FOLHA DE SP - 30/04
BRASÍLIA - O presidente-em-espera Michel Temer executou um trabalho eficiente e tradicional para selecionar seu ministério: soltou balões para vê-los abatidos ou não.
Negou o modo petista de arcar com o desgaste após o fato. Para medir humores, calibrou sondagens com vazamentos visando o trabalho de triagem que a Casa Civil nunca fez direito para o Planalto sob o PT.
O "mix" econômico representado por Meirelles, o duo Jucá-Moreira e Serra é, no papel, adequado para lidar com a frente central da crise.
Contra o arranjo, há fatos conhecidos. O senador Jucá na mira da Lava Jato é o mais grave, mas não menos obstrutivo do que acomodar as pretensões de Meirelles e de Serra.
A ideia do Itamaraty mercador (não confundir com mascate) não é nova, mas com Serra no timão ganha ares de missão, apesar dos muxoxos da hierarquia que antecipa um FHC-1992, apenas esquentando cadeira.
Já Meirelles terá, se ministro, o que o PT lhe negou: controle sobre Fazenda e BC. Há muita concorrência, a começar pela rechaçada por Temer para agradar ao PSDB, mas qualquer coisa que se assemelhe a um resgate do buraco será ativo incontestável.
Ainda há muito a definir: uma política social sensata e nomes que não explicitem demais o inevitável retalho de carniça. A Saúde não pode ir para um PP, para exemplificar.
Por fim, Temer espreita a política de terra arrasada de uma Dilma em retirada. Não é tanto o terrorismo real e ridículo pregado por sem-teto e sem-terra, que tende a ser asfixiado pela rejeição popular, e sim a ideia de deixar ministérios à míngua para dificultar a vida do PMDB.
Historicamente, dá certo quando os exércitos em fuga têm recursos para a contraofensiva. O PT hoje mal consegue parar em pé e vive uma embaraçosa hora extra (Dilma apoplética, Lula atônito, "não vai ter golpe", Miss Bumbum no Turismo etc.).
Entre um fim e um começo incertos, o Brasil vive dias surreais.
sábado, abril 30, 2016
Pontos positivos - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 30/04
BC resistiu à principal ameaça do PT. O Banco Central do governo Dilma vai entregar o comando a quem for indicado pelo governo Temer tendo resistido à principal ameaça feita pelo PT durante todo o tempo: o de usar as reservas cambiais para estimular a economia. O BC da Argentina enfrentou durante a administração de Cristina Kirchner duas demissões de presidente para que ela pudesse avançar sobre as reservas.
O BC brasileiro nunca teve autonomia formal, o da Argentina tinha na lei, mas ela não foi respeitada. No fim das contas, a autoridade monetária no Brasil acabou tendo um desempenho muito melhor na resistência às pressões políticas.
A inflação nunca ficou no centro da meta durante todo o período Dilma e terminou 2015 chegando aos dois dígitos. Este ano, a inflação está caindo e as expectativas estão sendo revistas para melhor nas últimas semanas. Para se ter uma ideia, no final de fevereiro a previsão feita pelo mercado através do Boletim Focus era de que a inflação deste ano seria de 7,56% e na última semana fechou em 6,98%. Ao longo deste ano pode haver, ao todo, uma queda da taxa anual de inflação de quatro pontos percentuais.
Ainda que seja o resultado da recessão, a queda da inflação é boa notícia porque elimina o temor de que o país estivesse prisioneiro de uma armadilha que nos levaria a ter recessão forte e inflação alta, situação na qual não haveria o que o BC pudesse fazer. Agora, esse temor começa a se dissipar, porque a taxa está ainda alta, mas descendo. A inflação de serviços está caindo, porque é a mais afetada pela recessão. Com isso, o provável governo Temer poderá reduzir a taxa de juros em breve. Esse é um dos poucos pontos positivos da herança que uma administração receberá da outra.
Houve também muita pressão política sobre o Banco Central para que houvesse liberação de compulsório. Hoje, há R$ 400 bilhões de recolhimento compulsório. Parecia uma boa ideia a liberação de parte desse dinheiro, mas, na verdade, não era. Em época de confiança baixa, não adianta muito reduzir o recolhimento de liquidez ao BC porque acaba virando dívida pública e tendo pouco efeito para o que se quer, que é estimular o crédito e recuperar o crescimento. Mas se um novo governo conseguir recuperar um pouco o nível de confiança dos agentes econômicos, e a inflação convergir para a meta, é possível que esse instrumento possa ser utilizado.
Bastou haver a perspectiva de um novo governo para cair muito a taxa de câmbio. Este ano, a moeda americana teve uma desvalorização de 13% sobre o real. Fundos cambiais e empresas passaram a desfazer suas posições de seguro em dólar. Com nível alto de hedge, ficaram apenas os investidores estrangeiros. O BC então tirou US$ 40 bilhões do total que tinha em swap cambial. Como os analistas fazem a conta de reservas líquidas, que são as reservas menos a posição que o BC tem de swap, houve um aumento recente das reservas líquidas em US$ 40 bi.
A conta-corrente teve, nos últimos meses, um forte ajuste. Outro ponto positivo da conjuntura que vive num mar de dados negativos. A previsão é de que este ano o déficit seja de apenas US$ 25 bilhões — muito menor do que os US$ 104 bilhões do pico em 2014. O investimento direto estrangeiro estava em US$ 77 bilhões no acumulado de 12 meses em fevereiro. Está caindo, mas deve fechar o ano em US$ 60 bilhões, o que significa que o deficit será mais do que coberto por investimentos externos.
