quarta-feira, maio 11, 2016

O Castelo - MONICA DE BOLLE

O ESTADÃO - 11/05

Tarde da noite, K. chega na pequena aldeia cercada de névoa e escuridão, enterrada na neve. Procura abrigo e, depois de alguma negociação, o dono da hospedagem oferece-lhe saco de palha na sala. Pouco depois de adormecer, é acordado por jovem atrevido. “Não é permitido passar a noite aqui”, diz-lhe o rapaz, “essa aldeia é propriedade do Castelo. É preciso pedir permissão”.

Cabeça ainda enevoada pelo sono, K. pergunta, “permissão para quem?”. Modos insolentes, o jovem responde que é preciso pedir permissão ao conde, dono do Castelo. Contudo, isso não pode ser feito naquele instante. Enseja-se conversa insólita entre os dois, culminando em telefonema igualmente insólito e inconclusivo.

Das Schloss, em alemão, é o último romance de Franz Kafka, frase final inacabada. O título é palavra homônima, de significado alternativo “a fechadura”, símbolo da frustração de tentar inutilmente conduzir transações com sistemas controladores e sem transparência. No caso, a transação é mero exercício de mensuração de uma propriedade. Afinal, K. é agrimensor.

Até recentemente, éramos todos como K. Incapazes de mensurar as relações entre o Tesouro e o BNDES - o nosso castelo enevoado -, perdidos estávamos em labirinto opressivo. No entanto, no ano passado, o senador José Serra inseriu na Lei 13.132/15 parágrafo que obriga a Secretaria do Tesouro Nacional a divulgar, duas vezes ao ano, relatório com as seguintes informações: qual o impacto fiscal das operações do BNDES e qual o valor dos restos a pagar nas operações de equalização de taxas de juros do BNDES. Segundo o documento do Tesouro que cumpre a chamada “emenda Serra”, somam em valor presente R$ 67,2 bilhões os subsídios concedidos ao BNDES somente no biênio 2016-2017. Ou seja, o governo ainda haverá de pagar nos próximos dois anos pouco mais de 1% do PIB brasileiro em subsídios concedidos referentes a empréstimos já contratados. Até 2020, a conta alcança R$ 117,4 bilhões, ou quase 2,5% do PIB.

Há tempos, o BNDES é o grande enrosco da política fiscal e da política monetária. Como mostrei em estudo publicado pelo Peterson Institute for International Economics em setembro de 2015, a atuação do BNDES ajuda a explicar por que os juros no Brasil são tão elevados.

De um lado, ao conceder financiamentos subsidiados para parcela expressiva do mercado, nosso Castelo estrangula a capacidade de transmissão da política monetária - afinal, a Selic não tem efeito sobre o custo desses empréstimos.

De outro, as taxas praticadas pelo BNDES segmentam o mercado de crédito, pressionando as taxas privadas: a diferença entre as taxas cobradas pelo setor privado e pelo BNDES chega a mais de 40 pontos porcentuais, um escândalo. Uma das razões é que, ao fornecer crédito barato para todos, o BNDES captura os tomadores com melhor perfil de risco, deixando para o setor privado aqueles cujo risco é maior - esse efeito é chamado de “seleção adversa”.

Do lado fiscal, as pressões que o BNDES exerce vêm tanto dos subsídios supracitados quanto dos juros mais elevados que prejudicam a capacidade de financiamento do governo. A pesada carga de pagamentos de juros sobre a dívida pública, por sua vez, gera questionamentos sobre a política monetária: se o esforço fiscal para pagar os juros é crescente por vários motivos, inclusive a atuação do BNDES, há um constrangimento para que o Banco Central eleve os juros ainda mais em resposta à inflação e à desancoragem das expectativas.

Ou seja, as distorções causadas pelo uso descontrolado de crédito subsidiado do BNDES aumentam o ônus fiscal e impedem o bom funcionamento das políticas de estabilização macroeconômica. Não à toa, está ele no cerne de problema conhecido como “dominância fiscal”, isto é, os limites impostos à política monetária em razão do descontrole das contas públicas. Fecha-se, portanto, nosso ciclo kafkiano. Enrolados no emaranhado irracional das relações entre BNDES, Tesouro e Banco Central, estaremos, como K., destinados a padecer na aldeia sem jamais alcançar o Castelo, ou destravar a fechadura. Urge encontrar uma solução para o BNDES.


ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Em média, ginasiano - RUY CASTRO

Folha de São Paulo - 11/05
Otto Lara Resende aceitou certa vez um emprego público em que deveria analisar documentos, emitir pareceres e redigir propostas. Ao tomar posse do cargo, foi logo estudando a papelada deixada em sua mesa pelo antecessor, abriu a máquina de escrever e começou a trabalhar. Um veterano funcionário da repartição, ao vê-lo datilografar em alta velocidade, comentou surpreso: "Oh! Tem redação própria!".

Ao ouvir os intermináveis pareceres, moções, atas, relatórios e contraditórios relativos ao impeachment de Dilma Rousseff, lidos por nossos senadores e deputados no Congresso e transmitidos pela TV, eu me pergunto quantos deles têm redação própria. Não que precisem disso — cada parlamentar tem a seu, digo nosso, soldo um exército de analistas e redatores prontos a pôr em letra de fôrma o apoio ou contestação ao menor inciso da Constituição, de acordo com sua conveniência partidária.

Sei bem que, entre eles, há pessoas preparadas e que talvez até dispensem ghost writers. Mas a maioria parece não saber redigir uma carta comercial ou um rol de roupa para a lavanderia – mesmo que se relevem os seus ii com uma bolinha em lugar de pingo. E quantos ali conseguirão tomar um ditado?

No item leitura, alguns parecem se inspirar no imortal Ronald Golias. Há dias, um senador foi chamado a ler um relatório. Era angustiante o contorcionismo a que isto o obrigava, formando as sílabas com a boca, movendo a cabeça e os olhos para mudar de linha e engalfinhando-se com as palavras acima de três sílabas. Para completar a agonia, o texto que o fizeram ler era um campo minado, cheio de referências a Montaigne e Montesquieu, intelectuais franceses cujos nomes nunca lhe tinham passado pelas oiças.

O atual Congresso é, em média, ginasiano — com todo respeito pelos nossos ginásios.

Populismo nunca mais - EDITORIAL ESTADO DE MINAS

ESTADO DE MINAS - 11/05

Se as previsões se confirmarem, e metade mais um dos 81 senadores da República decidirem pelo afastamento temporário por 180 dias da presidente Dilma Rousseff, o dia 11 de maio de 2016 passará para a história política brasileira como a data em que o país terá a chance de reencontrar o caminho do equilíbrio político-institucional e do desenvolvimento socioeconômico. Os legítimos representantes do povo brasileiro na mais alta casa legislativa interromperão um governo inepto que foi instaurado no Brasil pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Será o fim de uma era em que o grupo político há 13 anos no poder exportou dos movimentos sindicais a prática obsoleta do fracionamento ao valorizar ao extremo a política do "nós contra eles", confrontando a unidade nacional e estimulando a divisão do povo brasileiro: pobres contra ricos, negros contra brancos, nordestinos contra sulistas etc. Neste movimento deliberado de promover o sectarismo, a Presidência da República estabeleceu uma relação absolutamente inapropriada com movimentos e centrais sindicais como MST e CUT. É inaceitável que o Palácio do Planalto, sede do governo de todos os brasileiros, se torne um bunker partidário com militantes gritando palavras de ordem e estendendo bandeiras nas dependências de um patrimônio que pertence à Nação.

A democracia brasileira passa por um momento de enorme provação. As forças políticas e sociais que defendem os interesses do país têm o dever de fortalecê-la, em um esforço de reconstrução nacional. Esse ato de civismo também se faz necessário para dissipar o fantasioso discurso de golpe, apregoado pelos que ainda estão no poder. Boa parte deste grupo usou a mentira como arma política e agiu com desfaçatez ao confundir a coisa pública com interesses partidários e pessoais. Não encarou os problemas de maneira republicana. Apelou para subterfúgios, como atribuir a grave crise econômica à conjuntura mundial.

E, dentro da conjuntura mundial, faz-se mister inverter em 180 graus a política externa do Brasil. É preciso se aproximar de quem possa trazer riquezas e parcerias reais, sem a hegemonia do viés ideológico. A visão distorcida do PT e seus seguidores enterrou o protagonismo do Itamaraty, obscurecido nos últimos anos pelo atrelamento a projetos demagógicos e autoritários. Ao se aliar a governos autodenominados bolivarianos, o Palácio do Planalto chancelou políticas clientelistas praticadas por países que manobram a ignorância do povo e adotam o desrespeito à democracia como prática recorrente.

Numa economia combalida como a nossa, também não é aceitável que recursos que deveriam ser investidos na precária infraestrutura nacional sejam desviados para esses países. A farra com a carteira do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) retirou a possibilidade de se investir em escolas, hospitais e tantas outras obras. Quem de fato produz neste país não tem acesso às linhas de crédito dos bancos oficiais, utilizados para priorizar os mais próximos e para tampar os gigantescos rombos das pedaladas fiscais. Tudo feito à margem da Constituição, em nome da reeleição, caracterizando o chamado "estelionato eleitoral", para a manutenção de um projeto de poder.

