitorais a serem atingidas pelas legendas partidárias para que tenham acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao chamado horário gratuito para propaganda partidária e eleitoral na mídia eletrônica e à estrutura oferecida aos partidos no Congresso Nacional.

De autoria dos senadores tucanos Aécio Neves (MG) e Ricardo Ferraço (ES), a cláusula de desempenho de que trata a PEC não impõe restrições à existência ou à criação de legendas partidárias, mas estabelece que terão acesso aos recursos públicos disponíveis apenas aquelas que conquistarem pelo menos 2% dos votos em 14 unidades da Federação a partir de 2018 e 3% a partir de 2022. Hoje, há nada menos do que 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 28 dos quais representados no Congresso Nacional. Todos eles, inclusive os que não têm nenhum senador ou deputado federal, têm acesso aos recursos públicos.

Essa fragmentação partidária compromete a eficiência do sistema de representação democrática e cria entraves à governabilidade. É uma das questões tratadas em matéria especial sobre a reforma política publicada pelo Estado no domingo passado. Entre os vários depoimentos ali colhidos, afirma o senador Ferraço: “O nosso sistema partidário está na UTI e padece de condições mínimas para produzir resultados para a sociedade. Hoje, ele só produz resultados para algumas pessoas e um grupo de políticos”.

De fato, além de se apresentarem, em alguns poucos casos, como porta-vozes de interesses corporativos muito específicos, a maioria das legendas nanicas criadas nos últimos anos tem servido para abrir a seus dirigentes o acesso aos generosos recursos do Fundo Partidário e a possibilidade de oferecer a bom preço o tempo de que dispõem na propaganda eleitoral paga pelo governo nas emissoras de rádio e televisão. E podem também solicitar e aceitar doações de pessoas físicas, devidamente registradas na Justiça Eleitoral.

Quando se cogita a imposição de cláusulas de desempenho destinadas a evitar a disfuncionalidade do atual sistema partidário, não se trata de impedir o direito de associação partidária das minorias. Em 2006, 11 anos depois da aprovação pelo Congresso de dispositivo legal que estabelecia a cláusula de barreira, o STF decidiu por sua inconstitucionalidade, acolhendo exatamente o polêmico argumento dos pequenos partidos de que a medida feria o direito das minorias. Desde então, o número de partidos aumentou de 26 para 35. E tramitam no TSE os pedidos de registro de mais meia centena de legendas.

Pela PEC ora submetida ao Senado fica mantido o direito ao reconhecimento oficial de tantos partidos quantos obedecerem, a critério do TSE, as condições para sua permanência ou criação. Qualquer partido poderá sempre aceitar e registrar doações de pessoas físicas. Mas só terão acesso a recursos públicos aqueles que comprovarem sua representatividade nos termos das metas de desempenho eleitoral definidas pela lei.

É claro que, se for aprovada, a PEC da cláusula de desempenho deverá sofrer novas contestações por parte dos interessados na manutenção dos benefícios de que desfrutam no comando de legendas politicamente inexpressivas. E é impossível antecipar futura decisão do STF. Mas o jurista Nelson Jobim, ex-presidente da Suprema Corte e ex-ministro da Justiça, não acredita que os ministros togados voltem a cometer o mesmo “erro absurdo”: “Tenho a impressão de que, agora, o Supremo já percebeu a bobagem que fez. O argumento dos pequenos partidos de que ela (a cláusula de barreira) feria o direito das minorias era uma visão romântica da realidade, que não dizia respeito à questão”.

A reforma do ensino médio - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 27/09

Um ensino médio adaptado para contemplar as diversas vocações profissionais e circunstâncias pessoais e regionais é profundamente desejável



Os alarmantes resultados do ensino médio nacional no Ideb 2015 dispararam o alarme sobre a necessidade de uma reforma nessa etapa da educação. A média nacional permanece estagnada desde 2011, distanciando-se cada vez mais da meta aceitável. O governo respondeu a isso com a edição de uma medida provisória que promove diversas alterações no ensino médio.

