terça-feira, agosto 09, 2016

O lado moral do capitalismo - JOÃO LUIZ MAUAD

O GLOBO - 09/08

No livre mercado, indivíduos só são recompensados quando satisfazem as demandas dos outros, ainda que isso seja feito exclusivamente visando aos próprios interesses


Notícias e imagens incrivelmente chocantes nos têm chegado da Venezuela ultimamente. São centenas de milhares de cidadãos atravessando fronteiras de países vizinhos em busca de alimentos e gêneros de primeira necessidade. Gente morrendo em hospitais por falta de medicamentos básicos, como antibióticos. Pessoas revirando lixo, como ratos, atrás de restos de comida, enquanto os índices de violência crescem de forma assustadora. Tudo isso em meio a uma onda de repressão cada vez mais violenta e de medidas econômicas totalmente absurdas.

Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento histórico e econômico sabe que a atual situação da Venezuela é o resultado previsível do mau funcionamento das instituições capitalistas. A carestia decorre basicamente do descontrole da emissão de moeda e do aumento crescente dos gastos públicos, enquanto a escassez de produtos resulta do congelamento de preços e lucros, medida tão populista quanto estúpida contra a inflação causada pelo próprio governo. O festival de horrores se fecha com o crescente desrespeito do Estado pela propriedade e pelos contratos privados.

É lamentável que, em pleno século XXI, ainda sejamos testemunhas de episódios como esse, na Venezuela, onde milhões de pessoas foram levadas a acreditar numa quimera socialista já testada e reprovada inúmeras vezes através dos tempos. Infelizmente, por trás desse engodo está a má reputação do capitalismo, nem tanto em relação aos seus aspectos econômicos, mas especialmente morais.

Muito embora nem os mais empedernidos marxistas neguem que o advento do capitalismo possibilitou uma prosperidade material constante e crescente, tirando da miséria milhões de pessoas nos quatro cantos da Terra, muitos ainda continuam desconfiados do sistema e prontos a culpá-lo pela maioria dos problemas sociais, reféns que são de clichês como “um outro mundo é possível” ou “de cada um conforme a sua capacidade, para cada um conforme a sua necessidade”.

Do outro lado, há muito pouca gente interessada em demonstrar as vantagens e, principalmente, o lado moral e ético do capitalismo. Poucos se dão conta, por exemplo, de que, no livre mercado, os indivíduos só são recompensados quando satisfazem as demandas dos outros, ainda que isso seja feito exclusivamente visando aos próprios interesses. Ao contrário de outros modelos, o capitalismo não pretende extinguir o egoísmo inerente à condição humana, porém nos obriga constantemente a pensar na satisfação do próximo, se quisermos prosperar. Além disso, para obter sucesso em grande escala, você tem de produzir algo que agrade e seja acessível a muitas pessoas, inclusive aos mais pobres, e não apenas aos mais abastados.

E as desigualdades? Bem, elas estão presentes em todos os sistemas econômicos até hoje testados. As pessoas com as melhores ideias, as mentes mais criativas e mais energia para o trabalho tenderão a alcançar o topo, tanto no capitalismo como numa burocracia socialista. A diferença é que, no sistema capitalista, as ditas elites têm menos poder e influência do que as elites políticas num sistema predominantemente estatal. Mesmo numa democracia, só as autoridades eleitas têm, por exemplo, o poder de retirar, através de pesadas taxações, porções cada vez maiores de nossa renda, ainda que contra a nossa vontade, algo impensável até mesmo aos maiores empresários.

Já no capitalismo, as transações são sempre voluntárias. Vale dizer, dentro da lei, a única forma de eu conseguir colocar a mão no seu dinheiro é oferecendo-lhe algo que você valorize mais do que esse dinheiro. Não por acaso, quando um cliente entra numa loja, a primeira coisa que ouve do vendedor é: “Em que posso ajudá-lo?”. E a última coisa que ambos dizem, depois de uma compra, é um duplo “obrigado!”. Um sinal inequívoco de que aquela transação foi vantajosa para ambos. Isso vale para qualquer negócio ou contrato, desde a compra de um picolé à aquisição de uma grande indústria.

Ademais, um modelo que privilegia a liberdade e a persuasão não pode ser mais imoral ou injusto que um cuja ênfase está na coação e no uso da força.

João Luiz Mauad é administrador e diretor do Instituto Liberal

Será crime um branco não ter amigos negros para mostrar? - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 09/08

Ah, a experiência! Os colunistas são como certos cachorros de caça. A presa ainda não apareceu no horizonte. Mas os nossos caninos já estão espumando de excitação.

Exemplo: dias atrás, li uma excelente entrevista de Jonathan Franzen à "Slate". Gosto de Franzen. Conheci-o pela primeira vez em 2002, talvez 2003, em livro de ensaios que recomendo ("Como Ficar Sozinho", Companhia das Letras). Depois, provei os romances. Também recomendo, embora "As Correções" (Companhia das Letras) me pareça bem melhor que os seguintes.

Mas regresso à entrevista. E aos meus caninos. A certa altura, o entrevistador pergunta a Franzen se ele nunca pensou em escrever um romance sobre os conflitos raciais que correm pelos Estados Unidos. A pergunta é absurda: um escritor não tem que escrever sobre os temas que interessam ao entrevistador –e isso revela a decadência cultural do jornalismo contemporâneo.

Franzen escutou a pergunta, meditou e finalmente respondeu, embaraçado: "Não tenho muitos amigos negros", um eufemismo para dizer que não tem nenhum. E depois, com honestidade, concluiu: só devemos escrever sobre realidades que conhecemos bem.

Terminei essa parte da entrevista com duas perguntas a balançar no trapézio.

A primeira foi questionar se também eu tenho amigos negros. Não tenho. Existem conhecidos, colegas, amigos de amigos. Mas não tenho no portfólio um exemplar para mostrar. Razões?

Nenhuma em especial. Nunca aconteceu. O destino, nessas matérias, tem uma palavra importante. E, além disso, eu ainda respeito o significado profundo da palavra "amigo". São três ou quatro e ponto final. Por acaso, todos brancos.

Mas a segunda pergunta é mais relevante que a primeira e foi ela que despertou o meu faro: depois da confissão de Franzen, esperei pelas críticas das brigadas. Que logo surgiram, para confirmarem o meu instinto.

No inglês "The Guardian", a escritora Lindy West resumiu o estado da arte: Franzen faz parte da esmagadora maioria de americanos brancos (75%, segundo um estudo do Public Religion Research Institute) que não tem amigos de outras raças. Franzen seria, na linguagem erudita de West, um caso de "auto-segregação": um escritor que se esconde na sua bolha de privilégio e que nunca mostrou interesse em ter amigos negros.

Ponto prévio: se a cifra está correta (75% de brancos sem amigos de outras raças), é óbvio que existem dois planetas distintos nos Estados Unidos quando os negros representam 12% da população (estimativa conservadora).

A pobreza tem aqui a palavra central, admito: nas nossas vidas cotidianas, tendemos a cultivar "relações de classe". Se os brancos são mais afluentes que os negros, é normal que os brancos tenham amigos brancos.

Por outro lado, já não será tão normal viver em grandes cidades –como Nova York, Chicago ou Los Angeles– sem amigos negros que habitam a mesma classe média. Mas será que isso constitui um crime? Ou, pelo menos, uma falha de caráter?

A escritora acredita que sim. E, na sua cabeça pequena, não lhe ocorre a possibilidade singela de Franzen não ter amigos negros porque nunca os encontrou.

Para Lindy West, a raiz do desencontro está na pigmentação da pele; mas como excluir, com dogmatismo infantil, a importância das afinidades culturais, dos interesses comuns ou até dos acasos biográficos ou geográficos?

Finalmente, e em verdadeira paródia ao conceito de "amizade", Lindy West questiona por que motivo Franzen não faz um esforço para procurar amigos negros. "Amizade", para ela, é uma espécie de jardim zoológico privado onde temos o amigo negro na jaula 1; o asiático na jaula 2; o hispânico na jaula 3; o samoano na jaula 4; e, já agora, o índio na jaula 5. Parafraseando os existencialistas, a aparência precede a essência.

É um caminho. Claro que esse conceito de amizade também pode ser problemático: se a ONU tem 193 Estados membros, uma amizade verdadeiramente inclusiva deve transcender as fronteiras do país e abraçar o mundo inteiro. Ou somos cosmopolitas, ou não somos nada.

Prometo que vou fazer um esforço: amanhã começo na letra A – com um amigo afegão– e só descanso quando chegar ao Zimbábue.


Desafios da Petrobras - ADRIANO PIRES

O GLOBO - 09/08

Mercado vive novo ciclo de colapso nos preços

Para enfrentar a maior crise da sua história, a Petrobras apresentou ao mercado um ambicioso Plano de Desinvestimentos, que prevê a venda de ativos de US$ 52 bilhões até 2018, sendo US$ 15 bilhões em 2015 e 2016.

O mercado de petróleo vive um novo ciclo de colapso nos preços. O atual ciclo guarda semelhança com o chamado contrachoque de 1986. Naquela época, como agora, o mundo viveu abundância de petróleo. Ou seja, a oferta superou a demanda. A principal explicação para a atual abundância é a revolução do chamado petróleo e gás natural não convencional ocorrida nos EUA. O advento do shale oil e shale gas recolocou o país como o maior produtor de petróleo e gás natural do mundo. Hoje, o petróleo não convencional representa 50% das reservas no planeta. Outro fato que diferencia o momento atual de 1986 é a chamada agenda ambiental. Hoje, os planos de negócio das petroleiras levam cada vez mais em conta a política do clima. A consequência disso é que, dificilmente, voltaremos a ter barril a US$ 100.

Esse cenário de preço de barril baixo vai dificultar a venda de ativos. O mercado de petróleo hoje está vendedor, e a Petrobras terá de enfrentar e concorrer com a venda de ativos semelhantes que está ocorrendo em países como a Colômbia e o México.

A ausência de regulamentações definidas em margem de refino, transporte de gás e infraestrutura de transporte, entre outros, cria ainda mais dificuldades para a Petrobras maximizar o valor de venda dos ativos.

Nos ativos onde há monopólio natural, seria oportuno aproveitar essa venda, para modernizar a regulação, atraindo concorrência entre investidores de qualidade e protegendo o consumidor do poder de monopólios privados.

O grande problema que o Brasil e a Petrobras enfrentam é o trade-off entre arrumar, sob o aspecto econômico e de regulação, os ativos para venda e a necessidade urgente de fazer frente à enorme dívida da empresa. Dá tempo para esperar? Difícil a resposta. Do ponto de vista da diretoria da Petrobras, não há tempo. Porém, causa preocupação a venda de ativos, em particular aqueles que são qualificados como monopólios naturais e possam criar uma desarrumação no mercado de óleo e gás no Brasil.

