quarta-feira, julho 06, 2016

Paradoxo de Chaui – UIRÁ MACHADO

Folha de SP - 06/07

Marilena Chaui não é o dr. Simão Bacamarte, mas, assim como o personagem inventado por Machado de Assis, a certa altura da vida passou a enxergar no mundo somente dois tipos de pessoa.

Para o médico de "O Alienista", havia os loucos e os sãos; para a professora de filosofia da USP, há os defensores intransigentes dos governos petistas e os inimigos do Brasil. Entre as categorias, nenhuma nuance.

Quando Bacamarte decidiu levar suas ideias ao extremo, ampliando desmesuradamente o território da loucura, quatro quintos da população de sua Itaguaí terminaram enclausurados no manicômio local.

Quando Chaui faz o mesmo com suas teorias, o juiz federal Sergio Moro se transforma num agente treinado pelo FBI para desestabilizar o país e entregar o petróleo nacional às companhias norte-americanas.

"A Operação Lava Jato não tem nada a ver com a moralização da Petrobras", ensina a professora. "É para tirar de nós o pré-sal."

No maniqueísmo de Chaui, tudo que atinge a esquerda está a serviço da direita. O combate à corrupção não tem valor se afetar administrações do PT —pois integrará, nesse caso, um plano para debilitar os únicos defensores da soberania nacional. Foi assim durante o mensalão, é assim no petrolão.

Em vez de fomentar a autocrítica dentro do campo ideológico que representa, a autora do premiado "Convite à Filosofia" propõe discussões em torno de puros disparates. Com suas simplificações risíveis, Chaui, considerada uma referência intelectual, pouco ajuda e muito atrapalha a causa em que acredita.

No conto "O Alienista", após muito refletir sobre suas teorias, o médico curvou a cabeça e recolheu-se ele próprio ao manicômio. Marilena Chaui não é Simão Bacamarte, mas, se considerar bem o estrago que tem provocado na esquerda brasileira, talvez venha a acusar a si própria de estar a serviço da direita —sabe-se lá se treinada pelo FBI.


A alternativa - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 06/07

Existe apenas uma alternativa ao governo Michel Temer: é o governo Dilma Rousseff. O processo de desestabilização aplicado ao governo interino tem feito questão de desconhecer essa realidade. Estão ambos em campanha para que, em agosto, o Senado Federal diga qual dos dois vai comandar o país.

O governo Dilma é mais do que conhecido. Nesses dois meses de gestão na interinidade, Temer se deu a conhecer. Conseguiu muito: estabelecer uma base mais fiel no Congresso, fixar a meta de resultado fiscal para este ano e o próximo (o que deve acontecer a qualquer momento esta semana), aprovar a desvinculação de receitas, formular uma política fiscal com base no teto de gastos e aguardar pela sua aprovação negociada, conseguir do Congresso a realização de votações para liberar reajustes concedidos e represados há oito meses, promover a correção do programa símbolo Bolsa Família, recompor uma equipe de excelência para gestão da economia, aí incluídos dirigentes de estatais e bancos públicos que pudessem devolver segurança no manejo do elevador de subida, renegociar a dívida dos Estados e tocar o dia a dia junto com a sombra da Operação Lava-Jato, que incapacita os governos de qualquer partido à tranquilidade. É um senhor saldo. O clima negativo mudou um pouco, esmaeceu a opacidade e a paralisia incapacitante parece ter ficado para trás.

Há, então, esse governo de dois meses incompletos, e há o da Dilma, de 17 meses anteriores a maio, com um saldo menor e crise política, econômica e moral equivalentes. Depois de agosto, ou é um, ou é o outro. Arquivem-se ideias mirabolantes do arsenal de recursos para manter o poder, tais como uma nova eleição agora, um plebiscito, ou qualquer invencionice que, neste momento, se apresente como alternativa.

Essa é a realidade da política, de um governo político, de uma democracia representativa, de nível e gosto duvidoso, porém não importa, é este o Congresso que há e, a julgar pela evolução da história da política brasileira, o próximo será seguramente pior.

Portanto, melhor seria se o multifacetado mercado, que não é um, mas são muitos, dominados por diferentes tipos de forças e pressões - há o financeiro, doutor em manobrar a crise, há o produtivo, insulado pelo colapso do consumo, há o dos negócios da infraestrutura, sem o qual não há crescimento e emprego - fosse tratado como tal, um jogo, que não inclui entre suas regras a paciência, a persistência, e a criatividade nas soluções.

O que prevalece nele é a falta de imaginação e a pressa. Tecnocratas que voltam a repetir o mesmo que disseram em todas as crises de todos os governos, os conceitos vagos, as saídas de sempre, ao ônus das mesmas presas fáceis de sempre. Do governo Temer, cobra-se, hoje, um plano pronto e acabado e zero de experiências e negociações políticas, antes mesmo de se tornar definitivo. Se entregar o que pedem, não se tornará.

Empossada com pompa uma equipe econômica de excelência não porque o mercado o exigia, mas porque o país precisava de autoridade para formular um projeto e reverter a sua queda vertiginosa abismo adentro, enquanto no plano político havia boa tensão para dar solidez ao governo a seguir adiante. Desta equipe se está a exigir, agora, 50 dias depois, o resultado de uma vida.

Do caminho percorrido até aqui não brotam milagres, menos ainda do que é preciso seguir nos próximos dois anos, seja com que gestão for. O governo em ação é interino, vale lembrar a todo momento, precisa da confirmação dentro de um mês e é a política que o comanda, embora seja admirável o grupo que conseguiu nomear no seu projeto para a economia.

São muitas as tentativas de desestabilizá-lo, mas está aí um governo que acredita na política, na interação entre os Poderes Executivo e Legislativo, principalmente, num momento em que o Judiciário está às voltas com a liderança firme do combate à corrupção, mal que gravou todos os Poderes, em especial os Executivos do PT e do PMDB, titulares dos governos em disputa. A realidade exige prosseguir nesta guerra e governar lado a lado com a Operação Lava-Jato.

Para manter o país funcionando, fazer política é preciso. Inaceitável, por exemplo, que o presidente em exercício, Michel Temer, anuncie constrangido que vai tomar, no futuro, medidas impopulares. Uma substituição de um governo por outro não pode ser uma sucessão de falta de originalidade. Temer faz uma ameaça à sociedade. Se as medidas são impopulares, como aponta, por que adotá-las? Se o são, não as faça. Para que punir o cidadão? Não tem mais de onde tirar soluções a não ser do assalariado? O governo tem obrigação de ser generoso.

Temer, no seu mais recente discurso, aceitou a corda para se enforcar. Essa equipe de alto nível, com Ilan Goldfajn, Henrique Meirelles, Mansueto de Almeida, Carlos Hamilton, Pedro Parente, Silvia Bastos, José Serra, Paulo Caffarelli, não conseguirá inventar uma nova política? O crescimento só se fará com as dores do povo?

Juscelino Kubitschek, o exemplo de democrata para os governos pós ditadura militar, sempre vencendo a comparação com qualquer outro, foi criticado por ambíguo, contraditório, e conseguiu compatibilizar a, digamos simbolicamente, plutocracia paulista com a panela de pressão da esquerda, sem descuidar da classe média.

A política de desenvolvimento é feita de contradições e ambiguidades necessárias. O mercado não é monolítico, a sociedade também não, a política menos ainda. Não leva a nada contrapor um ao outro. A ruptura, no Brasil de hoje, acabou ficando inaceitável.

Aponte-se o dirigente de maior sucesso hoje, no mundo, e identifique-se o que o move. O Papa Francisco deve seu destaque ao rompimento com a inflexibilidade ou não? Não está tergiversando com a moral, com os costumes, com a fé, mas reconhecendo as situações de fato e enfrentando-as com bom senso.

O torniquete que se quer impor a um governo que prefere agir politicamente está viciado, representa interesses específicos que talvez não sejam o bem comum. Não é momento de aplicar teorias, mas de ter proposta para pessoas reais. Um governo necessário precisa coragem para contrariar velhos modelos.

Se ficar, por sucessão constitucional, o governo Temer tem que estar preparado para apresentar seu caminho depois de agosto. E Dilma Rousseff, em lugar de estar brincando de guerrilha, inclusive internacional, deveria debruçar-se sobre seu plano de condução do país para os dois anos finais até a próxima eleição presidencial. Senão não se sabe para quê quer voltar. Só existem os dois governos, e um é a alternativa ao outro.