Em 2012, o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) já havia chamado a atenção para o alarmante fato de que cerca de um terço dos universitários brasileiros não dominava habilidades básicas de leitura e escrita. Só isso mostra que, de fato, há urgência na melhora do ensino médio. Mas não o tipo de urgência definida pelo artigo 62 da Constituição, que justifica o uso de medidas provisórias pela Presidência da República. É bom que o governo federal queira mostrar que tem um plano e pretende executá-lo, mas essa sinalização ocorreria da mesma forma caso o Executivo enviasse ao Legislativo um projeto de lei para análise e discussão entre os representantes eleitos pelo povo.

Embora o próprio texto da MP ainda deixe margem para muitas definições a posteriori, especialmente no caso do currículo, já se pode fazer uma análise das propostas do governo. Chamou especial atenção da opinião pública o fato de que só serão obrigatórias as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática (ambas nos três anos do ensino médio) e Inglês (não necessariamente em todos os três anos), ficando o restante sujeito às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, ainda em discussão. Seguiu-se quase de imediato um alarmismo (muitas vezes de teor ideológico) segundo o qual certas disciplinas seriam extintas, em vez de se tornarem facultativas. Deixando de lado o uso político das propostas de reforma do currículo, preocupa-nos, sim, a possibilidade de que os alunos acabem privados de certos conhecimentos, ainda que isso se justifique por suas escolhas profissionais. Mesmo quem deseja enveredar pelo mundo das ciências exatas e biológicas precisa de formação humanística, e mesmo aqueles com vocação para as ciências humanas necessitam de um conhecimento científico básico. Enfatizar um ou outro conteúdo é interessante; lamentável seria permitir que um aluno passasse pelo ensino médio sem contato algum com certas disciplinas.

O governo ainda pretende impor uma carga horária maior – o objetivo é chegar a 1,4 mil horas/ano, o que, para um ano letivo de 200 dias como o atual, equivaleria a sete horas diárias –, o que só fará algum sentido se a reforma do currículo efetivamente tornar o ensino mais atraente para o jovem; do contrário, consistirá apenas em prolongar uma obrigação vista como enfadonha. E, ainda que a escola se torne mais interessante, a mudança terá consequências práticas que aparentemente não foram levadas em conta. Aqueles estudantes a partir dos 16 anos, especialmente os mais pobres, podem acabar prejudicados em sua tentativa de conciliar trabalho e estudos, pois normalmente eles se organizam para trabalhar durante o dia e estudar à noite (o trabalho noturno é vedado pela legislação para menores de 18 anos). Como contornar essa situação sem limitar as chances de trabalho desses jovens?

Além disso, impor o ensino integral como regra universal teria outras consequências. Na rede particular, o inevitável aumento de custos para viabilizar essa modalidade poderia fazer do ensino privado um luxo que apenas uma elite pode bancar, punindo a classe média. Mais uma vez, a chave seria a flexibilidade, permitindo a oferta de diversos modelos compatíveis com as necessidades de estudantes e suas famílias.

Um ensino médio adaptado para contemplar as diversas vocações profissionais e circunstâncias pessoais e regionais, sem o engessamento de uma fórmula única aplicada em todo o país, é profundamente desejável. Essa parece ser a intenção do governo federal, mas sua proposta ainda pode ser bem aperfeiçoada. Já que o uso de uma MP impediu que a sociedade e seus representantes no parlamento fizessem a discussão prévia do tema, que pelo menos haja oportunidade de fazê-lo agora. Nossos estudantes agradecem.

Momento difícil na luta contra a impunidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/09
Continua a conspiração contra a Lava-Jato e aproxima-se no Supremo o julgamento sobre se penas devem ser cumpridas a partir da segunda instância
Enquanto a Lava-Jato avança — depois de indiciar Lula no caso do tríplex de Guarujá, prende outra estrela petista, o ex-ministro Antonio Palocci —, crescem de forma visível articulações para desidratar a operação no Congresso, por meio da aprovação de projetos que, na prática, a tornem inócua ou quase isso. Sem prejuízo de outras manobras. Tudo segue o plano esboçado nas conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, com o alto-comando peemedebista — Renan Calheiros, que o indicou para a subsidiária da Petrobras, Romero Jucá, José Sarney.