Afora os graves equívocos cometidos na condução dos interesses do país, este governo se mostrou mortalmente atingido por uma praga nacional: a corrupção. O avanço das investigações conduzidas brilhantemente pela força-tarefa composta por diferentes órgãos de Estado e pelo juiz Sérgio Moro desarticulou o esquema montado para perpetuar o projeto de poder de um grupo político, com ramificações em diversos partidos. É o imperativo da lei - e não uma conspiração golpista - que se tornou a maior ameaça às estrelas petistas, que foram surpreendidas em negociações espúrias para se esconder na sombra da impunidade. A Lava-Jato teve profundo impacto no país e precisa continuar com solidez, a fim de descontaminar a nossa sociedade da cultura da roubalheira.

Está também nas mãos de Michel Temer e dos novos atores do poder o início de investigações profundas em órgãos estratégicos do governo, não só como a que ocorre na Petrobras, mas também no BNDES, na Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e grandes fundos de pensão, como Previ, Petros e Postalis. Cabe também aos novos ocupantes do poder impedir que o Bolsa-Família seja utilizado eternamente como moeda de troca para garantir votos dos menos favorecidos. Ninguém quer acabar com os programas sociais. O brasileiro é, por natureza, um povo solidário. Mas esses programas têm de oferecer uma porta de saída para seus beneficiários, ingressando-os no mercado de trabalho e garantindo o acesso à educação de qualidade. E só serão sustentáveis no dia que se der o mesmo valor a quem produz neste país, lastreando as riquezas geradas à distribuição real de renda.

A história mostra que não se faz política neste país sem a presença de mineiros, e nunca fomos tão pouco representados em Brasília. A esperança de melhorias efetivas no estado com a chegada de uma "mineira" no poder não passou de uma ilusão. Basta lembrar de obras jamais concluídas como a nova BR 381, a ampliação do anel rodoviário, o metrô de BH, dentre tantas outras que ficaram apenas no papel.

Em 13 anos de poder, o PT decepcionou e não fez as reformas estruturais necessárias ao crescimento e à adequação do nosso país para os desafios do século 21. Queimou seu capital político defendendo-se de mensalões e petrolões. Teve a chance de colocar em prática o discurso de ser diferente dos outros e interrompe melancolicamente sua passagem dizendo que os outros são iguais. Cabe, agora, ao partido, fazer uma profunda reflexão sobre seus atos. Desempenhar seu papel de oposição, mas com a responsabilidade que se espera de um partido de expressão nacional, e superar o anacronismo ideológico para entrar em sintonia com as necessidades do mundo contemporâneo.

Neste 11 de maio, o Brasil prepara-se para escrever uma nova página na história e encerrar um ciclo que não deixará saudades, enterrando pesadelos como o da política de gêneros nas escolas públicas. Espera-se que as amargas lições deixadas pelo lulopetismo nos lembrem de que a política do vale-tudo chegou ao fim. Populismo, nunca mais.

A contabilidade paralela das empresas estatais - MARIANA PARGENDLER E BRUNO SALAMA

VALOR ECONÔMICO - 11/05

As velhas bússolas da contabilidade estatal foram alteradas.


As pedaladas fiscais e os escândalos relacionados à Operação Lava-Jato estão no centro da crise por que passa o Brasil. No olho do furacão estão as empresas estatais. No caso das pedaladas, vários bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES) foram utilizados para financiar pagamentos de programas do governo, de forma a artificialmente reduzir o tamanho do déficit, em violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Já no caso da Lava-Jato, a Petrobras, antes elogiada como exemplo de boa governança corporativa, protagoniza um escândalo de corrupção de proporções impressionantes, coroando um período marcado por intervenções políticas na administração da companhia.

Pouca gente percebeu, mas esses problemas estão intimamente ligados a uma regra de natureza contábil, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): as contas das referidas empresas estatais não vêm sendo contabilizadas para fins de cálculo do resultado primário (que corresponde à diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo-se aquelas com juros). O montante do resultado primário tem importância fundamental para o governo. De um lado, há razões estritamente legais, ligadas à permissibilidade de dispêndios autorizada pela LDO. De outro, há razões de natureza econômica atreladas à sustentabilidade da dívida pública e à sinalização de saúde financeira do país.

No setor privado, a consolidação das demonstrações financeiras de sociedades controladas é prática geral e corriqueira. No setor público, porém, a consideração das empresas estatais na contabilidade do governo variou. E as mudanças no padrão utilizado pelo governo foram um componente importante tanto para permitir as artimanhas contábeis que artificialmente inflaram o superávit (ou reduziram o déficit) primário como para desestimular a boa administração das empresas estatais.

Vejamos: por um lado, os resultados dos bancos públicos nunca foram considerados para fins de cálculo do superávit (ou déficit) primário, que apenas contempla resultados não financeiros. Por outro, a exclusão de certas empresas estatais não financeiras (notadamente, Petrobras e, logo depois, Eletrobras) é fruto de mudanças legislativas relativamente recentes na Lei de Diretrizes Orçamentárias. A Petrobras deixou de ser considerada pela União para fins de cálculo do resultado primário a partir de 2009 e a Eletrobras, a partir de 2010. A justificativa para a exclusão da Petrobras e da Eletrobras utilizada à época foi a de que seria necessário liberar a capacidade de investimentos dessas companhias para que pudessem dar impulso às suas atividades sem as "amarras" impostas pelas metas de superávit primário do governo. Esse argumento era particularmente sensível com relação à Petrobras em razão dos investimentos reconhecidamente vultosos que seriam necessários para a exploração do pré-sal.

Com o beneplácito do Congresso Nacional, Petrobras e Eletrobras foram retiradas dos demonstrativos fiscais do governo. Tornaram-se, como se costuma dizer, "off balance sheet"; em bom português, é o fenômeno da contabilidade paralela. A despeito de eventuais boas intenções que porventura possam ter motivado os agentes políticos à época, fato é que o fim do cômputo dos resultados da Petrobras e da Eletrobras, para fins de aferição do estado das finanças públicas, geraram três consequências perversas.

Primeiro, foram criadas as condições para a maquiagem dos resultados financeiros do governo por meio de diversas manipulações contábeis. A deterioração da saúde financeira do país foi assim escondida. A Eletrobras, por exemplo, foi usada em uma criativa triangulação. A União captava recursos no mercado e os repassava ao BNDES. Este, por sua vez, repassava o empréstimo à Eletrobras para que esta, então, tivesse caixa suficiente para pagar dividendos aos seus acionistas, inclusive à União e (curiosamente) ao próprio BNDES. Em um passe de mágica, a dívida pública se transformava em receita, inflando artificialmente o superávit primário.

Segundo, reduziu-se a transparência das contas do governo. As velhas bússolas com que se podia navegar os mares da contabilidade estatal foram alteradas. Em particular, o indicador de "dívida líquida do setor público" (DLSP) passou a ser objeto de especulação e debate. A DLSP indica o saldo entre as dívidas e os créditos do setor público não financeiro e do Banco Central. Ou seja, grosso modo, representa a diferença entre as posições do governo como credor e como devedor. Anteriormente, a DLSP era o principal indicador da solvência do país. Porém, com a exclusão das estatais do seu cálculo e a realização de triangulações contábeis como aquela que descrevemos no parágrafo acima, passou a ser legítimo perguntar a cada divulgação de dados: será realmente essa a verdadeira posição financeira do governo? Isso aumentou a insegurança e minou a confiança pública.

Terceiro, distorceram-se os incentivos para a administração das empresas estatais escondidas. Tomando-se o exemplo da Petrobras: no regime anterior, em que a situação patrimonial da empresa refletia-se diretamente no cálculo do resultado primário do governo, encorajava-se uma gestão mais conscienciosa. Com a mudança, como vimos, os resultados da Petrobras deixaram de ser contabilizados pela União. Com isso, os incentivos de curto prazo para o governo zelar pela integridade financeira da Petrobras foram fragilizados (e em época de crise fiscal, quem é que pensa para além do curto prazo?).

Estimulou-se, assim, a perseguição de políticas públicas custosas por meio da Petrobras, cujas receitas minguantes e despesas crescentes (inclusive em razão da corrupção) deixaram de aparecer "na foto" do governo federal. Como se vê, a crise brasileira tem também uma origem numa singela mudança de lei orçamentária. O diabo de fato mora nos detalhes.