Na área monetária, o país será entregue de uma para outra administração com vários indicadores positivos. Desta forma, se o novo governo fizer alguns movimentos corretos pode-se restaurar um pouco a confiança que está em nível muito baixo. Na área fiscal, no entanto, o mercado está prevendo que o país fechará o ano com um déficit de 2% do PIB, R$ 120 bilhões. Uma enormidade e sem chance de reversão.
A estabilidade financeira é outro fator tranquilizador. O país está passando por um encolhimento do produto de 8% em dois anos e não há bancos em dificuldade. Há quem diga, no mercado, que o nível de inadimplência tem sido camuflado pelas renegociações constantes com os devedores. Mas o fato é que os bancos têm conseguido absorver a crise das empresas, renegociando as dívidas e elevando provisões.
BC resistiu à principal ameaça do PT. O Banco Central do governo Dilma vai entregar o comando a quem for indicado pelo governo Temer tendo resistido à principal ameaça feita pelo PT durante todo o tempo: o de usar as reservas cambiais para estimular a economia. O BC da Argentina enfrentou durante a administração de Cristina Kirchner duas demissões de presidente para que ela pudesse avançar sobre as reservas.
O BC brasileiro nunca teve autonomia formal, o da Argentina tinha na lei, mas ela não foi respeitada. No fim das contas, a autoridade monetária no Brasil acabou tendo um desempenho muito melhor na resistência às pressões políticas.
A inflação nunca ficou no centro da meta durante todo o período Dilma e terminou 2015 chegando aos dois dígitos. Este ano, a inflação está caindo e as expectativas estão sendo revistas para melhor nas últimas semanas. Para se ter uma ideia, no final de fevereiro a previsão feita pelo mercado através do Boletim Focus era de que a inflação deste ano seria de 7,56% e na última semana fechou em 6,98%. Ao longo deste ano pode haver, ao todo, uma queda da taxa anual de inflação de quatro pontos percentuais.
Ainda que seja o resultado da recessão, a queda da inflação é boa notícia porque elimina o temor de que o país estivesse prisioneiro de uma armadilha que nos levaria a ter recessão forte e inflação alta, situação na qual não haveria o que o BC pudesse fazer. Agora, esse temor começa a se dissipar, porque a taxa está ainda alta, mas descendo. A inflação de serviços está caindo, porque é a mais afetada pela recessão. Com isso, o provável governo Temer poderá reduzir a taxa de juros em breve. Esse é um dos poucos pontos positivos da herança que uma administração receberá da outra.
Houve também muita pressão política sobre o Banco Central para que houvesse liberação de compulsório. Hoje, há R$ 400 bilhões de recolhimento compulsório. Parecia uma boa ideia a liberação de parte desse dinheiro, mas, na verdade, não era. Em época de confiança baixa, não adianta muito reduzir o recolhimento de liquidez ao BC porque acaba virando dívida pública e tendo pouco efeito para o que se quer, que é estimular o crédito e recuperar o crescimento. Mas se um novo governo conseguir recuperar um pouco o nível de confiança dos agentes econômicos, e a inflação convergir para a meta, é possível que esse instrumento possa ser utilizado.
Bastou haver a perspectiva de um novo governo para cair muito a taxa de câmbio. Este ano, a moeda americana teve uma desvalorização de 13% sobre o real. Fundos cambiais e empresas passaram a desfazer suas posições de seguro em dólar. Com nível alto de hedge, ficaram apenas os investidores estrangeiros. O BC então tirou US$ 40 bilhões do total que tinha em swap cambial. Como os analistas fazem a conta de reservas líquidas, que são as reservas menos a posição que o BC tem de swap, houve um aumento recente das reservas líquidas em US$ 40 bi.
A conta-corrente teve, nos últimos meses, um forte ajuste. Outro ponto positivo da conjuntura que vive num mar de dados negativos. A previsão é de que este ano o déficit seja de apenas US$ 25 bilhões — muito menor do que os US$ 104 bilhões do pico em 2014. O investimento direto estrangeiro estava em US$ 77 bilhões no acumulado de 12 meses em fevereiro. Está caindo, mas deve fechar o ano em US$ 60 bilhões, o que significa que o deficit será mais do que coberto por investimentos externos.
Na área monetária, o país será entregue de uma para outra administração com vários indicadores positivos. Desta forma, se o novo governo fizer alguns movimentos corretos pode-se restaurar um pouco a confiança que está em nível muito baixo. Na área fiscal, no entanto, o mercado está prevendo que o país fechará o ano com um déficit de 2% do PIB, R$ 120 bilhões. Uma enormidade e sem chance de reversão.
A estabilidade financeira é outro fator tranquilizador. O país está passando por um encolhimento do produto de 8% em dois anos e não há bancos em dificuldade. Há quem diga, no mercado, que o nível de inadimplência tem sido camuflado pelas renegociações constantes com os devedores. Mas o fato é que os bancos têm conseguido absorver a crise das empresas, renegociando as dívidas e elevando provisões.
A couve e o carvalho - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
Leia Mais:http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-couve-e-o-carvalho,10000047798
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ESTADÃO - 30/04
Com Temer ou com Dilma, o ajuste da economia será duro. É o sombrio prognóstico de economistas ouvidos pela imprensa, ansiosa por antecipar as diretrizes planejadas pelo dr. Michel Temer, o constitucionalista que responderá, na Presidência da República, pela reconstrução da economia após uma década de demolição.
Haverá breve período de lua de mel, especulam alguns. Para outros o inimaginável pode acontecer. Há quem sustente que o País não fechará o ano sem recessão. Houve, também, quem dissesse ser impossível resolver a crise com promessas, pois saldar a dívida depende de vultosos investimentos a longo prazo.