A esperta criminalização do caixa dois, item da lista de dez propostas do Ministério Público para tornar mais eficiente o combate à corrupção, era parte desse plano. Criminalizada a doação por baixo dos panos, os beneficiários de dinheiro por fora de empreiteiras, na Lava-Jato, poderiam ser anistiados, com o argumento de que lei não retroage. Esquecem-se, porém, que a legislação eleitoral já qualifica essas operações como delitos. O GLOBO denunciou o truque, e a banda saudável da Câmara abortou a esperteza, de origem pluripartidária: PT, PMDB, DEM, PSDB.

O ministro-chefe da Casa Civil, o influente Geddel Vieira, chegou a dar entrevista a favor da tese desta execrável anistia. Não foi seguido pelo presidente Michel Temer, outro peemedebista de quatro estrelas, que considerou a opinião do ministro “personalíssima”. Mas ficou apenas nisso. Foi pouco. Com o presidente do Senado, Renan, falando abertamente contra a Lava-Jato — ele é um dos investigados pela operação —, entre outros, esperam-se mais ataques à força-tarefa de Curitiba no Legislativo. Há pelo menos mais um projeto na agulha, do deputado lulopetista suplente Wadih Damus (RJ), que atrai grande apoio da cúpula do PMDB: o que impede contribuição premiada de quem está preso. Aprovado, na prática esvazia o instrumento da delação negociada com o MP.

Em outra esfera, no Supremo, tramita uma questão-chave para também se reduzir a impunidade no Brasil, em especial nos crimes de colarinho branco cometidos na política: o entendimento de que penas confirmadas em segunda instância, por colegiado de magistrados, devem começar a ser cumpridas, sem prejuízo dos recursos. Recorre-se, mas preso, como em vários países desenvolvidos. Por maioria de votos, 7 a 4, o STF, em um julgamento em fevereiro, considerou que o réu deveria cumprir a pena ao perder recurso na segunda instância, como vigorou até 2009. Mas não foi um veredicto com força de súmula, para todos os tribunais. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN) entraram com ações de declaração de inconstitucionalidade contra aquela decisão, a serem julgadas na primeira quarta-feira de outubro, dia 5.

Chance de afinal estender-se o veredicto a toda a Justiça — necessário para se acabar com a chicana da protelação ao máximo da execução de sentenças, até a prescrição dos crimes. Ou não. Nesse caso, a Lava-Jato terá grave revés. Os quatro ministros que se opuseram ao então voto vencedor, de Teori Zavascki — Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e o ainda presidente da Corte, Ricardo Lewandowski — estariam recebendo adesões para este julgamento crucial.

Se confirmadas, será péssimo para o combate à impunidade, uma das mazelas do país. Em recente palestra, o ministro Dias Toffoli fez uma comparação dissonante entre a imprescindível atuação da Justiça no enfrentamento da corrupção e a ditadura militar. Os militares se sentiram “donos do poder” e criminalizaram a política. Para ele, a Justiça também não pode exagerar neste mesmo “ativismo”. Mas é o contrário. A Justiça tem colaborado para a restauração da verdadeira política, e deve continuar assim. Já a ditadura suprimiu a própria política. Será péssimo se, por motivos diversos, Congresso e STF tomarem, agora, direções contrárias ao que representa a Lava-Jato.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Cai um dos principais pilares da sofisticada organização criminosa”
Deputado Rubens Bueno (PR), líder do PP, sobre a prisão do petista Antonio Palocci


FISCO APERTA OS ‘MINI’ E POUPA GRANDES DEVEDORES

A Receita Federal notificou ontem 668.440 microempresas e pequenas empresas a pagarem quase R$ 23,8 bilhões em débitos com impostos, previdência etc, que têm prazo apertado de 30 dias para isso ou serão excluídas do regime tributário Simples. A Receita não informou se vai adotar providências contra dívidas semelhantes, no valor astronômico de R$ 392 bilhões, de apenas 500 grandes empresas brasileiras.

COMPARAÇÃO

Só a fraude detectada pela Operação Acrônimo no Carf, o Conselho de Administração de Recursos Fiscais, é de mais de R$ 20 bilhões.

ROMBO NA PETROBRAS

O rombo estimado pela Lava Jato na Petrobras é de R$ 23 bilhões, mesmo valor das dívidas das 668.440 empresas que serão esfoladas.

