quinta-feira, julho 21, 2016

'Lobo solitário' é revolta do indivíduo contra o poder crescente das instâncias - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 21/07


No domingo passado, em Baton Rouge, Louisiana (EUA), Gavin Long, 29, negro e ex-fuzileiro naval, matou três policiais e feriu mais três, antes de ele mesmo ser morto. No dia 7, em Dallas, Texas, Micah Johnson, 25, também negro e veterano, tinha matado cinco policiais brancos.

Não pense num movimento organizado, tipo Partido dos Panteras Negras dos anos 1960. Num vídeo, o próprio Gavin pediu: "Se algo acontecer comigo (...), só quero dizer a todos, não me afiliem com nada. (...) Eu sou afiliado ao espírito de justiça, nada mais".

O autor do atentado de Nice, na França, talvez gostasse do Estado Islâmico, mas tudo indica que ele agiu por iniciativa própria. O mesmo vale para o ataque a um supermercado kosher dois dias depois do massacre do "Charlie Hebdo", em janeiro 2015, ou para o casal que matou 14 pessoas em San Bernardino, Califórnia, em dezembro de 2015.

A lista é longa. Ultimamente, os assassinos em massa são frequentemente avulsos –não pertencem a grupos.

Nesta terça (19), na Folha, Hélio Schwartsman ("Opinião", pág. A2) fez a mesma constatação: os lobos solitários estão aumentando. Claro, eles servem suas "causas", que são diferentes, mas compartilham o fato de serem solitários; por isso mesmo, talvez sejam a ponta incandescente de um fenômeno social mais vasto: uma vontade de "desregulamentação", pela qual há os que alugam seu apê no Airbnb, sem ser hoteleiro nem pedir permissão e pagar imposto por isso, há o Uber, para que todos possamos ser taxistas, e há terroristas autônomos, sem movimento organizado. Schwartsman cita um artigo de Liah Greenfeld, no "New York Times", em que a socióloga sugere que os "lobos solitários" sejam considerados desajustados com transtornos mentais.

Concordo com Schwartsman, e acho que a vontade de "desregulamentação" (inclusive no terrorismo) merece a maior atenção. Mas discordo radicalmente de Greenfeld. Há mais: a tese de que os assassinos avulsos sejam trastornados mentais é exatamente o que pode nos explicar porque, de repente, aparecem tantos homens avulsos com um rifle na mão. Vou explicar.

A questão política fundamental da modernidade é a contradição entre a liberdade do indivíduo e as necessidades sociais da coletividade (que implicam obediência a regras, costumes, leis etc.). Norberto Bobbio não tinha ilusões: o compromisso entre liberdade do indivíduo e coletividade é sempre insatisfatório.

Mesmo assim, nós cultivamos a ilusão de que viveríamos numa época de extrema liberdade do indivíduo. O clichê é que nossas coletividades (a começar pelo Estado) seriam tolerantes e permissivas como nunca.

Penso, ao contrário, que vivemos numa época de extremo controle coletivo sobre o indivíduo –bem perto do limite do que o indivíduo pode aguentar. Quando o indivíduo não aguenta mais, ele se revolta. E o protótipo do indivíduo revoltado não é um Exército, um partido ou um bando: é ele, sozinho, com um fuzil.

Mas é preciso explicar por que penso o contrário do que diz o clichê de que estaríamos numa época de grande liberdade.

Duzentos anos atrás, mais ou menos, mudou radicalmente o tipo de poder. Até então, o poder se manifestava como possibilidade de nos privar da vida: dominar a gente significava poder nos matar arbitrariamente. A mensagem era: "Viva como quiser, só que, no dia em que eu não gostar de como você vive, corto seu pescoço ou lhe coloco na fogueira".

O poder moderno não nos mata mais arbitrariamente. Em compensação, ele dita o jeito certo de vivermos. É isso que Michel Foucault chama de "biopoder" moderno: ninguém nos mata, mas medicina, higienismo e mil opiniões maioritárias, supostamente morais ou religiosas, pretendem regulamentar nossas vidas.

Exemplo? Se pegássemos um assassino em massa não o enforcaríamos na praça pública (como faria o poder clássico). Mas, pelo artigo de Liah Greenfeld, fecharíamos o culpado num manicômio, para que fosse "curado". Estamos convencidos de sermos livres porque "eles" não podem decidir nossa morte. Mas decidem nossa vida. Qual poder é mais opressivo: o que nos mata ou o que quer modelar nossa vida inteira? Contra qual poder você se tornaria um lobo solitário?

Atrás da "causa" que defende, o "lobo solitário" é uma espécie de mensagem raivosa e revoltada do indivíduo avulso contra o poder crescente de todas as instâncias coletivas modernas –que moldam nossas vidas.

Exagero do bem - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 21/07

Se não fosse senador, Renan Calheiros conseguiria adiar por anos o desfecho dos seus vários inquéritos e processos?


Funcionários estavam roubando comida dos estoques e do restaurante estudantil da Universidade Federal de Viçosa. Isso mesmo: pacotes de arroz, sacos de batatas, latas de suco etc. E já que estavam com a mão na massa, levavam também para suas casas rolos de papel higiênico e produtos de limpeza. Mixaria, entretanto. Tudo somado, a Polícia Federal calcula que o roubo era de R$ 2 milhões ao ano, desde 2008 — logo, um assalto de R$ 16 milhões. Comparado com os números do petrolão, é dinheiro de troco. Mesmo assim, a Polícia Federal fez uma operação pesada. Às 6 da manhã de ontem, 70 agentes federais, com aquelas camionetes pretas, entraram no campus para cumprir mandados de prisão e outros de condução coercitiva. Já traziam funcionários apanhados em suas casas.