Embora tente fugir às responsabilidades, foi o Partido dos Trabalhadores que nos colocou nessa situação. Não agiu, porém, sozinho. Recebeu dócil ajuda de aliados durante dois mandatos de Lula e quase dois de Dilma, e contou com a neutralidade da oposição. Parte da imprensa enxergou longe, e assumiu o ônus de denunciar a política responsável pelo aumento da dívida pública, recrudescimento da inflação, elevação do custo de vida, agressivo consumismo de quem não poderia esbanjar.
Apesar da urgência, a transição para o novo governo será lenta. É inútil alimentar surtos de otimismo. Viveremos meses de expectativa. Quantos? Impossível prever. O Estado democrático de direito é moroso quando deveria ser rápido. Ao réu, em crime comum ou delito de responsabilidade, a Constituição garante o devido processo legal e amplo direito de defesa. No julgamento político, em curso no Senado, Dilma Roussef deverá ser protegida pelas prerrogativas constitucionais, para se impedir acusações de golpe.
A tramitação do processo mal começou, e os integrantes da minoritária base governista mostram as garras, prometendo vender caro a derrota. Isto significa que, a partir do afastamento da presidente Dilma, talvez no final de maio, o Poder Executivo estará bipartido. Afastada, mas não deposta, permanecerá no Palácio da Alvorada, com acesso a mordomias. Guardadas as diferenças, lembro-me da delicada posição de José Sarney, durante o período em que Tancredo Neves esteve hospitalizado. Governava como interino, à espera do imprevisível. Embora remoto, não deve ser ignorado o risco, presente na Lei Superior, de Dilma reassumir com o processo em andamento, se acaso o veredicto não for pronunciado dentro de 180 dias (art. 86, º 2º).
Sob o argumento de serem insuficientes quatro anos, no governo Fernando Henrique foi instituída a chance de reeleição. O Dr. Michel Temer terá apenas dois. Com as finanças públicas arruinadas, 11 milhões de desempregados, outros tantos miseráveis, milhares de empresas quebradas, obras estruturais paralisadas, saúde e educação abandonadas, o que mais poderia desejar o futuro presidente da República?
Enquanto nada se decide, o desemprego avança. No mês passado desapareceram 118 mil postos de trabalho. O pior março em 25 anos. Os dados de abril são desconhecidos, mas não devem ser melhores. Até o final do ano as perspectivas são pessimistas, e assim continuarão em relação ao ano que vem.
Os desempregados não dispõem de dinheiro e paciência para aguardar por alguma fórmula mágica de política econômica. Grandes esforços foram desenvolvidos, desde a redemocratização em 1985, no sentido de restabelecer a confiança das classes trabalhadoras, vítimas da perversa combinação inflação, arrocho salarial, desemprego, ao longo do regime autoritário. Recordo-me dos primeiros meses do governo Montoro, quando São Paulo conheceu saques, depredações, invasões, controladas pela polícia com enormes dificuldades, para evitar que alguém fosse morto. Pela primeira vez as greves chegaram à zona rural, levando o pânico à região açucareira de Ribeirão Preto.
Em cenário de desassossego social, PT, CUT, FUP, MST, Movimento das Mulheres Campesinas, terão bons argumentos para mobilização de descontentes. O professor Delfim Neto, talvez o único remanescente do período militar em atividade, consultado pelo Dr. Temer lhe recomendou paciência com a enigmática frase: “Dois anos é tempo suficiente para plantar carvalho em vez de couve”. A pergunta que me vem à mente é se o Dr. Temer terá à disposição dois anos para demonstrar a que veio, angariar a confiança da população, obter do Congresso as reformas recomendadas por economistas, restabelecer as atividades industriais, sanear as finanças públicas e recuperar os empregos desaparecidos.
Já não há lugar para milagres, como o acontecido nos primeiros meses do Plano Cruzado, em 1986. A retomada do desenvolvimento dependerá da reativação do mercado interno e de exportações. Isto significa aumento de salários, redução de custos e preços, restabelecimento da confiança da empresa privada na economia.
Superamos o período autoritário, quando os trabalhadores eram submetidos a arrocho salarial, os índices de inflação poderiam ser manipulados, o Presidente da República dispunha de atos institucionais, decretos-leis, da censura, de senadores biônicos e de governadores indicados.
O Dr. Michel Temer é a solução para o impasse em que vive o País. Nada de parlamentarismo, nova Assembléia Constituinte, ou antecipação de eleições gerais. Deverá ter presente, entretanto, que o sucesso da breve gestão dependerá, sobretudo, do combate aos corruptos e à corrupção. O Ministério Público e o Poder Judiciário apenas começaram a desvendar o que se oculta nos porões federais, estaduais e municipais.
A mais tênue denúncia, se não for implacavelmente investigada e eliminada, deixará o Dr. Michel Temer frágil diante dos adversários. Como ocorreu com Dilma Roussef.
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ESTADÃO - 30/04
Com Temer ou com Dilma, o ajuste da economia será duro. É o sombrio prognóstico de economistas ouvidos pela imprensa, ansiosa por antecipar as diretrizes planejadas pelo dr. Michel Temer, o constitucionalista que responderá, na Presidência da República, pela reconstrução da economia após uma década de demolição.
Haverá breve período de lua de mel, especulam alguns. Para outros o inimaginável pode acontecer. Há quem sustente que o País não fechará o ano sem recessão. Houve, também, quem dissesse ser impossível resolver a crise com promessas, pois saldar a dívida depende de vultosos investimentos a longo prazo.