Era a crise que faltava - ZUENIR VENTURA

O Globo - 06/07

A demanda por tornozeleiras está superando a oferta, ou seja, há tornozelos demais no mercado do crime. A causa se deve à eficiência da Lava-Jato


O momento atual caracteriza-se, como se sabe, pela coexistência de várias crises — econômica, política, ética, ambiental, de saúde. Ao longo da história contemporânea, elas existiram isoladamente, algumas até mais graves, como a que levou Getúlio Vargas ao suicídio ou a que fez Jânio renunciar. Mas não me lembro de uma que conjugasse todas ao mesmo tempo. Se ainda faltava alguma, ela surgiu esta semana: a crise das tornozeleiras eletrônicas, um produto de primeira necessidade para a polícia. A demanda está superando a oferta, ou seja, há tornozelos demais no mercado do crime. A causa se deve à eficiência da operação Lava-Jato e, no caso do Rio, à falência do estado, que não tem dinheiro para pagar as dívidas com o fornecedor do equipamento.

Pelo menos cinco desses tornozelos suspeitos não gostaram da descoberta feita pelos repórteres Mariana Sanches, Luiz Souto e Tiago Dantas. São eles o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o empresário Fernando Cavendish e outros três, todos acusados de integrar o esquema que desviou R$ 370 milhões de obras públicas feitas pela Delta, inclusive na reforma do Maracanã. Graças a uma generosa decisão judicial, eles se preparavam para gozar o conforto de uma prisão em casa, quando, por culpa da falta dos adereços de perna, foram transferidos para o presídio Bangu 8, onde tiveram que seguir o ritual de todos os delinquentes que vão parar ali: vestir o uniforme de presidiário e ter o cabelo cortado rente.

Para o contraventor, que continuava solto apesar de condenado a 39 anos por crimes de peculato, corrupção e formação de quadrilha, tudo era lucro. Mas para Cavendish, vindo da Europa e preso no aeroporto, foi um triste desfecho de viagem. A foto 3x4 dele sem a invejável cabeleira (pelo menos para quem é careca) lembrava, por contraste, a divertida imagem de quatro anos atrás, quando, num luxuoso restaurante de Paris, foi flagrado dançando com guardanapo amarrado na cabeça numa animada noite — ele e três secretários do então governador Sérgio Cabral, que estava no jantar, mas não apareceu na foto.

O vexame de agora poderia ter sido evitado, se os hóspedes provisórios de Bangu 8, tão habilidosos nas tenebrosas transações, tivessem tido a ideia de pagar os R$ 2,8 milhões de dívida atrasada das tais tornozeleiras, uma ninharia para uma empresa como a Delta, que faturou bilhões construindo e restaurando estádios, rodovias, pontes, viadutos em todo o país. Teriam evitado não só o próprio constrangimento, como o da cidade, já com tantos problemas às vésperas da Olimpíada.


Temer, modas de primavera - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 06/07

Desastres novos à parte, Michel Temer deve roer o osso mais duro de seu governo apenas lá por setembro. Então é que se deve voltar a discutir o teto de gastos e a Previdência.

Até a primavera, Temer teria então trégua e tempo de apresentar medidas de animação do setor privado, as quais em tese devem compensar o ajuste fiscal que não virá em seu governo, mas no "longo prazo". Esse parece ser o núcleo do plano temeriano.

Nesta quinta (7), Temer e companhia passam o último vexame maior do primeiro bimestre de governo. Apresentam a meta fiscal para 2017, o deficit primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros).

O rombo previsto será grande. O governo será acusado outra vez de relaxamento, mas não há sinal de debandada da elite: críticas abertas de gente de peso ou tumulto nas projeções e nos preços do mercado.

Ainda assim, será vexame e gasto do crédito que o governo Temer recebeu. Para não pegar mal, não deve vir quase nada de aumento de imposto (velho ou novo).

Há rumores de que o buraco nas contas federais deve ficar entre R$ 130 bilhões e R$ 170 bilhões, média de R$ 150 bilhões. A estimativa mediana no mercado anda pela casa de R$ 100 bilhões.

Ainda assim, o governo pode até mudar a lei de linhas gerais do Orçamento e a meta, que devem ser votadas depois de agosto. O Congresso entra em recesso branco na metade de julho. Até 21 de agosto, há a diversão da Olimpíada. No resto do mês, a provável deposição de Dilma Rousseff.

Nesses dois meses, o governo deve apresentar projetos que animem os donos do dinheiro grosso. Em escala menor, o plano, se é um plano, lembra um pouco o governo FHC 1.

Os superavit fiscais então eram minúsculos –não havia ajuste fiscal algum. O governo tinha, porém, o enormíssimo crédito de ter controlado a inflação e um programa de privatizações, de limpeza de esqueletos fiscais e de remoção de entulho burocráticos, um plano "amigo do mercado". Mesmo com as contas públicas em desordem, o país saiu do subsolo do buraco.

Nesta semana, o governo pretende aprovar a renegociação da dívida dos Estados, normas para limitar a farra podre nos fundos de pensão e desobrigar a Petrobras de tomar parte em todas as explorações do pré-sal.

A seguir, a ideia é tentar limpar alguma parte do entulho burocrático que dificulta a vida das empresas (grátis e consensual) e, mais complicado, flexibilizar a lei de licitações e os licenciamentos de obras de infraestrutura.

Pretende-se anunciar privatizações na área de energia, dos seguros da Caixa e do IRB, alguma definição sobre o financiamento das concessões de infraestrutura e alguma receita para diminuir a ruína das estatais maiores (Petrobras e Eletrobras).

É o que dizem, pelo menos: mudanças "nada traumáticas" que diminuam o "custo de fazer negócios" no país, como diz o chavão.

O programa não será de grande utilidade, porém, se não vierem o teto e uma reforma da Previdência.

A praça está engolindo a seco a perspectiva de deficit primários enormes até pelo menos 2018. Mas, se não houver perspectiva, "regras fiscais", para tapar o rombo no médio prazo, tudo desanda. Para começar, os juros não caem. O recomeço do futuro ficaria adiado para 2019.


Reformas em partes - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 06/07

A reforma da previdência será apresentada em fatias ao Congresso, começando pela idade mínima, e o governo tentará aprová-la até o fim do ano. A reforma trabalhista também será apresentada em breve para aprovação ainda em 2016. Além disso, está sendo preparada uma revisão de todos os benefícios do auxílio-doença. São medidas com as quais o governo quer dar um horizonte fiscal ao país.

Foi o que disse o ministro Eliseu Padilha numa reunião ontem, no Palácio, com mais de dez fundos de investimento. Os investidores de diversos bancos brasileiros foram ouvir o ministro e apresentar suas preocupações em relação às contas públicas. Na reunião com investidores e depois em uma entrevista para mim, o ministro falou dos detalhes da estratégia do governo para o reequilíbrio fiscal.
A reforma trabalhista focará em dois pontos principais: a terceirização e o princípio de que o acordado prevalece sobre o legislado. Com esta flexibilização o que se pretende é estimular o aumento da oferta de empregos. A da previdência focará também em dois pontos: o estabelecimento da idade mínima e a igualdade de gêneros para efeito da idade de se aposentar. Haverá uma regra de transição.
O ministro explicou que a estratégia é apresentar a reforma em partes para dar mais agilidade ao processo de votação. Neste momento, um grupo de trabalho de cinco pessoas está formulando a reforma da previdência, que até o fim de agosto será enviada ao Congresso.
— Nós estamos dialogando com as centrais sindicais que permanecem na posição delas, mas estamos também falando, e vamos falar cada vez mais, com a sociedade. A reforma é para garantir que nossos filhos e netos possam um dia se aposentar. Não há a opção de não fazer, pelo envelhecimento da população. Vamos mostrar isso — disse o ministro.
O ministro disse, na conversa com os investidores, que a reforma da previdência terá resultado no médio e longo prazo, mas diz que o governo prepara um pacote de medidas para ajudar a “subtração das despesas”. Deu alguns exemplos:
— Existem 900 mil pessoas que estão há mais de dois anos recebendo auxílio-doença, quando o normal é ter o benefício por 15 dias prorrogáveis por mais 15 e em alguns casos ir além disso, mas não dois anos. Vamos determinar por medidas administrativas que haja uma revisão desses casos para decidir se eles estão mesmo inaptos para o trabalho.
Ao todo, os técnicos do governo acham que será possível reduzir em R$ 10 bilhões dos atuais R$ 23 bilhões que o Tesouro paga de auxílio-doença. Outro exemplo dado pelo ministro sobre ralos que podem ser cobertos foi o do auxílio defeso.
— Chutem quantos pescadores existem em Brasília? Chutem alto. Vocês não chegarão ao número: Brasília, que tem o Lago Paranoá tem 45 mil pescadores recebendo auxílio-defeso. Há outros ralos. Só numa primeira verificação o ministro Osmar Terra achou 10 mil fantasmas na Bolsa Família. Ao todo, achamos que poderemos economizar R$ 35 bilhões com o esforço de gestão para tapar os ralos — disse o ministro.
Ele me contou também que está sendo preparado o que chamou de “governo virtual”: o cruzamento de bancos de dados do próprio executivo, entre si e com outros cadastros. Uma das negociações está sendo feita com o TSE onde o cadastro já é com biometria. A ideia ao juntar todos os bancos de dados é aumentar a eficiência da gestão e evitar desvios como o pagamento de benefícios indevidamente.
Quando um investidor perguntou se o governo pretende suspender a desoneração da folha salarial, ele negou:
— Neste momento, com quase 12 milhões de desempregados, não podemos aumentar o custo das empresas. Isso só iria gerar mais demissão.
Padilha não quis calcular quanto o governo poderia ganhar de impostos se for aprovada a proposta de legalizar os jogos de azar.
— Acho que o ganho com os jogos de azar pode ser menor do que o desgaste de aprová-lo.
Diante da dúvida sobre se o governo conseguirá aprovar as reformas, que estão sempre sendo adiadas, o ministro Eliseu Padilha disse que o governo vem demonstrando a cada votação que tem o apoio de dois terços do Congresso.
Não quis responder à pergunta que o mercado mais tem em mente. Quando inverterá a trajetória da dívida pública. Segundo Padilha, o corte de despesas está sendo feito, mas a receita dependerá do crescimento do PIB futuro.