País escreve nova página - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 11/04
Se as previsões se confirmarem, e metade mais um dos 81 senadores da República decidirem pelo afastamento temporário por 180 dias da presidente Dilma Rousseff, o 11 de maio de 2016 passará para a história política brasileira como a data em que o país terá a chance de reencontrar o caminho do equilíbrio político-institucional e do desenvolvimento socioeconômico. Os legítimos representantes do povo brasileiro na mais alta Casa Legislativa interromperão um governo inepto que foi instaurado no Brasil pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Será o fim de uma era em que o grupo político há 13 anos no poder exportou dos movimentos sindicais a prática obsoleta do fracionamento ao valorizar ao extremo a política do "nós contra eles", confrontando a unidade nacional e estimulando a divisão do povo brasileiro: pobres contra ricos, negros contra brancos, nordestinos contra sulistas etc. Neste movimento deliberado de promover o sectarismo, a Presidência da República estabeleceu uma relação absolutamente inapropriada com movimentos e centrais sindicais como MST e CUT. É inaceitável que o Palácio do Planalto, sede do governo de todos os brasileiros, se torne um bunker partidário com militantes gritando palavras de ordem e estendendo bandeiras nas dependências de um patrimônio que pertence à nação.

A democracia brasileira passa por um momento de enorme provação. As forças políticas e sociais que defendem os interesses do país têm o dever de fortalecê-la, em um esforço de reconstrução nacional. Esse ato de civismo também se faz necessário para dissipar o fantasioso discurso de golpe, apregoado pelos que ainda estão no poder. Boa parte desse grupo usou a mentira como arma política e agiu com desfaçatez ao confundir a coisa pública com interesses partidários e pessoais. Não encarou os problemas de maneira republicana. Apelou para subterfúgios, como atribuir a grave crise econômica à conjuntura mundial.

E, dentro do cenário global, faz-se mister inverter em 180 graus a política externa do Brasil. É preciso se aproximar de quem possa trazer riquezas e parcerias reais, sem a hegemonia do viés ideológico. A visão distorcida do PT e seus seguidores enterrou o protagonismo do Itamaraty, obscurecido nos últimos anos pelo atrelamento a projetos demagógicos e autoritários. Ao se aliar a governos autodenominados bolivarianos - que mais se assemelham a ditaduras bananeiras -, o Palácio do Planalto chancelou políticas clientelistas praticadas por países que manobram a ignorância do povo e adotam o desrespeito à democracia como prática recorrente.

Numa economia combalida como a nossa, também não é aceitável que recursos que deveriam ser investidos na precária infraestrutura nacional sejam desviados para esses países. A farra com a carteira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) retirou a possibilidade de se investir em escolas, hospitais e tantas outras obras. Quem de fato produz neste país não tem acesso às linhas de crédito dos bancos oficiais, utilizados para priorizar os mais próximos e para tampar os gigantescos rombos das pedaladas fiscais. Tudo feito à margem da Constituição, em nome da reeleição, caracterizando o chamado "estelionato eleitoral", para a manutenção de um projeto de poder.

Afora os graves equívocos cometidos na condução dos interesses do país, este governo mostrou-se mortalmente atingido por uma praga nacional: a corrupção. O avanço das investigações conduzidas brilhantemente pela força-tarefa composta por diferentes órgãos de Estado e pelo juiz Sérgio Moro desarticulou o esquema montado para perpetuar o projeto de poder de um grupo político, com ramificações em diversos partidos. É o imperativo da lei - e não uma conspiração golpista - que se tornou a maior ameaça às estrelas petistas, que foram surpreendidas em negociações espúrias para se esconder na sombra da impunidade. A Lava-Jato teve profundo impacto no país e precisa continuar com solidez, a fim de descontaminar a nossa sociedade da cultura da roubalheira.

Está também nas mãos de Michel Temer e dos novos atores do poder o início de investigações profundas em órgãos estratégicos do governo, não só como a que ocorre na Petrobras, mas também no BNDES, na Eletrobras, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal e em grandes fundos de pensão, como Previ, Petros e Postalis. Cabe também aos novos ocupantes do poder impedir que o Bolsa Família seja utilizado eternamente como moeda de troca para garantir votos dos menos favorecidos. Ninguém quer acabar com os programas sociais. O brasileiro é, por natureza, um povo solidário. Mas esses programas têm de oferecer uma porta de saída para seus beneficiários, ingressando-os no mercado de trabalho e garantindo o acesso à educação de qualidade. E só serão sustentáveis no dia que se der o mesmo valor a quem produz neste país, lastreando as riquezas geradas à distribuição real de renda.

Em 13 anos de poder, o PT não fez as reformas estruturais necessárias ao crescimento e à adequação do nosso país para os desafios do século 21. Queimou o capital político defendendo-se de mensalões e petrolões. Teve a chance de colocar em prática o discurso de ser diferente dos outros e interrompe melancolicamente sua passagem dizendo que os outros são iguais. Cabe, agora, ao partido, fazer uma profunda reflexão sobre seus atos. Desempenhar seu papel de oposição, mas com a responsabilidade que se espera de um partido de expressão nacional, e superar o anacronismo ideológico para entrar em sintonia com as necessidades do mundo contemporâneo.

Neste 11 de maio, o Brasil prepara-se para escrever uma nova página na história. A partir da votação de hoje no Senado, o país tem tudo para encerrar a passagem de um grupo que, entre outros disparates, defendeu uma política de gêneros nas escolas públicas. Espera-se que as amargas lições deixadas pelo lulopetismo nos lembrem de que a política do vale-tudo chegou ao fim. Com a iminente decisão da maioria dos senadores, um novo lema se impõe no país: populismo nunca mais.

Avanços e recuos - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 11/05

O pedido de desculpas da Andrade Gutierrez é um avanço, uma vitória da Operação Lava- Jato que vai além da punição ao crime descoberto e pode mudar a cultura corporativa que se instalou nas empresas que fornecem para o governo. Outras firmas querem seguir o mesmo caminho de admitir publicamente os seus erros e tentar mudar a lógica dos negócios.

Algumas empresas já entenderam que não há outro caminho senão fazer um acordo, admitir seus erros, pagar a multa. E, depois disso, começar lentamente a trilhar o caminho de reconstrução da reputação. Em conversa recente com uma dessas companhias, constatei que a avaliação correta que fazem é que desta vez não bastará uma campanha de marketing para recuperar a imagem. Será necessária uma mudança profunda na gestão e nos processos do grupo.

O problema é que da mesma forma que a Lava- Jato está produzindo uma mudança que pode ser profunda na economia brasileira, já se articulam as forças de reação a essas transformações. Parte dessa reação é a MP da Leniência editada pela presidente Dilma em dezembro do ano passado que, na prática, revoga a Lei Anticorrupção, retira o Ministério Público dos acordos e permite que a empresa supere o problema sem sequer admitir seus crimes. O único caminho decente para esta Medida Provisória, e para o relatório do deputado Paulo Teixeira ( PT- SP), que ontem teve votação adiada, é o da lata de lixo. O que pode acontecer se ela caducar no dia 29. Uma forte reação de parlamentares, juristas e procuradores provavelmente derrotará essa péssima proposta.

No texto publicado nos jornais, com o seu pedido de desculpas ao povo brasileiro, a Andrade Gutierrez diz: “Acreditamos que a Operação Lava- Jato poderá servir como catalisador para profundas mudanças culturais, que transformem o modo de fazer negócios no país”. De fato, o processo virtuoso que está em curso nas empresas fornecedoras do governo pode levar a uma mudança radical nas relações entre públicoprivado do Brasil. A Andrade Gutierrez anunciou que está implantando um novo sistema de compliance. Em outra empresa, ouvi que está sendo implantada uma diretoria que responderá diretamente ao Conselho de Administração e cuja função será o controle, fiscalização de todos os processos e decisões da companhia, para eliminar qualquer zona de sombra.

No início da Operação Lava- Jato, as grandes empreiteiras achavam que não seriam atingidas. Depois, passaram a acreditar que seus dirigentes presos seriam soltos pela competência dos seus advogados. Por fim, passaram a crer que seria possível anular a operação por algum vício de origem, algum erro processual. Agora, estamos entrando na fase em que elas já admitem que não há outro caminho a não ser o de reconhecer os erros, pedir desculpas, pagar a multa e reconstruir profundamente os processos e os valores. É exatamente esse avanço da Lava- Jato que a MP 703 quis revogar, mas aparentemente não conseguirá.

A nota da Andrade Gutierrez tem pontos importantíssimos que foram esquecidos. Fazer um estudo de viabilidade técnico- econômica antes do lançamento do edital; fazer o projeto executivo de engenharia antes da licitação; conseguir licenças ambientais para evitar as contestações judiciais; iniciar as obras somente após ter certeza de haver recursos para pagar. Enfim, há formas concretas para evitar os descaminhos nos quais as empresas de construção entraram no Brasil, mas há quem defenda aprofundarse no erro. O senador Blairo Maggi é defensor e relator de um projeto que quer acabar com as licenças ambientais. É um completo despropósito que vai no sentido oposto ao do progresso. Isso merece ser definido com a palavra “reacionário”.

As forças da reação ao progresso têm se intensificado nos últimos dias. Acabar com o licenciamento ambiental e descaracterizar a Lei Anticorrupção parecem um absurdo, uma antiagenda, mas essas ideias estão prosperando. A melhor definição desta MP foi dada pelo jurista Modesto Carvalhosa no GLOBO de ontem. “A MP 703 é um escândalo legislativo, agravado pelo relatório do deputado Paulo Teixeira. Ela legaliza a corrupção e esvazia o papel do MP”. Ou seja, faz o oposto do que o Brasil quer.