Embora tente fugir às responsabilidades, foi o Partido dos Trabalhadores que nos colocou nessa situação. Não agiu, porém, sozinho. Recebeu dócil ajuda de aliados durante dois mandatos de Lula e quase dois de Dilma, e contou com a neutralidade da oposição. Parte da imprensa enxergou longe, e assumiu o ônus de denunciar a política responsável pelo aumento da dívida pública, recrudescimento da inflação, elevação do custo de vida, agressivo consumismo de quem não poderia esbanjar.
Apesar da urgência, a transição para o novo governo será lenta. É inútil alimentar surtos de otimismo. Viveremos meses de expectativa. Quantos? Impossível prever. O Estado democrático de direito é moroso quando deveria ser rápido. Ao réu, em crime comum ou delito de responsabilidade, a Constituição garante o devido processo legal e amplo direito de defesa. No julgamento político, em curso no Senado, Dilma Roussef deverá ser protegida pelas prerrogativas constitucionais, para se impedir acusações de golpe.
A tramitação do processo mal começou, e os integrantes da minoritária base governista mostram as garras, prometendo vender caro a derrota. Isto significa que, a partir do afastamento da presidente Dilma, talvez no final de maio, o Poder Executivo estará bipartido. Afastada, mas não deposta, permanecerá no Palácio da Alvorada, com acesso a mordomias. Guardadas as diferenças, lembro-me da delicada posição de José Sarney, durante o período em que Tancredo Neves esteve hospitalizado. Governava como interino, à espera do imprevisível. Embora remoto, não deve ser ignorado o risco, presente na Lei Superior, de Dilma reassumir com o processo em andamento, se acaso o veredicto não for pronunciado dentro de 180 dias (art. 86, º 2º).
Sob o argumento de serem insuficientes quatro anos, no governo Fernando Henrique foi instituída a chance de reeleição. O Dr. Michel Temer terá apenas dois. Com as finanças públicas arruinadas, 11 milhões de desempregados, outros tantos miseráveis, milhares de empresas quebradas, obras estruturais paralisadas, saúde e educação abandonadas, o que mais poderia desejar o futuro presidente da República?
Enquanto nada se decide, o desemprego avança. No mês passado desapareceram 118 mil postos de trabalho. O pior março em 25 anos. Os dados de abril são desconhecidos, mas não devem ser melhores. Até o final do ano as perspectivas são pessimistas, e assim continuarão em relação ao ano que vem.
Os desempregados não dispõem de dinheiro e paciência para aguardar por alguma fórmula mágica de política econômica. Grandes esforços foram desenvolvidos, desde a redemocratização em 1985, no sentido de restabelecer a confiança das classes trabalhadoras, vítimas da perversa combinação inflação, arrocho salarial, desemprego, ao longo do regime autoritário. Recordo-me dos primeiros meses do governo Montoro, quando São Paulo conheceu saques, depredações, invasões, controladas pela polícia com enormes dificuldades, para evitar que alguém fosse morto. Pela primeira vez as greves chegaram à zona rural, levando o pânico à região açucareira de Ribeirão Preto.
Em cenário de desassossego social, PT, CUT, FUP, MST, Movimento das Mulheres Campesinas, terão bons argumentos para mobilização de descontentes. O professor Delfim Neto, talvez o único remanescente do período militar em atividade, consultado pelo Dr. Temer lhe recomendou paciência com a enigmática frase: “Dois anos é tempo suficiente para plantar carvalho em vez de couve”. A pergunta que me vem à mente é se o Dr. Temer terá à disposição dois anos para demonstrar a que veio, angariar a confiança da população, obter do Congresso as reformas recomendadas por economistas, restabelecer as atividades industriais, sanear as finanças públicas e recuperar os empregos desaparecidos.
Já não há lugar para milagres, como o acontecido nos primeiros meses do Plano Cruzado, em 1986. A retomada do desenvolvimento dependerá da reativação do mercado interno e de exportações. Isto significa aumento de salários, redução de custos e preços, restabelecimento da confiança da empresa privada na economia.
Superamos o período autoritário, quando os trabalhadores eram submetidos a arrocho salarial, os índices de inflação poderiam ser manipulados, o Presidente da República dispunha de atos institucionais, decretos-leis, da censura, de senadores biônicos e de governadores indicados.
O Dr. Michel Temer é a solução para o impasse em que vive o País. Nada de parlamentarismo, nova Assembléia Constituinte, ou antecipação de eleições gerais. Deverá ter presente, entretanto, que o sucesso da breve gestão dependerá, sobretudo, do combate aos corruptos e à corrupção. O Ministério Público e o Poder Judiciário apenas começaram a desvendar o que se oculta nos porões federais, estaduais e municipais.
A mais tênue denúncia, se não for implacavelmente investigada e eliminada, deixará o Dr. Michel Temer frágil diante dos adversários. Como ocorreu com Dilma Roussef.
Três caras que só pensam naquilo - DEMÉTRIO MAGNOLI
FOLHA DE SP - 30/04
"(...) vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra." A célebre sentença de Hobbes refere-se aos Estados, mas serviria para definir os chefes políticos tucanos. O PSDB renunciou à condição de partido, reduzindo-se a um teatro de guerra permanente entre três caras que só pensam naquilo. Na inauguração do governo Temer, o impasse tucano já não deve ser visto como um problema intestino, mas como aspecto crucial da crise nacional.