A venda recente de Carcará, campo do pré-sal, mostra uma diretoria disposta a encarar com coragem o problema da dívida da empresa. Até bem pouco tempo atrás, era um sacrilégio e mesmo uma traição ao Brasil falar de venda de campo no pré-sal. Segundo a empresa, a venda de Carcará faz todo o sentido, dadas as características do campo, e não compromete meta de produção. Mais do que nunca, depois dessa venda, o mercado aguarda ansioso o novo plano estratégico da Petrobras.

Um outro desafio que a empresa terá de enfrentar é em relação às bacias maduras, como a de Campos, que entraram em declínio acelerado, trazendo efeitos que comprometerão, essas sim, as metas de produção — além de ser devastador para as finanças dos estados produtores dessa bacia, como o Rio e o Espírito Santo. A Petrobras deveria assinar “contratos de serviço” com performance agreement com empresas especializadas nesse tipo de operação, como já ocorre hoje no Equador e na Argentina.

Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura

Indagações sobre a reforma trabalhista - JOSÉ PASTORE

ESTADÃO - 09/08

Não há por que continuar com a rigidez atual das regras da CLT e impedir o acerto direto entre as partes



Vejo no governo Temer a disposição de privilegiar a negociação coletiva na área trabalhista. É também o posicionamento unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao apreciar o voto do ministro Luís Roberto Barroso no Recurso Extraordinário 590.415 de 2015, assim ressaltou a importância da negociação coletiva na Constituição de 1988: “Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais: VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII – duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.

Não há dúvida. O constituinte estabeleceu para o Brasil a prática da negociação coletiva. Não há por que continuar com a rigidez atual das regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e impedir o acerto direto entre as partes.

Por que impedir que empregados e empregadores acertem por negociação coletiva que a hora noturna tem 60 minutos, e não 52 minutos e 30 segundos, como quer a CLT? O que impede que empregados e empregadores negociem os 15 minutos de descanso (sem remuneração) que a CLT exige das mulheres antes de iniciar uma hora extra?

Por que proibir que empregados e empregadores negociem o tempo necessário para os movimentos de entrada e saída nas empresas?

Por que impedir que um empregado de 50 anos tire férias em dois períodos, se os seus colegas de 49 anos dispõem desse direito?

Por que exigir que as promoções sejam feitas, primeiro, por tempo de firma e, depois, por mérito?

Por que impedir jornadas variáveis dos que desejam trabalhar em horários atípicos, de madrugada, aos sábados, domingos e feriados e de forma aleatória?

Por que limitar a negociação coletiva para os que desejam adaptar o descanso de 11 horas entre jornadas à natureza das suas atividades?

Por que impedir que empregados e empregadores acertem o que consideram mais conveniente para turnos de revezamento?

Por que desautorizar que empregados e empregadores acertem o tempo necessário para as pausas de alimentação?

Por que manter a ideia de cláusulas eternas nos acordos e convenções coletivas, se a conjuntura muda tanto?

Por que atrelar a marcação de ponto a um único equipamento (Registro de Ponto Eletrônico), se empregados e empregadores podem negociar outros sistemas de igual eficiência?

Por que impedir rigidamente que empregados e empregadores negociem a manutenção do banco de horas quando ocorre, esporadicamente, a prática de uma hora extra?

Por que proibir a prática de concessão de prêmios meritocráticos e gratificações acertadas entre empregados e empregadores?

Por que inibir que empregados e empregadores busquem métodos extrajudiciais para resolver conflitos individuais e coletivos?

Por que não permitir que empregados e empregadores negociem as proteções para quem trabalha de forma casual e intermitente?

A lista do que pode ser acertado por negociação coletiva é enorme. Para tanto, não há necessidade de revogar as regras rígidas da CLT. É só permitir que as partes negociem de forma diferente da lei com vistas a maximizar suas necessidades e interesses. Se uma não quer, é simples: não se negocia e tudo fica como está na lei.

O reconhecimento e o fortalecimento da negociação coletiva são adotados em todos os países avançados. A França acabou de aprovar mudanças que fazem o acordo coletivo (dentro da empresa) valer mais do que a convenção coletiva (setorial), podendo ambos estabelecer regras diferentes das leis, sem revogá-las. Será que o Brasil é o único certo ao manter a rigidez atual?

*Professor da USP, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras

PCC, sem-teto e tráfico - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 09/08

A Operação Marrocos contra o tráfico de drogas na Cracolândia revelou a preocupante ligação de um grupo que se diz defensor de sem-teto - o Movimento Sem-Teto de São Paulo (MSTS) - com o Primeiro Comando da Capital (PCC)



A Operação Marrocos contra o tráfico de drogas na Cracolândia, realizada pela Polícia na sexta-feira passada, revelou a preocupante ligação de um grupo que se diz defensor de sem-teto – o Movimento Sem-Teto de São Paulo (MSTS) –, que age na região, com o Primeiro Comando da Capital (PCC). Isso mostra que o problema existente ali adquiriu contornos muito graves, com uma estreita relação entre dependentes, lideranças de sem-teto, traficantes e uma das mais perigosas organizações criminosas do País.

Foi uma operação bem planejada e de envergadura, que contou com 600 policiais do Departamento de Narcóticos (Denarc) e o apoio do Batalhão de Choque da Polícia Militar (PM). As investigações que lhe deram base duraram oito meses, tendo sido feitas mais de mil horas de gravação de telefonemas com autorização judicial, nas quais líderes do MSTS aparecem negociando drogas e o dirigente desse grupo clandestino, Robson Nascimento Santos, preso na ocasião, tratando de repasses de dinheiro com o candidato a vereador pelo PCdoB Manolo Wanderley. Ao todo foram presas 32 pessoas e executados 39 mandados judiciais de busca e apreensão.

A ação num de seus principais alvo – o prédio do antigo Cine Marrocos – resume bem o que foi a operação e o seu significado. Moram ali cerca de 300 famílias que invadiram o imóvel insufladas e comandadas pelo MSTS. No 12.º andar foram apreendidas drogas e armas – 1 fuzil AK-47, 3 escopetas, cerca de 100 facões, 15 quilos de crack e 25 quilos de maconha, além de aparelhos de radiocomunicação.

No imóvel vasculhado pela polícia, andar por andar, eram realizadas reuniões de membros do MSTS e do PCC para tratar da divisão do dinheiro do trafico na Cracolândia e decidir o que fazer com traficantes em dívida com a organização. O local se transformara no seu centro de operações na região. Segundo o delegado Ruy Ferraz Fontes, diretor do Denarc, o objetivo do MSTS era estruturar ali o PCC: “O MSTS foi criado para disfarçar a organização criminosa”.

Tão importante quanto a prisão dos principais líderes desse movimento – além de Robson Nascimento Santos, a vice-presidente Lindalva Silva e o secretário-geral Wladimir Ribeiro Brito, este em Maceió, onde passava “férias” – é a polícia e os demais órgãos do governo estadual e da Prefeitura tomarem medidas para combater a perigosa promiscuidade de movimentos de sem-teto e o PCC, que pelo visto já comanda o tráfico de drogas na Cracolândia.

Não será tarefa fácil, pelo bom “negócio” que é o tráfico – ele movimenta ali 10 quilos de droga por dia e lucra R$ 4 milhões por mês, segundo estimativa da Polícia – e porque o PCC não para de dar demonstrações da sua força e capacidade de aliciamento e organização. Para isso é indispensável que, de uma vez por todas, as autoridades de segurança pública se convençam de que, por mais importantes que sejam operações como essa que acaba de ser realizada, um combate eficaz ao tráfico exige ação permanente.

A experiência da Cracolândia mostra o alcance limitado das ações isoladas realizadas ali de tempos em tempos. Os traficantes se reorganizam rapidamente e tudo volta a ser como antes. Isso é lamentável, porque o fato de ser uma área relativamente pequena e bem delimitada torna mais fácil o combate ao tráfico ali. Uma circunstância até agora não devidamente explorada.

Esse episódio deixa também evidente a facilidade com que o crime organizado se infiltra em movimentos como o dos sem-teto, a ponto de criar um grupo próprio para atuar em seu favor. Daqui para a frente será importante exercer vigilância constante para evitar que os outros grupos já existentes sejam também contaminados. A insistência desses grupos em difundir a ideia de que é legítima qualquer ação em defesa dos que eles classificam de sem-teto, mesmo as flagrantemente ilegais, como as invasões de prédios e terrenos, só agrava o problema.


Candidatos sem passado - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 09/08

Entre a esgrima e o decatlo, a Lava Jato deu neste fim de semana mostras de que ainda vai produzir muita dor de cabeça entre políticos. AFolha noticiou que o ministro José Serra (Relações Exteriores) deverá ser citado por executivos da Odebrecht como beneficiário de caixa dois. A revista "Veja" trouxe material que indica que também serão implicados o próprio presidente interino, Michel Temer, e o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil).

O primeiro ponto a observar é que, a confirmar-se a explosiva delação, fica bastante enfraquecido o discurso do PT de que as investigações não passavam de uma trama das elites para prejudicar o partido. Minha impressão é a de que o viés da operação é outro: ela mira nos mais poderosos. Até alguns meses atrás o alvo mais valioso era o PT; agora passou a ser a coalizão que sustenta Temer.

A exemplo de jornalistas, policiais e procuradores sentem prazer quando seus esforços resultam em casos de grande repercussão. Sempre que conseguem abalar os alicerces da República, experimentam sensações de "fazer justiça" e "participar de algo importante" que são tão intensas que podem causar dependência. Essa, porém, é uma deformação profissional bem-vinda, já que tende a tornar mais rigorosos os controles sobre os governantes. É claro que, para o sistema funcionar direito, é preciso que os juízes saibam conter os eventuais excessos dos investigadores.

O segundo ponto diz respeito ao ambiente político. Pelo menos até que as grandes empreiteiras concluam suas delações e o MP decida o que fazer com elas, viveremos grandes incertezas. Esse é, me parece, o melhor argumento contra a realização de diretas já. Nenhum dos grandes partidos está pronto para a eleição. Não sabemos nem sequer quem sobreviverá aos próximos lances. Pelo andar da carruagem, eu diria até que o próximo pleito se dará entre candidatos sem passado, o que pode ser muito bom ou muito ruim.