Progresso, democracia e esperanças - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 11/05

Não se pode transformar o campo mais nobre e mais importante para o progresso de um país — a sua administração pública — num pântano


Somos empolgados pela mudança mas, como revelou Freud, ela precisa da coragem para dialogar com demônios. O progresso decreta respeito, senão ele se desmancha na primeira ressaca, como as nossas ciclovias.

Vivemos num mundo no qual as “páginas devem ser viradas”, embora a narrativa ancorada num progresso cumulativo ordene releituras. A leitura é o ideal; a releitura, uma necessidade.

Estamos testemunhando uma dramática releitura do Brasil como país. Não estamos relendo suas páginas como sociedade e cultura como fazemos quando falamos de comidas, música ou quando discutimos bundas ou carnaval.

O Brasil está falido e, nas vésperas de um desfecho que nos atinge como um todo, não há escolha. Enquanto a maioria torce por uma narrativa razoável, uma minoria, que opta pela negação e pela repressão, reitera que prefere apostar novamente no familiar “quanto pior, melhor”.

Estamos acostumados ao mote do “eu já vi esse filme”, indicativo de retorno de dramas reprimidos. Mas o imperativo de mudar é inadiável.

Um amigo gostaria de uma “limpeza geral”. Eu, humildemente, lembro que o drama é sempre maior que os atores. Num sistema que se diz “democrático-liberal” — embora muitos tomem isso como um insulto —, a peça sempre terá dois lados, embora um deles tenha como objetivo englobar temporariamente o outro.

O problema hoje não é substituir os jogadores; a questão é tirar de campo os atores indesejáveis ao ponto da degradação do próprio jogo. Não se pode transformar o campo mais nobre e mais importante para o progresso de um país — a sua administração pública — num pântano. Substituir um capitão de time é algo delicadíssimo. É um ato doloroso, mas ele não significa liquidar o jogo. O ideal democrático continua desde que, como disse com propriedade o senador-relator Antonio Anastasia, os adversários honrem o fato de que pertencem a partidos diferentes, mas balizem a disputa com sua lealdade à democracia.

Convenhamos que não se pode admitir a nomeação de quase dez mil cargos comissionados, somente por critérios partidários, pois é isso que assassina o espirito das instituições. Todos, como enfatizou numa rara lição de liberalismo o citado senador, são membros de um partido e de um time que deseja vencer. Isso é o óbvio. Mas o que não é obvio é descobrir que a vida política não pode ser reduzida somente a interesses e projetos partidários e pessoais.

Caso assim fosse, a desconfiança e a lealdade seriam os maiores obstáculos ao progresso democrático. Realizado com honra, o movimento parlamentar não pode ter como alvo — exceto por projeção construída pela má-fé — somente a vitória de um partido a qualquer preço.

Se um time de futebol é tão desleal a ponto de querer vencer todos os campeonatos e fazendo com que se pergunte, como o Galvão Bueno, o significativo “pode isso, Arnaldo?!” — o futebol acabaria por inanição. Ele deixaria de ser um jogo para ser teatro ou filme reprisado

Por isso, a democracia é um regime alérgico ao radicalismo absoluto, à fé cega e, acima de tudo, à desonestidade e à conivência. Numa palavra, a uma “ética de condescendência”. Com a conhecida moralidade do tudo o que fazemos é certo e tudo o que vocês fazem é golpe. Sem o risco, sem a incerteza e sem o imprevisto, mas com um acordo básico no progresso e na igualdade de todos perante a lei como um valor, deforma-se a democracia.

Se eu posso, com a minha insignificância como colunista desejar algo ao governo Temer, desejo rigor e austeridade. Que ele tenha uma compostura jamais vista no Brasil. Que tenha a vontade de transformar “governantes” (ou donos) do Estado em servidores da sociedade. Sugiro, e respeitosamente demando, a supressão de todas as figuras de privilégio e hierarquia que fazem o ator comer o cargo, e o criminoso não ser punido.

É preciso terminar regalias como casa, criadagem, comida e aspones que fabricam os “donos do poder”. É necessário impedir a nomeação por gosto e favores partidários ou sexuais.

Em suma, há que se adotar uma inédita e resoluta prática igualitária, sem a qual vamos continuar eternamente sendo os mentirosos engravatados de sempre.

Síndrome de Campinas - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Folha de SP - 11/04

Depois de "o cachorro comeu minha lição de casa", o Oscar de Desculpa Mais Esfarrapada vai para Márcio Holland (ex-secretário de Política Econômica), que assim justificou o excesso de gastos, origem da crise atual: "Passamos quatro anos no escuro, achando que os investimentos no país estavam caindo porque as estatísticas do IBGE apontavam para taxas inferiores a 20% do PIB".

A culpa pela crise, portanto, seria do IBGE, ou melhor, do governo, que "vê as estatísticas como se fosse uma coisa secundária e não libera os recursos necessários para o IBGE fazer bem o seu trabalho".

A hipocrisia, porém, tem perna curta. No final de 2012, Holland afirmava, em entrevista proclamando as virtudes da Nova Matriz Econômica, que estávamos "numa fase de expansão muito forte do investimento" e que "o Brasil [era] um dos poucos países do mundo que [tinham] uma expansão acumulada de investimento acima de 60% nos últimos oito anos".

É verdade que o IBGE promoveu uma revisão das contas nacionais em 2015,

revelando que o crescimento em 2011 fora maior do que o inicialmente estimado, mas isso não justifica o erro, ainda mais diante de sinais inequívocos dos desequilíbrios gerados pela Nova Matriz, como a persistência da inflação, que registrou média superior a 6%, a despeito do controle de preços administrados e da nova metodologia no cálculo do IPCA.

Em particular, a inflação de serviços, impulsionada pelo aumento dos salários acima da produtividade, manteve-se entre 8% e 9% –outro sintoma da inadequação da política devidamente desconsiderado pela equipe econômica.

Já as contas externas mostravam piora visível desde meados de 2012, mesmo com preços de commodities ainda elevados, culminando no deficit recorde de 2014.

Holland quer nos convencer (ou se convencer?) de que o carro foi dirigido apenas com o olho no velocímetro, sem atenção às trepidações e ruídos, indicações dos problemas graves que hoje enfrentamos.

Questionado ainda sobre as fraudes contábeis, raiz do processo de impedimento, afirmou não ter nenhuma responsabilidade, pois "não tinha controle nenhum do caixa do governo para avaliar a qualidade daquela execução orçamentária (...).

Cada programa do Tesouro Nacional (...) não era a minha área que olhava. Era a Secretaria do Tesouro que olhava isso".

Esse pretexto também não se mantém. Embora em 2012 Holland ainda se achasse qualificado para falar de política fiscal, jurando que no ano seguinte a meta fiscal seria cumprida (o que, claro, não ocorreu), não faltava quem alertasse para as trapaças cometidas pelo Ministério da Fazenda.

Basta um passeio rápido pelo excelente Blog de Mansueto Almeida para perceber que as críticas à contabilidade criativa de governo já eram consensuais entre economistas que acompanhavam as contas públicas. Se o então secretário de Política Econômica preferiu ignorar os avisos, o fez por sua conta e risco.

O elemento comum a ambas as afirmações é a dificuldade insuperável de encarar os problemas de forma adulta. A culpa é sempre de um terceiro; jamais de si próprio.

Obviamente Holland é irrelevante. Já os sintomas que apresenta são reflexos de uma síndrome que acomete nossos keynesianos de quermesse, e, por extensão, o governo: a completa incapacidade de admitir seus próprios erros.

A nova blindagem do Banco Central - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 11/05

A ideia de o Ministério da Fazenda incorporar a previdência social não é nova.
O dia de ontem foi tenso para Henrique Meirelles, futuro ministro da Fazenda do provável governo Michel Temer. Na ânsia de reduzir o impressionante número de ministérios em Brasília - 32 (já foram 37!)-,o novo núcleo do poder incluiu a presidência do Banco Central (BC), que possui status de ministro desde 2004. Meirelles, que presidiu a instituição nessa condição desde aquele ano até 2010, não tem dúvida: se o status for retirado, ninguém aceitará convite para presidir o banco.

Ontem, em reunião na capital da República, Meirelles conseguiu convencer Temer a manter o status. O novo governo vai encaminhar ao Congresso projeto de emenda constitucional que assegura, também para o presidente do BC, o foro especial ou privilegiado. Aprovada a emenda, o titular do BC perderá a posição de ministro, mas só poderá ser acionado judicialmente no Supremo Tribunal Federal (STF).

O sinal verde de Temer foi dado no fim da tarde de ontem. Um alívio para Meirelles, que agora vai se dedicar à definição do substituto do atual presidente, Alexandre Tombini. "Sem status de ministro, ninguém aceitaria a presidência do BC", sustentou uma fonte envolvida nas negociações para a formação do novo governo.

