quinta-feira, julho 14, 2016

Busca de esqueletos - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 14/07

Caixa nega esqueletos, mas indícios são fortes. O presidente da Caixa, Gilberto Occhi, garantiu em entrevista a este jornal que “não existe aqui nenhum esqueleto para desmontar e tirar do armário”. Talvez seja o caso de Occhi pedir um mapa mais preciso do esqueletário. Bem procurando, pode encontrar, por exemplo, as decisões do ex-vice-presidente Fábio Cleto e a compra de um banco quebrado.

A Caixa nos últimos 13 anos foi usada intensamente para os objetivos políticos do grupo que estava no poder. Basta ver as pedaladas que, de tão abusivas, levaram a antiga diretoria a cobrar do governo. Ainda hoje existem tarifas não pagas ao banco.

Suspeitas de esqueletos rondam, por exemplo, as decisões tomadas pelo ex-vice-presidente Fábio Cleto, um dos delatores da Lava-Jato, cuja área abrangia loterias, fundos governamentais e FGTS. No dia primeiro de julho, a Procuradoria-Geral da República deflagrou a Operação Sépsis, em que investiga as denúncias de desvio e pagamento de propina nas operações financeiras do FI-FGTS. Antes que digam que isso não é Caixa, lembro que a CEF é a administradora única dos recursos do trabalhador depositados no Fundo de Garantia e é por isso que o vice-presidente Fábio Cleto tinha tanto poder de liberar as mais variadas e duvidosas operações de crédito. Uma delas, que está sob investigação, é a compra de debêntures, no valor de quase R$ 1 bilhão, da Eldorado, uma empresa da J&F, a holding da JBS. Houve várias outras operações estranhas, com o pagamento de propina, segundo Cleto.

Se o presidente da Caixa acha que, ainda assim, pode garantir que não há esqueleto nos armários da instituição que preside, deveria avaliar vários outros créditos concedidos a muitos empreendimentos, públicos e privados, nos últimos anos, em modalidades que não tinham o perfil da instituição.

Quem quiser achar esqueletos pode se debruçar sobre a operação de salvamento do banco Panamericano. Na época, o banco foi comprado pela Caixa sem que a due diligence percebesse que ele estava quebrado. Com empréstimos do Fundo Garantidor de Crédito e, depois, a prestimosa ajuda do BTG Pactual, o prejuízo da CEF foi sendo escondido. Mas o fato é que ela pagou para ser sócia de um banco falido.

No mercado, o que se comenta é que a qualidade da carteira de crédito da Caixa piorou muito nos últimos anos. O banco passou a atuar mais fortemente no crédito ao consumidor, uma área que não tem grande expertise. Em relatório divulgado no mês passado, a agência de classificação de risco Moody’s, por exemplo, rebaixou a nota da Caixa alegando queda da rentabilidade e aumento do crédito de risco.

“Os volumes de negócios estão diminuindo, os custos de captação estão se elevando, e a inadimplência está em alta, mesmo nas carteiras de baixo risco. Isso tem aumentado os gastos com provisões do banco”, disse a agência.

Na visão da Moody’s, se os gastos continuarem crescendo, o banco precisará de capital adicional, que poderia vir através de um aporte do governo, venda de ativos, algum tipo de afrouxamento regulatório ou redução no fluxo de pagamento de dividendos ao governo.

“Estimamos que o total necessário para cobrir as necessidades de capital da Caixa represente entre 0,2% e 1% das receitas anuais do governo ou entre 0,07% e 0,3% do PIB”, disse a agência.

Outro problema são os empréstimos e aportes que a Caixa e outros bancos públicos concederam a grandes empresas. A Caixa Econômica, o BNDES e o Banco do Brasil são credores em cerca de R$ 13 bilhões junto à Oi, empresa que entrou com pedido de recuperação judicial no mês passado.

A renegociação de dívidas no primeiro trimestre é outro sinal da deterioração da carteira do banco: “O aumento da renegociação de dívidas também reflete o crescimento desses riscos, com o total de renegociações no primeiro trimestre correspondendo a quase tudo que foi renegociado durante todo o ano de 2015”, disse a Moody’s.

Um bom caça-esqueletos deve também avaliar as contas da Funcef, que foi usada para os mais diversos fins nos últimos anos. É cedo para afirmar com tanta segurança que não há esqueletos nos armários da Caixa.

Pequenas mentiras - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 14/07

Diferentemente do que acontece no Reino Unido, na política brasileira falhas morais e desvios de conduta são ignorados


A deputada inglesa Andrea Leadsom abandonou a disputa pela chefia do governo do Reino Unido porque foi desmascarada ao apresentar um currículo “exagerado”. Não foi só por isso, claro, mas a imprensa e seus colegas do Partido Conservador bateram nesse ponto: como uma candidata a primeira-ministra pode tentar alterar sua biografia para se valorizar? O ato foi considerado uma falha moral e um erro de estratégia política.

Se estivesse disputando algum cargo no Brasil, não teria que se preocupar com isso. Dilma Rousseff fez pior. Foi apanhada pela imprensa em 2009 com um currículo falso, apresentou umas desculpas esfarrapadas e seguiu em frente. Nem seus adversários bateram nesse ponto.

Na política brasileira, desvios de conduta e falhas morais não são consideradas. Os políticos não renunciam nem quando apanhados com contas secretas, por que iriam se preocupar com “mentirinhas”?

Reparem na diferença: Andrea Leadsom, que concorria com Theresa May pelo cargo de primeira-ministra, disse em entrevistas que havia dirigido negócios financeiros por 25 anos. Seu currículo oficial a apresentava como diretora de duas instituições financeiras.

Os jornalistas checaram e, bem, era diferente. Ela havia trabalhado em instituições financeiras, mas em funções secundárias e não ligadas diretamente à gestão dos investimentos. Também não havia sido diretora, mas vice-diretora, como admitiu — e numa área não financeira, entre muitas outras vices, como descobriu a imprensa.

Sua capacidade de liderar o país já estava em xeque — e ela certamente perderia a disputa para Theresa May se fosse bater voto. Mas aquela falha liquidou sua candidatura. E mais outra declaração: que seria melhor primeira-ministra porque era mãe. Depois pediu desculpas a May, mas já era fim de caminho.

Pensaram nas declarações sem sentido da presidente Dilma? Pois tem mais: em 2009, então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já escolhida candidata pelo presidente Lula, ainda mantinha no seu currículo oficial, registrado no site do governo, que era mestre em Teoria Econômica e doutoranda em Economia Monetária pela Unicamp. Na Plataforma Lattes, base oficial de dados de currículos na área acadêmica, constava até o nome da tese de mestrado, a data de obtenção do título (1979) e o nome do orientador.