A operação, também ao estilo clássico da PF, ganhou um nome, “Recanto das Cigarras” — um aprazível lugar do campus, onde provavelmente os ladrões de comida descansavam à sombra, chupando um picolé do estoque.

Dirão: exagero da PF. Afinal, são delinquentes do baixo escalão, levando coisa pouca, não tinham como fugir, para que todo aquele espalhafato?

Mas reparem: os caras roubavam a comida subsidiada dos estudantes de uma universidade pública. Levavam dinheiro do contribuinte de duas formas, no salário e no assalto. Pagos para prestar serviço público, levavam arroz do povo para suas casas, nos porta-malas de seus carros, estacionados de graça ao lado dos depósitos.

O que pode ser mais exagerado?

Políticos sob suspeita, políticos com medo, não estão preocupados com roubo de comida. Mas estão dizendo que a força-tarefa da Lava-Jato exagera nas suas operações e vai além dos limites nos seus métodos.

E ficaram horrorizados com as Dez Medidas Contra a Corrupção, um conjunto de leis proposto pelo Ministério Público Federal e encaminhado ao Congresso Nacional com 2,5 milhões de assinaturas. O pacote tem um objetivo determinado: endurecer o combate à corrupção.

Em vez disso, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou a disposição de colocar em votação o quanto antes um outro projeto, que define e pune diversas modalidades de abuso de autoridade.

Define como abuso, por exemplo, “ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem da pessoa indiciada em inquérito policial”.

Parece fazer sentido, mas esses tipos de ofensa já estão previstos na lei. Ninguém pode fazer aquelas coisas, muito menos sendo uma autoridade.

Ou seja, considerado o momento, aquela definição vem a calhar para criminalizar as espalhafatosas operações da PF. Setenta agentes da PF para prender dois ladrões de comida em suas casas, na frente de seus familiares? Ou para prender um ex-ministro na frente de seus filhos? Ou um pacato empresário? Ou um eleito pelo povo?

Sim, há abuso de autoridade no Brasil. Por exemplo: em greve, auditores fiscais da Receita Federal retêm mercadorias importadas e, com isso, impõem prejuízos a pessoas e empresas. Outro: deputados e senadores que usam a autoridade de seus cargos para afastar a ação da polícia e da Justiça. Se não fosse senador, Renan Calheiros conseguiria adiar por anos o desfecho dos seus vários inquéritos e processos? Até conseguiria, se tivesse dinheiro para bons advogados.

Pesquisas mostram que o criminoso, tirante os casos passionais, claro, sempre calcula a relação custo/benefício. Quanto menor a chance de o cara ser apanhado, maior a criminalidade.

O Brasil é prova disso. A corrupção vai dos bilhões da Petrobras ao roubo de comida na universidade de Viçosa. E a impunidade não é só para os casos de assalto aos cofres públicos. Leis e práticas processuais favorecem amplamente qualquer acusado ou réu que possa pagar por uma boa defesa.

Na ditadura militar, a autoridade oprimia a sociedade civil de maneira ampla e irrestrita. A polícia prendia sem mandado. O governo censurava a imprensa, fechava o Congresso, editava leis. Reclamar de qualquer agente público era uma temeridade.

Na virada para a democracia, tratou-se de garantir a liberdade e os direitos do indivíduo. O que tinha mesmo que ser feito.

Mas algo deu errado. De um lado, há flagrantes abusos de autoridade, especialmente contra os mais pobres e os desprovidos de poder. De outro, criminosos de alto escalão têm infinitos meios de escapar da Justiça.

Os exageros da Lava-Jato permitiram apanhar alguns desses criminosos e, sobretudo, expuseram as falhas do sistema.

O momento é de endurecer o combate à corrupção.


Ainda no alto - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 21/07


O Banco Central manteve os juros no mesmo nível e mudou a forma de dizer isso. Na nota de ontem, o BC disse que a inflação está em queda, o país está com grande capacidade ociosa, a taxa está indo para 4,5% no ano que vem, mas ainda existem riscos. De todas as incertezas que cercam a economia, a maior é a política, porque dela depende a aprovação ou não de medidas que permitirão o ajuste fiscal.

Os riscos inflacionários, segundo o Banco Central, são: os alimentos em alta, as dúvidas sobre a aprovação do ajuste, a indexação. IPCA-15 de julho vai ser um pouco mais alto do que se previa, em torno de 0,45%, segundo o professor Luiz Roberto Cunha, porque leite e feijão subiram mais do que o esperado. Contudo, a taxa em 12 meses continua caindo, o que mostra que esse primeiro risco apontado pelo Copom pode ser só um episódio. Sobre o segundo ponto: não está mesmo garantida a aprovação dos projetos de ajuste, como o teto para os gastos. Aliás, a política continua sendo uma fonte de incerteza. O terceiro risco inflacionário apontado pelo BC é o de que a inflação alta, por tempo muito prolongado, tenha fortalecido “os mecanismos inerciais”. Neste caso, os preços subiriam por causa da indexação. A própria nota fala, no entanto, que a grande capacidade ociosa da economia pode acelerar a queda da inflação. Dos três riscos apontados pelo BC, o político é o mais forte.