4ever - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 06/07

O título funcionaria melhor se a meta de inflação fosse 4%, mas o sentido deve ter ficado, espero, claro. Desde 2003, quando o Conselho Monetário Nacional determinou ao BC que buscasse manter a inflação em 4,5% a partir de 2005, a meta de inflação para o país tem sido fixada nesse patamar e a reunião da semana passada não deixou por menos, mantendo o mesmo objetivo numérico para 2018, um recorde de 14 anos.

Num país em que tudo muda tão rápido, o apego à meta poderia até ser percebido como um elemento de permanência em meio à fúria, mas não. Ao contrário, apesar da meta constante, o desempenho não poderia ter sido mais diferente. Entre 2005 e 2010, a inflação média atingiu 5% ao ano, pouco superior à meta; já de 2011 a 2015 bateu 7% ao ano, mais de dois pontos percentuais acima dela, uma atuação lamentável.

Nesse sentido, é muito bem-vinda a posição que o novo presidente do BC, Ilan Goldfajn, pretende imprimir à política monetária. Apesar de pressões para que adotasse uma "meta ajustada" para 2017, boa parte delas oriunda do mercado financeiro, que se posicionou agressivamente para o corte de juros nos próximos meses, Ilan indicou que o BC buscará atingir a meta no ano que vem, rompendo com a prática de Alexandre Pombini, para quem a inflação na meta era sempre algo para o futuro distante, de preferência distante o suficiente para que não o submetesse a constrangimentos como ter de trabalhar de verdade para chegar a tal objetivo.

A reação foi mais positiva do que o noticiado. A parte mais visível tem sido a revisão nas perspectivas para a inflação. De acordo com a pesquisa Focus, a inflação esperada para 2017, por muito tempo estabilizada em 5,5%, começou a cair, marcando 5,4% no começo desta semana; já as expectativas para 2018 caíram de 5,0% para 4,8%. Não me surpreenderia caso novas revisões para baixo viessem a ocorrer nas próximas semanas, em resposta à atitude mais séria do BC.

Menos comentado, porém potencialmente mais importante, houve uma mudança relevante em taxas de juros de diferentes prazos. Taxas referentes a períodos mais curtos subiram, refletindo a percepção de manutenção da Selic por mais tempo. Por outro lado, taxas de juros para períodos mais longos caíram acentuadamente, em resposta à queda das expectativas de inflação (e, portanto, corte mais acentuado da Selic no futuro).

Esse movimento, ainda incipiente, tem consequências consideráveis para a recuperação da economia, pois taxas de juros mais longas costumam ter efeitos mais vigorosos sobre o investimento do que as mais curtas, dado que seu horizonte se aproxima mais do período associado à maturação do investimento. Trata-se de uma verdade simples, mas por muito tempo ignorada no BC.

Não faltam, contudo, armadilhas.

Leitores mais atentos do Relatório Trimestral de Inflação, publicado na semana que passou, devem ter notado uma ausência de peso. O BC não indica se considera que a política fiscal ajudaria (ou atrapalharia) seus planos, ao contrário do que costumava fazer (ingenuamente, ou não, sempre apostando na melhora).

Vejo isso como sinal claro de desconforto da instituição. Sem o auxílio do ajuste fiscal, o BC ficará sozinho na luta e a convergência da inflação se tornará tarefa ainda mais complicada.



Cerca Lourenço - MONICA DE BOLLE

O ESTADÃO - 06/07

Bem longe, na terra de Gaudí, leio as notícias do Brasil – país sobre o qual escrevo frequentemente, mas do qual me afastei há algum tempo, antes das eleições de 2014. À distância, poderia parecer difícil captar as nuances do Brasil. Mas, eis que o Brasil já não as possui há tempos. As nuances, abandonadas, tampouco foram restauradas no Brasil quase pós-Dilma, quase governo Temer.

O quase não-interino governo Temer começou com promessas, tantas promessas. Disse que poria o País em nova rota, que adotaria as medidas que fossem necessárias para garantir a solvência das contas públicas, para reduzir o déficit, e dar início a uma série de reformas de extrema importância para o País. Eis que, perto de tornar-se governo de fato, deixando para trás a interinidade, o governo Temer flerta com a possibilidade de adotar meta fiscal, meta deficitária, apenas um quase nada menor do que os R$ 170,5 bilhões de 2016. Enquanto escrevo essas palavras, muitas horas à frente do anúncio prometido a respeito da nova meta, leio que o Ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, acha ótimo que se repita o déficit de 2016, equivalente a quase 3% do PIB. Como já disse em outras ocasiões, pensar no déficit do governo apenas a partir da meta, ainda que essa seja demasiado alta, engana.

Se a diferença entre receitas e despesas, excluindo-se o pagamento de juros, está em quase 3% do PIB, o déficit total, aquele que inclui os pagamentos de juros, ficará bem próximo dos 11% ou 12% do PIB este ano. Disso, já sabíamos. O que não sabíamos é que integrantes do governo Temer consideram “ótimo” entregar rombo de mesma magnitude no ano que vem.

Que fique claro: o rombo desse ano foi herdado. Herança maldita deixada pelo desgoverno de Dilma Rousseff. Contudo, o que se programa para o ano que vem não é herdado de ninguém, a não ser do próprio governo interino e de sua equipe de ilustres. Conforme noticiou este jornal recentemente, Temer e sua equipe de ilustres andaram cedendo às inevitáveis pressões para que se aumentassem os gastos no curto prazo: das renegociações das dívidas dos Estados aos reajustes dos servidores. Tais decisões têm reflexos não somente em 2016, mas também em 2017 e 2018. Portanto, um pedaço do déficit do ano que vem foi contratado há pouco, quando o governo interino fez algo muito semelhante ao que fazia o antecessor. Ah, mas trata-se de troca justa, já disseram alguns. Afinal, argumentam, como conseguir o apoio para as reformas mais duras, para as emendas constitucionais que haverão de garantir o equilíbrio das contas públicas no futuro?

As emendas que hão de introduzir o teto sobre o crescimento dos gastos, além de impor freios aos pagamentos de benefícios previdenciários e de outras despesas obrigatórias, como Saúde e Educação. Para quem acha que alma vendida pode ser comprada de volta, a artimanha talvez faça sentido. Para quem vê nas palavras do Ministro da Casa Civil e de outros integrantes do governo Temer inclinações perdulárias, sobretudo quando o mercado dá o desejado aval ao não tratar a administração interina com a mesma impaciência com que tratava a anterior, o ajuste parece subterfúgio, conversa mole.

Ainda que a meta venha a ser um pouco menor do que a desse ano, o governo já concedeu que haverá déficit considerável no ano que vem. Superávit em 2018? Esqueçam. Embora Temer insista que não hesitará em tomar medidas impopulares se preciso for, e, ao dizê-lo, enfatiza que não tem pretensões de se candidatar em 2018 – pouco interessa se ele será ou não candidato.

O que interessa é observar desde já que o PMDB continua a jogar o mesmo jogo. Agora que o mercado lhe deu uma trégua, aproveita a oportunidade para lançar balões de ensaio de reformas que poucas chances têm de sair do papel, enquanto, ao mesmo tempo, ensaia discurso de frouxidão para garantir que tenha pelo menos a mesma força no Congresso após as eleições de 2018. Assim são os políticos do PMDB: nadam ao redor de Temer e de sua equipe econômica com a displicência e a voracidade dos tubarões que jamais deixaram de ser. Cercam o ajuste.