Tudo falso, como apurou primeiramente a revista “Piauí” e depois O GLOBO. Não havia tese nenhuma, nem curso de mestrado ou doutorado concluídos. Dilma apenas frequentara aulas no doutorado. Como se explicou? Disse que não fazia a menor ideia de quem havia colocado os dados na Plataforma Lattes. Desculpa esfarrapada: só a própria pessoa tem os documentos e senhas para mexer no seu currículo. Pode passá-los para alguém, mas aí sabe ou tem a obrigação de saber o que a outra pessoa está fazendo.

E no site da Casa Civil? Outro pequeno equívoco que mandou corrigir.

Como não percebeu os “erros” durante tanto tempo? Estava trabalhando pelo Brasil — aliás, Dilma disse que não pôde apresentar teses justamente porque estava trabalhando. Mas quando, em entrevistas, era apresentada como mestre, ela não corrigia.

E ficou por isso mesmo. Parece que estava dizendo algo do tipo: Qual é? Vão criar caso por uma bobagem?

O deputado Eduardo Cunha vai perder o mandato — quer dizer, pode perder o mandato, nunca se sabe — por uma mentira. Ele disse, oficialmente, em comissão da Câmara, que não tinha contas no exterior. Quando apareceram as contas, veio com essa desculpa de que as contas não estavam em nome dele, mas de trusts, um tipo de operação financeira. Que fosse ele o beneficiário do trust, portanto, o “beneficiário” do dinheiro, não quer dizer nada, diz o deputado até hoje.

Não faz o menor sentido, mas virou um caso complicado, muitos políticos concordam com Cunha, dizem que não se pode cassar um mandato por um deslize menor — e a Câmara e o Supremo Tribunal Federal gastam tempo, energia e dinheiro com essa história.

Dizem por aqui que política é a mesma farra em qualquer país. Não é.

Na Inglaterra, não se diz que a deputada Leadsom cometeu um pequeno deslize. Diz-se que se ela mente no currículo, o quanto não mentiria no governo? Se ela apresenta um currículo falso — algo de sua inteira responsabilidade — o que mais pode fazer?

E por falar em casos acadêmicos: em 2011, o ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor zu Guttenberg, renunciou ao cargo porque foi apanhado em um plágio na sua tese de doutorado. Ele tinha 39 anos, era o mais promissor político do momento. O tal “erro”, como ele admitiu, havia sido cometido 15 anos antes, quando ele nem pensava em política.

Pediu desculpas e saiu. A universidade cassou o seu título.

Pois é, pensaram assim: se o cara começa roubando no doutorado, imaginem o que mais pode fazer.


Mais eficiência, por favor - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 14/07

Falta mais do que dinheiro para a área social: faltam projetos


O Congresso Nacional foi tomado, nos últimos dias, por uma verdadeira feira livre para a escolha de candidatos à presidência da Câmara. No Palácio do Planalto, o presidente em exercício Michel Temer, de olho no calendário do impeachment, tentava manobrar a disputa e pavimentar a travessia até o segundo tempo do seu mandato, após o afastamento definitivo de Dilma Rousseff. Enquanto isso, a equipe conduzida pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, continua a fazer contorcionismos para adaptar as metas da área econômica à dura realidade do cenário político.

Nos três fronts, contudo, quase nenhuma palavra sobre o que virá depois. Depois da eleição na Câmara, depois do impeachment e depois do ajuste, por onde iremos? Qual País que o Executivo e o Legislativo têm em mente?

Infelizmente, sob o ponto de vista da construção de projetos que interessem de fato aos cidadãos, não é nada animador o espetáculo proporcionado por essa inacreditável competição pelo comando da Câmara, com recorde de candidatos e déficit de propostas.

É claro que ninguém – pelo menos ninguém com responsabilidade social – nega a necessidade de se fazer um ajuste duro, à custa de enxugamento de gastos e reforço na receita, incluindo até algum aumento de imposto. Também não dá para ignorar que o tamanho e o figurino desse ajuste tenham de se submeter a pressões e contrapressões dos lobbies que dominam o Congresso. Esse mesmo e peculiar Congresso onde prevalece a lógica do “mais é menos”: quanto maior a base parlamentar, maiores as dificuldades do Executivo para montar e fazer aprovar qualquer projeto.

O governo amaldiçoa os constrangimentos criados pela vinculação de gastos públicos imposta pela Constituição. Tanto assim que se empenha para aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que aumenta de 20% para 30% a parcela de recursos do Orçamento com livre aplicação. E não há garantia de que a área social será preservada.

Mas de que gastos sociais estamos falando? Mal ou bem, a julgar pelos indicadores disponíveis, as verbas para as chamadas áreas sociais parecem estar resistindo.

Um estudo recente da Secretaria do Tesouro Nacional mostra que a participação dos gastos sociais (incluindo Saúde, Educação, saneamento e emprego, entre outros) atingiu, no ano passado, dois terços das despesas totais da União. E, contrariando o senso comum, o mesmo estudo indica que, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), em 2013, esses gastos correspondiam a 15% e superavam os dos países emergentes da Ásia, como a Coreia do Sul, sempre apontada como parâmetro para eficiência em gastos públicos.

Números são números, mas parecem no mínimo duvidosos para o cidadão comum.

Como explicar, por exemplo, o fato de que, depois de um período em que o Brasil foi considerado referência para o tratamento de aids, o número de casos volte a subir? Na Educação, as coisas não são diferentes. A farra do programa de financiamento estudantil, o Fies, ampliou mais os ganhos de universidades privadas do que o acesso ao ensino. E várias universidades públicas simplesmente agonizam.

Pode até faltar dinheiro para as áreas sociais. E sempre falta. Mas faltam também projetos consistentes, que vão além de metas meramente quantitativas, e fiscalização para garantir a eficiência na sua execução.

Segundo levantamento preparado pelo Ministério da Transparência (ex-Controladoria-Geral da União) e revelado pela Coluna do Estadão, de 221 auditorias realizadas, 67% são referentes ao uso de recursos na Saúde e na Educação.

Diante desse quadro, o temor é que, assim como neste ano, no próximo e nos próximos ainda, a discussão sobre gastos sociais se concentre nos grandes números, sem entrar a fundo no que será feito com esse dinheiro.


Drama de fronteira - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 14/07

O governo acaba de criar um comitê específico para tentar pôr ordem nas fronteiras brasileiras. Trata-se de uma resposta às críticas do TCU, que expôs o problema há poucos meses numa avaliação devastadora.

Tomar conta das fronteiras brasileiras é uma tarefa dificílima. A faixa de 17 mil quilômetros de extensão terrestre envolve quase 600 municípios e dez países vizinhos. O fluxo estimado de contrabando e pirataria está na casa de R$ 100 bilhões, uma conta na qual nem sequer entram o tráfico de drogas e de armas de fogo, a prostituição, a posse ilegal de terras e o trabalho escravo. Numa área de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, estabelecer comando e controle demandaria algo análogo a uma enorme operação de guerra.