O mercado já esperava a manutenção da taxa em 14,25% e a expectativa era apenas sobre como seria a comunicação do Banco Central presidido por Ilan Goldfajn. Em vez daquela nota lacônica de algumas poucas linhas ao fim da reunião, foi divulgada uma nota mais ampla. Uma espécie de miniata.

Mesmo sendo mais longa e mais compreensível, houve divergências na interpretação. O economista Alexandre de Ázara, por exemplo, considerou que o Copom quis dizer que os juros permanecerão um pouco mais neste nível em que foram mantidos, mas poderão começar a ser reduzidos em outubro. Isso porque o Copom disse que no seu cenário a inflação está em 4,5% no ano que vem, mas o mercado ainda projeta uma taxa um pouco mais alta (5,3%). A consultoria Rosenberg Associados achou que a nota indica que os juros só caem em janeiro do ano que vem.

Na verdade, a nota deixa claro que há um cenário otimista: se as medidas de ajuste fiscal forem aprovadas, isso pode permitir um aumento mais rápido da confiança, reduzindo as expectativas de inflação. Além disso, a economia permanece muito fraca, o que pode acelerar a “desinflação”. Num quadro assim, os juros cairiam mais rapidamente.

O país está ainda prisioneiro do pior dos dilemas em política monetária: os juros são espantosamente altos para uma economia tão fraca. Em qualquer país do mundo que tivesse pelo segundo ano consecutivo um drástico encolhimento do PIB, os juros não seriam 14,25%. O que impede a queda da Selic no momento é a inflação que ainda está perto de 9%. Caiu, mas continua alta para uma recessão tão forte e juros tão altos.

O Brasil tem uma longa e complexa história inflacionária. O governo Dilma foi irresponsável em deixá-la subir, ficar acima do teto e depois chegar aos dois dígitos. A presidente afastada repetiu erros que no Brasil cobram um preço alto demais. Ao final de dois anos de recessão, e com a manutenção dos juros em níveis altíssimos, o país conseguirá voltar ao centro da meta de inflação. No melhor cenário. E é este cenário que o Banco Central está tentando realizar.

Além desse erro, o governo Dilma deixou o país descarrilar do ponto de vista fiscal. A força da desorganização das contas foi tão forte que o rombo continua se aprofundando. O governo Temer ainda não conseguiu dar um horizonte de queda a esse déficit. O problema fiscal é o maior impedimento à normalização da economia. O país continuará com déficit primário até 2018, pelas projeções da Secretaria do Tesouro. A inflação poderá chegar ao centro da meta no ano que vem, mas o estrago nas contas públicas provocado pela gestão Dilma só começará a ser revertido no governo que for eleito ao fim do atual mandato presidencial.


Lula segue 'bombando' no Nordeste - FERNANDO CANZIAN

FOLHA DE SP - 21/07

Ao longo dos governos do PT, especialmente nos Lula 1 e 2, o Nordeste foi a região que mais cresceu e foi beneficiada pelas políticas de inclusão social que mudaram o cenário da economia brasileira nos últimos anos.

Não por acaso, a região ainda muito pobre (com metade dos beneficiários do Bolsa Família) e populosa (segundo colégio eleitoral, atrás do Sudeste), foi determinante nas duas vitórias de Lula e de Dilma Rousseff à Presidência.

Hoje, o Nordeste é uma das regiões que mais sofrem com o resultado das políticas desastrosas de Dilma, sobretudo por conta do descontrole da inflação entre os mais pobres e beneficiários do Bolsa Família.

É no Nordeste onde se concentra a maior taxa de desemprego no país. A desocupação atingiu 12,8% no primeiro trimestre, bem acima da média geral de 10,9%.

Entre janeiro e março, houve aceleração das demissões, com mais 800 mil pessoas engrossando o total de desempregados, que atingiu 3,2 milhões nos nove Estados da região.

Mesmo assim, e depois do petrolão, do afastamento de Dilma e das ameaças policiais contra Lula, o Nordeste segue como o último grande sustentáculo do lulismo e do PT.

Segundo o último Datafolha (14 e 15.jul.), o petista lidera ou empata com Marina Silva (Rede) justamente por conta do Nordeste.

No cenário em que se coloca Aécio Neves como a opção tucana, Lula oscilou positivamente dois pontos de dezembro para cá (de 20% para 22%) considerando os votos totais.
Editoria de arte/Folhapress



Mas ele deu um salto, apesar de tudo, entre os eleitores do Nordeste: passou de 33% para 39% (mais da metade do que tem Marina). Espontaneamente (quando se pergunta em quem o eleitor votaria, sem apresentar nomes), 12% dizem Lula (2% Marina e 3% Aécio).

É na região também que a maioria da população (51%) ainda se posiciona contra o Senado aprovar o impeachment de Dilma. Na média nacional, são apenas 35%.

Acuado e com membros de seu partido Investigados ou presos, o ex-presidente recorre à sua última "cidadela" em busca de sobrevivência política.

Na semana passada, ele visitou quatro cidades do Nordeste. Assim como Dilma em plateias de apoiadores, Lula se entusiasmou e disse que só não será candidato em 2018 "se o Brasil der certo".

Apesar do apoio nordestino, com rejeição nacional de 53% do eleitorado (que vai a 62% no Sudeste), Lula e o PT precisarão de melhor estratégia além de torcer pela continuidade da verdadeira "bomba" deixada pelo governo Dilma.