Lourenços somos nós.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

Praça dos heróis - MARCELO DE PAIVA ABREU

O ESTADÃO -06/07

Os custos excedem amplamente os benefícios por quase qualquer ângulo que se analise o resultado do referendo britânico, que resultou na vitória do abandono da União Europeia.

Do ponto de vista britânico, os “benefícios” estariam associados ao fim do compromisso de permitir a entrada de cidadãos comunitários e ao fim das transferências para Bruxelas. Até o passado recente, antes que aumentasse o fluxo de cidadãos europeus, principalmente búlgaros e romenos para o Reino Unido, os protestos quanto ao alegado desequilíbrio nos fluxos de pagamentos entre Londres e Bruxelas eram modestos. Indicação de que o que convenceu agora o eleitorado foram os temores quanto à imigração. O mero arrolar dos grupos pró-Brexit, desde o raivoso Nigel Farage até o irresponsável populista Boris Johnson, revela a prevalência da xenofobia, às vezes mesclada a uma inacreditável nostalgia quanto a um Reino Unido influente no mundo.

Em meio à balbúrdia que se instalou na esteira da vitória do Brexit e da crítica fácil ao Leviatã comunitário, foi notável o silêncio quanto às significativas conquistas políticas e econômicas da integração europeia desde a conferência de Messina, em 1955. Estas conquistas estão ameaçadas pelo efeito demonstração que possa ter a decisão britânica. Não, como sugerem alguns, pelo incentivo ao separatismo, em países como a Espanha, pois é difícil acreditar que Espanha ou Catalunha queiram deixar a União Europeia. O perigo é o impacto sobre as eleições nacionais nos países nos quais a extrema direita está em ascensão, com base em xenofobia ainda mais radical do que a versão britânica.

Para os que admiram o retrospecto britânico na luta contra o nazi-fascismo é lamentável que a decisão do Brexit sirva de estímulo potente à extrema direita no continente. A integridade comunitária passa a depender dos resultados eleitorais da extrema direita nos países em que o desassossego com a União Europeia está em alta. O caso potencialmente mais explosivo é o da França, com a mistura de desalento com Bruxelas e a baixa popularidade de François Hollande. Marine Le Pen, em caso de vitória na eleição presidencial de abril-maio de 2017, promete fazer um referendo europeu. A vitória da opção de saída seria um golpe mortal na União Europeia.

Um primeiro teste eleitoral pós-Brexit será a repetição do segundo turno da eleição presidencial austríaca. A eleição realizada no final de maio resultou na vitória do candidato independente verde Alexander Van der Bellen, com 50,3% dos votos sobre Norbert Hofer, do Partido da Liberdade da Áustria, populista de extrema direita. Mas foi anulada pelo Tribunal Constitucional, com base em irregularidades na contagem de votos e nova eleição será realizada em setembro.

Vem à mente a contribuição de Thomas Bernhard, autor irreverente e iconoclasta, que se tornou o maior crítico da Áustria reacionária e neonazista. Emblematicamente representada por Kurt Waldheim, o presidente da república que, apesar de sucessivas retificações autobiográficas, não teve sucesso na tentativa de esclarecer o seu passado como oficial da Wehrmacht na Iugoslávia. Bernhard, considerado por muitos um desequilibrado, revelou-se profético.

Na sua peça Heldenplatz (Praça dos heróis), encenada no Burgtheater, templo do teatro vienense, quando do cinquentenário do Anschluss, a anexação da Áustria pela Alemanha nazista, evocou a espetacular recepção a Adolf Hitler pelos vienenses em 1938. Um dos personagens da sua peça, Frau Schuster, mulher do personagem central, é assolada, ainda em 1988, pela repetição dos clamores que havia ouvido, meio século antes, saudando a chegada de Hitler a Viena. O crescimento da extrema direita austríaca, agora estumado pela vitória do Brexit na tradicionalmente pachorrenta Álbion, faz temer que, em setembro, de novo, Frau Schuster possa ouvir os terríveis clamores na Heldenplatz.

*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio

Nada é coincidência - DORA KRAMER

O ESTADO DE S. PAULO - 06/07

Pacote anticorrupção enfrenta resistência semelhante à que sofreu a Lei da Ficha Limpa


Escrita pelos mesmos autores, a história de resistência à aprovação da Lei da Ficha Limpa por parte dos congressistas se repete agora na figura cenográfica do pacote de dez medidas de combate à corrupção apresentado em março no Congresso na forma de iniciativa popular. Isso, mais de seis anos, escândalos, investigações, prisões, condenações e um quase concluído impeachment presidencial depois. Primeiro, ao caso presente: com 1 milhão e 300 mil assinaturas, as medidas elaboradas por iniciativa do Ministério Público Federal e por entendidas militantes no tema estão empacadas na Mesa da Câmara à espera da formação de uma comissão especial, cujo trabalho enfrenta boicote (na forma de corpo mole) de suas excelências.

As mesmas que na teoria discursam em prol do combate à corrupção e, na prática, fazem de tudo (ou melhor, nada) para que as coisas não andem. O deputado que encampou o projeto, Mendes Thame (PV-SP), tentou por vários dias ser recebido pelo presidente em exercício da Casa, Waldir Maranhão, sem sucesso. Foi preciso que o deputado pusesse a boca aos microfones para que, há três semanas o início dos trabalhos da comissão fosse formalmente autorizado. A despeito disso, nada até agora aconteceu, embora Mendes Thame mantenha a esperança (certamente para não criar atrito com seus pares e atrasar ainda mais o processo) que nesta semana sejam indicados pelos partidos os 12 nomes que ainda faltam para completar a composição do colegiado. As legendas sócias do poder nos últimos anos, PT e PMDB, eram algumas das faltosas indicações até ontem à tarde.

Agora, ao caso passado: talvez seja coincidência, embora não pareça, foram justamente esses dois partidos a se render às evidências, aderindo à Lei da Ficha Limpa. Com óbvia má-vontade. Aprovada em meados de 2010, a regra tornou inelegíveis durante oito anos candidatos condenados por órgão colegiado, cassados ou que renunciem para evitar a cassação. A proposta de ação popular em prol da limpeza das "fichas" chegou ao Congresso em 24 de setembro de 2009. Poucos deram bola, muitos "alertaram" para a improbabilidade de aprovação. Um deles, o então presidente da Câmara Michel Temer. "É difícil aprovar."

De fato, foi. Até que a sociedade entrou em campo e o ano eleitoral de 2010 fez o restante do serviço: Ficha Limpa aprovada por unanimidade e considerada válida pelo Supremo Tribunal Federal a partir das eleições municipais de 2012. Caso não haja essa pressão de novo, o senhor e a senhora cujo poder do voto não se transfere, podem ter certeza: vai ficar tudo na mesma. Sujeito oculto. Além de várias oportunidades de ficar calado - sendo a principal delas quando negou ter contas no exterior numa CPI -, Eduardo Cunha já perdeu a presidência da Câmara, perdeu o direito de exercer seu mandato parlamentar e até mesmo a liberdade de circular na Casa, perdeu a aura de todo poderoso, perde a cada dia apoio entre seus pares.

Não exercita o voto nem o comando de voz. Só não perdeu ainda a condição formal de deputado e, com ela, o foro especial de Justiça e a prerrogativa de só ser preso em situação de flagrante em crime inafiançável. Razão (única) pela qual tenta retardar o desfecho do processo de cassação, mediante atos protelatórios. Por menos acusações que as que pesam contra o deputado há gente passando temporada forçada em Curitiba ou restrita ao perímetro da própria residência com o tornozelo atado a artefato eletrônico. De onde o mandato hoje lhe serve de esconderijo, com a Câmara no papel da caverna.


Por que reformar o Minha Casa, Minha Vida - SERGIO GUIMARÃES FERREIRA

O Estado de S. Paulo - 06/07


O PSDB, na parte que lhe coube do latifúndio do poder central, ficou no novo governo com dois ministérios: o de Relações Exteriores e o das Cidades. A pasta de Cidades ficou sob a direção de um jovem deputado, Bruno Araújo. Eis algumas questões para os quais o ministro deve estar atento.

Em primeiro lugar, o programa Minha Casa, Minha Vida precisa sofrer uma vigorosa auditoria operacional. O ministro deve solicitar essa auditoria ao Tribunal de Contas da União, com urgência. Em particular, preocupa-me o “Minha Casa, Minha Vida, Entidades”, uma invenção do lulopetismo para destinar recursos públicos a associações como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a pretexto de que produzam sua própria moradia, mas com o real intuito de comprar seu apoio – não coincidentemente, o MTST foi bastante aguerrido após a votação da admissibilidade do impeachment pelo Senado Federal, queimando pneus e paralisando o trânsito em São Paulo.