O relatório do TCU revela o drama. O chamado "Plano Estratégico de Fronteiras" de 2011 não é plano nem é estratégico. Seus objetivos são confusos ou contraditórios, os processos opacos e a sincronização entre as 13 instâncias do governo quase inexistente. Não há prioridades claras nem divisão clara de tarefas. Os organismos envolvidos carecem de pessoal, recursos e autoridade para atuar.

Além de disfuncional, o TCU aponta que a gestão da faixa de fronteira é anacrônica. Toma como premissa a ideia falsa segundo a qual seria possível "blindar" ou "fechar" a fronteira. Ignora a necessidade imperiosa de envolver as populações locais para garantir o êxito da política, e desconhece o fato de que, na prática, é impossível encontrar soluções exclusivamente nacionais para problemas transfronteiriços.

O TCU não para por aí. Numa outra auditoria, avalia o programa piloto do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras do Comando do Exército (Sisfron). O tribunal encontra problemas graves de concepção e gestão, além de fazer um alerta: orçada em R$ 12 bilhões, a iniciativa corre o risco de repetir os mesmos erros do sistema de monitoramento da Amazônia (Sivam).

O próprio Temer reconhece o problema, mas ninguém no governo tem uma fórmula para resolvê-lo. Quem buscar soluções ainda enfrentará a poderosa resistência das redes criminais que atuam em prefeituras da fronteira, têm voz em governos estaduais e se fazem representar no Parlamento. Também terá uma batalha ladeira acima para obter o apoio de empresários do setor agrícola e de seus fornecedores, que convivem com a situação no terreno. Difícil achar alguém disposto para a empreitada.

Duzentos anos depois da independência e um século após a consolidação de seu território, o Brasil volta a ter na faixa de fronteira o problema mais pernicioso de sua política externa.


Novo caminho para o Mercosul - LUIZ AUGUSTO DE CASTRO NEVES

O GLOBO - 14/07

O Nafta, com objetivos mais modestos, nunca pretendeu ir além de uma zona de livre comércio, mas aumentou substancialmente o comércio entre os parceiros


O Mercosul, progressivamente disfuncional, não atende mais aos interesses de seus parceiros. Mudanças perfunctórias servem apenas para sustentar as aparências de que estamos fazendo progressos no processo de integração, o que não é o caso. Três exemplos podem servir para sinalizar o caminho a ser trilhado se quisermos realmente seguir na direção de uma integração regional aberta e competitiva. O primeiro data dos anos 80, com a criação do Programa de Integração e Cooperação Econômica (Pice). O segundo é o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), entre EUA, Canadá e México. O terceiro é a saída da Grã-Bretanha da União Europeia.

A Ata para a Integração Brasil-Argentina, que criou o Pice, baseava-se em quatro princípios: flexibilidade, para permitir ajustamentos na velocidade da integração entre os dois países; gradualismo, para avançar em etapas; simetria, para harmonizar políticas específicas que interferem na competitividade setorial; e equilíbrio dinâmico, para propiciar uma integração setorial uniforme, sem acentuar desequilíbrios entre as partes.

Em 1988, os dois países assinaram o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, com o objetivo de criar uma área de livre comércio em dez anos. Na oportunidade, foram assinados 24 protocolos sobre diversos temas, tais como bens de capital, trigo, alimentos industrializados, indústria automotriz etc. Graças a essa arquitetura institucional, o comércio bilateral avançou de maneira expressiva, atraindo Paraguai e Uruguai e levando à criação do Mercosul em 1991. Os problemas posteriores são conhecidos: perfurações à tarifa externa comum e falta de harmonização das políticas macroeconômicas entre os países membros. Estávamos, na melhor das hipóteses, como uma zona de livre comércio, não uma união aduaneira, muito menos um mercado comum. Na verdade, continuava a prevalecer nos sócios a mentalidade protecionista tradicional.

O Nafta, com objetivos mais modestos, nunca pretendeu ir além de uma zona de livre comércio, mas aumentou substancialmente o comércio entre os parceiros, cada um deles mantendo a liberdade necessária para implementar suas políticas econômicas.

Por fim, a saída da Grã-Bretanha da União Europeia ilustra os riscos de acumular problemas sem solução, que acabam explodindo em descontentamento. É provável que, assentada a poeira, negocie-se um acordo de livre comércio entre a ilha e o continente. Facilitaria essa negociação a eliminação de problemas que deixarão de existir com a saída britânica, como não adotar o euro e não ser signatário do Acordo de Schengen.

Vislumbro a solução para o impasse do Mercosul no retorno aos princípios da Ata para a Integração Brasil-Argentina, com a inclusão de cláusula de “reciprocidade”. Assim, se manteria o objetivo de integração regional, essência do Tratado de Assunção, sem cronograma definido para completar-se; em segundo lugar, reverter a área a uma zona de livre comércio com a suspensão temporária da tarifa externa comum, cuja existência já é muito precária; em terceiro lugar, assumir o compromisso dos países membros de progressivamente harmonizar suas tarifas vis-à-vis de terceiros países, cada qual o fazendo na sua própria velocidade. Cada passo nessa trajetória implicaria que, para qualquer concessão de um país membro a outro em matéria de barreiras ao comércio, seria previamente oferecida reciprocidade de tratamento. Essa proposta não leva ao fim do Mercosul como um futuro mercado comum; apenas reconhece a necessidade de dar ao bloco a flexibilidade para cada um dos países membros, a busca gradual da integração e a simetria de tratamento entre seus integrantes.


Melhor que a encomenda - DORA KRAMER

ESTADÃO - 14/07

Uma eleição para a presidência da Câmara em meio a um dos momentos mais conturbados da política em que o País convive com dois presidentes da República _ um de fato e outra de direito _, com um processo de impeachment em andamento, crise econômica e investigações lavando a jato episódios de corrupção envolvendo políticos de alta patente, tinha tudo para dar errado para o lado do governo. No entanto deu certo. Mais certo que o esperado pelo Palácio do Planalto.

O preferido era Rogério Rosso que acabou perdendo de lavada para Rodrigo Maia. Dócil e novato em seu primeiro mandato de deputado federal, Rosso seria a garantia de uma relação de paz. Para não dizer de submissão aos interesses do Poder Executivo. Já Maia, dará mais trabalho. Não porque tenha ideias oposicionistas em relação ao governo. A questão é a personalidade do deputado dado a atritos e imaturidades. Mas, diante da situação, esse é o menor dos problemas.