A guerra, fria ou declarada, entre Aécio, Serra e Alckmin atravessou a era do lulopetismo, corroendo o tecido do principal partido de oposição. Hoje, quando o reinado lulo-dilmista chega ao fim em meio a incêndios econômicos, políticos e éticos, o conflito trava o PSDB, sabotando uma decisão nítida sobre o engajamento no governo transitório. Sem os tucanos a bordo, a nau de Temer se inclinaria na direção do PMDB de Jucá, Renan, Cunha et caterva, associado a um "centrão" composto por partidos ultrafisiológicos. No lugar de um governo de "união nacional", surgiria um gabinete de salvação das máfias políticas que saltaram de um comboio descarrilhado.
Aécio devastou o capital político acumulado na campanha eleitoral cortejando uma bancada parlamentar irresponsável, que chegou a votar contra o fator previdenciário e estabeleceu um desmoralizante pacto tático com Cunha. Há pouco, declarou-se "desconfortável" com a participação orgânica do PSDB no novo governo. Serra, o incorrigível, preferiu negociar pessoalmente um lugar destacado na Esplanada dos Ministérios. Sonhando delinear um caminho próprio até o Planalto, se preciso pelo atalho do PMDB, ameaça virar as costas a seu partido, entregando-o à confusão. Alckmin, por sua vez, acalenta um projeto presidencial improvável acercando-se do PSB e tricotando com a camarilha político-sindical do Paulinho da Força. Nesse passo, implodiu a campanha tucana à Prefeitura de São Paulo. Hoje, a guerra particular que travam os três gladiadores tem o potencial para complicar a já difícil transição rumo a 2018.
A sorte do governo Temer será jogada no interregno entre a posse provisória e o julgamento final do impeachment no Senado. Uma coleção de notícias econômicas positivas, quase contratadas de antemão, não será suficiente para consolidá-lo. A carência de legitimidade eleitoral precisa ser compensada por iniciativas políticas coladas aos anseios da maioria que repudiou o lulo-dilmismo.
Se fosse um partido, não uma arena de gladiadores, o PSDB trocaria o engajamento integral no governo por um ousado compromisso com a Lava Jato. Exigiria do novo presidente a mobilização imediata da maioria parlamentar para cassar o mandato de Cunha. Conclamaria o governo a encampar o projeto de lei das dez medidas contra a corrupção formulado pelo Ministério Público. Em trilho paralelo, forçaria uma minirreforma política destinada a fechar o rentável negócio da criação de partidos de aluguel. Mas, imerso no seu pântano interno, o PSDB ensaiou fazer o exato oposto disso. No auge de seus exercícios ilusionistas, os tucanos prometeram a Temer um "profundo e corajoso" apoio parlamentar em troca da adesão a uma flácida agenda política. O intercâmbio equivaleria à cessão de um cheque em branco a um governo no qual não se deposita confiança.
Dias atrás, Aécio reuniu-se com Temer e sinalizou uma mudança de rota. "Tínhamos duas opções: lavar as mãos ou ajudar o país a sair da crise", constatou, antes de concluir com um enigmático "vamos dar nossa contribuição". Será, enfim, um indício de que o PSDB avalia a hipótese de fingir que é um partido?
"(...) vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra." A célebre sentença de Hobbes refere-se aos Estados, mas serviria para definir os chefes políticos tucanos. O PSDB renunciou à condição de partido, reduzindo-se a um teatro de guerra permanente entre três caras que só pensam naquilo. Na inauguração do governo Temer, o impasse tucano já não deve ser visto como um problema intestino, mas como aspecto crucial da crise nacional.
A guerra, fria ou declarada, entre Aécio, Serra e Alckmin atravessou a era do lulopetismo, corroendo o tecido do principal partido de oposição. Hoje, quando o reinado lulo-dilmista chega ao fim em meio a incêndios econômicos, políticos e éticos, o conflito trava o PSDB, sabotando uma decisão nítida sobre o engajamento no governo transitório. Sem os tucanos a bordo, a nau de Temer se inclinaria na direção do PMDB de Jucá, Renan, Cunha et caterva, associado a um "centrão" composto por partidos ultrafisiológicos. No lugar de um governo de "união nacional", surgiria um gabinete de salvação das máfias políticas que saltaram de um comboio descarrilhado.
Aécio devastou o capital político acumulado na campanha eleitoral cortejando uma bancada parlamentar irresponsável, que chegou a votar contra o fator previdenciário e estabeleceu um desmoralizante pacto tático com Cunha. Há pouco, declarou-se "desconfortável" com a participação orgânica do PSDB no novo governo. Serra, o incorrigível, preferiu negociar pessoalmente um lugar destacado na Esplanada dos Ministérios. Sonhando delinear um caminho próprio até o Planalto, se preciso pelo atalho do PMDB, ameaça virar as costas a seu partido, entregando-o à confusão. Alckmin, por sua vez, acalenta um projeto presidencial improvável acercando-se do PSB e tricotando com a camarilha político-sindical do Paulinho da Força. Nesse passo, implodiu a campanha tucana à Prefeitura de São Paulo. Hoje, a guerra particular que travam os três gladiadores tem o potencial para complicar a já difícil transição rumo a 2018.
A sorte do governo Temer será jogada no interregno entre a posse provisória e o julgamento final do impeachment no Senado. Uma coleção de notícias econômicas positivas, quase contratadas de antemão, não será suficiente para consolidá-lo. A carência de legitimidade eleitoral precisa ser compensada por iniciativas políticas coladas aos anseios da maioria que repudiou o lulo-dilmismo.