O foro privilegiado, é importante lembrar, não vale apenas para os atos do presidente do BC. Ele vale para todas as decisões tomadas pela diretoria colegiada da instituição. É importante porque impede que juizes de primeira instância suspendam deliberações da diretoria ou mesmo decretem a prisão do presidente c dos diretores, como já ocorreu, com base em decisões, por exemplo, de política monetária ou cambial. O foro especial é uma forma também de proteger o patrimônio dos dirigentes do BC contra ações de caráter frívolo.

Evidentemente, o objetivo não é tomar presidente e diretores inimputáveis. Eles podem ser processados, mas no âmbito da suprema corte do país. Quando esse status foi conferido ao cargo, em 2004, Meirelles era alvo de uma série de falsas denúncias, cujo objetivo era desestabilizá-lo -as motivações iam da insatisfação de setores do Pr com a gestão das políticas monetária e cambial à tentativa de grupos financeiros sob liquidação de achacá-lo para obter vantagens.

A concessão de status de ministro para o presidente do BC acabou ajudando a fortalecer o cargo politicamente. Antes de aceitar o convite do presidente l ula para assumir o comando da instituição, em janeiro de 2003, Henrique Meirelles exigiu autonomia. Na época, havia grande desconfiança dos mercados em relação à possível interferência de Lula e do PT nas decisões do BC, tanto que em 2002, durante a campanha eleitoral, esse temor fez o dólar disparar, ultrapassando pela primeira vez a barreira dos R$ 4,00, a bolsa registrar forte queda e os juros irem às alturas.

Lula deu autonomia ao BC, transformou Meirelles em ministro no ano seguinte e, mesmo assim, durante oito anos, as políticas do banco foram criticadas sempre com grande estardalhaço. Em vários momentos, integrantes do governo, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, orquestraram movimentos para desestabilizar Meirelles e os diretores oriundos da academia c do mercado. A campanha foi tão intensa que, no primeiro mandato da sucessora de Lula, a diretoria do BC só teve dirigentes com origem em seus quadros e no Banco do Brasil (BB).

Dilma Rousseff jamais concordou com a autonomia do BC. Da ideia de independência, então, caçoou-na campanha presidencial de 2014, produziu as peças de propaganda política entre as mais falsas da história do país; num dos enredos, a comida desaparecia da mesa dos brasileiros por causa da autonomia formal do BC; cm outro, dizia-se que, com a independência, os banqueiros passariam a decidir não só a taxa de juros, mas também os preços dos produtos e os salários dos trabalhadores!

A comparação do desempenho do Banco Central que operou com autonomia na gestão Meirelles (2003-2010), mesmo sofrendo terríveis pressões políticas, com o da gestão Tombini (2011-2015), subserviente aos desígnios do Palácio do Planalto, é constrangedora para aqueles que ainda defendem uma autoridade monetária sem autonomia. De 2003 a 2010, a inflação média anual (medida pelo IPCA) foi de 5,79%, enquanto a economia cresceu 4,08% em média por ano.

De 2011 a 2015, mesmo sem o esperado recrudescimento da crise internacional, que na opinião dos dilmistas "justificaria" os maus resultados, a inflação foi de 7,07% ao ano, acima portanto do teto de tolerância do regime de metas, e a economia avançou 1,02% ao ano. Um vexame, especialmente, porque a conta não contabiliza 2016, quando a queda do PIB estimada pelo mercado é de 3,86% e a inflação ficará novamente acima do teto (7%).

Na nova gestão, a diretoria do BC reconquistará a autonomia perdida nos últimos cinco anos, quando a presidente Dilma chegou a estabelecer meta para a redução da taxa de juros- justamente por não concordar com essa meta, argumentando que faz sentido ter meta para a dívida pública e não para juros, Meirelles foi preterido por Dilma na formação da nova equipe, cm 2011.0 novo presidente da instituição será, porém, alguém afinado com Meirelles-a situação econômica é tão grave, mas tão grave, que será crucial Fazenda e BC trabalharem de forma coordenada.

Mais adiante, o plano do novo governo, informou uma fonte, é propor ao Congresso a independência formal do Banco Central, tirando vantagem do fato de o assunto já estarem pauta no Senado Federal.

Quando esteve cogitado para assumir o mesmo cargo no segundo mandato de Dilma, Henrique Meirelles condicionou sua aceitação à mudança, rejeitada pelo governo do PT. A razào para a incorporação é simples:com um déficit estimado para 201 6 em R$ 200 bilhões, o equivalente a mais de 3% do PIB, a previdência social e a dos funcionários públicos são um dos principais componentes do rombo das contas públicas. A um interlocutor, Meirelles disse recentemente: a palavra que define o legado de Dilma na área fiscal é "descalabro".

PT também desiste de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 11/05

Prometeu-se um dia de luta, mas acabou sendo um dia de desistências. Presença confirmada no evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no dia 1.º de maio, o ex-presidente Lula acabou de última hora não dando o ar de sua graça, deixando sozinha a presidente Dilma Rousseff na tarefa de repetir a cantilena de que não vai ter golpe.

No constrangedor episódio houve ainda um esforço para manter as aparências: a ausência de Lula foi justificada por recomendação médica de descanso, em razão de intensa rouquidão e cansaço. Após uma semana, porém, as aparências foram deixadas de lado. Sem o mínimo constrangimento, a presidente Dilma Rousseff já é tratada como carta fora do baralho por seu próprio partido, antes mesmo de o plenário do Senado confirmar a admissibilidade do processo de impeachment.

Até o líder do governo e do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE), se nega a assumir a orientação carbonária de Dilma. Esclareceu ele à Folha de S.Paulo: “Acho que o PT aprendeu com a experiência de governo. Eu defendo que a nossa oposição seja muito em cima de proposta. Não vamos fazer uma oposição em abstrato, como ah, derruba o Temer”.

Aos olhos do PT, o governo federal já está nas mãos de Michel Temer e o partido que esteve nos últimos 14 anos no Palácio do Planalto é agora oposição. Fala-se do governo Dilma Rousseff como coisa do passado, como se pôde constatar pelas manifestações dos parlamentares governistas nas comissões especiais do impeachment, tanto na Câmara como no Senado. Nelas inexistiam argumentos idôneos para frear o avanço do processo de impedimento, deixando a nítida impressão de que os governistas estavam ali simplesmente para cumprir uma tarefa incômoda, mas inevitável.

Assim, o PT dá sinais de que sua prioridade não é a defesa de Dilma, que tratam como uma causa perdida. A urgência agora é distanciar-se da presidente da República. Prova disso é que raramente se faz uma menção a Dilma sem que se façam, ao mesmo tempo, sérias restrições ao seu modo de governar.

Aos poucos, vai ficando claro que o PT não terá maiores problemas de consciência em atribuir exclusivamente os erros do governo Dilma Rousseff à senhora Rousseff, como se ao longo desses mais de cinco anos de Dilma no Palácio do Planalto o PT não tivesse sido mais que um coadjuvante.

Diante dessa situação – em que se admite tranquilamente o término do governo Dilma Rousseff antes mesmo da votação pelo plenário do Senado da admissibilidade do processo de impeachment –, comprova-se mais uma vez que o discurso petista da existência de um golpe em curso no País era apenas conversa para boi dormir.

Evidente é que o PT nunca levou a sério sua retórica da ilegitimidade do impeachment. Afinal, ela estava em franca contradição com a história do partido, que chegou a protocolar pedido de impedimento contra os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, o PT usou e abusou da previsão constitucional do impeachment para fazer seu jogo político.

Atuar desse modo e agora, fechando os olhos aos fundados indícios de crime de responsabilidade por parte da presidente Dilma Rousseff, simplesmente repetir que se trata de um golpe o atual processo de impeachment em curso no Congresso não é minimamente crível. Talvez por isso o próprio PT admite a derrota – e volta, sem aparentes maiores traumas, a traçar sua estratégia para o futuro.

Como se vê, não é “apenas” o País que está a aproveitar a previsão constitucional de impeachment em caso de crime de responsabilidade para apear a presidente Dilma Rousseff do cargo e assim, com um novo comando no governo federal, conseguir dar um outro rumo ao País. Também o PT parece ter visto no atual processo uma oportunidade ímpar de se livrar de Dilma Rousseff, privando-a de qualquer relevância política.

Razões para a admissibilidade - ANTÔNIO ANASTASIA

Folha de SP - 11/05

Nesta quarta (11), o plenário do Senado Federal deve deliberar sobre o juízo de admissibilidade do processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff.

Essa é uma primeira etapa, ainda preliminar ao processo propriamente dito.

Nessa fase, limita-se o Senado, após a aprovação prévia da Câmara dos Deputados, a considerar se estão presentes, ou não, os indícios suficientes de autoria e materialidade para se instaurar o processo por crime de responsabilidade, nos termos dos artigos 85 e 86 da Constituição Federal.

Aqui cabe uma primeira distinção: crime de responsabilidade não é crime comum. Este é regido pelo Código Penal e legislação especial correlata, enquanto aquele é objeto, ademais das normas constitucionais, da lei 1079/50.