O mecanismo é simples: o MTST invade um terreno público, a prefeitura doa o terreno invadido (como ocorreu, por exemplo, em São Paulo, nas proximidades do Estádio do Corinthians, segundo reportagem do Estadão) e a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades repassam recursos diretamente para o movimento contratar a obra, com processo licitatório longe da vigilância do contribuinte – afinal, “são confiáveis, não são capitalistas, que visam o lucro”. Com alguma leniência das autoridades públicas, esse dinheiro pode estar servindo para subsidiar novas invasões ou, pior, para mobilizações de cunho político em defesa do governo que os protege.

Além das questões “policiais”, o Minha Casa, de forma geral, tem problemas óbvios de desenho. A Lei 11.977, que criou o programa, não faz nenhuma menção a respeito de quem deve ser o público-alvo do programa, deixando a cargo de portarias e decretos do ministério e da Caixa Econômica a definição das regras de elegibilidade. O ministério, então, definiu que os beneficiários da chamada “faixa 1”, que subsidia 90% do custo de moradias, seriam as famílias que tenham renda mensal bruta de até R$ 1.800. Em 2016, isso implicaria despesas de R$ 4,6 bilhões, que até 2015 eram bancadas pelo Tesouro Nacional, mas este ano foram transferidas para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – uma burla na conta do superávit primário que entra para o rol do repertório da contabilidade criativa.

Como se sabe, o critério de renda bruta familiar para medir bem-estar não é o melhor. Se a família tiver dez pessoas, com uma renda de R$ 1.800 ela é bastante pobre, estando cada membro dessa família próximo do limite de reposição de calorias que classifica o indivíduo como vulnerável à fome (um dólar por dia). Mas se tiver apenas dois membros, a família pode ser classificada na nova classe média (o percentil 40% ganha R$ 700).

Curiosamente, o cadastro único usa o conceito de renda familiar per capita como medida de bem-estar, que serve como base para seleção de beneficiários de programas focalizados em carentes. Mas a lei do Minha Casa, Minha Vida desprezou essa medida. E pior: não usou os cadastrados no Bolsa Família como base para a faixa 1. O correto seria definir a linha de corte referenciada no Bolsa Família para acesso ao redutor de 90%. Isso não quer dizer excluir do programa quem não seja pobre, mas reduzir a dose do subsídio e eventualmente eliminar toda a ajuda federal.

Outro problema são as externalidades negativas do programa de construção de moradias. A única coisa que a lei que cria o programa exige da parte da prefeitura é um compromisso do prefeito de que, no futuro, haverá infraestrutura urbana. Assim, condomínios são inaugurados às vezes literalmente no meio do mato. Por exemplo, o condomínio Carlos Marighella, em Maricá, foi inaugurado sem creche, posto de saúde ou escola e mesmo com a drenagem deficiente e ruas sem calçada. Caso similar ocorre em condomínios inaugurados na Grande Porto Alegre, ou em Blumenau, onde problemas de segurança pública se somam à falta da infraestrutura urbana adequada.

Existe aqui dois problemas: primeiro, colocar gente longe dos centros urbanos e sem transporte só faz criar guetos; segundo, se o prefeito for responsável e cumprir o compromisso, a cidade fica disfuncional – difusa, espraiada e, portanto, muito onerosa para os cofres públicos.

Os incentivos econômicos para o espalhamento urbano decorrem do valor fixo pago à empresa incorporadora. Para reduzir custos, a empreiteira adquire terras mais baratas, que geralmente estão em áreas de expansão da cidade, e fora do plano diretor. A solução aqui é simples: não permitir que condomínios sejam construídos em áreas não previstas em plano diretor.

É verdade que isso vai certamente encarecer o programa, e com um orçamento apertado por contingenciamentos, a oferta de imóveis para a faixa 1 será reduzida.

O custo do programa deve ser comparado com alternativas habitacionais mais custo-efetivas. Programas de aluguel social podem ser tornados permanentes para prefeituras que aderirem a convênios que incluam o compromisso de formalização de aglomerados urbanos hoje informais, desde que consolidados e dentro de normas prudenciais aprovadas. Outra possibilidade é o incentivo à autoconstrução, obedecendo aos mesmos critérios acima. Uma terceira via é a transformação de favelas em bairros populares administrados por empresas – que em troca podem ser remuneradas pela venda de certificados de construção (CPACs) ou pela exploração direta de terrenos doados pela prefeitura.

E, enfim, auditar continuamente, monitorar seus resultados, avaliar alternativas, redesenhar e permitir o acompanhamento dos resultados do programa por “sua excelência”, o contribuinte. As ruas exigem.

*Sergio Guimarães Ferreira é PHD pela Universidade do Wisconsin-Madison e assessor parlamentar no Senado

A responsabilidade que se espera - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 06/07

Falando em São Paulo, na segunda-feira passada, a representantes do agronegócio, o presidente em exercício Michel Temer comemorou o apoio que recebia de 46 entidades do setor enfatizando que seu governo precisará cada vez mais desse tipo de solidariedade, porque “a partir de certo momento” terá que recorrer a “medidas, digamos assim, mais impopulares”. Num país que acaba de ser dramaticamente despertado do sonho populista em que os governantes só abrem a boca para dizer o que as pessoas querem ouvir, é certamente uma boa notícia saber que o presidente da República, mesmo que interino, está consciente de que sua preocupação prioritária não deve ser a de garantir sua próxima eleição ou sua popularidade a qualquer preço, mas adotar políticas sustentáveis em benefício do bem comum, mesmo que a curto prazo contrariem lideranças populistas que só agem pensando no aqui e agora, para assim controlar a massa de manobra que as sustenta.

Mesmo de um governo que se formou num momento de crise aguda – e assumiu o poder em caráter interino, mas com a perspectiva concreta de ali permanecer por dois anos e meio – a população tem o direito de esperar um discurso renovado, sinceramente comprometido com a correção das distorções e erros que levaram o País à beira do abismo econômico, ao caos político e, consequentemente, à tragédia que significa o retrocesso nos avanços sociais tristemente simbolizada por uma multidão de mais de 11 milhões de desempregados.

Temer fez questão de repetir o que já havia afirmado poucos dias depois de assumir a interinidade, quando apresentou como credencial para merecer o crédito e o apoio dos brasileiros o fato de não cultivar objetivos eleitorais próprios. Agora, garantiu, não terá receio de propor medidas consideradas impopulares porque ambiciona apenas “colocar o Brasil nos trilhos”, sem pensar em eleições. É um discurso difícil de ser mantido num período de grandes dificuldades para todos, como o atual. Se, com o trabalho da equipe econômica que formou, o governo Temer apresentar, ao seu final, uma economia com sinais claros de recuperação, seu esforço poderá alcançar o reconhecimento da população. Mas essa é uma questão política que emergirá no pleito presidencial de 2018.

Quando se trata de medidas necessárias para superar a crise, mas delicadas do ponto de vista do apoio popular – e por essa razão difíceis de serem aprovadas pelo Congresso Nacional –, o melhor exemplo é a inadiável reforma da Previdência Social. O problema é evidente: da forma como está, o sistema é insustentável financeiramente. No longo prazo estará falido. O longo prazo, porém, não faz parte do horizonte daqueles que, em seu cínico pragmatismo, só pensam nos seus interesses imediatos e na sua sobrevivência política, como os populistas tipo Luiz Inácio Lula da Silva e seu bando. Mas não se pode permitir, porque é socialmente injusto, que as contas de hoje sejam pagas, com a privação do benefício, pelos cidadãos de amanhã.

É exatamente isso que vai acontecer se não for feita urgentemente uma reforma que garanta sustentabilidade ao sistema, num país em que em pouco mais de seis décadas a expectativa de vida aumentou cerca de 20 anos, de 53 para 73. E a tendência é de que, por volta da metade do século, o número de aposentados e pensionistas seja no mínimo igual ao dos cidadãos economicamente ativos. O que significa que não apenas o número de contribuintes da Previdência será muito menor do que é hoje em relação aos beneficiários, como também estes últimos permanecerão dependentes do sistema por muito mais tempo. É uma conta que, nas bases atuais, não vai fechar.

É necessário, portanto, como o exemplo da Reforma da Previdência claramente demonstra, que seja vigorosamente combatida a irresponsabilidade populista que apregoa a “intocabilidade dos direitos” atuais, desconsiderando, por puro cálculo eleitoral – já que os cidadãos de amanhã não votam hoje –, que a justiça social deve se estender às gerações futuras.

Se permanecer fiel a esse compromisso de homem público, Michel Temer estará assumindo plenamente a responsabilidade de presidente da República e fazendo um grande bem ao País.