Os maiores deles estão resolvidos: o sepultamento do mito da influência de Eduardo Cunha, a volta do chamado centrão ao seu real tamanho e importância (um ajuntamento de nulidades) e a retomada de um ambiente minimamente orgânico em decorrência da vitória de forças mais tradicionais e organizadas. PSDB, DEM, PSB, PPS e parte do PMDB ficaram com Rodrigo Maia e é esse conjunto que tende a prevalecer. E a esquerda que também ajudou? Aí reside a ironia, levando em conta que esse grupo é contrário ao governo Temer, prega a tese do “golpe”, mas contribuiu com ele fazendo o papel de verniz na candidatura Maia. Não terá tratamento hostil, não obstante as hostilidades que continue produzindo. Afinal, uma cereja não garante o sucesso da receita, mas melhora muito a aparência do bolo.


O Centrão implodido - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 14/07

Fragmentação impõe derrota a Temer em quaisquer cenários

Não havia como Michel Temer sair inteiro de uma disputa pelo comando da Casa que o colocou no poder, mas foi a associação com Eduardo Cunha e o desprezo pelo destino do seu próprio partido que elevou a fatura a ser paga depois da eleição da mesa. O presidente optou pela candidatura que julgou ter mais chances de manter unido o Centrão, seu maior credor, mas a implosão do bloco parecia inevitável desde a queda de Cunha, seu principal avalista. Nenhum outro presidente da Câmara será capaz de colar os nove pedaços em que o Centrão se desintegrou. Nenhum presidente da República será capaz de tramitar os interesses de seu mandato numa Câmara fatiada em 17 candidaturas, depois afuniladas para igualmente inéditas 14.

Foi a condição de candidato anti-Cunha que deu competitividade aos deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Marcelo Castro (PMDB-PI), antigos cabos eleitorais do ex-presidente da Câmara e por ele escolhidos para presidente e relator da comissão de reforma política, uma das primeiras apostas de sua gestão. Perderam a condição de aliados preferenciais para novas adesões da corte de Eduardo Cunha, como Rogério Rosso (PSD-DF), deputado com estampa de lorde inglês que entrou na política pelas mãos de Joaquim Roriz e nela ascendeu à sombra de Cunha que lhe presenteou com a presidência da comissão do impeachment, passaporte para o cargo de candidato oficial.

Preterido por Temer em sua pretensão de se tornar líder do governo, função que viria a ser ocupada por um sentinela do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia galvanizou a maior frente anti-Cunha. Consolidado no seu partido, no PSDB e no PPS, foi buscar no ex-ministro Aldo Rebelo (PCdoB), a quem havia apoiado na eleição deste ao posto em 2005, a costura com os partidos de oposição, a começar pelo PT. Na presidência da Câmara, viria a ser um parlamentar mais afinado com a pauta liberal do governo Temer do que o próprio candidato governista, sem alinhamento visível a não ser com os acordos de ocasião. A despeito da convergência ideológica com Maia, sua candidatura acendeu a luz amarela no Palácio do Planalto pela perspectiva de derrotar o Centrão, bloco que tanto elegeu quanto pode inviabilizar Michel Temer.

Maia encontrou campo aberto na ala petista Construindo Novo Brasil (CNB), que hoje soma 25 deputados, e viu na aliança a possibilidade de fazer acordos que lhe tirassem do isolamento parlamentar ao qual a eleição de Eduardo Cunha lhes havia relegado. O segundo partido da Casa ficara sem cargo na Mesa ou presidência de comissão. A aproximação, que não chegou a ser um acordo, teve o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Contra o pragmatismo do CNB, se insurgiu a corrente adversária, Mensagem, que tem o mesmo número de deputados e se recusava em apoiar candidato que votara pelo impeachment de Dilma Rousseff. A posição principista seria definida pelo deputado Carlos Zarattini (SP) como fatal para as condições de o partido se posicionar nas batalhas parlamentares que estão por vir.

A divisão abriu espaço para o líder do grupo de dez deputados que age como tertius das disputas internas do PT, Arlindo Chinaglia (SP), arquitetar com o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), hoje um dos parlamentares mais próximos de Lula, a candidatura de um pemedebista capaz de angariar votos da oposição e de correligionários insatisfeitos com o governo. Os petistas apelaram ao velho divisionismo do PMDB. A estratégia, que comprometera, em grande parte, o mandato de Dilma Rousseff, contava agora com o desgaste de um partido alijado por um presidente correligionário e viciado nas práticas parlamentares de suas lideranças. Depois de duas décadas ocupando espaços dos partidos que encabeçaram a Presidência da República (PT e PSDB), o PMDB também passou a experimentar o desgaste da titularidade.

A busca por um pemedebista em desalinho já tinha alvo. Marcelo Castro, arquirrival de Cunha desde que fora destituído da relatoria da reforma política, estava disposto até a se lançar numa candidatura avulsa. Conseguiu 28 votos para representar o PMDB, contemplado em sua breve gestão no ministério da Saúde, a cobiçada pasta, hoje nas mãos do PP, de um país sem obras. O resultado do primeiro turno demonstrou que parte de seu eleitorado pemedebista jogou para negociar com o governo. Sua candidatura simbolizou a entropia de um partido que depois de tantos anos como avalista a projetos majoritários de poder, custa a puxar o comboio para além da praça de pedágio.

Os dois candidatos, além dos outros 14 que, num primeiro momento, se registraram, emergiram como ameaça ao Centrão porque se valeram dos métodos do bloco, de reinar sobre a fragmentação. O fim do loteamento petista não foi suficiente para o governo federal abrigar os cinquenta tons do Centrão. A candidatura que mais avançou sobre o baixo clero da Câmara, a do deputado paranaense Fernando Giacobo, partiu de uma dissidência do PR alijada da poderosa pasta dos Transportes reservada para o partido na gestão Temer.

O presidente interino avaliou ser capaz de se blindar das insatisfações contra a candidatura oficial de Rosso, a despeito de ambos serem caudatários do Centrão e daquele que ainda é seu principal expoente. Este texto é escrito sem o resultado final, mas Temer, com Rosso ou Maia, ganha perdendo. Encabeça um governo que é o refúgio dos interesses de Eduardo Cunha contra os quais duas frentes se insurgiram nesta disputa eleitoral. Paga o preço de ter mantido os laços com aquele que talvez seja o principal responsável pelo mandato que hoje exerce.

Se a ascensão do Centrão implodiu os dois principais polos da política nacional, sua desintegração não implica na recomposição de PT e PSDB nem indica um caminho claro para a governabilidade de um mandato ao qual serve como principal fiador. A brevidade do mandato do novo presidente da Câmara será inversamente proporcional à importância do avanço da pauta legislativa neste semestre crucial à continuidade da gestão Temer. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, principal âncora deste governo, informa a quem interessado estiver que não há ajuste sem a proposta de emenda constitucional que limita gastos. A escolha de um novo presidente numa disputa tão fragmentada sinaliza para um vácuo de liderança que, da Câmara dos deputados, ameaça invadir o Palácio do Planalto.

Recuperar a imagem - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 14/07

O resultado do primeiro turno da eleição para presidência da Câmara mostrou o fortalecimento do governo Temer, que teve apoio dos dois finalistas, e a derrota de Lula, marcando que o PT está mesmo em minoria no Congresso.