Temer ganhou uma medalha olímpica - FERNANDO EXMAN

VALOR ECONÔMICO - 09/08

A abertura da Olimpíada foi até agora o ponto alto de um gradativo reconhecimento, pela comunidade internacional, da legalidade do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. O presidente interino Michel Temer manteve a discrição, como era esperado, e mesmo assim foi vaiado na cerimônia de abertura realizada na sexta-feira no Estádio do Maracanã. Para seus auxiliares, porém, ele ganhou o dia ao receber em um coquetel antes da solenidade 40 chefes de Estado, governo e outros líderes internacionais.

Desde que a Câmara acolheu o pedido de abertura do processo de afastamento de Dilma, em dezembro, o vice Michel Temer notou uma evolução na percepção da legitimidade do impeachment. Há cerca de oito meses, por exemplo, embaixadores estrangeiros sediados em Brasília questionavam-se sobre os cenários decorrentes da abertura do processo. Os diplomatas debatiam a solidez da denúncia, as probabilidades de Dilma ser afastada e as possíveis reações da comunidade internacional à interrupção de seu mandato.

Não passou despercebida no governo, por exemplo, a diferença de 43 dias entre a data em que o Brasil concedeu o "agrément" a Peter McKinley como novo embaixador dos Estados Unidos no país e o anúncio feito em 7 de julho pelo governo americano de que concedera o mesmo tipo de autorização para o embaixador Sérgio Amaral atuar em Washington. Não se previa, no Palácio do Planalto, que demoraria tanto. Mas, agora, o caso se aproxima de um desfecho com a chancela do Supremo Tribunal Federal (STF), fator considerado crucial pelos observadores que acompanham a situação do Brasil e as condições do regime democrático nacional.

Integrantes do governo interino de Michel Temer ponderam que as autoridades estrangeiras não participam das solenidades de abertura de uma Olimpíada para prestigiar o governo do país em que o evento é organizado, mas para apoiar as suas próprias delegações de atletas. Mesmo assim, comemoram o clima de naturalidade e descontração em que se deu a recepção oferecida pelo presidente interino no Palácio Itamaraty, no Rio.

Alguns dos presentes reconheciam a gravidade da situação brasileira, mas diziam entender que o país passa por um período de transição. Demonstravam ainda saber que a presidente afastada não deve retomar o posto. Não houve constrangimentos, Temer até realizou uma reunião com os presidentes da Argentina e do Paraguai para discutir o destino do Mercosul e recebeu os cumprimentos do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, do secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e de líderes europeus.

Temer também não precisou preocupar-se com a presença de Dilma ou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não foram ao Rio.

O governo interino trabalha para que a Rio 2016 seja uma vitrine, uma oportunidade para o país começar a recuperar sua imagem no exterior. A Olimpíada é considerada pelo Palácio do Planalto como um potencial instrumento para o Brasil novamente ser visto de forma positiva, reavivando a curiosidade de investidores estrangeiros e potenciais turistas pelo país, depois de figurar nas manchetes internacionais nos últimos anos devido à crise econômica, à instabilidade política ou ao surto do vírus zika.

A Copa de 2014 é dada como exemplo. Problemas de organização e planejamento também causaram incômodos, sobretudo nos primeiros dias do evento. Imprevistos elevaram os gastos relacionados à competição, mas, no fim das contas, o saldo foi positivo.

É verdade que grande parte dos preparativos foram levados adiante pela gestão Dilma Rousseff e dependem de outras esferas administrativas, assim como a decisão do governo interino de afastar servidores que há anos trabalhavam na organização do evento às vésperas da Olimpíada atrapalhou o desempenho do Ministério do Esporte neste momento. Mas agora o próprio Temer e diversos ministros estão se empenhando pessoalmente para que tudo dê certo.

A segurança é uma das principais preocupações do Planalto. Além de querer evitar o potencial noticiário negativo sobre a violência contra turistas, atletas ou autoridades estrangeiras presentes no Rio, o governo busca evitar qualquer possibilidade de que um eventual ataque terrorista cause uma tragédia e coloque tudo a perder.

Acredita ainda que a Olimpíada tem tudo para melhorar o ânimo da própria população brasileira. Internamente, na avaliação de auxiliares de Temer, ela pode ajudar a marcar uma mudança de fase em relação à atual conjuntura política. Afinal, os jogos coincidem com o avanço dos processos de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado e o de cassação do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ontem, conforme prometido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi lido em plenário o parecer do Conselho de Ética que recomenda a cassação de Cunha. A votação do caso ainda não foi marcada, mas estará pronta para ser incluída na pauta da Casa nos próximos dias - caso os aliados de Eduardo Cunha não tenham força para postergar a conclusão do seu julgamento.

Temer ainda não colheu todos esses frutos e, agora, enfrenta o risco de novos desdobramentos da Lava-Jato produzirem maiores danos ao seu governo. Por outro lado, algumas contas já começam a chegar ao seu gabinete.

O governo federal teve que desembolsar de última hora R$ 120 milhões para ajudar nos custos das festas de abertura e encerramento da Olimpíada. O Executivo também confirmou ao Congresso que a realização da Rio 2016 deve demandar uma renúncia fiscal de R$ 3,8 bilhões entre 2013 e 2017. A estimativa é que R$ 2,9 bilhões impactem o Orçamento deste ano e outros R$ 212,7 milhões no do ano que vem. Tudo isso num período em que o governo tenta fazer um ajuste fiscal e recuperar a confiança dos investidores.

Os casos de repreensão a torcedores que criticam o processo de impeachment de Dilma e o governo Temer durante os jogos não ajudam em nada a estratégia de relacionar a Olimpíada a um Brasil melhor.


Cadê o "Volta, Dilma!"? - LUIZ CARLOS AZEDO

CORREIO BRAZILIENSE - 09/08

As Olimpíadas no Rio de Janeiro servem para desfazer a campanha internacional feita por Dilma e pelo PT de que estaria em curso um golpe de Estado no Brasil
Não foi à toa que os petistas adotaram a palavra de ordem "Fora, Temer!", na qual se confundem com todos os demais adversários do presidente interino. É uma maneira de fugir à responsabilidade de defender a volta de Dilma Rousseff ao poder, uma missão impossível para a cúpula do PT, cujo único objetivo agora é se defender da Operação Lava-Jato. Mesmo a tese do "golpe de Estado" contra a presidente eleita já não tem o consenso partidário. Como caracterizar um golpe quando o presidente do Supremo Tribunal Federal(STF), Ricardo Lewandowski, notoriamente ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preside o julgamento do impeachment?

A partir de hoje, os senadores petistas - alguns dos quais também investigados na Operação Lava-Jato - , na sessão plenária do Senado Federal que decidirá julgará ou não o pedido de impeachment, já não poderão afirmar que o processo é um golpe sem também acusar Lewandowski de golpista. Ou seja, começa a cair por terra a tese de que a Constituição foi rasgada pelo Congresso. É que as regras do jogo foram estabelecidas pelo STF em julgamento no qual o Senado foi fortalecido como instância julgadora, uma vez que a Câmara, então ainda presidida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teve subtraído o poder de afastar a presidente da República. O processo se tornou mais demorado, mas enfraqueceu a retórica de que o processo de impeachment fora aberto como uma "vingança" de Cunha aliado à oposição.

Estranho golpe esse, sem tanques nas ruas, cassações de mandatos, fechamento de sindicados, censura à imprensa, ocupação de rádios e emissoras de tevê. Nada se parece com o golpe militar de 1964, como a presidente afastada chegou a comparar. Somente quem não viveu aqueles dias ou interpreta a história por um viés ideológico sustenta um paralelo tão fora da realidade. A propósito, a realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro serve para desfazer toda a campanha internacional feita por Dilma, por parte da diplomacia e por aliados do PT de que estaria em curso um golpe de Estado. A proibição de manifestações de protestos nos locais de jogos, que é usada para caracterizar um surreal processo de fascistização do país, ao contrário do que alguns imaginam, foi estabelecida a pedido do Comitê Olímpico Internacional pela própria presidente Dilma Rousseff. Nada impede que os protestos contra o governo Michel Temer sejam marcados e convocados para os locais onde normalmente essas manifestações ocorrem.

Mas voltemos ao impeachment. Para ocorrer, o julgamento da presidente Dilma Rousseff precisa que a maioria simples dos senadores aceite o pedido aprovado pela comissão especial, nos termos do relatório do senador Antônio Anastasia. Essa votação será hoje, em sessão que servirá para uma avaliação realista da situação da presidente afastada e das dificuldades criadas pelos senadores que estão em cima do muro. Dos 81 senadores, 39 declararam votos pelo impeachment, 18 são contrários e os demais preferem não declarar o voto. Nos bastidores, porém, já passam de 60 os senadores que se comprometeram com o Palácio do Planalto a aprovarem o impeachment. São necessários 54 votos. O caso do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) é o mais emblemático: ele não disse que votará a favor da cassação de Dilma, mas já deu sinais de que considera o impeachment uma alternativa válida. O último deles foi repudiar a comparação com o golpe de 1964.

O desafeto
A estratégia de usar a má fama de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, para desmoralizar o impeachment também se esvai com o passar dos dias. Desde a eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Casa, sua influência diminuiu, embora ainda tenha aliados poderosos. Ontem, foi lido em plenário o pedido de sua cassação, que será publicado hoje no Diário Oficial. Abre-se, assim, o prazo de até duas sessões ordinárias (de votações ou debates) para que o processo seja incluído na pauta, com prioridade sobre outros temas. O PT e o Psol, dilmistas, e o PSDB, o DEM e o PPS, da antiga oposição, cobram a marcação imediata da data de votação. A cassação é pedra cantada, até mesmo para os aliados de Cunha, que têm medo dele se sentir traído e, por isso, denunciar a todos que ajudou com recursos de campanha em acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. Se perder o mandato, quem julgará seu caso é o juiz Sérgio Moro, de Curitiba.

Maia argumenta que o tema é bastante polêmico e precisa ser definido por um plenário com quórum elevado.

São necessários 257 votos entre os 512 deputados em exercício para que seja determinada a perda do mandato de Cunha. O risco de não aprovarem a cassação de Cunha seria real durante as Olimpíadas do Rio, porque a opinião pública está inebriada pela festa. Mesmo assim, em votação aberta, será muito difícil para qualquer deputado nâo comparecer à sessão da cassação. A opinião pública considera Cunha uma espécie de inimigo público número um. Ninguém se surpreenda se ele for cassado antes mesmo do afastamento definitivo de Dilma Rousseff.