Futebol S.A., por que não? - RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO

O Globo - 21/07

Nada acontecerá se o clube não quiser


O Brasil é um dos únicos países relevantes na prática do futebol que não oferece aos seus times uma via de direito especialmente arquitetada para inserir-lhes no complexo e ultracompetitivo ambiente global.

Esse caminho é, em grande parte, responsável pelo descrédito do futebol brasileiro no exterior e pelo estado de penúria no plano interno: times com dívidas milionárias; falta de condições para formação, educação e manutenção de jogadores no país; inexistência de meios de financiamento de suas atividades; crianças preferindo campeonatos europeus aos brasileiros; e ausência de referências e ídolos locais.

A seleção, que antes jogava por poesia e encantava o mundo, transformou-se em paródia. Ou piada. Para complementar esse enredo, a CBF, que deveria pensar no resgate e na reinvenção do futebol, pensa só nela e nos seus interesses.

A boa notícia é que uma iniciativa legislativa pode oferecer os instrumentos para reversão dessa situação. Trata-se do PL 5.082/16 (PL), de autoria do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ).

O PL cria a sociedade anônima do futebol (SAF), instrumento adequado para formação de um novo ambiente, que aproximará a cultura futebolística do poupador, do investidor e do mercado. E alterará a estrutura de governança e transparência, sem atentar contra a tradição e a história dos times. Nem a paixão do torcedor.

Importante frisar: o PL não obriga os clubes a criarem a SAF. A adoção será voluntária e mediante a aprovação da assembleia geral do clube que a desejar — condição que deveria, por si só, acabar com qualquer resistência ao PL.

De todo modo, como suas potencialidades são muitas, é oportuno relacionar algumas delas.

1 — A SAF permite a separação do futebol profissional das outras atividades do clube, inclusive as praticadas profissionalmente;

2 — o clube será controlador de 100% da SAF;

3 — a SAF poderá financiar-se no mercado, investindo os recursos captados na formação de jogadores, contratação de atletas, melhoria de estrutura, construção ou reforma de estádio etc.

4 — caso o clube queira, poderá atrair um investidor, minoritário ou majoritário. O Bayern, por exemplo, atraiu três: Audi, Adidas e Allianz, que, juntos, detêm apenas 25% do capital total;

5 — caso o clube queira, poderá abrir o capital da SAF, oferecendo aos torcedores a possibilidade de se tornarem acionistas e ganharem com o time.

6 — o modelo se passa num ambiente fiscal transitório, que dará à SAF o prazo e as condições de se adaptar à lógica empresarial;

7 — além disso, o PL cria um valor mobiliário específico do futebol, a debênture-fut, com condições próprias para incentivar a formação de um novo mercado;

8 — estabelece a possibilidade de a SAF celebrar convênios com escolas da rede pública de ensino, para educação e formação de crianças para o futebol.

Nada acontecerá se o clube não quiser. A decisão será sua, respeitando-se a autonomia privada. Então, pergunta-se: por que não a SAF como modelo opcional para organização do futebol brasileiro, se os clubes assim desejarem?


A desculpa do ‘antipetismo’ - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 21/07

Está cada vez mais difícil encontrar eleitores que se dizem petistas ou que tenham alguma boa vontade com o partido



É muito conveniente, para os petistas, atribuir suas previsíveis dificuldades eleitorais neste ano, especialmente em São Paulo, ao tal “ódio ao PT” que eles tanto vivem a denunciar. O melancólico, mas merecido, quarto lugar do prefeito Fernando Haddad na pesquisa do Datafolha de intenção de voto à Prefeitura parece dar razão aos estrategistas de sua campanha que querem descolar o alcaide da desastrosa imagem de seu partido – estigma que, segundo esse raciocínio, excita na classe média paulistana seu atávico antipetismo. No entanto, essa é, como de hábito, uma desculpa esfarrapada: a hostilidade ao PT realmente cresceu nos últimos anos e acentuou-se mais recentemente, mas não em razão de preconceito contra o partido, e sim por ter ficado clara a brutal incompetência administrativa dos petistas, não apenas no Município de São Paulo, mas na gestão federal.

É por esse motivo que está cada vez mais difícil encontrar eleitores que se dizem petistas ou que tenham alguma boa vontade com o partido. As últimas eleições mostraram que o grosso do voto na sigla construída por Lula da Silva começa a se concentrar onde a pobreza e o atraso limitam o senso crítico dos eleitores. Especialmente nas regiões metropolitanas, antigo reduto do Partido dos Trabalhadores, o definhamento da legenda se acelerou – a pesquisa do Datafolha mostra que a simpatia pelo PT em São Paulo, por exemplo, caiu de cerca de 25% há quatro anos para 11% agora. O PT ainda é o partido que tem mais eleitores cativos na capital paulista, mas nem de longe apresenta o vigor dos tempos, nem tão distantes, em que o lulopetismo se arrogava o privilégio de ditar os termos da história.

Quando questionados sobre o fenômeno, os petistas têm uma explicação na ponta da língua: trata-se do resultado de uma gigantesca orquestração promovida para difamar o PT. E tudo, é claro, para impedir que o chefão Lula vença as eleições presidenciais de 2018. Como escreveu o presidente do PT, Rui Falcão, em texto publicado pelo partido no dia 18, a “insidiosa campanha da mídia monopolizada” e a “perseguição implacável de autoridades parciais” visam a “infligir uma derrota acachapante ao PT nas eleições municipais” e a frustrar a eventual candidatura de Lula, “liderança inquestionável” nas pesquisas.