Fora os diversos Severinos que se apresentaram como candidatos apenas para terem seus dez minutos de fama, houve uma boa surpresa nos discursos de deputados mais influentes na Câmara: o reconhecimento de que é preciso resgatar a credibilidade dos políticos diante da sociedade brasileira.

O mandato que tantos cobiçaram terá apenas seis meses, mas é nesse intervalo até a próxima legislatura, com mandato de dois anos, que poderão ser dados os primeiros passos para o restabelecimento da imagem da Câmara, que todos destacaram ser a face mais visível do Congresso, aquela que deveria representar os cidadãos.

Esse estado de espírito combina com o que está acontecendo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde são poucos os que se atrevem a defender o deputado Eduardo Cunha, e muitos são os que, mesmo sob a vigilância dele, dispõem-se a enfrentá-lo, com palavras e votos.

Cunha, sem dúvida, continua com capacidade de atuação nos bastidores, tanto que conseguiu transferir para hoje a votação que confirmará sua ida a julgamento no plenário da Câmara.

Teve sorte, porém, ao enfrentar nessa guerra regimental um atabalhoado vice-presidente em exercício, Waldir Maranhão, que tentou adiar a votação para a presidência da Câmara a fim de dar tempo à CCJ de terminar o serviço ainda ontem.

Mas, fraco, Maranhão foi e voltou de sua decisão várias vezes, deixando claras suas intenções políticas, o que permitiu ao deputado Osmar Serraglio, aliado de Cunha, adiar a sessão, dando mais uma noite ao condenado inapelavelmente à degola pelo plenário.

Cunha tornou-se o exemplo a ser dado pela Câmara à sociedade, e nem mesmo sua ameaça de que os demais deputados terão o mesmo destino que ele, se a cassação acontecer, amedrontou a maioria. Ninguém quer demonstrar que se considera igual a ele. Mesmo que seja, mesmo que Cunha saiba que é.

Mas o espírito que domina a CCJ e o plenário é o mesmo revelado em diversos discursos dos candidatos, a necessidade de reverter a imagem negativa que o Congresso tem diante do eleitorado, e até mesmo uma pesquisa que mostra que 90% dos eleitores não se consideram representados no Congresso foi citada como sinal de que as coisas chegaram a um ponto insustentável, e que é preciso fazer alguma coisa para recuperar a confiança dos brasileiros.

Admitir que estamos em uma crise política sem igual, e que, se nada for feito para superá-la, todos naufragarão juntos, é um primeiro passo para a busca de uma solução. Não seria surpresa se, deste caos em que a política brasileira está metida, saísse um projeto de reforma política que desse uma organização básica à atuação do Congresso.

O número exagerado de candidatos que se apresentaram para a presidência da Câmara é uma consequência do sistema partidário sem limitações mínimas para que partidos sejam representados no Congresso.

O governo Temer, que teve uma quase unanimidade de apoio nos discursos, tem uma proposta de reforma política minimalista que pode ser um bom início, baseado em dois pontos fundamentais: cláusulas de barreira e fim das coligações proporcionais.

É sinal de que, na Câmara, o questionamento ao governo Temer não encontra eco o fato de que não tenha havido candidato, fora dos tradicionais aliados do PT, que se colocasse contra o governo.

A maioria está sintonizada com a necessidade de recuperar a governabilidade perdida nos anos Dilma Rousseff, especialmente nos últimos meses, em que o Congresso estava em pé de guerra com o Planalto.


Os estereótipos do impeachment - SERGIO FAUSTO

ESTADÃO - 14/07

O Brasil é complexo o bastante para exigir melhor compreensão do seu momento político



A fabulação petista de que teria havido um golpe branco de direita no Brasil ganhou asas na imprensa internacional. Não que a tese tenha sido acolhida por inteiro, mas o suficiente para deixar no exterior um ar de suspeição sobre a legitimidade do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Parte disso se explica pela, digamos assim, competência comunicacional do PT e seus aliados. Parte, pela visão ainda estereotipada do Brasil mesmo nos melhores jornais do mundo.

É certo que, no caso concreto, os estereótipos estavam à disposição. De um lado, uma ex-presa política, torturada pelo regime militar, a primeira mulher a chegar à Presidência do Brasil, eleita por um partido “dos trabalhadores”, o mais importante construído “de baixo para cima” na História do País. De outro, “um bando de homens maus”, simbolizados pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que pôs o pedido de impeachment para andar e desempenhou papel importante na autorização para que sua instalação fosse aprovada pelos deputados, numa sessão folclórica incompatível com a gravidade do momento. Ao assumir, o vice-presidente nomeou um Ministério sem mulheres e só de brancos, alguns deles sabidamente encrencados na Lava Jato e que por isso duraram no posto menos de um mês.

Acresce que as bases jurídicas do impeachment são sólidas, mas podem parecer questiúnculas formais para quem não sabe aquilatar o que custou ao País erguer a Lei de Responsabilidade Fiscal e quão importante é preservá-la. Além disso, o chamado “crime de responsabilidade” não é de fácil compreensão nos países com regimes parlamentaristas e mesmo nos Estados Unidos, onde a legislação que rege o impeachment do presidente é distinta.

Verdade que, em seu noticiário, os principais jornais estrangeiros expuseram em geral com objetividade o tamanho do desastre econômico produzido pelo governo Dilma, o grau de envolvimento no escândalo da Petrobrás do PT e dos demais partidos que compuseram a aliança lulopetista, a peculiaridade de o governo Michel Temer ter nascido de dentro do seu predecessor, as divisões e ambiguidades das oposições, também elas alcançadas, em menor grau, pelos desdobramentos da Lava Jato.

É, porém, nos editoriais – a opinião oficial de um jornal – que transpareceu a incompreensão da delicada e complexa situação vivida pelo Brasil, quando não aflorou a tentação de ditar sentenças sobre a mais legítima solução para os impasses políticos do País, como se aqui não houvesse nem Constituição nem Suprema Corte.

Dois jornais admiráveis incorreram nesses erros. Em editorial de 12 de maio, o New York Times (NYT)reduziu as pedaladas fiscais a manobras corriqueiras feitas desde sempre e disse haver razões para suspeitar que o processo de impeachment contra a presidente Dilma se devesse à determinação da presidente de manter a Operação Lava Jato em andamento. Dois dias antes, o jornal El País, na sua edição em português, publicara editorial, com o títuloProcesso irregular, acusando as oposições de transformar a má gestão do Orçamento em crime penal e afundar o País em “caos institucional”. Em 6 de junho, já com a presidente afastada, o NYT desafiou Michel Temer a promover uma lei pondo fim à suposta imunidade criminal de ministros e parlamentares em casos de corrupção para provar que não compactuaria com ela.