Se fosse um partido, não uma arena de gladiadores, o PSDB trocaria o engajamento integral no governo por um ousado compromisso com a Lava Jato. Exigiria do novo presidente a mobilização imediata da maioria parlamentar para cassar o mandato de Cunha. Conclamaria o governo a encampar o projeto de lei das dez medidas contra a corrupção formulado pelo Ministério Público. Em trilho paralelo, forçaria uma minirreforma política destinada a fechar o rentável negócio da criação de partidos de aluguel. Mas, imerso no seu pântano interno, o PSDB ensaiou fazer o exato oposto disso. No auge de seus exercícios ilusionistas, os tucanos prometeram a Temer um "profundo e corajoso" apoio parlamentar em troca da adesão a uma flácida agenda política. O intercâmbio equivaleria à cessão de um cheque em branco a um governo no qual não se deposita confiança.
Dias atrás, Aécio reuniu-se com Temer e sinalizou uma mudança de rota. "Tínhamos duas opções: lavar as mãos ou ajudar o país a sair da crise", constatou, antes de concluir com um enigmático "vamos dar nossa contribuição". Será, enfim, um indício de que o PSDB avalia a hipótese de fingir que é um partido?
Desqualificação apartidária - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 30/04
A falta de qualidade é suprapartidária. Até hoje, passados muitos dias da votação na Câmara da aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ecoa nos debates parlamentares a maneira como alguns deputados justificaram seus votos naquele domingo.
Especialmente aos interessados em desqualificar a decisão, “escandalizou” o fato de que houve votos a favor do impeachment evocando a família, a religião, a cidade onde nasceu, o estado onde se elegeu, e assim por diante.
Mas esses votos paroquiais, ou até mesmo esdrúxulos, antes de serem prerrogativa dos opositores da presidente Dilma, o são de políticos de maneira geral, e há muito tempo. O senador Magno Malta relembrou outro dia na comissão do Senado o voto dado pelo atual ministro petista Jaques Wagner, que se pronunciou a favor do impeachment de Collor se referindo aos filhos e à família, comparando a sessão a um jogo de futebol com a torcida confraternizando nas cores verde e amarela.
Também desta vez houve quem se referisse, na hora de votar “não” ao impeachment, aos quilombolas, ao programa Bolsa Família, a Zumbi dos Palmares, ao grande líder Lula. No contraponto do voto mais polêmico, o do deputado Jair Bolsonaro, que evocou o abjeto torturador Brilhante Ustra, um deputado do PSOL dedicou seu voto contrário ao impeachment a Carlos Marighella, guerrilheiro da Aliança Libertadora Nacional que escreveu um manual de guerrilha em que está dito, a certa altura, em defesa da execução sumária de inimigos e traidores: “A execução é uma ação secreta na qual um número pequeno de pessoas da guerrilha se encontram envolvidos. Em muitos casos, a execução pode ser realizada por um franco atirador, paciente, sozinho e desconhecido, e operando absolutamente secreto e a sangue frio”.
O detalhe é que o voto do deputado do PSOL foi dado antes do de Bolsonaro. Portanto, a falta de qualidade de nossos representantes é suprapartidária e, querendo testar uma tese, enviei a um grupo de reconhecidos estudiosos uma sondagem. Acho que já tivemos um grupo de políticos mais relevantes no país em outros tempos, e a representação vem decaindo a cada legislatura.
Como dizia Ulysses Guimarães, a próxima será pior. E por que isso acontece? Tenho a impressão de que, assim como já tivemos escolas públicas de boa qualidade, também a representação política tem a ver com a decadência de nosso ensino.
Por que isso aconteceu? Por que melhoramos na abrangência da matrícula escolar, e não melhoramos a qualidade do ensino? Isso tem mesmo a ver com a nossa representação política deformada e decadente? Até onde o sistema eleitoral, a proliferação dos partidos, as coligações proporcionais têm a ver com essa decadência?
O país avançou em vários aspectos, mas piorou, acho, na representação partidária. O que uma coisa tem a ver com a outra? Apenas o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade (Iets), especialista em educação, viu “certo paralelo” entre as quedas do sistema educacional e da representação política. “No passado, tanto o sistema educacional quanto o sistema político eram muito fechados, só acessíveis a uma pequena elite. Não sabemos na realidade se a Educação no passado era muito melhor, porque não temos dados para comparar, mas a professorinha de filha de classe média que se formava pelo Instituto de Educação no Rio de Janeiro provavelmente sabia mais Português, Matemática e Ciências do que grande parte das professoras e professores que hoje se formam nas faculdades de Pedagogia”.
Com a grande expansão do acesso à Educação, avalia Schwartzman, o sistema educacional preservou e pode ter até melhorado a qualidade e um número muito pequeno de escolas, sobretudo particulares e cursos universitários muito seletivos, mas a média ficou certamente muito baixa. “Teremos que conviver por muito tempo ainda com muitas pessoas adquirindo Educação precária, porque não se melhora um sistema escolar que cresceu de forma muito rápida e atabalhoada em poucos anos”.
Os demais centraram suas análises no sistema partidário, na legislação eleitoral, que debilitam a democracia representativa, como os cientistas políticos Sérgio Abranches e Jairo Nicolau e o sociólogo Francisco Weffort; na ditadura militar, como o historiador José Murilo de Carvalho; na urbanização do país, que levou a que a atividade política seja vista como uma possibilidade de ascensão social por muitos, e no desencanto com a carreira política na juventude, vista como viciada e corrupta, como o sociólogo Bernardo Sorj. Amanhã e na segunda-feira me deterei nessas análises.
A falta de qualidade é suprapartidária. Até hoje, passados muitos dias da votação na Câmara da aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ecoa nos debates parlamentares a maneira como alguns deputados justificaram seus votos naquele domingo.
Especialmente aos interessados em desqualificar a decisão, “escandalizou” o fato de que houve votos a favor do impeachment evocando a família, a religião, a cidade onde nasceu, o estado onde se elegeu, e assim por diante.
