quarta-feira, julho 06, 2016

Dois anos para tomar medidas "impopulares" - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 06/07

O governo terá prazo de dois anos para aprovar "medidas impopulares", necessárias à adequação do Orçamento Geral da União ao teto de gastos proposto ao Congresso Nacional. Se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que institui o teto for aprovada neste ano, as despesas da União, a princípio, só vão superar o novo limite constitucional em 2019. Até lá, portanto, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário terão tempo para definir suas prioridades de gasto.

A economista Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), fez um interessante exercício para calcular o teto de despesa que poderá vigorar nos próximos anos, caso a PEC seja aprovada no ano em curso. Como se sabe, a proposta prevê o congelamento dos gastos, em termos reais, por pelo menos nove anos. Autorizadas algumas exceções, como gastos com capitalização de estatais e complementações ao Fundeb (fundo que redistribui, de acordo com as necessidades, os recursos da educação básica), a despesa total será corrigida, durante esse período, apenas variação da inflação.

Em seu exercício, a economista Vilma Pinto parte da hipótese de que, neste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) recuará 3,5%, a inflação ficará em torno de 7%, as receitas recorrentes do governo central atingirão R$ 1,269 trilhão e as receitas não recorrentes, R$ 34 bilhões. No caso das receitas não recorrentes, Vilma considerou R$ 20 bilhões decorrentes de renegociações tributárias (Refis) realizadas em anos anteriores, R$ 11 bilhões de concessões e apenas R$ 2,7 bilhões da legalização de recursos de brasileiros no exterior (repatriação).

Descontando-se as transferências obrigatórias para Estados e municípios, a receita líquida de 2016 seria de R$ 1,09 trilhão. A este valor deve-se somar a meta de déficit primário definida pelo governo interino com o Congresso - R$ 170,5 bilhões. Feitas as contas, a despesa potencial do governo central em 2016 é, portanto, de R$ 1,260 trilhão. Este número, evidentemente, pode mudar um pouco, uma vez que a estimativa da economista do Ibre para a arrecadação com a repatriação é conservadora - reservadamente, o Ministério da Fazenda espera receita de R$ 20 bilhões.

Para estimar as despesas, Vilma considerou os valores de 2015 e seu crescimento vegetativo típico. Principal item da despesa, os gastos com previdência sobem de acordo com o salário mínimo, com uma elevação de cerca de 4% no número de benefícios. Já as despesas com pessoal, abono salarial e seguro-desemprego tendem a acompanhar o PIB, além da inflação.

O governo previu despesa não-recorrente de R$ 56,6 bilhões para este ano, relacionada a riscos fiscais, passivos e despesas já contratadas, como pior resultado dos Estados (que pode estar contemplado na negociação entre União e governos estaduais), devolução do contingenciamento de março e gastos relativos ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e às áreas de defesa e saúde. Tudo somado, chega-se a uma diferença, para chegar aos R$ 1,260 trilhão, de R$ 295,3 bilhões, distribuídos em vários tipos de gasto.

Projetando-se inflação de 7% para 2016, em 2017 o teto de despesas será, portanto, de R$ 1,349 trilhão. Mesmo que a nova regra não seja aprovada, a despesa estimada para o ano que vem será de R$ 1,311 trilhão, gerando uma folga de R$ 37 bilhões. Em 2018, calcula a economista do Ibre, o limite é praticamente igual à despesa projetada. Apenas em 2019, primeiro ano do próximo governo a ser eleito, o gasto superaria o teto constitucional, caso nada seja feito para reduzir despesas e sua expansão vegetativa.

"O momento crítico da etapa pós-aprovação do limite constitucional dos gastos públicos, portanto, não deve ocorrer nos próximos dois anos, o que dá certa margem de manobra para a presidência da República restaurar a funcionalidade do sistema político e econômico do país e criar as condições para levar adiante a sua agenda de governo", prevê Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, que tratará do tema na próxima Carta de Conjuntura da entidade.

Dois anos parece muito tempo, mas não é. Até a votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, prevista para o fim de agosto, nada acontece. 2018 é ano eleitoral, logo, restou para 2017 o grande debate que o país terá que fazer para se adaptar à nova realidade orçamentária, caso a PEC do teto de gastos seja aprovada até dezembro. Nesse tempo exíguo, governantes, legisladores, magistrados, empresários, trabalhadores e cidadãos terão que tomar decisões não necessariamente impopulares (é impopular acabar com políticas que concentram renda nas mãos de poucos?), mas certamente difíceis do ponto de vista político.

Schymura observa que será necessário que detentores da dívida pública e empresários acreditem na eficácia futura do teto porque, no curto prazo, as contas públicas continuarão pressionadas. Ele estima que, apenas em 2024, o déficit primário será zerado. Até lá, por conseguinte, a dívida pública seguirá crescendo. Se a PEC do limite de gasto não for aprovada, a despesa primária chegará a 26,2% do PIB em 2030, ante 20,7% do PIB em 2016. Com isso, o déficit primário seria de 7% do PIB. Com a PEC, a despesa primária cai para 16,4% no mesmo prazo e haveria geração de um superávit primário de 2,7% do PIB em 2030.

A confiança dos investidores no novo arcabouço fiscal é importante porque pode suavizar a transição para o novo modelo. "Se o mercado confiar em que o limite vai se tornar uma realidade concreta e duradoura, é possível que os ativos financeiros evoluam numa direção favorável, que reforce a reviravolta da política fiscal. A queda do risco-país e juros mais baixos, por exemplo, não só estimulam a atividade econômica, recuperando receitas tributária e aumentando o denominador do PIB, como significam juros reais, que alimentam o crescimento da dívida pública, mais baixos", explica Schymura.


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