O primeiro editorial do jornal nova-iorquino comprou acriticamente uma tese esdrúxula vendida pelo petismo. O segundo faz uma afirmação sem fundamento nos fatos: não há imunidade de parlamentares e ministros em matéria criminal, e sim prerrogativa de foro, o que não isenta parlamentares e ministros de responsabilidade penal, mas os submete ao STF, como qualquer pessoa medianamente informada deveria saber. Pode-se ser a favor ou contra a extensão da prerrogativa de foro a esses agentes públicos. Outra coisa é desconhecer sua existência. Tanto mais quando a ignorância do fato serve de base para definir critérios de julgamento moral de um presidente constitucional de outro país. No caso, o desconhecimento jurídico somou-se ao irrealismo político: não é possível ao mesmo tempo constatar a necessidade urgente de o presidente Temer conseguir aprovar no Congresso medidas que tirem o Brasil da pior crise de sua História e exigir-lhe que ponha fim à prerrogativa de foro.

A mesma ignorância sobre a legislação nacional é revelada pelo editorial do El País, ao não considerar que a Lei de Responsabilidade Fiscal tipifica como infração as “pedaladas fiscais”, ao desconhecer que a Lei do Impeachment e a Constituição federal preveem o afastamento do(a) presidente em caso de desrespeito às leis orçamentárias e ao confundir infração penal com crime de responsabilidade (pode haver este sem haver aquela, como o caso Collor o demonstra).

Como se não bastasse, o editorial do NYT de 6 de junho intitulou-se, em tradução livre, Medalha de ouro da corrupção para o Brasil, revelando cegueira para as profundas e positivas transformações em curso na esteira da Operação Lava Jato.

Não se trata de dizer que o Brasil não é para principiantes, pois estamos falando de dois dos melhores jornais do mundo. Muito menos de afirmar que o Brasil tem mistérios insondáveis que só a quem vive aqui é dado conhecer. Nada disso. Somos uma sociedade aberta e nos beneficiamos da avaliação constante que brasileiros e não brasileiros, vivendo aqui ou no exterior, façam a respeito do País, de sua cultura e de suas instituições.

Cabe apenas dizer que o Brasil é um país suficientemente complexo para exigir melhor esforço de compreensão do seu momento político. E democrático e desenvolvido o bastante para aconselhar uma dose maior de humildade antes de condenar o modo como vem encaminhando as soluções para os desafios da hora presente.

* SERGIO FAUSTO É SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DO iFHC, COLABORADOR DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, MEMBRO DO GACINT-USP.

Resolver o pagamento de inativos é a saída - RAUL VELLOSO

ESTADÃO - 14/07

Enquanto a economia não se normaliza, os Estados cavam receita onde podem, reduzem gastos discricionários ao máximo e recebem algum alívio da União. Só que as despesas obrigatórias “autorizadas” pelos administradores continuam crescendo a taxas elevadas, o que os leva a adiar pagamentos na boca do caixa e à grande confusão a que estamos assistindo. Ou seja, com ou sem crise, os governadores, supostos vilões dos déficits estaduais, são obrigados a autorizar gastos de vários suborçamentos contendo receitas cativas ou gastos superobrigatórios em boa medida fora de seu comando, algo em que rapidamente se esgotam as receitas estaduais. Ao final, faltará dinheiro para a parte que efetivamente lhes cabe.

Considerando os dados de balanço de Minas Gerais para 2015, o suborçamento de Educação recebeu recursos carimbados de 19,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) total do Estado; o de Saúde, 9,3%; a fatia dos poderes autônomos (Legislativo, Judiciário e Ministério Público) é de 14%; a relativa às Demais Receitas Vinculadas (incluindo as transferências carimbadas da União para vários segmentos), de 5,3%; do Serviço da Dívida, 13,2%; e o sexto e último suborçamento, relativo ao pagamento dos Inativos & Pensionistas do Estado, é de 34,5% do total.

Somando tudo e referindo todos os valores à RCL sobra apenas uma parcela de 4,5% para o titular do Estado direcionar às demais secretarias, notadamente à Segurança Pública e aos cruciais investimentos em infraestrutura. Como poderia o governador de Minas gerir bem o resto do orçamento, quando se sabe que só para o pessoal em atividade nas demais secretarias o gasto seria de 22,3%? Pior: se considerarmos que os valores dos demais gastos de custeio e de investimento “mínimo” daquelas unidades somavam 6,5%, o Estado teve de enfrentar um buraco de 24,3% (22,3 + 6,5 – 4,5%), antes de computar as “demais receitas”, inclusive de capital, de 6,9% da RCL. Graças a estas, o Estado pode reduzir o buraco de 2015 a 17,4% (24,3-6,9%) ou algo ao redor de R$ 9 bilhões, ainda assim muito difícil de administrar.

Dado que só a União pode dar-se ao luxo de cobrir déficits automaticamente com emissão de moeda, a grande maioria dos Estados continua com o pires na mão para diminuir os atrasos a fornecedores e ao funcionalismo. A longo prazo não há como escapar de intervir nos orçamentos cativos, ainda que para muitos não seja cabível mexer em áreas como saúde e educação. Minha longa experiência no setor público ensinou que, onde houver tais suborçamentos, terá dinheiro sobrando.

Nesse contexto, no centro do problema estrutural dos orçamentos estaduais está a resistência dos detentores de sub-orçamentos privilegiados a assumir o ônus de financiar seus próprios aposentados, alegando falta de dinheiro para enfrentar uma conta tão alta e rígida. Em Minas, por exemplo, nas Secretarias de Educação e Saúde e nos poderes autônomos ela alcança não menos que 12,3% da RCL.

Assim, para dar sustentabilidade futura a esses gastos é preciso encarar o problema em duas frentes. Primeiro, deve-se criar um fundo de pagamento desses benefícios, destinando-lhe um porcentual fixo de todas as receitas estaduais, a ser dimensionado caso a caso, fazendo com que todos os destinatários de recursos do Estado contribuam para seu pagamento. Como principais beneficiários desse esforço, os inativos/pensionistas devem contribuir com uma parcela de seus rendimentos ao mesmo fundo, contribuição essa que seria criada ou aumentada conforme o caso. Os Estados poderão examinar também a possibilidade de destinar a totalidade de determinados itens da receita para o mesmo fim. O importante é montar um fundo que dê conta do recado.

Em adição, lembrando que o gasto com inativos/pensionistas é mera decorrência do que ocorre com o pessoal ativo, cabe aprovar uma profunda reforma do regime de contratação e pagamento dos servidores, além da própria reforma da Previdência estadual, juntamente com o esforço ora empreendido pela União.

*É consultor econômico

Dupla ressurreição - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 14/07

BRASÍLIA - A eleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara representa uma dupla ressurreição: de seu partido, o DEM, e de seu clã familiar, que enfrentava uma fase de declínio na política carioca.