Um tem natureza penal, o outro, político-administrativa. A distinção é importante, pois o crime comum é julgado pelo Poder Judiciário, enquanto o de responsabilidade o é pelo Senado Federal, órgão político investido excepcionalmente de poder jurisdicional.

No atual processo, todo o rito foi minuciosamente determinado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), guardião da rigorosa formalidade do processamento, mas o mérito da decisão cabe exclusivamente aos membros do Senado.

O impeachment, conforme muito se debateu, é uma solução constitucional, ainda que excepcional, e não uma medida de exceção à ordem jurídica. Sua natureza, protetiva das instituições republicanas, é bem conhecida e objeto de exaustiva doutrina. O precedente de 1992 nos legou robusta jurisprudência do STF, que vem sendo aperfeiçoada por diversas manifestações da Corte Suprema.

São dois os fatos que merecem agora a análise do Senado: a prática reiterada de operações de crédito ilícitas com bancos oficiais e a abertura de créditos suplementares em conflito com a lei orçamentária.

No relatório que apresentei à comissão especial sobre o tema no Senado, conclui que, a meu juízo, estão presentes os indícios suficientes para se iniciar o processo.

As operações de crédito, limitadas nesse caso àquelas relativas ao Plano Safra do Banco do Brasil, ofendem a vedação de o ente político contratar com os bancos por ele controlados (artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal).

A abertura dos créditos suplementares, por sua vez, viola a autorização excepcional contida no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, pois era incompatível com a meta fiscal vigente.

Ambos os fatos ensejam, em tese, enquadramento na lei dos crimes de responsabilidade.

No curso dos debates na comissão, muito se discutiu sobre a comprovação da autoria e da presença ou não de dolo nos atos em foco.

Não me cansei de repetir que nessa etapa inaugural do processo não se oferece um juízo conclusivo sobre esses aspectos, que deve ser reservado para a fase seguinte, se houver, quando, por meio da produção de provas, tanto da acusação quanto da defesa, os fatos serão apurados com profundidade.

Daí resultou a alegação de que seria injusto, por uma situação ainda não comprovada, se dar o afastamento da chefe do Poder Executivo, pelo prazo de até 180 dias.

Todavia, esse é o comando constitucional, previsto na Carta de 1988, em que se exige expressamente a cautela geral nesse momento, considerando que a presença do titular no cargo, com o exercício pleno de suas funções, poderia inibir ou embaraçar a instrução probatória.

Desse modo, o que agora se decide, reitero, é tão somente a presença dos indícios suficientes para o início formal do processo, sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal.

Para ambos os fatos relatados, temos, sob minha ótica, a presença desses indícios. Daí porque creio, conforme o meu relatório, que a admissibilidade deve ser aprovada no Senado Federal.

Danos econômicos - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de SP - 11/05
Segunda-feira (9) foi um dia atípico para o mercado financeiro no Brasil. Nas poucas horas em que circulou, a mera hipótese de que a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) seria anulada provocou a elevação da cotação do dólar em quase 5%, a disparada dos juros internos e a queda da Bolsa de Valores.

Quando ficaram evidentes as fragilidades jurídicas da decisão do presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), logo se reverteram aqueles movimentos bruscos —mas nem por isso o desastrado episódio deixou de produzir impactos negativos na economia do país.

A imprensa internacional, já munida de amplo anedotário, repercutiu o evento com tons que iam da incredulidade à galhofa —e a própria meia-volta de Maranhão sem dúvida deu renovados motivos às narrativas escarnecedoras.

O dano mais grave se dá no plano econômico, na medida em que se enfraquece a crença na estabilidade das regras, condição essencial para quem quer planejar o futuro e retomar investimentos.

Pior para o Brasil, Maranhão não está sozinho na patacoada. A falta de respeito institucional começa com a presidente Dilma. Secundada pelo advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, ela traz prejuízos ao país toda vez que recorre à esdrúxula tese do golpe.

Afinal, diante dessa retórica, é natural que estrangeiros passem a questionar a qualidade das instituições, embora elas tenham funcionado adequadamente.
Não se pode minimizar a importância dessa confiança para o crescimento. Um bom pedaço da desgraça econômica dos últimos anos deriva da destruição do ambiente de negócios, que passou a ser refém da vontade caprichosa da presidente e de seus ministros.

A enorme queda do PIB, que deve acumular perdas de 8% desde o início da recessão até o fim deste ano, resulta principalmente do colapso do investimento.
Não é possível explicar a retração acentuada do crédito e da produção a não ser pela completa paralisia nas decisões de empresas e de consumidores.

Essa etapa precisa ficar para trás, e não ser reforçada por aventuras canhestras. Cumpre retomar padrões simples e provados, como previsibilidade de regras, boa regulação de mercados, abertura para a concorrência, controle da inflação e saúde das contas públicas.

É preciso, sobretudo, restaurar um princípio esquecido nos últimos anos, mas que foi fundamental em momentos importantes da vida nacional: o diálogo claro e direto com a sociedade a respeito dos problemas e das medidas que precisarão necessariamente ser adotadas. Somente assim se constroem instituições duradouras.

Revendo a coalizão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 11/05

A decisão do provável futuro presidente da República Michel Temer de retomar o plano inicial de redução do tamanho do Estado, começando pelo corte simbólico de dez ministérios, e incluindo o anúncio de redução de cargos em comissão logo no seu primeiro pronunciamento, é uma boa novidade neste nosso presidencialismo de coalizão tão deturpado.

Temer andou flertando com um Ministério que seria mais do mesmo, e até com algumas extravagâncias adicionais, como entregar a pasta de Ciência e Tecnologia ao bispo Macedo, ou nomear para a Justiça um advogado que já se declarara contrário à Operação Lava- Jato.

Seria uma ducha de água fria nos que aguardam um recomeço em novas bases do governo, mesmo que o PMDB não inspire confiança no quesito combate à fisiologia, embora seja fundamental na garantia da democracia, que sempre foi seu compromisso histórico.

A reação da sociedade, refletida nos principais meios de comunicação do país e nas redes sociais, fez com que Temer e seu grupo se sentissem incentivados a enfrentar a mudança de hábitos exigida.

Compatibilizar reformas estruturais com a governabilidade no Congresso é tarefa complexa, que terá em Temer, presidente da Câmara 3 vezes, artífice ideal. Ontem na Academia Brasileira de Letras, no ciclo de palestras sobre os papéis dos Poderes, o cientista político Sérgio Abranches analisou as características do presidencialismo de coalizão, expressão que ele criou em artigo de 1988, após a Constituição promulgada estabelecer as condições de governo da redemocratização.

De lá para cá, o sistema foi sendo distorcido pelas peculiaridades político- partidárias em vigor, e acabamos tendo um Ministério hipertrofiado que, como explicou Abranches, em vez de auxiliar na governabilidade, coloca obstáculos a ela.

A base de comparação com os diversos governos europeus que são de coalizão mostra que quando são montados por poucos partidos, mas com substância programática, é mais fácil ao governante traçar as linhas de conduta. Quanto mais partidos fizerem parte da base governista, mais o governante ficará refém das diversas facções nela representadas.

A situação brasileira é exemplar disso, pois, a partir do episódio do mensalão, os governos petistas optaram por ampliar sua base, não com o objetivo de aprovar reformas, mas, como classifico, de montar uma coalizão defensiva, que evite CPIs ou processos de impeachment, o que, como estamos vendo, nem mesmo isso evita.

A coalizão montada para os governos Dilma, por receio de Lula de que ela não tivesse apoio, foi das maiores já montadas em governos brasileiros, o que, em vez de garantir a governabilidade, fez com que Dilma ficasse refém, e por fim fosse abandonada, pelos partidos da base assim que sentiram para que lado o vento estava soprando.

Como Abranches lembrou, um governo montado à base de programas partidários pode até mesmo ter forças antagônicas, como na Alemanha de Angela Merkel. A reforma da Previdência, prioritária para seu partido, acabou saindo da negociação da coalizão por pressão dos aliados, que ficaram com a Previdência justamente para garantir que ela não seria feita.

Aqui, no provável governo Temer, aconteceu o contrário. Como nenhum partido quis assumir a reforma que precisa ser feita, a Previdência ficará sob o comando da Fazenda, e caberá a Henrique Meirelles criar as condições favoráveis à sua aprovação no Congresso.

Abranches lembrou ainda que, para governar, não é preciso ter uma maioria que abranja 60% ou 70% do Congresso, como vem acontecendo. Quando chegar a hora de fazer uma reforma constitucional, é possível criar uma maioria qualificada eventual para resolver aquela reforma específica.

Outro exemplo interessante é a Saúde, que, embora tenha ficado com um deputado do PP que nada tem a ver com o assunto, ele foi obrigado a buscar apoio na área médica e assumiu compromissos com importantes especialistas do setor, que participarão da gestão.