Dilma culpa muitos por impedimento, menos ela - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA

Às vésperas de sofrer nova derrota no Senado, Dilma Rousseff discursou para uma plateia companheira em Curitiba, nesta segunda-feira (8). A certa altura, perguntou a si mesma quem são os responsáveis pelo “golpe” sem tanques de que se julga vítima. Expressando-se na língua confusa que costuma utilizar, muito parecida com o português, a presidente afastada disse o seguinte:

“Em primeiro lugar, parte da mídia oligopolista. Em segundo lugar, mas não necessariamente nessa ordem, mas com uma certa simultaneidade, uma parte da oposição ao meu governo —a parte, vamos dizer assim, mais programática da oposição ao meu governo, que foi sendo substituída pela parte mais, diríamos assim, mais fisiológica, mais complexa, mas nem por isso menos ávida. É essa parte da oposição que representa hoje o governo provisório e interino, com a participação da outra: partes do PMDB, obviamente o ex-vice-presidente, atual presidente interino, e também o presidente afastado da Câmara Federal, senhor Eduardo Cunha. E toda uma parte do capital especulativo e financeiro. Acredito que outros segmentos podem ter sido atraídos. Mas esse é o núcleo duro.”

Numa tradução livre do dilmês, o repórter suspeita que madame tenha desejado declarar que a culpa é de três setores da sociedade: a imprensa, a oposição que se juntou ao PMDB e a oligarquia financeira. Quer dizer: Dilma responsabiliza muita gente pelo seu fracasso, menos ela. Ou quebraram todos os espelhos do Palácio da Alvorada ou Dilma ficou cega. Uma pena.

Se tivesse olhado para o espelho pelo menos três vezes por dia, Dilma teria testemunhado o ocaso de uma presidente ruinosa. Despreparada, pressunçosa e dissimulada, transformou sua incapacidade pessoal num desastre histórico — um dos piores que o Brasil já viveu.

Dilma fez sumir os brasileiros humildes que enchiam os aeroportos e divertiam Lula por deixar a “elite incomodada”. As companhias aéreas estão no chão. A conta de luz barata tornou-se pesadelo. O setor elétrico entrou em curto-circuito. Os juros de um dígito, que eram feitos de saliva, revelaram-se uma mágica fugaz. O investment grade que as agências de avaliação de risco deram ao Brasil, virou lixo. O “pleno emprego” deu lugar a quase 12 milhões de desempregados. O pré-sal não levou o Brasil à OPEP, mas à roubalheira da Lava Jato. E a ‘Pátria Educadora’ não passava de um slogan de marketing criado com verba do caixa dois.

Dilma não gosta de reconhecer os próprios erros. Para ela, quem deve uma autocrítica ao país é o PT. A legenda precisa explicar por que aderiu aos métodos dos cleptopartidos. Seria ótimo. Mas a diversão só ficaria completa se madame explicasse, com seu quase-português, por que diabos abandonou a noção de responsabilidade fiscal para tocar o país na base do vai ou racha. Rachou. O caso de Dilma não é de impeachment. Madame está prestes a ser mandada mais cedo para casa porque cometeu suicídio político.

O pós-impeachment - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 09/08

Dá-se de barato que, passado o impeachment definitivo de Dilma Rousseff, tudo será diferente no governo Michel Temer. A base aliada amanhecerá mais dócil, os projetos prioritários serão aprovados do dia para a noite, os empresários cairão de amores pelo novo Planalto, os investidores vão voltar correndo, os empregos vão jorrar. Será que é isso mesmo?



Tudo indica que o impeachment passará hoje, já sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, e chegará virtualmente decidido à fase final em plenário. E é verdade que o fim da interinidade vai conferir maior segurança para Temer, o governo e o próprio País, o que é muito importante, sobretudo, do ponto de vista das relações internacionais. Mas, do ponto de vista interno, o fato é que o Congresso continua exatamente o mesmo, com a dificuldade adicional de uma Câmara ultrafragmentada e o Centrão tentando manter vivo o morto Eduardo Cunha.

Quanto mais o impeachment final se aproxima, mais crescem as dúvidas sobre a capacidade do novo governo de começar a tapar o buraco fiscal, dizendo “não” a pedidos variados de Estados, municípios e categorias profissionais, todos devidamente representados por suas bancadas no Congresso e com enorme capacidade de pressão.

Temer está para trocar a interinidade pela condição de presidente efetivo, mas os problemas continuam e ele tem pela frente negociações duríssimas para aprovar o acordo com os Estados, o teto de gastos, a reforma da Previdência e mudanças nas regras trabalhistas, além de encaminhar, por favor!, o início de uma reforma política.

O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), porém, diz que o governo vai muito bem, que as críticas às vezes são injustas e que até na parlamentarista França, que ele conhece bem e é um exemplo de democracia, tudo é feito na base da negociação: “O François Hollande, que tem maioria no parlamento, também teve de negociar a reforma trabalhista. Ele ganhou, mas a reforma não é exatamente a que ele queria”.

Mais constrangedor e preocupante do que isso, aliás, é que o impeachment caminha numa rodovia e a Lava Jato em outra, paralela, a mil por hora. Estão começando agora, por exemplo, as delações da Odebrecht, que derramou muitos milhões de reais e dólares em praticamente todas as campanhas majoritárias e em muitas proporcionais. Levante a mão o presidente de grande partido (como Temer) e o candidato a presidente e governador que nunca pediu doações da Odebrecht!

Com as novas delações, chegam ao noticiário conversas de Temer com as grandes doadoras, a arrecadação do PMDB, do PSDB, do PSD... e as contribuições para as campanhas de ministros de Temer, como o chanceler José Serra, candidato a presidente em 2002 e 2010. Junto a tudo isso, um velho fantasma do Congresso passa a assombrar também o governo: o caixa 2 de campanha. E, por falar em fantasma, nunca se sabe se, quando e como Eduardo Cunha pode virar delator.

Logo, a votação do impeachment definitivo de Dilma não é o fim nem o começo de nada. É apenas mais uma etapa num processo ainda tortuoso, cheio de curvas perigosas e grande possibilidade de surpresas arrepiantes. Temer vai mudar de um palácio para outro, mas a vida no Alvorada também não é feita de flores.

Bom samba. As duas primeiras medalhas do Brasil na Olimpíada foram de atletas militares: Rafaela Silva, ouro no judô, é sargento da Marinha e Felipe Wu, prata no tiro de pistola, do Exército. Além disso, dos 467 integrantes da delegação brasileira, 145 (quase 1/3) são militares, 52 deles do Exército.

Como as Forças Armadas vão herdar o Complexo Desportivo de Deodoro, pode-se prever que a combinação de bons preparadores, recrutamento de talentos e boas pistas, quadras, piscinas e stands poderá dar um bom samba para a próxima Olimpíada. Vamos torcer.

A cultura do feriado - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 09/08

Será razoável que se tenha tornado natural como bala perdida que uma autoridade imponha toque de recolher e diga quando as pessoas podem circular?



A cerimônia de abertura da Olimpíada teve três ausências muito educativas sobre o estado de calamidade do Rio de Janeiro: Lula, Sérgio Cabral e Eike Batista. Quem diria, em 2009, que esses três então heróis-estadistas mal pudessem, em 2016, botar a cara na rua, muito menos dar pinta no Maracanã?

Sejamos mais precisos, porém. Quem quer que se lembre do dia 2 de outubro de 2009 — aquele, redentor, em que, no reino da Dinamarca, a cidade foi escolhida sede dos Jogos ora em curso — deveria refletir sobre por que viemos parar aqui (e eles, quase lá), e sobre como não é acaso que coincidam um evento esportivo tão extraordinário e a própria decomposição do Rio, do Brasil.

Passados quase sete anos daquela fantasia em Copenhagen, o trio de heróis-fanfarrões derreteu — o BNDES minguou (subnutrindo os campeões nacionais do petismo), a Petrobras, saqueada, afundou (fazendo emergir a mentira lulista do pré-sal), as UPPs, farsa prolongada, já não existem nem como mistificação — e o Rio de Janeiro, ainda enganado-adiado pelo doping de um legado, logo tombará deprimido, com metrô, VLT, Porto Maravilha e tudo mais. Por quê?

A explicar e consolidar a história toda, a própria natureza do homem público brasileiro: a impostura. Nunca houve tanta, de todos os lados, desde todas as esferas de poder, quanto nos anos em que o Rio fingiu preparar-se para funcionar. (Falaram até em Barcelona, o modelo, isso enquanto, ali ao lado, fabricavam Macaé.) É ela, a impostura, a responsável pela miséria de estarem tantos entre os apaixonados pela Olimpíada — no momento mesmo em que ocorrem — preocupados com o que virá depois.

E como não?

Se é verdade que eles, os heróis derretidos, estão politicamente mortos, certo é também que aquilo que representam não será enterrado enquanto não enfrentarmos a realidade e estourarmos a bolha que ainda hoje o sobrevivente Eduardo Paes infla: a de que a Olimpíada, maior evento da história do país, acontecimento espetacular, é conquista de mentiras erguidas como ciclovia, e a de que a conta político-econômica de tamanho conjunto de irresponsabilidades — que reproduzirá sobre o município, em brevíssimo, a mesma falência que ora dilapida o Estado do Rio — pesará novamente sobre nós, leitor.

Ou você acredita na propaganda eleitoral de que as finanças da cidade estão sob controle? Se sim, os estelionatos marqueteiros de Dilma Rousseff e Cabral-Pezão nada lhe terão ensinado.

Prestemos atenção. Nós já pagamos o preço – na escassez de segurança, no sucateamento de hospitais e escolas — faz mais de dois anos. Há, contudo, um símbolo presente para essa fatura. Algo talvez banal (para uma população que se acostumou a avaliar riscos antes de pegar uma linha vermelha da vida), mas muito significativo. Porque não importa quanto investimento se faça em infraestrutura se — depois de todos os transtornos, na chamada hora H — o cotidiano das pessoas fica ainda mais comprometido. Ou será razoável que se tenha tornado natural como bala perdida que uma autoridade imponha toque de recolher e diga quando as pessoas podem circular? Nada contra a Família Olímpica. Tudo contra a barbaridade de que, para ela desfilar, nós devamos restar em casa. Que mensagem se quer passar com isso?

Que clima olímpico — que espírito pacificado — querem de nós, se o Rio de Janeiro, mais sitiado que nunca, está armado para uma guerra? Não há legado que legitime um estado de exceção. Ou será errado dar nome às coisas?