O antigo PFL parecia condenado à extinção. Fundada a partir de uma costela da ditadura, a legenda engordou nos governos Collor e FHC, mas sucumbiu ao ser despachada para a oposição na era petista. A mudança de nome não interrompeu a trajetória de queda. A bancada da sigla despencou de 105 deputados eleitos em 1998 para apenas 21 em 2014. Pela primeira vez, o DEM não elegeu nenhum governador.

A sigla respirava por aparelhos, mas voltou a dar sinais de vida no ano passado, em aliança com Eduardo Cunha. Finalmente, encontrou a redenção com o impeachment de Dilma Rousseff. O interino Michel Temer recompensou o DEM com o cobiçado Ministério da Educação.

A eleição de Maia também representa uma reviravolta inesperada para sua família. Seu pai, Cesar Maia, foi prefeito do Rio por três vezes e chegou a sonhar com a Presidência da República em 2006.

Transformado em alvo do PT, viu seu prestígio minguar depois de uma intervenção do governo Lula nos hospitais municipais. Foi abandonado por aliados, perdeu duas eleições para o Senado e se conformou com uma cadeira de vereador. Rodrigo manteve o mandato de deputado, mas não conseguiu alçar voos maiores. Em 2012, tentou a prefeitura e sofreu uma derrota acachapante, com menos de 3% dos votos.

Uma conjunção improvável de fatores o transformou em presidente da Câmara. Isso só foi possível devido ao apoio da esquerda e à reação dos grandes partidos às manobras de Eduardo Cunha e do centrão.

Agora Maia terá que provar que se livrou da influência do correntista suíço e não usará o cargo para salvá-lo. Os gritos de "Fora Cunha" que ecoaram ontem no plenário apontaram o caminho certo a seguir.


Sem transparência - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/07

Do descrédito geral que engolfou o Executivo e o Legislativo, o Judiciário emergiu não apenas como instituição comparativamente ilesa de suspeitas, mas também como instrumento decisivo para a regeneração do quadro de dissolução de comportamentos instituído na democracia brasileira.

Sua cúpula, entretanto, parece ter-se dedicado nos últimos dias a desencorajar expectativas tão ambiciosas. Quando trata de defender os seus, o que o Poder dá mostras, para ficar na superfície visível, é de pequenez.

Não bastou, nos últimos dias, a abusiva determinação da presidência do STF no sentido de identificar os responsáveis pelos "pixulekos" que ironizavam seu ocupante, o ministro Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

De forma policialesca, rompia-se ali com o princípio constitucional da liberdade de expressão, tentando abafar a crítica das ruas, expressa por meio de bonecos infláveis que, afinal, já haviam satirizado outros personagens públicos sem que ninguém se animasse à pomposa, caricata e apoplética tolice da ameaça judicial.

Mas ninguém precisa censurar "pixulekos" para sair desmoralizado quando por si mesmo se encarrega de proteger interesses financeiros que obviamente comprometem a independência requerida de um juiz.

A opinião pública se vê informada, com efeito, de que juízes, desembargadores, ministros das altas cortes do país recebem cachês para palestras —pagos por administrações estaduais, associações e empresas privadas, não poucas com causas a tramitar na Justiça.

Eis que o Conselho Nacional de Justiça, cuja presidência cabe a Lewandowski,decide derrubar a proposta de que sejam tornados públicos os montantes recebidos em troca das exposições equiparadas, numa pirueta interpretativa, à atividade de magistério.

Argumentou-se, conforme relato do jornal "Valor Econômico", que era preciso resguardar a intimidade e a segurança dos magistrados.

Depois de receber as verbas, cujo valor se desconhece, os magistrados não estarão compelidos a declarar automaticamente sua suspeição no julgamento de casos que envolvam as fontes pagadoras.

A ironia, uma das muitas do caso, é que figuras como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu célebre instituto, veem-se sob suspeita exatamente por terem recebido recursos de construtoras a título de palestras proferidas.

Risco à segurança, argumenta o CNJ. Risco de desmoralização? Não, nunca. Este vem dos "pixulekos". Quanto aos pixulés, na gíria para gorjeta, que fiquem em sigilo.


Anac não sabe seu papel - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 14/07

Crise se resolve atacando suas causas, e não repassando seus efeitos a terceiros



Parece que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não sabe qual é a sua finalidade e vem atuando como se fosse sua obrigação dar soluções à difícil situação financeira das empresas aéreas. Definido por lei, seu papel é regular e fiscalizar as atividades da aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no País. Cuidar do interesse privado das empresas é função das empresas. Cabe à Anac cuidar do interesse público – cuidado que deve incluir primariamente o compromisso inegociável com o interesse do passageiro.

Com o discurso de que há um excesso de regulamentação do setor aéreo – que levaria a um encarecimento dos bilhetes e a um ambiente de negócios difícil para as empresas –, a Anac vem anunciando a intenção de reduzir as obrigações das companhias aéreas. Promete que, assim, conseguirá atrair mais empresas e mais investimentos para o setor e que, ao final, quem sairá ganhando é o consumidor, com passagens mais baratas e maior liberdade de escolha na hora de viajar. A realidade, porém, não é assim tão simples.

Na audiência pública realizada no primeiro semestre a respeito da revisão das Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA), a Anac anunciou, por exemplo, a intenção de extinguir a franquia obrigatória para bagagem despachada. Com a mudança proposta, o passageiro teria direito a levar apenas uma mala de mão. A agência reguladora chama isso de avanço, afirmando que o sistema atual é injusto, pois faz com que todos os passageiros paguem por um serviço que nem todos usam – o despacho de bagagem.

A Anac não vê, porém, o que por lei deveria ver – o interesse do passageiro. Não é preciso fazer grande especulação para saber que a nova modalidade não levará a um barateamento dos bilhetes. Simplesmente fará com que o passageiro que precisar despachar sua mala pague uma taxa adicional pelo serviço. Do ponto de vista do passageiro, o único avanço será sobre o seu bolso.

A retórica da desregulamentação do setor aéreo vende também a promessa da entrada das empresas aéreas low cost (de baixo custo). Segundo esse discurso, as excessivas obrigações impostas pelo poder público às companhias aéreas impedem a operação low cost no País, numa distorção não vista em países desenvolvidos. Sendo assim, bastaria desregulamentar para que o mercado nacional fosse beneficiado por uma abundante oferta de voos acessíveis a todas as classes sociais.

Simplista, tal argumentação não condiz com a realidade. Importantes empresas do setor começaram suas operações no País afirmando serem empresas low cost. O baixo custo foi, no entanto, uma espécie de promoção de inauguração. Não precisou de muito tempo para que elas passassem a operar com preços similares – e até maiores – que as companhias tradicionais.