Ontem, Temer garantiu a interlocutores que fará reforma administrativa no Estado, reduzindo cargos comissionados. Os partidos aliados estão inquietos com as novidades, mas pode ser que a pressão da sociedade, e os sustos que os políticos estão tomando com as ações policiais em diversos setores, comecem a fazer efeito na relação entre Legislativo e Executivo.

Governo parlamentar - DORA KRAMER

O Estado de S. Paulo - 11/05
Na montagem do futuro e cada vez mais provável governo, Michel Temer adota o critério de Itamar Franco após o impeachment definitivo de Fernando Collor em dezembro de 1992. Na época, não se montou uma equipe de notáveis, pelo critério social, mas um governo de expressão parlamentar, como pretende a nomenclatura predileta do grupo de Temer.

Naquela ocasião, praticamente não havia ministros de fora do cenário político. Para lembrar alguns dos primeiros nomeados: Gustavo Krause, Élcio Álvares, Hugo Napoleão, Yeda Crusius, Beni Veras, Alberto Goldman, Jamil Haddad.

Indicados ao núcleo palaciano, assim como faz Temer, só os mais íntimos. Destacavam-se Henrique Hargreaves e Mauro Durante. Hoje, eles se chamam Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Romero Jucá e Moreira Franco. Gente que, ao contrário dos antecessores que todo tempo mantiveram distância da equipe de Collor, formaram o ativo recolhido à última hora.

Até a explicitação do fracasso, compactuaram. Têm consciência de que pagam um preço e que precisam conquistar a confiança do arredio eleitorado.

Para isso, sabem os pemedebistas que terão de sair de sua zona de conforto. Já prenunciam redução “drástica” nos cargos em confiança e a nomeação de funcionários de carreira para a presidência e direções de bancos públicos. Na velocidade em que as coisas se processam em Brasília, tudo pode mudar. Mas, até a tarde de ontem, o desenho de governo Temer era o seguinte: PMDB com todas as cadeiras do Palácio do Planalto, mais duas do Senado (já incluído Romero Jucá, do Planejamento) e mais duas na Câmara.

PSDB com José Serra no Itamaraty, Bruno Araújo em Cidades e Alexandre de Moraes na Justiça. O PSB ficaria com Minas e Energia ou Integração Nacional. PSD, a Ciência e Tecnologia incorporado a pasta das Comunicações. O lugar ficou reservado a Gilberto Kassab, que tentou sem sucesso ficar com Cidades. Ao PTB caberia o Trabalho e ao DEM, a pasta de Educação, acrescida da Cultura sendo a este nomeado alguém da área.

O PP, dentro da negociação pré-votação do impeachment na Câmara, ficaria com Saúde (Ricardo Barros) e Agricultura (Blairo Maggi).

Uma inovação é prevista: à entrega da cabeça do ministério a um partido não corresponde a cessão do restante do corpo, que ficaria à disposição do Palácio do Planalto para compor com os menores partidos, cedendo a eles os anéis sem entregar-lhes necessariamente todos os dedos.

Mais ou menos. As conversas que mais têm desconfortado o PMDB são aquelas mantidas com o PSDB. Segundo um interlocutor, eles entram num encontro como “Charles De Gaulle” e saem como “Garotinho”, numa referência ao ex-governador do Rio de Janeiro.

Na avaliação dos pemedebistas, os tucanos entram nas conversas como estadistas e terminam fazendo exigências fisiologistas. Iniciam o encontro com várias exigências de natureza ideológica e terminam com diversas demandas de natureza, digamos, pragmática.

O PMDB não fica satisfeito em arcar com a fama de fisiológico, razão pela qual se revoltou com o governo Dilma. Em suma, o PSDB faz a fama e o PMDB deita da cama.

O Maranhão do deputado e do médico - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 11/05

O deputado Waldir Maranhão deu um toque pitoresco à agonia do petismo. No mesmo dia em que ele passou pelo vexame de tentar congelar o trâmite do impedimento de Dilma Rousseff, a repórter Natuza Nery revelou que Thiago Maranhão, filho do doutor, é funcionário do Tribunal de Contas do Estado, com sede em São Luís. Ele é médico e mora em São Paulo, onde conclui um curso de pós-graduação e trabalha em dois hospitais.

Vale a pena acompanhar as lorotas apresentadas para justificar a boquinha maranhense, que custa à Viúva R$ 6.529,85. Edmar Cutrim, o conselheiro em cujo gabinete Thiago abrigou-se, informou que o moço comparece e ao local de trabalho “duas, três, quatro vezes por semana”. A assessoria do pai confirmou que ele trabalhava no tribunal, mas não esclareceu como.

Thiago mantém a boquinha desde 2013. Seu pai é veterinário e já foi reitor da Universidade Estadual do Maranhão. A terra que os sustenta tem índices sociais deploráveis. Os maranhenses vivem cinco anos menos que a média dos brasileiros e em 2012 o estado liderava a marca da ruína. Tem 12,9% da população abaixo da linha de pobreza, o triplo da média nacional (3,6%). A linha de corte dessa estatística fixa em R$ 70 a renda mensal mínima necessária para a subsistência. Com a boquinha do doutor Thiago, seria possível dobrar a renda de 93 maranhenses.

O deputado veterinário e seu filho médico avançaram sobre a bolsa da Viúva num país onde há três epidemias e Michel Temer fechou um acordo para entregar o Ministério da Saúde ao partido do doutor Maranhão. Em São Paulo, a capital mais rica do país, há 347 mil pessoas nas filas da rede municipal de saúde. A espera por uma cirurgia chega a 314 dias.

Horas depois da divulgação do malfeito do doutor Thiago, o Tribunal de Contas do Maranhão informou que ele foi exonerado. As grandes empreiteiras estão devolvendo dinheiro à Viúva. Talvez a oligarquia maranhense pudesse acompanhá-las.

É esse o Brasil que começou a mudar. Primeiro, o moço empregou-se sem trabalhar. Descoberto o ilícito, seus protetores mentiram. Horas depois tentaram lavar o episódio, exonerando-o. Mas nem tudo são flores. Há dias descobriu-se que o fotógrafo pessoal de Lula recebia R$ 35 mil mensais da Confederação Brasileira de Futebol, cujo presidente não pode pisar nos Estados Unidos, onde seu antecessor está em prisão domiciliar.

Nenhum presidente americano teve fotógrafo pessoal depois de deixar a Casa Branca, e não há notícia de bilionário que tenha esse luxo.

ECO
Recusando-se a discutir a acrobacia do deputado Waldir Maranhão, o senador Renan Calheiros ecoou a presença de espírito do senador Auro Moura Andrade, que na manhã de 25 de agosto de 1961 presidia o Congresso. O ministro da Justiça levou a Auro a carta de renúncia do presidente Jânio Quadros. Esperavam que começasse um debate parlamentar.

O presidente achava que, com a renúncia, levaria o povo para a rua pedindo que voltasse. Fidel Castro fizera isso com sucesso.

Auro leu o papel, disse que não havia o que discutir, considerou aceita a renúncia e desmanchou o golpe de Jânio.

Depois do desastre, o esquecimento - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 11/05

Com o malogro da desesperada tentativa de procrastinar o processo de impeachment usando como mão do gato a lamentável figura do presidente interino da Câmara dos Deputados, Dilma Rousseff acabou perdendo o que lhe restava de dignidade antes de perder o mandato de presidente da República. O Senado Federal deve aprovar hoje a admissibilidade do impeachment por crime de responsabilidade, decisão que implicará o afastamento da presidente por até 180 dias ou até a cassação definitiva de seu mandato, o que a esta altura é dado como coisa certa mesmo – embora eles não admitam publicamente – pelos partidários de Dilma. E, por se tratar de um julgamento eminentemente político, o destino de Dilma está desde já selado também pela manifestação da vontade amplamente majoritária do povo brasileiro.

A base legal para o processo que permite o impedimento de Dilma são as “pedaladas” fiscais e os decretos que liberaram recursos sem autorização prévia do Congresso. Trata-se, como toda questão legal, de assunto sujeito a controvérsia. A controvérsia, aliás, é o fundamento do princípio democrático do direito à ampla defesa. Neste caso, quem tinha competência constitucional para decidir se a discussão do impeachment é admissível ou não era a Câmara dos Deputados. Uma maioria de mais de dois terços dos parlamentares decidiu que o processo deveria, sim, ser encaminhado ao Senado Federal, para confirmar a admissibilidade e, nesse caso, julgar o mérito do processo, decidindo se Dilma deve ou não ser afastada do cargo. É claro que essa ampla maioria de deputados refletiu o sentimento também majoritário dos brasileiros, do mesmo modo que estarão se comportando hoje, e certamente se comportarão no julgamento final, os senadores da República.

Pesam, na formação da repulsa que a imensa maioria dos brasileiros manifesta pelo governo lulopetista, a recessão econômica em que o País foi jogado pela gestão irresponsável da presidente; a redução do poder aquisitivo da população e o aumento inédito do desemprego; a Operação Lava Jato revelando até que ponto o governo se comprometeu com a corrupção, transformada em método político; e as mentiras deslavadas com as quais Lula, Dilma e a tigrada enganaram a Nação durante anos.