Reformas, inclusão e voto - ODEMIRO FONSECA

O GLOBO - 06/07

Nós, brasileiros, não sabemos que partido nos governará, mas sabemos que reformas econômicas são inevitáveis. Mas não as façamos pela metade. Essa não é uma questão direita/esquerda. A realidade não é opcional. A boa notícia é que reformas que trazem prosperidade trazem historicamente inclusão social e reeleições. Como na Alemanha, Coreia do Sul, Taiwan, Nova Zelândia. Mas o caso mais espetacular é o da Índia, historicamente economia de inspiração socialista. As reformas que começaram em 1991 demoraram a mostrar resultados devido ao viés político sobre como reformar um distorcido mercado de trabalho. Isso é mostrado na primeira parte do estudo dos professores de Columbia Jagdish Bhagwati e Arvind Panagariya. Na segunda parte, eles mostram só ganhos de privatização, desburocratização, abertura para o exterior e empreendedorismo. A Índia cresceu acima de 7% de 1997 a 2016. As empresas privadas se transformaram. Na terceira parte, os professores mostram a inclusão trazida pelo crescimento e a transformação nas atitudes dos eleitores. Num país de 1,25 bilhão de pessoas, a inclusão foi enorme.

O Brasil precisa programas desestatizadores. Nosso pior problema são as estatais, “o braço financeiro das corporações sindicais e dos partidos. São a semente da corrupção” (R. Jefferson). E pior, semente de enorme ineficiência econômica. Sem as gigantes injeções de capital (impostos) e sob concorrência, já não existiriam. Temos que nos convencer de que o Estado-empresário não deu certo nem aqui nem em nenhum país. Precisa ser extinto. Para fazê-lo rapidamente, a propriedade das estatais poderia ser transferida a uma empresa, que às levaria a leilão no mercado mundial. Como fez a Alemanha. Ou seriam distribuídas as ações e cotas aos trabalhadores. Como fez a antiga Tchecoslováquia. Resolvem-se assim problemas políticos, de eficiência, corrupção e fundos de pensão. E pôr excelentes gerentes nas estatais ajuda, mas os desincentivos políticos ganham. É ridícula a política de incentivar empresários privados. A teoria condena, e a história também. As nossas “campeãs nacionais” estão na lona. Empresário que se preze nasce incentivado.

Nosso ogro burocrático é um terror. Precisamos de uma agência, temporária e poderosa, que, como já foi feito em outros países, ponha o Brasil entre os dez países mais fáceis de fazer negócios, em cinco anos, usando-se o critério do Banco Mundial. E burocrata não pode legislar, só político eleito. A tortuosa burocracia trabalhista já melhoraria muito se os empregadores pagassem aos empregados o salário bruto, em conta bancária. As retenções por razões legais ou judiciais seriam pelo sistema bancário.

Realismo fiscal não combina com “vontades políticas”. Déficit mata, como estamos vendo. Como os governos gastaram muito além do possível, a única opção é que as despesas cresçam menos do que o PIB.

Uma sociedade aberta, com governo concentrado em manter as regras do jogo, precisa de indivíduos livres para criar e prosperar. É sociedade progressista, civilizadora. Sociedade estatizada precisa de ideologia e democracia de massas. É extrativa, predadora. Reformas pela metade, as terceiras vias, geram países como o Brasil: US$ 8 mil de renda per capita, pobre com discursos de rico. As reformas libertam forças poderosas. É de liberdade e prosperidade que o Brasil precisa, sobretudo para seus pobres. Sem corrupção, com inclusão e democracia.

Odemiro Fonseca é empresário

Por que Dilma foge de interrogatório no Senado - RICARDO NOBLAT

Ricardo Noblat/O GLOBO - 06/07

Dilma “Coração Valente” Rousseff faltará ao interrogatório marcado para hoje na Comissão Especial do Impeachment no Senado. Ela deveria responder a perguntas dos senadores. Mandará em seu lugar José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e ex-Advogado Geral da União.

Por que ela não irá? Não disse. Em entrevista, ontem, a uma rádio do Recife, limitou-se a informar:

- A minha defesa amanhã será feita por escrito e lida pelo meu advogado. Estamos avaliando a minha ida ao plenário do Senado, em outro momento.

O senador Benedito Lyra (PMDB-PB), presidente da Comissão, apressou-se em avisar que Cardozo não poderá responder às perguntas que os senadores pretendiam fazer a Dilma. Nem mesmo aos comentários que eles façam à defesa que Cardozo lerá.

Para justificar a ausência de Dilma, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da minoria, alegou que na Comissão Especial do Impeachment o processo “tem cartas marcadas”. E que se Dilma comparecesse ao interrogatório estaria “legitimando o golpe”.

Ora, ora, ora... Que bobagem!

O PT não legitimou o que chama de “golpe” ao integrar a Comissão Especial do Impeachment da Câmara dos Deputados? Não legitimou ao participar da votação na Câmara que decidiu por larga maioria recomendar ao Senado que julgasse Dilma por crime de responsabilidade?

Não legitimou ao votar contra a admissibilidade do pedido de impeachment no Senado? Não legitima quando integra a Comissão Especial do Impeachment no Senado e ali defende Dilma? Não legitimará quando no final de agosto próximo o Senado cassar ou absolver a presidente afastada?

Sem falar das vezes em que o PT, seus aliados e a própria Dilma entraram com recursos no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação de atos do processo. Isso também não foi uma forma de legitimar “o golpe”? Onde já se viu golpe avalizado pela Justiça e presidido na sua fase final pelo presidente do Supremo?

Dilma fugiu do interrogatório por fraqueza. Por medo de não saber responder às perguntas que lhe seriam feitas. Porque está acostumada a não ouvir, a só falar, e mesmo assim de maneira confusa. E porque só sabe mentir. Ocorre que se flagrada numa mentira no Senado, seu destino acabaria selado por antecipação.


Novo Temer, velho Michel - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de S.Paulo - 06/07
Em campanha para se efetivar no cargo, o presidente interino adotou uma dupla personalidade. Para o público externo, ele tenta se vender como o novo Temer, um líder austero e comprometido com o ajuste fiscal. Para os políticos, continua a ser o velho Michel, especialista em barganhar cargos e verbas em troca de votos no Congresso.

O novo Temer buscou o apoio de empresários do agronegócio na segunda-feira (4), em São Paulo. Ele prometeu limitar o gasto público, pregou uma era de "muita contenção" e se disse pronto a anunciar "medidas, digamos assim, mais impopulares".

Faltou explicar o que isso significa, mas a plateia se deu por satisfeita com a manifestação de desprendimento. "As pessoas me perguntam: mas você não teme propor medidas impopulares? Não, meu objetivo não é eleitoral", recitou o peemedebista.

Nesta terça (5), em Brasília, o interino voltou a atuar como o velho Michel. Abriu o gabinete presidencial para um comitiva de nove senadores eprometeu abrir o cofre para concluir um pacote de obras a serem escolhidas pelos próprios políticos. O objetivo da generosidade é claro: assegurar votos a favor do impeachment.

Fora do mundo da propaganda, o velho Michel está ganhando do novo Temer de goleada. Seu pacote bilionário de bondades já incluiu aumentos para o funcionalismo, alívio nas dívidas dos Estados e uma ampla liberação de emendas parlamentares.

O economista Gil Castelo Branco, crítico da gastança no governo Dilma, aponta uma ação "completamente contraditória" com o discurso de austeridade. "Desde que ele [Temer] assumiu, o que temos, na verdade, é o crescimento de despesas", disse, ao jornal "El País".

A dupla personalidade do interino também se manifesta na ocupação da máquina. O novo Temer promete conter indicações políticas e combater o "aparelhamento" da era petista. O velho Michel acaba de descolar uma chefia regional do Incra para o filho do deputado Paulinho da Força.

Mãe federal - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 06/07

Dadas as condições benévolas com que o governo Michel Temer (PMDB) aceitou renegociar as dívidas dos Estados com a União, não surpreende que municípios se mobilizem agora em busca do mesmo tratamento.

Em entendimentos iniciados com o governo federal, a Frente Nacional de Prefeitos reivindica as vantagens obtidas no mês passado pelos governadores —moratória de seis meses, descontos parciais nos pagamentos por mais um ano e meio e alongamento de 20 anos dos prazos dos débitos.

Diante da resistência da equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, circulam ameaças de recursos ao Supremo Tribunal Federal, cujas decisões imprudentes em favor dos Estados —liminares chegaram a fixar a correção dos saldos devedores por juros simples— apressaram a renegociação.

Muito já se perdeu do que havia de razoável no pleito de revisão dos contratos, que, firmados na década de 1990, impõem taxas excessivas para os padrões atuais. Uma coisa é evitar que o Tesouro Nacional extraia ganhos financeiros das administrações regionais; outra é devolver à União o nefasto papel de mãe dos entes federativos.