Penso também na indecência em que consiste este recurso de decretar feriados. Era como fazíamos nas brincadeiras de moleque, diante de um aperto, ao gritar “altos!” — e ainda lá, na farra infantil, algo de imoral havia naquilo. “Altos” é ao que nos obriga o prefeito — para disfarçar o caos, para camuflar a incompetência, a falta de planejamento. O país está quebrado, parado. A cidade, a poucos meses de se enxergar traída, vendida. Mas, ainda assim, os governantes decidem enfrentar a impossibilidade urbana multiplicando feriados.

É quase tudo que a cultura estatista pode oferecer. O resto está no chororô de se declarar falido para esmolar mais dinheiro público. É a melhor síntese da onipresença do governo entre nós: enfezou, faltou, imprimam-se reais, aumentem-se os impostos. Complicou, embolou, meta-se um canetaço e determinado estará que o cidadão não pode trabalhar, que as empresas não podem produzir.

Curiosamente, no entanto, a galera vibra nas arquibancadas. É como se o menino das argolas, a própria personificação da certeza, a definição exata de estabilidade, caísse, falhasse — e a torcida nacional comemorasse o tombo como um gol do Pelé. Claro. Um novo feriado é inveja no coração do brasileiro de outras partes e medalha de ouro no peito do carioca, quando a festa do esporte vira carnaval, micareta. Não importa se for também evidente programa de aceleração do desemprego. Depois a gente vê.

Carlos Andreazza é editor de livros

Corrupção versus Brasil - RICARDO VIVEIROS

FOLHA DE SP - 09/08

O jogo político não é diferente do futebol. Tem campeonatos municipal, estadual e federal. Congrega times, torcidas organizadas, cartolas e patrocinadores. Há venda de passes de atletas que, mesmo adeptos de um time, jogam pelo outro em troca de vantagens. Muitas vezes, um jogador pode ser suspenso por indisciplina. Há também árbitro, auxiliares e, até mesmo, um tribunal específico, para julgar e punir os que cometem faltas graves.

O público pode ser fiel a um determinado time, mas há registro de fanáticos por um craque que o acompanham na equipe em que estiver jogando. Lembram-se de Jânio Quadros, Ademar de Barros, Paulo Maluf? E há, também, os que não jogam nada, mas são muito populares com a torcida, tipo o Tiririca.

Duas diferenças, entretanto, são gritantes. A primeira é o tempo de carreira profissional. No futebol, é curta; no máximo, uns 20 anos. Já na política, o "atleta" pode superar 60 anos de atividades ininterruptas. Muitas vezes, ainda com uma tremenda fome de bola.

A outra diferença, esta substancial, é que, na política, os jogadores são escolhidos pela torcida para disputar específicos campeonatos, que duram quatro ou oito anos. Já pensou se você tivesse que eleger um centroavante, um meia, um goleiro? Pode até ser uma opção ideológica, escolher um lateral para a direita ou para a esquerda. Indecisos optariam por um beque central, sem medo da pecha de estar "em cima do muro".

Nosso país traz, em seu DNA, o gene da exceção. É uma coisa de origem. Nada aqui foi, é ou será normal. Quando pequeno, já escutava as pessoas comentarem que, se o Vaticano ficasse no Brasil, convidariam o papa para dar pontapé inicial em jogo de futebol. Quem sabe até naqueles entre casados e solteiros de paróquia na periferia.

A única coisa definitiva no Brasil é que tudo é provisório. Desde as medidas governamentais -passando pelas contribuições tributárias, obras públicas- até, felizmente, os períodos de exercício do poder pelos políticos. Muitos deles, é verdade, tentaram ser eternos: Getúlio Vargas ou os militares do golpe de 1964, por exemplo.

O time do mensalão tinha pinta de campeão. Típico caso bem similar ao futebol: elenco, conhecimento e sorte de vencedores. Todavia, sobre essa vitória previamente anunciada pesavam dirigentes corruptos, decisões questionáveis no "tapetão", patrocínios com origens estranhas, facilitações inesperadas em partidas contra adversários sem esperança etc.
Aquele campeonato terminou com a derrota do time da casa, já que algumas poucas punições ocorreram, mas a partida seguiu sem impedimento ou qualquer substituição. Consequência: o resultado foi mais desfavorável ao povo brasileiro que os 7 a 1 para a Alemanha na última Copa do Mundo.

Por outro lado, agora na disputa do petrolão, o time do povo está virando o jogo. A torcida, que já havia se manifestado nas ruas no primeiro certame, agora, nas rodadas finais deste outro campeonato, está unida e vibrando diante da possibilidade de vitória de seu time.

A pátria de chuteiras ainda acredita nas instituições, nos legítimos craques, nos dirigentes capazes e honestos, nos árbitros éticos. Tomara que o time do povo vença! Afinal, já faz um bom tempo que não somos campeões...

RICARDO VIVEIROS, 66, jornalista e escritor, é autor de "A Vila que Descobriu o Brasil" (Geração Editorial), entre outros, e presidente da empresa de comunicação Ricardo Viveiros & Associados

Tiros no pé - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 09/08

O senador petista Lindbergh Farias, exercendo seu papel de líder da oposição no Senado, tenta mais uma manobra para suspender o processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, alegando que o presidente interino, Michel Temer, ganhará imunidades constitucionais caso Dilma seja afastada definitivamente, e não poderá ser investigado pela denúncia de que recebeu R$ 10 milhões da empreiteira Odebrecht, conforme constaria da delação premiada de Marcelo Odebrecht.

Há, para início de conversa, controvérsia sobre as imunidades de Temer mesmo no exercício da Presidência. Constitucionalista respeitado que é, Temer tem a exata noção de seus direitos e da controvérsia em torno deles. Há especialistas que consideram que no exercício do cargo, mesmo sendo interino, Temer já não poderia ser investigado por fatos anteriores, assim como Dilma não pode ser investigada por fatos ocorridos quando exercia a chefia da Casa Civil, por exemplo, e até mesmo em seu primeiro mandato.

Mas há constitucionalistas como Thomaz Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio, que acha o contrário. Ele está publicando um artigo hoje no site jurídico Jota, em que defende a tese de que "(...) No momento, Temer ainda é vice-presidente. Esse é o seu cargo. Com isso, não tem ainda imunidades presidenciais. Pode ser denunciado na Câmara por crime de responsabilidade por qualquer cidadão - como já foi. Mas pode também ser processado por fatos anteriores ao seu mandato e estranhos às suas funções. O foro é o Supremo. E, ao contrário do presidente da República, a denúncia no Supremo não exige autorização dos deputados. Depende apenas do procurador-geral da República e do tribunal. Caso haja indícios suficientes para fundamentar uma denúncia, o período de interinidade de Temer é uma janela importante para atuação dessas instituições".

Argumentando que "A responsabilidade vem da função, a imunidade vem do cargo", Thomaz Pereira acha que, efetivado no cargo, quanto aos crimes comuns, "Temer de fato estaria temporariamente imune quanto aos atos alheios às suas funções - mas apenas esses". Mas acha que Temer ainda poderia ser julgado por crimes de responsabilidade que tivesse cometido quando vice-presidente no exercício da Presidência, como no caso dos decretos assinados por ele, alegadamente do mesmo tipo dos assinados por Dilma que estão em julgamento no Senado: "Vice não assina decretos. Apenas o presidente - no caso, em exercício - o faz. Ou seja, a função exercida por Temer era a mesma, antes e depois do afastamento de Dilma. Mesmo se presidente, Temer ainda poderia sofrer impeachment por atos cometidos no cargo de vice, mas na função presidencial. Afinal, a responsabilidade vem da função".

Esse é um tema tão controverso que o Tribunal de Contas da União (TCU) não analisa as contas do vice-presidente, porque considera que até mesmo os decretos assinados por ele são de responsabilidade do titular do cargo. Além dessa controvérsia, que por si só mostra como seria difícil conseguir uma decisão do STF favorável à suspensão do processo de impeachment, há a questão política. A tese do senador Lindbergh Farias é um tiro no pé, no seu próprio, e no da presidente afastada.

Lindbergh é também alvo de denúncias de delações premiadas no âmbito da Lava-Jato, assim como sua companheira petista senadora Gleisi Hoffmann. Os dois, por esse critério, não poderiam fazer parte da comissão de impeachment. Além disso, Dilma está sendo citada em diversas delações premiadas por uso de caixa 2 e financiamento com dinheiro de propinas nas campanhas presidenciais.

Na mais recente e devastadora, o marqueteiro João Santana diz que combinou com ela, pessoalmente, os termos dos pagamentos no exterior. Aliás, as delações, fora poucas e honrosas exceções, estão atingindo praticamente todos os partidos, entre eles o PSDB, que teve seus principais líderes acusados em diversos depoimentos - o presidente do partido, Aécio Neves, e o ministro das Relações Exteriores, José Serra.

É uma boa oportunidade, comprovando-se ou não as denúncias, para alterar a legislação sobre o caixa 2 em campanhas. Como disse o juiz Sérgio Moro, o caixa 2 é uma trapaça eleitoral, e como tal deveria ser considerado um crime comum.


Demora nas decisões e custo colocam a Justiça em xeque - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

VALOR ECONÔMICO - 09/08

Nos próximos meses, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) terá que decidir quem venceu o campeonato brasileiro de 1987, o Flamengo ou Sport Club do Recife. Em 1999, mais de dez anos depois do campeonato e muita discussão, o Sport garantiu na Justiça Federal o título, que venceu por WO. Em 2011, porém, a CBF deu a vitória aos dois clubes. O Sport recorreu e conseguiu manter a decisão anterior no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Flamengo apelou, então, ao STF, mas seu recurso foi recusado pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, no início deste ano. O time carioca recorreu novamente, levando o julgamento agora para a primeira turma.

O caso levantado pelo Valor (3/8) ilustra alguns dos mais sérios problemas da Justiça brasileira. Um deles é a demora em dar uma resposta definitiva para as partes em litígio; o outro é o fato de a Constituição brasileira permitir que praticamente qualquer assunto seja levado ao STF, atulhando a corte. Atualmente, o Supremo tem 65,2 mil processos aguardando decisão. Os últimos dados do levantamento Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam que 2015 começou com um estoque de 71,2 milhões de processos pendentes, com uma taxa de congestionamento de 71,4%.

Para complicar a situação, há uma firme tendência à judicialização dos debates e ao aumento dos casos envolvendo réus com foro privilegiado, em temas que monopolizam a pauta do STF, como o Mensalão e a Lava-Jato. Nos últimos dez anos, a chegada de novos inquéritos no Supremo cresceu 162 vezes e o número de novas ações penais saltou 57 vezes, de acordo com levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido do Valor, com base em dados do projeto Supremo em Números (1/8).