Mas esses votos paroquiais, ou até mesmo esdrúxulos, antes de serem prerrogativa dos opositores da presidente Dilma, o são de políticos de maneira geral, e há muito tempo. O senador Magno Malta relembrou outro dia na comissão do Senado o voto dado pelo atual ministro petista Jaques Wagner, que se pronunciou a favor do impeachment de Collor se referindo aos filhos e à família, comparando a sessão a um jogo de futebol com a torcida confraternizando nas cores verde e amarela.
Também desta vez houve quem se referisse, na hora de votar “não” ao impeachment, aos quilombolas, ao programa Bolsa Família, a Zumbi dos Palmares, ao grande líder Lula. No contraponto do voto mais polêmico, o do deputado Jair Bolsonaro, que evocou o abjeto torturador Brilhante Ustra, um deputado do PSOL dedicou seu voto contrário ao impeachment a Carlos Marighella, guerrilheiro da Aliança Libertadora Nacional que escreveu um manual de guerrilha em que está dito, a certa altura, em defesa da execução sumária de inimigos e traidores: “A execução é uma ação secreta na qual um número pequeno de pessoas da guerrilha se encontram envolvidos. Em muitos casos, a execução pode ser realizada por um franco atirador, paciente, sozinho e desconhecido, e operando absolutamente secreto e a sangue frio”.
O detalhe é que o voto do deputado do PSOL foi dado antes do de Bolsonaro. Portanto, a falta de qualidade de nossos representantes é suprapartidária e, querendo testar uma tese, enviei a um grupo de reconhecidos estudiosos uma sondagem. Acho que já tivemos um grupo de políticos mais relevantes no país em outros tempos, e a representação vem decaindo a cada legislatura.
Como dizia Ulysses Guimarães, a próxima será pior. E por que isso acontece? Tenho a impressão de que, assim como já tivemos escolas públicas de boa qualidade, também a representação política tem a ver com a decadência de nosso ensino.
Por que isso aconteceu? Por que melhoramos na abrangência da matrícula escolar, e não melhoramos a qualidade do ensino? Isso tem mesmo a ver com a nossa representação política deformada e decadente? Até onde o sistema eleitoral, a proliferação dos partidos, as coligações proporcionais têm a ver com essa decadência?
O país avançou em vários aspectos, mas piorou, acho, na representação partidária. O que uma coisa tem a ver com a outra? Apenas o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade (Iets), especialista em educação, viu “certo paralelo” entre as quedas do sistema educacional e da representação política. “No passado, tanto o sistema educacional quanto o sistema político eram muito fechados, só acessíveis a uma pequena elite. Não sabemos na realidade se a Educação no passado era muito melhor, porque não temos dados para comparar, mas a professorinha de filha de classe média que se formava pelo Instituto de Educação no Rio de Janeiro provavelmente sabia mais Português, Matemática e Ciências do que grande parte das professoras e professores que hoje se formam nas faculdades de Pedagogia”.
Com a grande expansão do acesso à Educação, avalia Schwartzman, o sistema educacional preservou e pode ter até melhorado a qualidade e um número muito pequeno de escolas, sobretudo particulares e cursos universitários muito seletivos, mas a média ficou certamente muito baixa. “Teremos que conviver por muito tempo ainda com muitas pessoas adquirindo Educação precária, porque não se melhora um sistema escolar que cresceu de forma muito rápida e atabalhoada em poucos anos”.
Os demais centraram suas análises no sistema partidário, na legislação eleitoral, que debilitam a democracia representativa, como os cientistas políticos Sérgio Abranches e Jairo Nicolau e o sociólogo Francisco Weffort; na ditadura militar, como o historiador José Murilo de Carvalho; na urbanização do país, que levou a que a atividade política seja vista como uma possibilidade de ascensão social por muitos, e no desencanto com a carreira política na juventude, vista como viciada e corrupta, como o sociólogo Bernardo Sorj. Amanhã e na segunda-feira me deterei nessas análises.
Esquerda nostálgica - CRISTOVAM BUARQUE
O GLOBO - 30/04
‘Esquerda perplexa’ tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim
Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.
Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor. Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o futuro.
Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes, sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena, elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.
Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações sociais prometidas
‘Esquerda perplexa’ tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim
Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.
Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor. Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o futuro.
Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes, sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena, elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.
Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações sociais prometidas
A última trincheira da cidadania - PERCIVAL PUGGINA
ZERO HORA - 30/04
Quando o ministro Marco Aurélio Mello, entrevistado no programa Roda Viva, fortemente pressionado por José Nêumanne, indagou-lhe se não confiava no STF, desde minha poltrona respondi com o jornalista: ´Não, não confio!´.
E por que não? Porque muito mais vezes do que minha tolerância se dispõe a aceitar, assisti ao STF legislar contra a Constituição e invadir competência do Congresso Nacional. Sempre que isso aconteceu, a maioria que se formou despendeu boa parte de seu tempo afirmando não estar fazendo o que à vista de todos fazia. Ademais, como conceder a confiança que o ministro esperava colher depois de o STF, na ação penal referente ao mensalão, haver decidido que nele não ocorreu crime de formação de quadrilha? Vinte e cinco condenações envolvendo três núcleos interconectados não compunham uma quadrilha? Como cortejar um ponto tão fora da curva?
Como esquecer o ministro Joaquim Barbosa, com seu linguajar ríspido, reprovando o que via acontecer nas sessões finais daquele julgamento? Recordo sua advertência sobre a ´maioria de circunstância´ e ´sanha reformadora´. Pergunto: não ficam nítidos, em certas entrevistas concedidas por alguns senhores ministros, os desapreços internos? Nêumanne não está só.