Em 2014, aprovou-se lei alterando os indexadores das dívidas, com o acréscimo de um descabido cálculo retroativo. Graças à aplicação da regra, a dívida total da cidade de São Paulo, no exemplo mais importante, despencou neste ano de R$ 79,6 bilhões para R$ 32,5 bilhões.

O novo cálculo basta para retirar o sentido de urgência das novas demandas dos prefeitos. Nenhuma das capitais padece de endividamento comparável ao paulistano. Eventuais negociações podem aguardar o desfecho das eleições municipais de outubro.

Esse tempo deve ser aproveitado para a definição de contrapartidas a serem exigidas para que Estados e municípios não reincidam na irresponsabilidade orçamentária e, no futuro, sejam capazes de deixar a tutela federal.

Providência básica será aprovar a proposta que redefine a contabilização dos gastos com pessoal, fechando brechas que hoje permitem aos governos regionais excluir da estatística desembolsos com servidores inativos e terceirizados.

Tal ilusionismo permite, por exemplo, que, mesmo na atual situação de descalabro orçamentário, o Estado do Rio exiba em seus balanços despesas perfeitamente adequadas aos limites legais.

Não há mágica, entretanto, quando se trata de dívida pública; como o nome diz, ela é dos contribuintes municipais, estaduais e federais. Uma Federação madura pressupõe que todos sejam capazes de arcar com as consequências de suas escolhas.


Saída com transparência - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - RS - 06/07

O ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, vem reiterando em sucessivas manifestações públicas sua disposição de revisar o programa Bolsa Família, de modo a proporcionar aos beneficiários oportunidades reais de saída. Terra afirma que as pessoas não podem ter como objetivo de vida apenas receber o benefício social oferecido pelo governo. Embora pareça contraditório pregar uma redução do programa no momento em que o governo recém concedeu aos beneficiários um reajuste mais generoso do que o proposto pela administração anterior, a intenção do ministro se sustenta num projeto prático e transparente.

Um dos pontos já antecipados é a premiação das prefeituras que conseguirem reduzir o número de dependentes em suas áreas de atuação, mediante controle rigoroso das inscrições e também do cumprimento da contrapartida por parte das famílias beneficiadas. A implementação de um sistema de cruzamento de informações para detectar fraudes também faz parte da proposta e se justifica plenamente diante de recentes escândalos levantados pelo Ministério Público Federal. No mês passado, por exemplo, o MPF informou que mais de 500 mil funcionários públicos receberam indevidamente recursos do programa. A investigação considerou o cruzamento de dados da Receita Federal, de Tribunais de Contas, do TSE e do próprio Ministério do Desenvolvimento Social, entre 2013 e 2014.

Cada vez que uma autoridade defende inspeção no Bolsa Família, os defensores do paternalismo estatal se revoltam e levantam a suspeita de que a intenção dos críticos é acabar com o principal programa de distribuição de renda do país. Ora, até para que o programa seja mantido e continue beneficiando quem realmente precisa de ajuda, é impositivo que seja depurado por meio de fiscalização criteriosa e da oferta de oportunidades de saída para que os beneficiários não se tornem dependentes para sempre.


O efeito Lava-Jato chegou à saúde - ELIO GASPARI

O Globo - 06/07

Um ex-diretor da ‘campeã nacional’ Hypermarcas levou a Procuradoria à caixa-preta do setor de medicina privada



Era pedra cantada. Em algum momento os efeitos da Lava-Jato chegariam ao setor bilionário dos planos de saúde. O ex-diretor de relações institucionais da Hypermarcas, empresa que se intitula “campeã nacional de produtos farmacêuticos”, Nelson Mello vem colaborando com a Procuradoria-Geral da República desde março e revelou parte das relações incestuosas que cultivava com senadores e deputados. Como era de se esperar, caíram na roda o onipresente Eduardo Cunha e seu associado Lúcio Bolonha Funaro.

Preso, Funaro tem o que contar. O ex-diretor da Hypermarcas já expôs a negociação de um jabuti na Medida Provisória 627, que, em tese, tratava de matéria tributária. Para azeitar seu interesse, Mello passou a Funaro R$ 2,9 milhões.

Há mais jabutis na forquilha da MP 627. A relação de Funaro com Eduardo Cunha e dele com operadoras de planos de saúde levou o Ministério Público à caixa-preta desse mercado bilionário, que vive das mensalidades de 70 milhões de brasileiros.

Durante o ano eleitoral de 2014, a MP 627 foi enxertada por 523 contrabandos. Num deles, enfiou-se uma anistia parcial a planos de saúde que descumpriam suas obrigações contratuais. Pela lei, uma operadora que negava um procedimento ao qual o freguês tinha direito poderia ser multada com penalidades que iam de R$ 5 mil a R$ 1 milhão. Quem já pagou multa de trânsito sabe que cada multa é uma multa. O jabuti mudava esse mecanismo. A operadora que tivesse sido multada de duas a 50 vezes pela mesma razão pagaria apenas duas multas. Numa regressão maligna, se as infrações fossem mais de mil, as multas seriam 20. Assim, se uma operadora negasse a mil clientes um procedimento que lhe custaria R$ 5 mil por negativa, em vez de pagar R$ 5 milhões, pagaria apenas R$ 100 mil.

Premiava-se com um refresco calculado em R$ 2 bilhões o desrespeito ao consumidor, estimulando-se a ineficiência de um sistema que está entre os campeões na lista negra dos organismos de defesa dos cidadãos.

O relator dessa medida provisória foi o deputado Eduardo Cunha, então líder do PMDB na Câmara. A MP foi votada em bloco e aprovada com o apoio da bancada oposicionista.

Exposta a maracutaia, Cunha informou que discutiu o assunto com a Casa Civil, o Ministério da Fazenda e com a Advocacia-Geral da União, mas não deu nome aos bois.


Para desgosto de grandes operadores de planos de saúde, generosos doadores de campanhas eleitorais e simpáticos admiradores de comissários petistas, Dilma Rousseff vetou o artigo.

Como a MP 627 ficou mais conhecida pelo seu aspecto tributário, beneficiando empreiteiras e bancos, o gato das multas parecia dormir no fundo do armazém. A Procuradoria-Geral da República puxou o fio dessa meada, o que significa a abertura de uma nova vitrine na exposição de malfeitorias.

Em geral, os jabutis colocados nas medidas provisórias são incompreensíveis e relacionam-se com altas transações financeiras. O gato colocado na tuba da 627 era gordo e escandaloso. Tão escandaloso que durante a negociação para a inclusão do contrabando o próprio Eduardo Cunha teria avisado que aquilo ia dar bolo e chegou a defender que Dilma vetasse o artigo. Em 2014, deu em veto. Bolo, está dando agora.


Dois anos para tomar medidas "impopulares" - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 06/07

O governo terá prazo de dois anos para aprovar "medidas impopulares", necessárias à adequação do Orçamento Geral da União ao teto de gastos proposto ao Congresso Nacional. Se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui o teto for aprovada neste ano, as despesas da União, a princípio, só vão superar o novo limite constitucional em 2019. Até lá, portanto, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário terão tempo para definir suas prioridades de gasto.

A economista Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), fez um interessante exercício para calcular o teto de despesa que poderá vigorar nos próximos anos, caso a PEC seja aprovada no ano em curso. Como se sabe, a proposta prevê o congelamento dos gastos, em termos reais, por pelo menos nove anos. Autorizadas algumas exceções, como gastos com capitalização de estatais e complementações ao Fundeb (fundo que redistribui, de acordo com as necessidades, os recursos da educação básica), a despesa total será corrigida, durante esse período, apenas variação da inflação.

Em seu exercício, a economista Vilma Pinto parte da hipótese de que, neste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) recuará 3,5%, a inflação ficará em torno de 7%, as receitas recorrentes do governo central atingirão R$ 1,269 trilhão e as receitas não recorrentes, R$ 34 bilhões. No caso das receitas não recorrentes, Vilma considerou R$ 20 bilhões decorrentes de renegociações tributárias (Refis) realizadas em anos anteriores, R$ 11 bilhões de concessões e apenas R$ 2,7 bilhões da legalização de recursos de brasileiros no exterior (repatriação).

Descontando-se as transferências obrigatórias para Estados e municípios, a receita líquida de 2016 seria de R$ 1,09 trilhão. A este valor deve-se somar a meta de déficit primário definida pelo governo interino com o Congresso - R$ 170,5 bilhões. Feitas as contas, a despesa potencial do governo central em 2016 é, portanto, de R$ 1,260 trilhão. Este número, evidentemente, pode mudar um pouco, uma vez que a estimativa da economista do Ibre para a arrecadação com a repatriação é conservadora - reservadamente, o Ministério da Fazenda espera receita de R$ 20 bilhões.