O levantamento mostra também que, nesse período, o Supremo levou em média 945 dias para condenar ou absolver os réus com foro privilegiado, pouco mais de dois anos e meio, prazo que vem se alongando. Cresceu mais ainda, cerca de três vezes, o tempo para que uma ação penal transite em julgado, chegando a 1,5 mil dias, ou quatro anos.

O aumento das ações referentes a foro privilegiado desvia o foco do Supremo de importantes questões. Um desses casos é o da recomposição das perdas geradas pelos planos econômicos nos anos 1980 e 1990. Passam de 900 mil os processos que aguardam decisão do STF sobre o assunto.

Com muitos casos de foro privilegiado no Supremo, cresce o risco de impunidade, reconhece o próprio ministro Luís Roberto Barroso, pela demora e pela possibilidade de que o investigado renuncie ao mandato, levando seu processo para a primeira instância, onde a tramitação terá que recomeçar. Segundo o levantamento da FGV, entre 2005 e 2015, cerca de metade das ações penais prescreveram ou foram remetidas a outros tribunais por perda de mandato ou função.

Em meio ao descontentamento em relação ao funcionamento do Judiciário, a temperatura esquenta com as recentes propostas de aumento de salário do setor que, além de tudo, complicam o quadro fiscal. A Justiça brasileira já era das mais caras do mundo em 2013, de acordo com o pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luciano Da Ros, em parceria com Matthew M. Taylor, da American University, situação que pode ter piorado de lá para cá. Levantamento feito por eles mostrou que o Poder Judiciário, incluindo o Ministério Público, custava o equivalente a 1,8% do PIB, dez vezes mais que na Argentina; seis vezes mais que na Itália, na Colômbia e no Chile; e quatro vezes mais que em Portugal, Alemanha e Venezuela. A mão de obra tem forte influência na despesa: a Justiça tem 412,5 mil funcionários, 210 para cada 100 mil habitantes. Os magistrados nos postos mais elevados ganham 16 vezes a renda média da população; e os que estão em início de carreira, 13 vezes mais, em comparação com duas a seis vezes mais em outros países.

Várias saídas são apontadas. O ministro Barroso sugere a criação de uma vara específica para ações de foro privilegiado; outros defendem simplesmente o fim desse privilégio. O advogado e CEO do Sem Processo, Bruno Feigelson, apoiou nestas páginas (8/8) a disseminação dos acordos extrajudiciais, especialmente nas questões ligadas ao Direito do Consumidor, que cresceram muito nos últimos anos. Sem falar nas soluções que passam pelo maior uso da tecnologia e das lawtechs. Ideias não faltam, resta encarar o problema de frente.


China, economia de mercado? - RUBENS BARBOSA

ESTADÃO - 09/08

A Camex deveria examinar o assunto tendo em vista a nossa defesa comercial


Da forma mais discreta possível, autoridades da área comercial de todos os países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) estão discutindo um tema tecnicamente delicado, que poderá ter desdobramentos políticos a partir de 2017: a China seria, de fato, uma economia de mercado?

O Protocolo de Acessão da China à OMC, assinado em dezembro de 2001, dispõe sobre as obrigações que permitem o ingresso do país no sistema multilateral do comércio. As modificações a que, para isso, o governo chinês deveria proceder, previstas pelo protocolo, englobam obrigações relativas a câmbio, subsídios, transparência das medidas, políticas de controle de preços, tratamento concedido a empresas comerciais estatais, direito ao comércio e investimentos, entre outras. A OMC, por esse documento, decidiu que o país asiático não seria tratado como economia de mercado até dezembro de 2016. A China, no entanto, considera que depois dessa data, de forma automática, não mais poderá ser vista como uma economia em transição e que ao país deverão ser aplicadas as regras vigentes a todas as economias de mercado.

A questão não é simples porque as organizações internacionais e países-membros da OMC diferem quanto ao conceito de economia de mercado. No Brasil, a avaliação sobre economia de mercado está regulada pela Circular 59/2001, que em seu artigo 3.º estabelece que, para avaliação da existência de condições de economia de mercado, serão observados, entre outros itens, o grau de controle governamental sobre as empresas ou sobre os meios de produção; o nível de controle estatal sobre a alocação de recursos, preços e decisões de produção de empresas; a legislação aplicável em matéria de propriedade, investimento, tributação e falência; o grau em que os salários são determinados livremente em negociações entre empregadores e empregados; o grau em que persistem distorções herdadas do sistema de economia centralizada relativas a, entre outros aspectos, amortização dos ativos, outras deduções do ativo, trocas diretas de bens e pagamentos sob a forma de compensação de dívidas, além do nível de interferência estatal sobre operações de câmbio.

Quais as consequências do reconhecimento da China como economia de mercado? Do ponto de vista das empresas, o principal efeito será sobre o método de cálculo para a aplicação de medidas de defesa comercial em relação a dumping ou subsídios. E também pela possibilidade de continuar a utilizar salvaguardas para conter o rápido aumento de importações.

Caso algum país reconheça a China como economia de mercado, haverá a obrigatoriedade da utilização dos preços praticados no mercado interno chinês para o cálculo da margem de dumping. Em face de distorções existentes no mercado interno chinês, o resultado poderão ser margens dedumping menores e mesmo a perda da eficácia da medidaantidumping. O reconhecimento também implicaria dificuldades na superação de desafios relacionados a eventuais desalinhamentos cambiais (em razão do controle da taxa de câmbio pela China) e subsídios fornecidos pelo governo chinês a setores econômicos específicos, por exemplo. Levando em conta as distorções existentes no mercado chinês, o resultado prático tenderá à fixação de margens de dumping menores ou mesmo negativas, o que impossibilitaria a aplicação da medidaantidumping.

Alternativamente, se um país não reconhecer a China como economia de mercado, será preservado, mesmo após dezembro de 2016, o recurso à metodologia aplicada hoje em relação à apuração de margens de dumping, visto que os preços praticados internamente podem ser descartados em razão de sua artificialidade. Em seu lugar seriam usados valores alternativos, tal como o preço de venda em economias realmente de mercado (exemplo: Alemanha), o que permitiria o estabelecimento de margens mais elevadas de dumping. Também continuariam a ser aplicadas, após consulta bilateral, salvaguardas pelo tempo necessário para prevenir ou conter importações em quantidade ou sob condições que causem ou ameacem causar distorções no mercado doméstico do país de destino.

Em 2004 o Brasil assinou o Memorando de Entendimento com a República Popular da China sobre Cooperação em Matéria de Comércio e de Investimento, reconhecendo a China como economia de mercado. Em mais um exemplo da maneira equivocada como agia o lulopetismo, o memorando não entrou em vigor porque até hoje não foi oficialmente internalizado por ato do Executivo.

Na última reunião do G-20, em Xangai, e mais recentemente por correspondência de altos funcionários chineses, as autoridades brasileiras receberam uma clara mensagem: a China espera que seja mantido o compromisso do memorando de 2004.

O setor privado brasileiro está dividido, mas a maioria das associações empresariais tem-se manifestado contrária ao reconhecimento do novo status da China pelas consequências negativas sobre a preservação de seus interesses comerciais.

O assunto está em consideração pelo governo brasileiro, que deve dar uma orientação para as empresas que se sintam prejudicas pela agressiva ação comercial chinesa. Tendo em vista o prazo até dezembro, não há urgência na definição da posição oficial. Melhor fariam as autoridades competentes se seguissem a atitude da Europa e dos EUA no sentido de evitar uma definição pública sobre a questão mesmo depois de dezembro. Não seria adequado fixar agora as diretrizes de governo por decreto ou outra medida burocrática, nem desenvolver uma nova metodologia para o cálculo de margens de dumping.

A Câmara de Comércio Exterior (Camex), em seu novo formato, vinculada à Presidência da República, deveria examinar o assunto e decidir sobre a política a ser seguida tendo em vista, sobretudo, a nossa defesa comercial.

*É presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Por que a China diz não à arbitragem sobre o Mar do Sul da China? - LI JINZHANG

CORREIO BRAZILIENSE - 09/08

Sob grande atenção internacional, a farsa da arbitragem sobre o Mar do Sul chegou ao fim. A parte chinesa, desde a primeira hora, manifestou veemente oposição e reiterou sua posição de sempre: a China não aceita nem participa de tal arbitragem e não reconhece, em hipótese alguma, o seu resultado. Há pessoas que acusam a China de não agir conforme as regras internacionais. Todavia, para chegar à verdade desse assunto, existem duas questões que precisam ser esclarecidas:

Questão 1: que tipo de arbitragem é essa? O Tribunal de Arbitragem sobre o Mar do Sul da China não tem nada a ver com a Corte Internacional de Justiça (ICJ) das Nações Unidas em Haia. Tanto ONU como ICJ já deixaram isso bem claro nas suas declarações. O julgamento de tal tribunal tem força coerciva? A resposta é negativa, porque o julgamento cometeu pelo menos seis erros: primeiro, o tribunal erra ao considerar que as reivindicações feitas pelas Filipinas se referem a disputas bilaterais atinentes à interpretação ou à aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (a Convenção); segundo, erra ao exercer jurisdição sobre um assunto que é, na essência, uma questão de soberania territorial e foge do escopo da Convenção; terceiro, erra também ao decidir sobre uma delimitação marítima já excluída pela China dos procedimentos compulsórios, de acordo com a mesma Convenção; quarto, erra ao negar a existência do acordo bilateral para resolver disputas por meio de negociações; quinto, erra ao acreditar que Manila cumpriu a obrigação de "trocar pontos de vista" sobre o tema da arbitragem e sexto, a decisão do Tribunal desvia-se do objetivo e da meta do mecanismo de resolução de controvérsias no âmbito da Convenção, prejudicando, assim, a integridade e a autoridade do documento.

Portanto, é juridicamente bem fundamentada a decisão da China de não aceitar, não participar e não reconhecer a arbitragem. É uma ação condizente com as disposições da legislação internacional marítima, precisamente com o objetivo de defender a seriedade de documentos internacionais como a Convenção. Assim sendo, mais de 70 países já expressaram, de diferentes maneiras, seu apoio e sua compreensão sobre a posição de Beijing nessa questão.