DOIS ROMBOS

Após os desacertos do governo Dilma, que permanecerão impunes, o rombo no orçamento previsto do governo federal é de R$ 170 bilhões.

DOIS PESOS...

Só um diretor da Fiesp deve à Receita, na pessoa física, um terço da dívida das 668 mil empresas no paredão da Receita: R$ 6,9 bilhões.

FICHA DE PALOCCI É SUJA DESDE QUANDO FOI PREFEITO

A prisão de Antônio Palocci, ex-ministro de Lula e de Dilma, levou o PT a fingir “indignação” outra vez, como se os ladrões fossem heróis e os culpados estivessem na força-tarefa da Lava Jato. Palocci é chamado de “ladrão” pelos adversários desde quando foi prefeito de Ribeirão Preto (SP) e acusado de envolvimento nos escândalos como da “máfia do lixo”. Como ministro, foi acusado de multiplicar sua fortuna.

CONHECIMENTO DE CAUSA

Rogério Buratti, ex-assessor, revelou que a “máfia do lixo” da prefeitura de Ribeirão Preto pagava mensalão de R$ 50 mil a Antonio Palocci.

ABUSO DE PODER

O caseiro Francenildo sofreu perseguição implacável após confirmar que Palocci ia muito à mansão frequentada por prostitutas, em Brasília.

AH TÁ!

Condenada a pagar R$ 400 mil ao caseiro, a Caixa alegou não ter havido quebra, mas somente a “transferência” do sigilo a Palocci.

É REFRESCO

“Fazer reforma na casa dos outros é fácil”, disse Rodrigo Maia, presidente da Câmara, a um grupo de empresários e deputados sobre o projeto de reforma política discutido pelo Senado.

A VOLTA DO ‘11/SET’

O setor elétrico em estado de choque: um dos articuladores da MP 579, Ricardo Brandão, pode voltar à Procuradoria-geral da Aneel. A MP é o “11 de setembro” do setor, por prejudicar consumidores, empresas e investidores, e por causar bilhões em prejuízos ao sistema Eletrobrás.

MINISTÉRIO DA CADEIA

O PT poderia montar todo um Ministério com os seus filiados presos e/ou condenados apenas neste ano: José Dirceu, Paulo Bernardo, Guido Mantega e Antonio Palocci. Ainda falta o chefão.

CRÍTICAS E ELOGIOS

Candidato ao lugar de Rodrigo Janot na Procuradoria Geral, Eduardo Aragão, ex-ministro da Justiça de Dilma, xingou o sucessor por avisar que “vai ter mais” Lava Jato. Se é isento para merecer a PGR, poderia criticar os petistas ladrões e elogiar os próprios colegas da Lava Jato.

DIFICULDADE

A proposta de reforma política do Senado encontra resistência até no PSDB, partido do senador Ricardo Ferraço (ES), autor do projeto que pretende acabar com coligações e voltar com a cláusula de barreiras.

CARTEIRINHA

Nomeado por Dilma para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o desembargador Rogério Favreto foi o único da Corte Especial a votar pela abertura de processo contra o juiz Sergio Moro. Antes do TRF-4, Favreto foi assessor do ex-ministro petista da Justiça Tarso Genro.

LIVRO NO STF

Conselheiro do CNJ, Emmanoel Campelo, lança nesta quarta, 28, o livro “Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado Transnacional” (LTr), às 19h, no 1º andar do Anexo II-A do Supremo Tribunal Federal.

ALÍVIO NO SUBMUNDO

A Lava Jato dará trégua a alguns ladrões ainda soltos: a lei eleitoral prevê uma “pausa” em prisões, que só podem ser efetuadas até cinco dias antes da eleição e somente 48 horas após o fim do pleito.

PENSANDO BEM...

...no PT, afinal, não é só a língua que está presa.


PODER SEM PUDOR

PROMOÇÃO INSTANTÂNEA

Raposa política, José Maria Alkimin, sempre se saía de situações de "saia justa". Certa vez, solícito, recebeu um militar em audiência:

- Tenha a bondade, major.

- Não sou major, dr. Alckimin, sou apenas um capitão.

O político mineiro não se fez de rogado:

- Para mim é major, na promoção da minha amizade…