Entre os conselheiros de Haddad, o discurso é o mesmo. Já há quem diga, aqui e ali, que o prefeito, se quiser se reeleger, terá de encontrar meios de lidar com a carga da impopularidade da presidente afastada Dilma Rousseff e do PT, sem falar na do próprio Lula, que em São Paulo enfrenta grande rejeição. Isso seria, na opinião desses assessores, o maior obstáculo de Haddad.

Assim, com a desfaçatez habitual, os petistas vão construindo a fantasia segundo a qual o problema eleitoral do PT está no eleitor – instigado pela “mídia monopolista” e pela “elite golpista” a odiar os petistas – e não no próprio partido, cujos delírios de uma revolução social financiada pelo Estado resultaram na maior crise econômica da história recente, sem falar na desmoralização da política pela via da institucionalização da corrupção.

Seria realmente espantoso se a esta altura, com a exposição escancarada da incompetência dos companheiros Haddad e Dilma, os eleitores não manifestassem repúdio ao modo petista de governar. É provável que entre os que reprovam o prefeito e a presidente ora afastada haja mesmo muitos antipetistas convictos, desses que escolhem o candidato pelo potencial para derrotar o PT. Mas é evidente que, diante do descalabro dos governos de Dilma e de Haddad, com desemprego, recessão, contas no vermelho, ruas esburacadas, ciclovias improvisadas, saúde em pandarecos, educação vergonhosa e muitas, mas muitas promessas grandiosas não cumpridas, a decisão de desalojar o PT do poder o quanto antes seja a mais racional a ser tomada na hora de votar.

A própria Dilma reconheceu isso, ainda que por obra de evidente ato falho. Em evento em uma universidade do ABC, depois de ter sido criticada por um dos presentes, a petista, sem querer, explicou por que foi afastada da Presidência: “Uma das constatações que temos que fazer é que algo não deu certo, tanto é que eles estão lá, e nós, aqui”. Bingo.


Clima de otimismo na economia traz desafios para a política externa - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 21/07

O governo comemora o otimismo cauteloso que tomou conta da conversa pública na última semana. As pesquisas publicadas por Datafolha, Fundo Monetário Internacional e Confederação Nacional do Comércio sinalizam uma melhoria da expectativa econômica futura, embora a crise continue onde está.

O governo surfou na onda da nova tendência: numa bateria de entrevistas durante os últimos dias, Temer e os novos presidentes de Petrobras, BNDES, Banco Central e Câmara dos Deputados alinharam-se com disciplina a uma mensagem uníssona, digna de manual de estratégia de comunicação.

Caso esse clima prevaleça nos próximos meses, quais as implicações para as relações exteriores do Brasil?

Há três elementos para levar em conta.

Primeiro, a melhoria da situação em casa sem dúvida facilitará o duro trabalho de restauração da posição do país no mundo. Sexta-feira passada, por exemplo, o Planejamento liberou meio bilhão de reais, o que permitirá ao Itamaraty voltar ao campo de batalha. O novo plano de expansão do comércio exterior agora vai ter os instrumentos para integrar as várias burocracias do Estado brasileiro.

Segundo, não obstante a mudança de expectativas dentro do país, a melhoria em nossa situação lá fora está longe de ser automática. Em tempos recentes o Brasil queimou pontes, perdeu credibilidade e deixou um passivo diplomático que vai da África ao Oriente Médio, dos Estados Unidos à América do Sul.

Reverter esse quadro demandará trabalho diplomático cuidadoso, bem calculado e sustentado no tempo. Acima de tudo, será necessário montar uma agenda diplomática positiva. Dinheiro novo para fazer política externa e algum ativismo comercial são fundamentais, sem dúvida, mas por si sós não resolvem o problema.

O desafio é grande porque não será fácil emplacar uma agenda positiva neste momento. O dia a dia da diplomacia dos próximos meses será dominado por problemas de difícil resolução: os entraves do Mercosul, a guinada protecionista da Europa, o drama com a Bolívia e a tensão com a Venezuela. Na área comercial há fricções sem fim e, de quebra, o Brasil será obrigado a optar entre duas candidaturas latino-americanas e uma portuguesa à sucessão do secretário-geral das Nações Unidas.

Terceiro, vale lembrar que o uso de agendas diplomáticas positivas é um instrumento eficaz na consolidação da autoridade de qualquer governo brasileiro, Lula e FHC que o digam. Nisso, Temer conta hoje com uma oportunidade: segundo o Datafolha, nos últimos seis anos houve uma queda de mais de 20 pontos percentuais na proporção de cidadãos que dizem sentir "mais orgulho do que vergonha de ser brasileiro". É terreno vasto para conquistar.


A encruzilhada da habitação - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 21/07

O momento é de cair na real, mas isso é pouco para o tamanho do problema



O governo Temer começa a discutir medidas para garantir a retomada do crescimento, sinalizando que a política econômica não será o chamado “samba de uma nota só”, empacado no ajuste fiscal. Medidas destinadas principalmente, segundo as informações disponíveis, a desanuviar o chamado ambiente empresarial. Ao mesmo tempo, a equipe econômica avalia a necessidade de uma rodada de detalhamento do corte de gastos, com medo de que mesmo a elástica previsão de um déficit fiscal de R$ 170,5 bilhões não seja atingida neste ano, comprometendo sua credibilidade.