Questão 2: qual seria a solução para o assunto? O povo chinês está presente na região do Mar do Sul da China há mais de dois mil anos. Até o fim dos anos 1960, quando foram descobertos recursos de petróleo e gás na região, a soberania da China sobre essas ilhas era amplamente reconhecida pela comunidade internacional. As práticas diplomáticas dos países, bem como mapas e publicações de prestígio, confirmavam que as ilhas pertenciam à China. Desde então, no entanto, as Filipinas e alguns países vêm invadindo e ocupando ilegalmente mais de 40 recifes e ilhas em Nansha. Diante dessa situação, o governo chinês, com grande paciência e autocontrole, fez a proposta de "deixar de lado as disputas e procurar um desenvolvimento conjunto". Firmou acordos bilaterais com os sucessivos governos filipinos para resolver as disputas por meio de negociações. Além disso, publicou, junto com os países da ASEAN, a Declaração sobre a Conduta das Partes no Mar do Sul da China, promovendo ativamente a definição das regras. São ações concretas para salvaguardar a paz e a estabilidade do Mar do Sul da China.

Com apoio das potências extrarregionais, o governo anterior das Filipinas violou os acordos bilaterais, deixou os trilhos das consultas e negociações e apresentou um pedido unilateral de arbitragem compulsória. Isso, por um lado, não vai alterar a soberania territorial e os direitos marítimos da China sobre a região e, por outro, não vai abalar a determinação de Beijing de perseguir o caminho de desenvolvimento pacífico. Como um grande país responsável, a China implementará firmemente sua política de boa vizinhança, tratando os vizinhos como parceiros, em favor dos conceitos de amizade, sinceridade, benefício e inclusão. Fortaleceremos a cooperação de benefício recíproco e a interconectividade com os países vizinhos. Seguiremos o caminho certo para resolver a questão do Mar do Sul da China por meio de negociações, sem recorrer a atalhos malignos como a arbitragem.

LI JINZHANG - Embaixador da China no Brasil

Adeus, projeto criminoso de poder - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 09.08
As sucessivas mobilizações de rua deram o golpe final em um projeto de poder que parecia invencível



Depois de longos 13 anos e cinco meses, o Brasil, finalmente, vai se livrar do projeto criminoso de poder. E, tudo indica, para sempre. Como os “sovietólogos,” que durante décadas estudaram a antiga União Soviética, aqui também os analistas do PT e da conjuntura nacional não conseguiram identificar o momento da crise final de uma forma de fazer política. Os arquivos são implacáveis: basta acessá-los para constatar que davam ao PT, a Lula e às suas alianças políticas uma longevidade que eliminava a História. Era como se o Brasil estivesse condenado, ad eternum, ao domínio petista e Lula fosse o deus ex machina nativo.

A repetição exaustiva dos supostos êxitos petistas, com o apoio da universidade, que fornecia o verniz científico, dava a aparência de que, mesmo com algumas dificuldades, o petismo no poder seria eterno. Tanto o DIP, do Estado Novo, ou a Agência Especial de Relações Públicas (Aerp), do regime militar, nunca alcançaram a eficiência da máquina de propaganda petista. Desta vez, o apoio dos acadêmicos, dos intelectuais, dos jornalistas, dos artistas não necessitou da violência do aparato repressivo. Não. Bastou, para alguns, o dinheiro; para outros, a sensação de que participavam do poder e, para os mais ingênuos, a reafirmação de antigas teses da juventude. O modo petista de governar foi louvado como uma contribuição brasileira para o mundo e Lula, incensado como a síntese das nossas melhores lideranças.

Os “petistólogos” ficaram tão impressionados com a propaganda, que acabaram dando uma sobrevida a uma forma moribunda de fazer política. Mas a história seguiu outro caminho. De um lado, a grave crise econômica, produto da famigerada nova matriz econômica, solapou a possibilidade de manter a base social do regime; as fontes tradicionais de recursos que drenaram para o grande capital bilhões de reais se esgotaram. E a classe média viu encolher seu poder de compra e os seus sonhos de consumo. Já a base da pirâmide sentiu os efeitos da inflação e do desemprego.

O autoconvencimento petista de que permaneceriam eternamente no poder e que controlavam o Judiciário — portanto, estariam salvaguardados frente aos atos de corrupção — fez com que ampliassem em escala nunca vista o saque do Estado brasileiro. O petrolão é apenas uma das faces do leninismo tropical, modo petista de governar, subornar e destruir os fundamentos do estado democrático de direito. A corrupção tomou o aparelho de Estado. Sem esquecer que socializaram seus beneficiários.

A ação da Justiça foi fundamental para desvelar o projeto criminoso de poder. Não bastou a Ação Penal 470, o processo do mensalão. As suaves condenações do núcleo político estimularam a corrupção. Não custa recordar que recursos do petrolão foram usados para pagar multas de sentenciados no mensalão, como no caso de José Dirceu. Decisivo foi o papel da 13ª Vara Federal do Paraná. A ação coordenada da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro apresentou para o país o Brasil petista. As severas condenações determinadas pelo juiz Moro — e referendadas, quase todas elas, na segunda instância, em Porto Alegre — deram o combustível político para o enfraquecimento da legitimidade do bloco que estava no poder desde janeiro de 2003.

Mas não foram suficientes as crises econômica e ética. O governo de então contava com a passividade popular. Com a crítica vazia, estéril, com os rebeldes do sofá. A surpresa veio a 15 de março de 2015, quando as ruas do Brasil foram tomadas por milhões de manifestantes. Era o novo na política. A combinação da forte presença das redes sociais e de uma nova forma de organização de fazer política — longe dos partidos políticos. E as sucessivas mobilizações de rua, rompendo também com o passado — o velho comício, onde o povo não passa de participante passivo —, deram o golpe final em um projeto de poder que parecia invencível.

Apesar de todos estes fatores, analistas insistiam em dar sobrevida ao petismo. Superavaliaram a capacidade de organização do partido e de seus asseclas. Deram aos movimentos sociais, mantidos por verbas públicas, um poder que nunca tiveram. Iriam incendiar o país, inviabilizar as ações oposicionistas e despertar a base social do lulismo, os mais pobres. Nada disso aconteceu. As mobilizações foram pífias. Sem as benesses estatais, nada são. E as centrais sindicais que falaram até em greve geral?

O afastamento definitivo de Dilma Rousseff vai ocorrer em clima de absoluta tranquilidade. O país não aguenta mais o PT, sua forma de governar, de fazer política. Seus líderes viraram motivo de piadas. Lula, hoje, não passa de uma figura caricata. Sua maior preocupação é escapar da prisão. O PT apresenta claros sinais de divisão, que, tudo indica, deve ocorrer após as eleições de outubro. Isto se o partido não tiver cassado seu registro, pois violou inúmeras vezes a Lei 9096/95.

O julgamento de Dilma, de acordo com a Constituição, vai ocorrer sob a presidência do presidente do STF. É de conhecimento público que Ricardo Lewandowski não chegou à Suprema Corte pelos seus dotes jurídicos. Foi escolhido por razões paroquiais, de São Bernardo do Campo, onde começou sua carreira política. Se Rui Barbosa foi chamado de Águia de Haia, Lewandowski pode ser considerado o ministro da rota do frango com polenta — região de restaurantes daquela cidade onde se saboreia tal iguaria. E, suprema ironia da História, será ele que vai presidir o impeachment. Mais ainda, vai presidir o sepultamento político do seu amigo Luiz Inácio Lula da Silva.

Marco Antonio Villa é historiador

Mordaça olímpica - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 09/08

BRASÍLIA - A vaia no Maracanã foi só o começo. Desde que os atletas entraram em cena, as arenas da Olimpíada viraram palco de protestos contra o governo interino. As manifestações têm sido reprimidas pela polícia. Em ao menos dois episódios, torcedores foram expulsos da arquibancada depois de exibir cartazes com a inscrição "Fora, Temer".

No Rio, um homem foi retirado do Sambódromo por quatro agentes da Força Nacional de Segurança. Ele assistia ao tiro com arco ao lado da mulher e dos filhos. Seu crime: carregar um cartaz contra o presidente interino.
Em Belo Horizonte, a PM expulsou do Mineirão 12 torcedores que assistiam a uma partida de futebol. Eles exibiam cartazes em inglês contra o impeachment e usavam camisetas com letras gigantes, que juntas formavam a expressão "Fora, Temer".

As duas ações foram filmadas com celulares e já somam mais de 3 milhões de exibições nas redes. É bem provável que estimulem novos protestos nos próximos dias.

A organização dos Jogos disse apoiar a repressão policial. "Queremos arenas limpas", afirmou o diretor de comunicação da Rio-2016, Mario Andrada. O comitê alegou que a Lei Geral da Olimpíada, sancionada por Dilma Rousseff, proíbe protestos nas arenas. O texto veta cartazes "com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo", mas afirma que "é ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação".

Além de não ter amparo na lei, a mordaça olímpica contraria a Constituição. Um ministro do Supremo disse à coluna, em caráter reservado, que a proibição de protestos pacíficos caracteriza censura. "Impedir a livre expressão num espaço público é inadmissível", afirmou.

Nesta segunda (9), o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, defendeu a caça aos cartazes. Felizmente, o juiz federal João Augusto Araújo discordou. À noite, ele determinou o fim da repressão nas arenas.


A democracia - MICHEL TEMER

ESTADÃO - 09/08

Minha formação democrática me impede gestos autoritários. Não os praticarei



É incrível a vocação centralizadora e autoritária da nossa cultura política. Todos acham que se o Poder Executivo apresentar um projeto de lei não poderá ele ser trabalhado com o Poder Legislativo. Quantas vezes tenho lido e ouvido, ao mandar projeto ao Legislativo e ajustar os seus termos, que o “governo recuou”. Grande engano.

Vivemos numa democracia. Isso significa que o Legislativo, assim como o Judiciário também governam. O Legislativo não é mero chancelador dos atos do Executivo. Ao contrário. Propõe, sugere, acrescenta, modifica. Nos últimos tempos temos procurado chegar a um consenso sobre a proposta de texto legal com as duas Casas congressuais, a Câmara e o Senado. Estabelecemos diálogo na convicção de que assim se exerce o poder popular descrito na Constituição federal. O exercício do poder unitário, unipessoal só é encontrável nas ditaduras.

Mas compreendo, sociologicamente, a nossa vocação centralizadora. Basta apanhar a História do Brasil desde os tempos da colônia. Primeiro, ganhamos as capitanias hereditárias, depois, o governo geral. Em seguida veio o Império, com o Estado unitário. Depois, na República, tivemos um ciclo de 20 a 30 anos de aparente descentralização, seguido de 20 anos de concentração. Foi assim de 1891 a 1930, de 1930 a 1945, de 1945 a 1964 e daí até 1988.