As críticas à “excessiva regulamentação” poderiam ter algum fundamento se o setor aéreo brasileiro apresentasse um patamar de serviços superior ao que se encontra no restante do mundo. Teríamos assim uma legislação de país rico dentro de um contexto social pobre que, portanto, não atenderia às necessidades do passageiro brasileiro. O que ocorre é que, com frequência, os serviços são de péssima qualidade, evidenciando um desprezo pelo passageiro. Certamente haveria outro padrão de qualidade se a Anac se dispusesse a cuidar tão somente do que lhe cabe por lei, sem se preocupar tanto em remendar a vida financeira das empresas.

É séria a atual crise das companhias aéreas. A culpa, porém, não é da regulamentação existente – como a limitação de participação do capital estrangeiro nas companhias –, e sim do modelo de gestão adotado pelas próprias empresas. Tanto é assim que, mesmo com preços de passagens que não podem ser chamados de módicos e raros voos vazios, as companhias passam por graves dificuldades de caixa.

Crise se resolve atacando suas causas, e não repassando seus efeitos a terceiros.

Sem reformas, sinais de melhoria não persistirão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/07

Não se deve confiar na imagem inspirada no senso comum de que a economia chega ao fundo do poço e volta. Nem sempre, como tem demonstrado a Venezuela


É sempre perigoso aplicar a assuntos complexos receitas simples do senso comum. Uma delas é que “tudo o que cai sobe”. Nem sempre, quando se trata do ambiente econômico.

O economista e ministro Mário Henrique Simonsen costumava dizer que em economia não existe fundo do poço, porque, em algumas circunstâncias, ele desce junto. A depender da crise, o poço também afunda.

O exemplo do momento é a Venezuela, onde o delirante projeto bolivariano do “Socialismo do Século XXI” desorganizou de tal maneira o país que, mesmo tendo uma das maiores reservas mundiais de petróleo, ele naufraga numa crise humanitária de dimensões haitianas.

Não se pode garantir, portanto, que, depois de dois anos de recessões históricas, acima de 3% anuais de queda de PIB, o Brasil está condenado a se recuperar de maneira firme a partir do final deste ano/início de 2017.

Sinais positivos existem — aqueles que sinalizariam a chegada ao “fundo poço”. Como já ocorreu várias vezes, a economia brasileira reage de forma rápida pelo setor externo, depois de grandes desvalorizações cambiais. Este ajuste impressiona, também auxiliado por um fato negativo: a recessão e seu efeito no corte de importações. O saldo positivo na balança comercial, no primeiro semestre, de US$ 23,6 bilhões, é recorde, por exemplo. Confirma-se, então, que, no front externo, não há mesmo o que temer.

Mas esta não é uma crise no figurino brasileiro clássico. Não eclodiu porque a economia esgotou a capacidade de pagar compromissos externos. Ao contrário, tanto que há nas reservas mais de US$ 300 bilhões. O Brasil de Lula e Dilma quebrou foi em moeda nacional, com a irresponsável administração fiscal da presidente, motivo do pedido de seu impeachment.

Se no passado o governo precisava se tornar solvente em dólar, hoje ele necessita fazer o mesmo com relação ao real, à sua dívida interna, em marcha batida para atingir 80% do PIB. Para a economia brasileira, um dos últimos estágios em direção à insolvência na dívida interna.

Não se sai desta turbulência viajando a Washington, Nova York ou Londres. Desta vez, a solução está com os próprios brasileiros: Executivo e Legislativo. Hoje, mais com este.

Estimativas feitas por departamentos de análises de instituições financeiras já apontam para novos ares. O Relatório Focus, do Banco Central, atualizado semanalmente com base nessas projeções, tem projetado algum crescimento do PIB em 2017.

Mas expectativa positiva, por si só, não resolve. Ou seja, o governo interino de Michel Temer tem de encaminhar ao Congresso as reformas sem as quais o Brasil continuará no atoleiro: previdenciária, orçamentária a e na legislação trabalhista. Para começar.

Entende-se que o Planalto de Michel Temer transita sobre uma camada fina de gelo, porque ainda necessita que o impeachment de Dilma seja finalmente aprovado, o que se prevê para o final de agosto.

Mas comprometer mais ainda o equilíbrio fiscal — como no trem da alegria dos reajustes do funcionalismo — é como queimar a ponte à frente da travessia. O problema se expressa nos números da meta fiscal. Os R$ 139 bilhões para 2017 ainda são muito elevados. Há vários aspectos da atual conjuntura econômica que apontam para a recuperação. Porém, sem as reformas, volta-se ao tempo dos “voos de galinha”.

Impasse no Mercosul - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 14/07

Criado em 1991 como um bloco para desenvolver o comércio e a economia dos quatro países fundadores - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai - diante de um mercado mundial cada vez mais acirrado e complexo, o Mercado Comum do Sul, o Mercosul, incorporou a Venezuela, definitivamente, em 2013- o processo se arrastava desde 2003 - , e é justamente seu mais novo membro o foco da recente crise da organização.

Mergulhada no caos econômico e político, a Venezuela reivindica o comando do Mercosul, por seis meses, até a escolha da próxima presidência, ocupada num sistema de rodízio entre os membros. Ocorre que, diante do grave quadro do país, há dúvidas se o governo de Caracas tem condições reais hoje de assumir essa missão.

A decadência da economia venezuelana, baseada nos recursos advindo do petróleo, cujo preço desabou no mercado mundial nos últimos anos, provocou um preocupante processo de destruição da força produtiva do país. Há desabastecimento de todos os tipos de produtos, de comida a medicamentos, e os venezuelanos já são obrigados a atravessar a fronteira da Colômbia em busca de insumos básicos.

Recentemente, importantes empresas multinacionais abandonaram o país e o Citibank fechou contas usadas pelo Banco Central da Venezuela para operações em moeda estrangeira. Há claras desconfianças internacionais sobre a capacidade de recuperação da venezuelana.

Soma-se à essa situação a disputa política interna cada vez mais dura entre o governo de Nicolás Maduro e a oposição, que hoje é maioria no parlamento. Herdeiro de Hugo Chávez, mentor da economia e da política venezuelanas como conhecemos hoje, Maduro endureceu o discurso e as medidas contra os rivais. Há denúncias de desrespeito aos direitos humanos e até a Organização dos Estados Americanos (OEA) cogitou sanções à nação caribenha.

Portanto, há motivos para que os membros do Mercosul, como o Brasil, discutam a conveniência de os venezuelanos assumirem a presidência provisória do bloco. O momento é de instabilidade na economia mundial. O plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia e o surgimento de importantes associações comerciais, como a Parceria Transpacífico, vão exigir unidade, planejamento, força política e metas do Mercosul rumo à recolocação no mercado mundial.

É urgente também a restruturação do bloco, longe das ideologias políticas que marcaram seu rumos nos últimos anos. E o Brasil precisa assumir urgentemente o comando dessas reformulações.