Do que virá para as áreas sociais, nessa mistura de “crescer com cortes”, pouco se sabe até agora. Mas é inegável que o governo está diante de uma situação no mínimo desafiadora.

O panorama observado na área de habitação é um bom indicativo. Sinônimo da política habitacional dos governos Lula e Dilma, o programa Minha Casa Minha Vida está fazendo água. Segundo reportagem publicada na edição de domingo do Estado, são mais de 50 mil unidades do Minha Casa com obras paradas em todo o País. E, se as faixas do programa destinadas aos mais pobres continuarem suspensas, a perspectiva é de que 1,3 milhão de empregos deixem de ser criados em três anos. Sem contar os efeitos negativos sobre o desempenho das construtoras que investiram pesado nesse segmento e agora terão de redirecionar suas atividades.

Na outra ponta do mercado, ou seja, na faixa de maior renda, as mudanças vão na direção contrária. A Caixa Econômica Federal, que responde por dois terços do crédito imobiliário no País, acaba de dobrar o teto do valor a ser financiado, de R$ 1,5 milhão para R$ 3 milhões. Aumentou também a parte que pode ser bancada pelas linhas de financiamento, tanto para unidades na faixa superior a R$ 750 mil (de 70% para 80%) como para imóveis usados (de 60% para 70%).

São dois lados do mesmo quadro. Não necessariamente resultantes da definição de uma nova política habitacional. A paralisia das obras do Minha Casa Minha Vida é consequência direta da falta de recursos. Simples assim. Foi o próprio governo Dilma que acelerou as contratações de moradias e, mais tarde, viu-se obrigado a suspender as linhas de financiamento dirigidas às famílias mais pobres.

O conselho curador do FGTS ainda está definindo as prioridades para 2017, mas já antecipa que o pacote de subsídios a fundo perdido para habitação, como os destinados ao Minha Casa, deverão ser inferiores ao deste ano.

Decisão empresarial. Quanto à guinada da Caixa em direção à classe média alta, é apresentada como uma típica decisão de natureza empresarial, com o objetivo de atender à demanda existente e, com isso, garantir à instituição maior participação no mercado e melhores resultados. Afinal, até pouco tempo atrás, a Caixa vinha sendo criticada justamente por dar prioridade às diretrizes políticas do governo, mesmo com o risco de sacrificar seu desempenho financeiro. Em outras palavras, sua atuação era considerada uma prova do uso político dos bancos públicos pelos governos petistas.

O momento, portanto, é de cair na real, desfazendo amarras e rompendo com artificialismos. Mas, embora necessário, isso parece pouco para o tamanho do problema. Espera-se, com essa “normalização” do mercado, não apenas a retomada, ainda que em ritmo mais lento, das contratações de moradias populares, como o próprio governo Temer vem prometendo, mas a formulação de uma nova política.

Convenhamos que um País que tem 6,1 milhões de famílias sem moradia digna não pode se dar ao luxo de deixar apenas nas mãos do mercado a solução para a crise habitacional.


O PT não leva a sério o golpe que denuncia - EUGÊNIO BUCCI

ESTADÃO - 21/07

Partido mandou votar em presumido golpista (até ontem) para presidir a Câmara...


Mas o que é que anda acontecendo com o tal Partido dos Trabalhadores (PT)?

Duas hipóteses. A primeira é simples, campestre, quase inocente. Se soar um tanto jocosa, a responsabilidade deve ser debitada ao objeto em questão, não ao humor de quem apenas toma notas. A piada vem da realidade, como logo se verá. A segunda hipótese parecerá menos cômica e mais trágica, mas, fique bem claro, não passa de uma hipótese. Passemos logo à primeira.

Hipótese número 1.

Não é como partido, mas como quadrilha de festa junina que o PT se movimenta. É como quadrilha que ele dança. Nhô Lula, embalado pelos trinados da sanfona e animado pelo gengibre do quentão, passa a mão direita no microfone e com a esquerda tira o chapéu de palha da cabeça para erguê-lo bem alto, como a pedir a atenção dos circunstantes. Quando atrai os olhares para si, estufa o peito e dá o alarme: “Olha o golpêêê!”.

Pronto, é o que basta. O volume da música se eleva. Os casais se excitam. Obediente ao comando de Nhô Lula, o cordão dos intelectuais, que cada vez aumenta mais, vai batendo as rangideiras de dois pés esquerdos contra a terra batida da roça ideológica, Ouve-se a cantilena de hermenêuticas dilmófilas e heurísticas temerofóbicas (“temer o Temer”) sobre as conspirações que o imperialismo, aliado à Polícia Federal, maquina contra a Constituição de 88 (que em 1988 o PT quis repudiar). “É golpe!”, entoa o cordão que serpenteia no terreiro da luta de classes, entre meneios de cabeça e repuxões de ombros. “É golpe para derrubar Nhá Rousseff”.

Com olhos de farol baixo, Nhô Lula assiste à cena extasiado. Não tem pressa, mas também não tem muita paciência. Começa a se enfarar com tanta firula constitucionalista e decide que é hora de tomar novo fôlego. Empunha o microfone outra vez, olha para o outro cordão ao seu dispor, o cordão dos parlamentares, e solta sua voz mais gutural, simulando o tom meio cochichado de um conchavo: “É mentirááá!”.