Esses ciclos históricos revelam que a tendência centralizadora absoluta é marca da nossa concepção política. As pessoas sempre almejam que a União cuide de tudo e de todos e, na União, o Executivo (sempre identificado como governo) tudo controle. Trata-se, aliás, da tendência de considerar o Poder Executivo como salvador da Pátria, supridor das demandas da sociedade, a cujo “poder da caneta” os outros Poderes sempre recorrem, buscando apoio e, sobretudo, recursos. Cientistas sociais, como Maurice Duverger, chegam a apontar a alta concentração do poder nas mãos do comando do Executivo como uma característica da América Latina, tradição que vem desde os tempos da colonização e da cultura ibérica.

Nos colonizadores concentrava-se toda a força e essa condição de certa forma se enraizou no presidencialismo, como podemos identificar entre nós, quando a República tomou o lugar do Império. Tornou-se bastante comum por aqui o recorrente conceito sobre o “presidencialismo” de cunho imperial com que se procura caracterizar a força do nosso sistema de governo, situação que deixaria em desequilíbrio a tríade de Poderes arquitetada por Montesquieu.

É fato, entretanto, que a democracia, entendida como governo de todos (afinal, o poder emana do povo), é exercida pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas é dificilmente compreendida. Volto a registrar que a ideia reinante é de que o Executivo produz e o Legislativo deve simplesmente aprovar. Um contrassenso. Não é nem deve ser assim. De igual maneira, a Federação. Nela União e Estados são autônomos. A União não pode interferir nas competências dos Estados sob pena de inconstitucionalidade. A eles, Estados, cabem as chamadas competências residuais. Ou seja: cabe-lhes o resíduo, o resto, do que não foi expressamente conferido à União e aos municípios. Entre as residuais, a principal delas é a competência para dispor sobre sua administração interna. A organização, a estrutura, os direitos e deveres dos seus servidores constituem o núcleo da sua competência residual. É tão grave a eventual incursão da lei federal sobre as competências dos Estados que a Constituição federal chega a registrar o impedimento de emenda constitucional que vise a abolir a Federação. Ou seja, é preciso preservar a competência dos Estados (artigo 60, § 4.º, I).

Por outro lado, a mesma Constituição prevê a intocabilidade da separação de Poderes (artigo 60, § 4.º, III).

Faço essas afirmações para pré-concluir: 1) é indisfarçável a nossa tendência à concentração; 2) a nossa História assim o registra; 3) as nossas instituições estão funcionando regularmente, sem interferência de um Poder em outro; 4) temos, agora, a oportunidade de romper com esse ciclo histórico de agressão à separação de Poderes e à Federação, suportes de uma democracia.

Também me expresso dessa maneira a propósito de projeto de lei que estabelece a repactuação da dívida dos Estados com a União, embutindo nela um teto de gastos para os Estados. Trata-se de teto geral, passível de revisão anual apenas pelo índice de inflação. Tal, aliás, como estamos fazendo com os limites de gastos da União. No primeiro momento, o projeto continha regras referentes à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Chegando à Câmara dos Deputados, dialogamos, conversamos, negociamos e fizemos, por acordo, o projeto manter-se nos parâmetros constitucionais para apresentar, logo em seguida, atualização da LRF. Tudo em consonância com a Constituição federal, artigo 169, que autoriza que lei complementar estabeleça limites para o pessoal ativo e inativo. No caso, o limite de despesas primárias correntes está limitado à variação da inflação. É quanto basta. Se os Estados decidirem criar despesas em algumas áreas, no exercício de sua autonomia, deverão retirar esses valores de outros gastos. Importa obedecer ao limite de gastos previsto no projeto, respaldado pelo artigo 169 da Constituição federal.

Este escrito se destina a evidenciar que minha conduta se respalda na Constituição federal. Digo mais: minha formação democrática me impede gestos autoritários. Não os praticarei. Esse é o caminho para a consolidação de um sistema participativo que nos levará ao ajuste fiscal necessário, ao crescimento, com o combate ao desemprego, ao desenvolvimento e à paz social, tão desejada pela imensa maioria do povo brasileiro.

Cabe aos críticos do governo, àqueles que aludem a “recuos”, escolher a via que desejam: o autoritarismo, quando não há diálogo, ou a democracia. A minha escolha já está feita. Dela não me desviarei.

*Michel Temer é presidente da República em exercício

A pauta de modernização - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 09/08

O presidente em exercício Michel Temer e sua equipe têm uma pauta de modernização da economia



O presidente em exercício Michel Temer e sua equipe têm uma pauta de modernização da economia, além, é claro, de um inadiável programa de arrumação das finanças oficiais. Este programa já foi iniciado, com a revisão das metas fiscais para este e para o próximo ano e com a proposta de um teto para o aumento do gasto público. Não haverá retomada do crescimento, de forma sustentável, se os orçamentos públicos, principalmente do governo federal, continuarem destroçados. Mas esse conserto, embora indispensável, será insuficiente para levar o País a uma expansão econômica parecida com a de outros emergentes e para garantir a necessária geração de empregos.

A agenda voltada especialmente para a dinamização da economia é em boa parte composta de tarefas negligenciadas há muitos anos ou até abandonadas por decisão político-ideológica. Alguns dos componentes mais importantes dessa pauta foram listados ontem pelo ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira, em palestra na Associação Comercial de São Paulo.

O esforço para dinamizar a economia envolverá reformas, algumas politicamente complicadas, e as várias linhas de ação deverão convergir para a redução de custos, o aumento da eficiência, a inovação e, portanto, o ganho de competitividade internacional. O ministro destacou itens como a desburocratização, a simplificação de normas, a modernização dos contratos de trabalho e a formação de mão de obra.

Poderia ter incluído na relação alguns componentes bem conhecidos e muito importantes, como a recuperação e a expansão da infraestrutura e a racionalização do sistema tributário, hoje muito complicado, confuso e desastrosamente prejudicial ao investimento, à rotina produtiva e ao poder de competir globalmente.

O ministro negou, na palestra, qualquer concorrência entre o seu e o Ministério de Relações Exteriores, fortalecido com a inclusão da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex). Os fatos comprovarão se os chefes do MDIC e do Itamaraty serão de fato capazes de cooperar, sem ciúmes e sem a competição de ambições políticas pessoais.

Mas um fato é certo: os dois Ministérios poderão, cooperando, promover uma ampla e muito importante mudança na diplomacia econômica brasileira, dominada a partir de 2003, primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, por bandeiras populistas e terceiro-mundistas.

Essa orientação, conservada em seus pontos essenciais pela presidente Dilma Rousseff, manteve o Brasil marginalizado numa fase de grandes transformações no comércio e na configuração dos mercados. A marginalização do Brasil, consequência de uma decisão ideológica, foi mencionada pelo ministro Marcos Pereira, ao citar a negociação do Acordo sobre Comércio de Serviços (Tisa, Trade in Services Agreement), já muito avançada em Genebra.

O empreendimento envolve os Estados Unidos, a União Europeia, o Japão e várias economias avançadas e emergentes, como o Canadá, a China, a Colômbia, o México e a Coreia. A discussão envolve a liberalização de negócios e investimentos em vários setores, como finanças, telecomunicações, e-commerce, transporte marítimo e serviços profissionais, importantes fontes de empregos.

Como a negociação está muito avançada, o Brasil dificilmente poderia entrar no jogo neste momento. Ao ficar fora de mais essa iniciativa, perde a oportunidade, especialmente importante, de participar da modernização dos mercados. O comércio de bens tangíveis foi o foco dos acordos tradicionais de comércio. O Tisa é um arranjo típico do novo século.

Uma política mais ambiciosa de integração nos mercados globais envolverá, naturalmente, uma revisão de toda a estratégia de crescimento e de modernização da economia brasileira. Essa revisão deve incluir, obviamente, o abandono do tosco protecionismo valorizado pelos governos do PT e pelos setores eleitos como favoritos da corte. Se a mudança avançar, todo o País ganhará.


O jogo perigoso de Erdogan na Rússia - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 09/08

Presidente turco se aproxima de Putin num momento em que a UE sofre com o Brexit e as relações com os EUA ficaram estremecidas após tentativa de golpe


A reunião hoje entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e seu colega russo, Vladimir Putin, representa bem mais do que o processo de reatamento diplomático entre duas nações. Na verdade, o encontro está sendo visto por especialistas como um jogo perigoso do líder turco, que ameaça se afastar de seus aliados do Ocidente, principalmente EUA e União Europeia.

As relações entre Ancara e Moscou foram rompidas depois que as Forças Armadas turcas derrubaram um caça russo na fronteira entre Turquia e Síria, em novembro passado, matando seus dois pilotos. O incidente foi o ápice de uma escalada de tensão. Erdogan acusava Putin de violar o espaço aéreo turco, ao realizar bombardeios contra rebeldes sírios, em apoio ao presidente Bashar al-Assad, aliado da Rússia. No início do mês passado, Erdogan enviou carta a Putin, reabrindo o diálogo.

Após a fracassada tentativa de golpe em 15 de julho, a Turquia adotou com rapidez uma série de medidas autoritárias, criticadas por seus aliados ocidentais. Erdogan aproveitou a oportunidade para implementar o que ele chama de “nova Turquia”, um país islâmico que rompe com o passado secular inaugurado por Mustafa Kemal Ataturk, o fundador da Turquia moderna.

Com o apoio de uma população radicalizada e armada, Erdogan prendeu milhares de pessoas acusadas de fazer oposição a ele, inclusive nas Forças Armadas, nas universidades, nos meios de comunicação e outras instituições. Para justificar, reforçou uma retórica de elogio ao glorioso passado otomano, quando Istambul era o centro de um califado, cujos domínios se espalhavam pela região.

As críticas de países ocidentais à truculência do regime turco, após a revolta fracassada, irritaram Erdogan. Ele ficou especialmente estremecido com o governo americano, a quem insinuou ter apoiado a insurgência militar, ao acolher o clérigo islâmico Fethullah Gülen, a quem Erdogan acusa de ser o mentor da tentativa de golpe, e se recusar a extraditá-lo à Turquia.

A importância geopolítica da Turquia é proporcional à ambiguidade do regime. Situado estrategicamente entre o Ocidente e o Oriente, o país é membro da Otan e abriga importante base aérea americana. Essa posição privilegiada garantiu ao presidente turco certa tolerância em relação a abusos de autoritarismo e repressão contra minorias. Sua adesão à UE, que vem sendo costurada há tempos, ganhou impulso depois do acordo com Bruxelas para receber refugiados que tentam entrar ilegalmente na Europa.

Mas, agora, Erdogan parece caminhar na direção oposta, reforçando, ao se aproximar de Putin num momento em que UE está fragilizada pelo Brexit, a posição de Moscou no xadrez político da região. Ou talvez esteja apenas blefando. Seja como for, trata-se de um jogo perigoso.