O Senado dará prosseguimento hoje a um processo eminentemente político que prosperou porque tem lastro jurídico suficiente, apesar dos protestos de Dilma e seus cada vez mais escassos seguidores. O fato é que, se o governo estivesse sendo bem-sucedido, Dilma não teria tido a necessidade de cometer os crimes das “pedaladas” e dos decretos ilegais com os quais tentou mascarar a falência fiscal do País.

Fosse outro o seu estofo, diante da inevitabilidade do impeachment, Dilma Rousseff teria a dignidade de pensar no Brasil em primeiro lugar. Em vez disso, tenta incendiar o País à custa da inconsequência política e da falta de genuíno sentimento democrático dos “movimentos sociais” que o PT manipula.

Mesmo sem renunciar a seu direito de se defender jurídica e politicamente, Dilma não precisaria ter promovido o vergonhoso espetáculo da apropriação de espaços públicos, como o Palácio do Planalto, para promover manifestações partidárias e de entidades que sobrevivem à custa de recursos públicos contra instituições como o Parlamento e o Judiciário. Dilma poderia ter-se poupado, e ao País que jurou defender, da ignomínia de ter patrocinado a divulgação internacional de sua visão da crise brasileira, que implica desmoralizar as instituições nacionais, rebaixando o Brasil ao nível de uma republiqueta bananeira submetida a um “golpe” urdido pelas “elites”.

Mas Dilma e o PT – Lula, como de hábito, quando a coisa aperta permanece atrás da moita – renderam-se ao que neles há de mais primário, na tentativa de “construir um discurso político” que lhes garanta a sobrevivência depois do desterro. Mas, principalmente no que concerne a Dilma, é razoável cogitar de sobrevivência política, tendo ela jogado no lixo 54 milhões de votos?

É hora de Dilma Rousseff começar a se preparar para o destino que o Brasil lhe reservou generosamente: o esquecimento.

O papel de Lewandowski no impeachment - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 11/04

Presidente do STF tem o correto cuidado de zelar pela absoluta legalidade do processo, mas como a Corte definiu o rito de tramitação inexiste margem para temores



O presidente do Supremo Tribunal Federal (SFT) tem o poder nada desprezível de estabelecer a pauta da Corte. Em tempos de crise, como os atuais, converte-se em prerrogativa ainda mais relevante. No caso de haver um processo de impeachment contra o chefe do Executivo que avance no Congresso, ele conta ainda com a função de destaque de presidir o julgamento propriamente dito, no Senado, depois de instaurado o processo por decisão do plenário da Casa. É um sinal forte das instituições de que impeachment, embora um instrumento político, não pode prescindir de base jurídica.

O caso do pedido de impedimento da presidente Dilma é exemplar: ele se sustenta em crimes de responsabilidade cometidos no desrespeito a determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal e de regras orçamentárias, de acordo com a Lei 10.079, de 1950, emendada em 2000, na qual estão as regras básicas do impedimento.

Ao escamotear um rombo orçamentário de 1% do PIB, por meio de empréstimos ilegais de instituições financeiras ao Tesouro, e ainda editar decretos de despesas sem aprovação do Congresso, a presidente se colocou como alvo de um impeachment.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, cerca-se de cuidados para evitar alegados desvios, atropelamentos de direitos, na tramitação do impeachment de Dilma, já aceito na Câmara e, salvo surpresas de última hora, pronto para ter a admissibilidade votada no plenário do Senado.

Em sessão na Corte, Lewandowski incluiu em ata a possibilidade de Dilma, caso venha a ser condenada no Supremo e perca de maneira definitiva a Presidência, ainda recorrer ao Supremo.

Em encontro, na segunda, com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro, e o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas, ambos preocupados — desnecessariamente — com o assunto, Lewandowski explicou-lhes que “não fechamos as portas” para a Corte discutir as acusações, caso venha a ser questionada.

Não parece tão simples, pois esta situação, tudo indica, configuraria indevida ingerência do Judiciário em assunto exclusivo do Legislativo. Aliás, argumento volta e meia acionado por ministros diante de pedidos de liminares feitos por parlamentares contra decisões tomadas no Congresso. Mesmo o entendimento do presidente do STF sobre um recurso final de Dilma à Justiça não parece pacífico sequer entre os dez ministros restantes.

A segurança jurídica de todo este processo, porém, está garantida pela atuação do Supremo, com Lewandowski à frente, na definição do rito para a tramitação do pedido de impedimento de Dilma, feito a partir da Lei 10.079 e da experiência com o julgamento do impeachment de Collor, e, ainda com base na Constituição. Há os necessários cuidados extremos com a legalidade.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

INDICADOS DE RENAN AO GOVERNO TEMER GERAM CRISE

O presidente do Senado ainda não fechou apoio ao eventual governo Michel Temer, mas preliminarmente Renan Calheiros tem insistido em indicações como as de Eduardo Braga (PMDB) para o Ministério de Minas e Energia. Isso cria problemas para Temer, porque afeta Omar Aziz (PSD), senador aliado de primeira hora e adversário de Braga no Amazonas. Tudo para acomodar um ex-ministro e ex-líder de Dilma.

DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA
Renan adora impor indicados rejeitados pelo governante. Fez isso com Dilma, impondo o próprio Eduardo Braga, que ela sempre detestou.

INTERESSE NACIONAL
Omar Aziz tem dito que a situação é muito ruim para o novo governo pretender agradar pessoas, em vez de priorizar o interesse nacional.

IMPLOSÃO PROGRAMADA
O empenho de Renan por Eduardo Braga levanta a suspeita de que o objetivo seria mesmo provocar crise no grupo de apoio a Michel Temer.

XADREZ POLÍTICO
O desafio de Temer é compor um governo eficiente sem deixar de atender os aliados, especialmente senadores que vão julgar Dilma.

MESMO AFASTADOS, DILMA E CUNHA TERÃO REGALIAS
Mesmo afastados dos cargos, Dilma e Eduardo Cunha terão direito a manter vantagens próprias dos cargos para os quais foram eleitos, na opinião dos criminalistas Pedro Castelo Branco e Marcos Vinícius Figueiredo. Eles concordam que caberá ao Senado definir se Dilma terá direito à residência no Palácio da Alvorada, seguranças, além de 80 auxiliares, entre assessores garçons, faxineiras, copeiras etc.

CORTE SALARIAL
Segundo o artigo 23 da lei 1.079/50, o salário de R$ 27,8 mil de Dilma será cortado pela metade durante o afastamento de até 180 dias.

DIREITO ADQUIRIDO
No caso de Cunha, salários (R$ 33 mil), cota parlamentar (R$ 35 mil) e verba de gabinete (R$ 92 mil) devem ser mantidos.

NO LUXO
Como a Justiça não vedou, para os especialistas Eduardo Cunha pode manter vantagens de presidente, como residência e até avião da FAB.

ACORDO ROMPIDO
Para convencer Waldir Maranhão a fazer a presepada da qual depois se arrependeria, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), prometeu a ele candidatura a senador em 2018. Agora, já era.

SENTIU-SE ENGANADO
Amigos da onça contaram também a Waldir Maranhão que estava tudo combinado com o presidente do Senado, Renan Calheiros. O presidente da Câmara assinou o papel e se deu mal: Renan não sabia.

NOVO AGU
Tão logo assuma, se assumir, Michel Temer demitirá com indisfarçável prazer da Advocacia Geral da União, e sem demora, José Eduardo Cardozo. E já escolheu o substituto, retirado de lista tríplice: Luís Carlos Martins Alves Jr, procurador da Fazenda Nacional.

CUMPRE-SE O FADO
Requião (PR) avisou ao PMDB que votará contra o impeachment, nesta quarta. E avisou também a Michel Temer que no julgamento final votará contra Dilma. Seus indicados para o governo Dilma, como o irmão Maurício para o conselho de Itaipu Binacional, agradecem.

BANCADA BUMLAI
A família Bumlai não vai perder a representação no Senado, com a cassação de Delcídio do Amaral. O suplente é Pedro Chaves, cuja filha é nora de José Carlos Bumlai, o amigão de Lula preso na Lava Jato.

ESCOLHIDO A DEDO
“Escolheu um desqualificado justamente para não lhe fazer sombra", diz o deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), ao culpar Eduardo Cunha por indicar Waldir Maranhão à vice-presidente da Câmara.

SACUDINDO A POLÍTICA
“A sociedade está dando uma sacudida nos políticos”, afirma o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), sobre a redução de ministérios. Já não há mais espaço para negociatas, diz ele.

CRIME DE MANDO IMPUNE
O senador José Medeiros (PSD-MT) destacou ontem, durante o julgamento de Delcídio do Amaral, que ele cometeu “crime de mando”. Ou seja, Lula e Dilma são os mandantes e continuam sem punição.

É HOJE
Finalmente chegou o dia tão aguardado por muitos e temido por outros: o dia em que o Brasil pode sacramentar o fim da era PT no poder.