Nhô Lula dá risada com o alvoroço que provoca. Enquanto os intelectuais amuam, lá se vão os deputados federais de gravatas caipiras tomar parte na barraca da Câmara, a mesma que teria desferido o golpe inominável, o “golpe parlamentar”. Enquanto golpe havia, ficavam na deles. Agora que golpe é mentira, ei-los solícitos aos ritos legislativos. Alegres em seus saracoteios, votam em Rodrigo Maia para presidente. Maia é do DEM e até ontem praticava o golpismo torpe, mas agora, depois que Lula liberou geral, está repaginado em Nhô Rodrigo.

O cordão intelectual não contava com tamanha desinibição do cordão parlamentar, que entre um voto e outro sai em busca de novas alianças municipais com o PMDB. Nhô Rodrigo é o novo companheiro contra o inimigo maior, embora morto, o coroné Cunha. Viva Nhô Rodrigo! Viva o quentão! E dá-lhe sanfona. Alguém pede Tim Maia. “Que beleza é a natureza.” Que beleza é a quermesse parlamentar.

Nhô Lula resmunga. A farra está indo longe demais. Esse pessoal não se manca? Então, sem se levantar da cadeira, emite nova voz de comando: “É verdade!”.

Vixe Maria. Jesus amado. Um intelectual e um parlamentar, abraçados, giram sem sair do lugar. Nhô Lula toma um fartão e entrega o microfone à Sinhá Kátia Abreu, que bota um baita de um olho gordo naquele curral.

Corta.

(Antes de entrar na outra hipótese, convém recomendar que as crianças sejam retiradas da sala.)

Hipótese número 2.

Não, o PT não é uma quadrilha. O PT é um partido político. Pode parecer absurdo fazer tal afirmação assim a seco, mas, calma, é só uma hipótese. Acontece que o PT não é um partido de tipo comum, como diriam os cientistas desse campo tão pouco científico, mas um partido de tipo especial. Os partidos comuns dizem uma coisa e fazem outra. Os especiais, mais raros, dizem uma coisa e depois fazem exatamente o contrário da coisa dita. Um exemplo? Dilma um dia antes das eleições de 2014 e Dilma um dia depois das eleições de 2014.

Se a hipótese for verdadeira, quer dizer, se o PT for mesmo um partido de tipo especial, estará explicado por que – depois de mobilizar os seguidores na sua cruzada contra o “golpe”, depois de tantos discursos, cartazes, xingamentos, passeatas patrocinadas por centrais sindicais patrocinadas pelo governo, depois de tantos colóquios acadêmico-apostólicos – mandou seus deputados despejarem votos num presumido golpista (até ontem) para presidir a Câmara dos Deputados, a Casa que lançou a pedra fundamental do ato que (até ontem) era chamado de golpe. O PT falou uma coisa e fez o oposto. Tudo se encaixa.

Nesse ponto, surge uma dúvida de método. Ou bem o PT diz o que não pensa, ou bem não pensa no que faz. Se a legenda diz o que não pensa, conta mentiras deliberadas. Se não pensa no que faz, é irresponsável. A dúvida é insolúvel, pois as duas assertivas certamente não são de todo falsas e, para piorar, podem ser ambas simultaneamente verdadeiras.

Tentemos elucidar a equação por outro caminho. O PT afirma que há um golpe em curso. Se acredita mesmo nisso, há de acreditar também que a ordem democrática está em via de sofrer uma ruptura traumática das mais devastadoras, comprometendo a própria ordem democrática. Logo, o papel do partido, fosse ele coerente, deveria ser o de apontar a farsa (que tenta passar-se por democracia formal) e seguir denunciando os tais golpistas para desmascará-los e restaurar o Estado de Direito. Mas o PT fez precisamente o contrário: dá sua voluntariosa sustentação à escolha do novo presidente da Câmara, a quem chamava de golpista, e ainda posa de guardião da democracia.

Conclui-se que, na prática, o PT age como se não houvesse golpe nenhum. Portanto, quando fala em golpe, só pode ser da boca para fora. Quanto a ser quadrilha (de festa junina) ou partido político (de tipo especial), isso ainda carece de novas e mais profundas investigações empíricas e teóricas.

* EUGÊNIO BUCCI JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP


Crimes - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 21/07

À medida que se desenrola o processo de impeachment de Dilma, vão surgindo decisões em diversas instâncias dos organismos de controle e acompanhamento das atividades governamentais que têm a ver, aparentemente, com o que está sendo discutido na comissão especial do Senado, e poderiam ter impacto na sua decisão final.

Até agora, no entanto, essas medidas não têm a ver com o processo que se discute, embora a defesa de Dilma alegue o contrário. É o caso da decisão do Ministério Público Federal que concluiu que as “pedaladas fiscais” não configuram crimes comuns.

O procurador da República no Distrito Federal Ivan Marx pediu o arquivamento de investigação criminal, mas concluiu que as manobras visaram maquiar as contas públicas, principalmente no ano eleitoral de 2014, havendo improbidade administrativa — um delito civil.

No argumento da defesa, o entendimento do MPF reforça sua tese, mas o fato é que em nenhum momento o processo de impeachment acusa Dilma de ter cometido crime do ponto de vista do processo penal, mas, sim, de crime de responsabilidade, com apoio em outros pareceres, inclusive do próprio Ministério Público das Contas e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Vale lembrar que, no caso específico das “pedaladas”, quem foi absolvido do ato criminal pelo MPF não foi a presidente afastada, mas o secretário de Tesouro Arno Augustin e outros ministros. Que, no entanto, poderão ser condenados em processos civis.