Para estimar as despesas, Vilma considerou os valores de 2015 e seu crescimento vegetativo típico. Principal item da despesa, os gastos com previdência sobem de acordo com o salário mínimo, com uma elevação de cerca de 4% no número de benefícios. Já as despesas com pessoal, abono salarial e seguro-desemprego tendem a acompanhar o PIB, além da inflação.

O governo previu despesa não-recorrente de R$ 56,6 bilhões para este ano, relacionada a riscos fiscais, passivos e despesas já contratadas, como pior resultado dos Estados (que pode estar contemplado na negociação entre União e governos estaduais), devolução do contingenciamento de março e gastos relativos ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e às áreas de defesa e saúde. Tudo somado, chega-se a uma diferença, para chegar aos R$ 1,260 trilhão, de R$ 295,3 bilhões, distribuídos em vários tipos de gasto.

Projetando-se inflação de 7% para 2016, em 2017 o teto de despesas será, portanto, de R$ 1,349 trilhão. Mesmo que a nova regra não seja aprovada, a despesa estimada para o ano que vem será de R$ 1,311 trilhão, gerando uma folga de R$ 37 bilhões. Em 2018, calcula a economista do Ibre, o limite é praticamente igual à despesa projetada. Apenas em 2019, primeiro ano do próximo governo a ser eleito, o gasto superaria o teto constitucional, caso nada seja feito para reduzir despesas e sua expansão vegetativa.

"O momento crítico da etapa pós-aprovação do limite constitucional dos gastos públicos, portanto, não deve ocorrer nos próximos dois anos, o que dá certa margem de manobra para a presidência da República restaurar a funcionalidade do sistema político e econômico do país e criar as condições para levar adiante a sua agenda de governo", prevê Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, que tratará do tema na próxima Carta de Conjuntura da entidade.

Dois anos parece muito tempo, mas não é. Até a votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, prevista para o fim de agosto, nada acontece. 2018 é ano eleitoral, logo, restou para 2017 o grande debate que o país terá que fazer para se adaptar à nova realidade orçamentária, caso a PEC do teto de gastos seja aprovada até dezembro. Nesse tempo exíguo, governantes, legisladores, magistrados, empresários, trabalhadores e cidadãos terão que tomar decisões não necessariamente impopulares (é impopular acabar com políticas que concentram renda nas mãos de poucos?), mas certamente difíceis do ponto de vista político.

Schymura observa que será necessário que detentores da dívida pública e empresários acreditem na eficácia futura do teto porque, no curto prazo, as contas públicas continuarão pressionadas. Ele estima que, apenas em 2024, o déficit primário será zerado. Até lá, por conseguinte, a dívida pública seguirá crescendo. Se a PEC do limite de gasto não for aprovada, a despesa primária chegará a 26,2% do PIB em 2030, ante 20,7% do PIB em 2016. Com isso, o déficit primário seria de 7% do PIB. Com a PEC, a despesa primária cai para 16,4% no mesmo prazo e haveria geração de um superávit primário de 2,7% do PIB em 2030.

A confiança dos investidores no novo arcabouço fiscal é importante porque pode suavizar a transição para o novo modelo. "Se o mercado confiar em que o limite vai se tornar uma realidade concreta e duradoura, é possível que os ativos financeiros evoluam numa direção favorável, que reforce a reviravolta da política fiscal. A queda do risco-país e juros mais baixos, por exemplo, não só estimulam a atividade econômica, recuperando receitas tributária e aumentando o denominador do PIB, como significam juros reais, que alimentam o crescimento da dívida pública, mais baixos", explica Schymura.


Nova lei dos fundos de pensão estatais é avanço na crise - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/07

Os investimentos fracassados corroeram até 10% do bilionário patrimônio dos fundos de pensão estatais, beneficiando núcleos com poder na política e no sindicalismo



A nova legislação sobre fundos de pensão do setor público entrou na pauta de votações da Câmara. O projeto de lei complementar teve origem no Senado e foi aperfeiçoado pelos deputados federais, a partir da CPI dos Fundos de Pensão realizada no ano passado.

Essa foi uma comissão de inquérito diferente, em vários aspectos. Surgiu como resposta à pressão exercida por funcionários inativos de empresas estatais que, durante meses, percorreram gabinetes de senadores e deputados demonstrando a preocupação com o futuro de suas aposentadorias, em decorrência do déficit crescente nas maiores fundações estatais.

Fugindo ao padrão recentemente observado — por exemplo, nas sucessivas CPIs da Petrobras —, a comissão de inquérito dos fundos de pensão realmente avançou na investigação, reportou ao Ministério Público indícios concretos de fraudes e revisou toda a legislação.

O déficit dos maiores fundos estatais no ano passado se aproximou dos R$ 70 bilhões. É uma conta a ser paga por todos — pelos participantes e pelas patrocinadoras estatais, o que significa dizer, na prática, pela sociedade.

O projeto de lei complementar que está pronto para ser votado contém princípios inovadores. Um dos principais é a introdução, na composição dos conselhos deliberativo e fiscal dessas entidades, da figura dos conselheiros independentes escolhidos mediante processo conduzido por empresa especializada contratada para tanto, observadas “notória especialização” e a ausência de relações de parentesco ou negociais com a entidade ou os patrocinadores, além de vínculo administrativo com o governo controlador, indica o relatório da Câmara.

Ficaria impedida, também, a contratação de diretores com reconhecidas atividades político-partidárias nos dois anos anteriores e nos doze meses seguintes ao exercício do cargo.

A “blindagem” dos fundos, em relação a interesses políticos, partidários e sindicais, é fundamental. A política de loteamento do Estado, adotada nos governos Lula e Dilma, conduziu ao caos administrativo órgãos públicos, empresas estatais e respectivos fundos de pensão. Nas fundações de previdência proliferaram os negócios suspeitos, como evidenciou a CPI e afirma o Ministério Público. Os investimentos fracassados com o dinheiro dos participantes e das patrocinadoras corroeram até 10% do bilionário patrimônio dos fundos, sempre em benefício de grupos privados associados a núcleos com poder na política e no sindicalismo. Restaram prejuízos relevantes.

É hora de mudar. A iniciativa do Legislativo é boa, não apenas por ter como objetivo a transformação de uma estrutura burocrática e arcaica, como também por demonstrar o vigor das instituições do país, em meio a uma crise política e econômica sem precedentes.

Educação em risco - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 06/07

O parlamento brasileiro está a um passo de aprovar um retrocesso que poderá trazer irreparáveis consequências para a educação no país, em todos os níveis. Projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados transfere para os parlamentares os destinos do ensino no Brasil, justamente quando está sendo elaborada por especialistas a Base Nacional Curricular Comum, uma elogiável iniciativa para deixar claros os conhecimentos essenciais aos quais todos os brasileiros têm o direito de ter acesso, desde a creche até o nível médio.

A tentativa de deputados para que a Base Nacional Curricular Comum passe pelo crivo do parlamento tem de ser rechaçada com vigor, pois o assunto deve ser tratado por especialistas, dentro de uma visão sistêmica. Se projeto nesse sentido for aprovado, cairão por terra todos os esforços para a elaboração do mais importante documento da educação que está sendo discutido em todos os estados da Federação.

Para se ter ideia do risco para a educação das crianças e jovens de todo o país, inúmeras propostas esdrúxulas tramitam no Congresso Nacional para mudanças na grade curricular das escolas. Não que os assuntos apontados pelos parlamentares sejam sem importância, mas mudanças na educação não podem ser feitas de maneira isolada, sem um olhar global. Existe uma proposta, que pode parecer louvável, para que o estudo da Constituição Federal seja incluído no currículo da educação básica. Outra quer instituir na grade os princípios da proteção e defesa civil, da cidadania, educação ambiental e noções de trânsito.

Não se discute a relevância desses temas, mas, como destacam educadores de ponta, a introdução de novas disciplinas sem articulação com as já existentes coloca em risco a visão global que o estudante precisa formar para enfrentar o futuro, além de sobrecarregar a vida escolar, como bem frisou a doutora em educação Andrea Ramal. Ela entende que os temas levantados por deputados e senadores devem e podem ser tratados em sala de aula, mas não da maneira imposta como os parlamentares pretendem fazer.

O que não se pode perder de vista é que a educação é uma arte e uma ciência, com saberes específicos, que deve ser tratada apenas por quem está familiarizado com o assunto. Apesar das inquestionáveis intenções dos parlamentares, o tema é de muito mais relevância para ser decidido por quem não é especialista. Afinal, o que está em jogo é a formação dos jovens, que devem criar sentidos a partir do aprendizado e ser os protagonistas do seu plano de vida futuro.