As “pedaladas” foram adotadas no âmbito dos ministérios e dos bancos. A culpabilidade de Dilma seria pelo fato de o governo ter se valido dos bancos estatais para tocar suas políticas de forma frontalmente contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal, como apontado nas contas de governo pelo TCU. Além disso, a decisão política do Senado não se vincula à conclusão do MPF.

Apesar de ter arquivado o processo, o MPF disse que as manobras visaram maquiar as contas, principalmente em ano eleitoral (2014), havendo ainda indícios de improbidade, extremamente grave. É justamente isso que a LRF quer evitar, que o presidente abuse do poder econômico, sobretudo em ano eleitoral.

Quanto às contas de 2015, que o TCU está julgando agora com a tendência de rejeitá-las, há mais de 23 infrações apontadas, sendo as mais importantes:

1) Operações de crédito ilegais junto a Banco do Brasil (Plano Safra) e BNDES (PSI), incluindo rolagem de dívidas de períodos anteriores, em torno de R$ 60 bilhões;

2) Omissão de passivos da União junto a BB, Caixa, BNDES e FGTS nas estatísticas divulgadas pelo Bacen (para esconder as “pedaladas”);

3) Pagamento de dívidas junto a BB, BNDES e FGTS sem autorização na Lei Orçamentária Anual;

4) Abertura de créditos suplementares por decreto de forma incompatível com a obtenção da meta de resultado primário;

5) Abertura de créditos extraordinários por MP sem observância dos requisitos constitucionais.

Algumas provocaram o pedido de impeachment, como as ligadas às operações de crédito com o BB e aos decretos de créditos suplementares (itens 1 e 4). Segundo os especialistas, decretos são atos infralegais e sem força de lei, o que os difere completamente das MPs. MPs são submetidas ao Congresso; decretos, não.

Por isso, liberar recursos por decreto em desacordo com a Lei Orçamentária é gravíssimo; a MP, por ter status de lei, pode suprir a ausência de previsão no Orçamento.

Quanto à “criminalização” de MPs para liberar crédito extraordinário, o problema é que, ao questionar Dilma, o TCU deixou o ministro da Fazenda atual, Henrique Meirelles, inseguro de editar MPs, temeroso de posteriormente sofrer condenações.

Como a análise dos requisitos constitucionais tem um componente subjetivo muito forte, ele começou a pedir permissão ao TCU antes de editar as MPs, o que está causando polêmica, pois o tribunal tem permitido que o atual governo as edite, ao mesmo tempo que as aponta como infrações cometidas no governo Dilma.

Mesmo que, diante dessa aparência de incongruência, o TCU venha a retirar da lista de infrações a edição dessas MPs, há, como se viu, outras infrações que justificam a rejeição das contas de Dilma também em 2015. E as acusações parte do processo de impeachment continuam intactas do ponto de vista da ação governamental.


Uma reforma necessária - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 21/07

A promessa do governo Temer de enviar ao Congresso Nacional até o fim do ano propostas para reformulação das leis trabalhistas chega num momento crucial para a economia do Brasil. A polêmica que cerca o tema atrasa há décadas uma discussão necessária sobre as relações entre trabalhadores e empregadores. E esse debate acaba sempre em segundo plano, o que adia decisões sobre mudanças fundamentais na área.

Num mundo movido a revoluções tecnológicas diárias, há urgência em se acelerarem as discussões sobres a legislação trabalhista no Brasil. Criada na década de 1940, a CLT foi importante instrumento para o desenvolvimento econômico e garantiu a proteção dos trabalhadores. Mas há muitos pontos hoje que precisam de ajustes e acabam virando entraves para a criação de mais empregos e para o fortalecimento de diversos setores produtivos.

A proposta do governo, segundo adiantou o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, deve encampar a flexibilização da CLT, a regulamentação dos terceirizados e tornar permanente o Programa de Proteção ao Emprego. Um ponto fundamental que será colocado em debate é a prevalência das convenções coletivas sobre as regras atuais da CLT. Ou seja, o acordado entre patrões e empregados passaria a ter força de lei, desde que respeitadas todas as normas e convenções da Organização Internacional do Trabalho. Há que se garantir conquistas histórias.

O próprio ministro reconheceu que a CLT se transformou numa "colcha de retalhos e permite interpretações subjetivas". Por isso, o setor produtivo e muitas categorias clamam há tempos por reformas urgentes na legislação. A terceirização de trabalhadores, por exemplo, é uma realidade, mas a demora e a omissão em se estabelecer regras claras acabaram prejudicando milhares de brasileiros e levou a um quadro de fechamento de vagas e de crise no setor.

Houve várias tentativas de se reformar as leis trabalhistas no Brasil, mas poucas prosperaram. A guerra ideológica e a força dos sindicatos e das centrais emperraram a discussão de algumas boas propostas. Mas o momento do Brasil hoje é delicado, talvez único em nossa história. Vivemos uma crise econômica sem precedentes, e o resultado do quadro de degradação econômica é o desemprego e o fechamento de empresas.

Sozinha, a reforma das leis trabalhistas não será capaz de reverter esse quadro. Mas será um componente importantíssimo na retomada do crescimento econômico. Não se pode mais abrir mão de discutir uma reforma com essa importância e urgência. O Brasil precisa de decisões e de estabelecer condições modernas para o desenvolvimento econômico.