Ao estabelecer que o provimento das cadeiras da Suprema Corte se dê por nomeação da Presidência da República após aprovação da escolha pelo Senado, nossos constituintes confiaram em que o natural rodízio das tendências nas eleições presidenciais permitiria um equilíbrio das orientações jurídicas e sensibilidades políticas dentro do STF. Tal presunção foi rompida com a sequência de quatro governos petistas, que indicaram oito dos 11 ministros. Numa democracia, seria muito saudável que o Supremo, em sua composição, exprimisse equilibradamente o espectro dessas sensibilidades presentes e atuantes na vida social. Não parece razoável que, na prática, a posição conservadora ou liberal ali só se manifeste no microfone de onde, suplicantes, falam advogados e amigos da Corte. Nunca no plenário. Nunca com direito a voto.
Não bastasse isso, nos últimos meses, relevantes figuras da República têm manifestado dispor de uma intimidade, que vai além de todo limite, com membros do poder situado no outro lado da praça. O governo contabiliza votos na Corte como se fossem seus. Ministros opinam sobre assuntos em deliberação no Congresso Nacional. Divergem publicamente sobre questões cruciais do momento político. Onde buscar razões para a ambicionada confiança?
Há mais. A nação tem imensa dificuldade de entender como podem tantos processos dormir, tirar férias, entrar em remanso e envelhecer nas prateleiras do STF. Num país com tão angustiante necessidade de combater a corrupção não é aceitável que políticos corruptos sejam agraciados com o sigilo sobre seus crimes, a dormição de seus processos e, não raro, a prescrição dos crimes praticados. De que vale a lei da ficha limpa quando a ficha suja encontra abrigo numa gaveta do Tribunal e criminosos seguem influenciando a vida do país?
Por fim, uma questão institucional. O ministro Marco Aurélio ora tem afirmado que o STF se encaminha para ser o Poder Moderador da República, ora que já é esse poder. Trata-se de uma nova criatura extraconstitucional que ganha corpo à margem do Congresso. Nossa Constituição não a menciona. Como pode, então, existir e agir? Já tivemos Poder Moderador, na pessoa do monarca, durante o Império, mas essa função de última instância desapareceu com a República. Quando o STF age como se tal função fosse sua ou manifestamente aspira assumi-la, viola-se a separação dos poderes, ao arrepio da Constituição. O que está acontecendo com o Supremo é reflexo do nosso desarranjo institucional, em cujos poderes, então, pouco ou nada confiamos. E isso inclui a tal ´última trincheira da cidadania´, definição dada pelo ministro Marco Aurélio à Corte que integra. Não dá para arrumar o STF sem reordenar toda a organização sistêmica das nossas instituições. Parece-lhe bem, leitor, que uma só pessoa comande o Estado, o governo, a administração, legisle e compre maioria parlamentar, e possa, até mesmo, controlar ideologicamente o Supremo?
Quando o ministro Marco Aurélio Mello, entrevistado no programa Roda Viva, fortemente pressionado por José Nêumanne, indagou-lhe se não confiava no STF, desde minha poltrona respondi com o jornalista: ´Não, não confio!´.
E por que não? Porque muito mais vezes do que minha tolerância se dispõe a aceitar, assisti ao STF legislar contra a Constituição e invadir competência do Congresso Nacional. Sempre que isso aconteceu, a maioria que se formou despendeu boa parte de seu tempo afirmando não estar fazendo o que à vista de todos fazia. Ademais, como conceder a confiança que o ministro esperava colher depois de o STF, na ação penal referente ao mensalão, haver decidido que nele não ocorreu crime de formação de quadrilha? Vinte e cinco condenações envolvendo três núcleos interconectados não compunham uma quadrilha? Como cortejar um ponto tão fora da curva?
Como esquecer o ministro Joaquim Barbosa, com seu linguajar ríspido, reprovando o que via acontecer nas sessões finais daquele julgamento? Recordo sua advertência sobre a ´maioria de circunstância´ e ´sanha reformadora´. Pergunto: não ficam nítidos, em certas entrevistas concedidas por alguns senhores ministros, os desapreços internos? Nêumanne não está só.
Ao estabelecer que o provimento das cadeiras da Suprema Corte se dê por nomeação da Presidência da República após aprovação da escolha pelo Senado, nossos constituintes confiaram em que o natural rodízio das tendências nas eleições presidenciais permitiria um equilíbrio das orientações jurídicas e sensibilidades políticas dentro do STF. Tal presunção foi rompida com a sequência de quatro governos petistas, que indicaram oito dos 11 ministros. Numa democracia, seria muito saudável que o Supremo, em sua composição, exprimisse equilibradamente o espectro dessas sensibilidades presentes e atuantes na vida social. Não parece razoável que, na prática, a posição conservadora ou liberal ali só se manifeste no microfone de onde, suplicantes, falam advogados e amigos da Corte. Nunca no plenário. Nunca com direito a voto.
Não bastasse isso, nos últimos meses, relevantes figuras da República têm manifestado dispor de uma intimidade, que vai além de todo limite, com membros do poder situado no outro lado da praça. O governo contabiliza votos na Corte como se fossem seus. Ministros opinam sobre assuntos em deliberação no Congresso Nacional. Divergem publicamente sobre questões cruciais do momento político. Onde buscar razões para a ambicionada confiança?
Há mais. A nação tem imensa dificuldade de entender como podem tantos processos dormir, tirar férias, entrar em remanso e envelhecer nas prateleiras do STF. Num país com tão angustiante necessidade de combater a corrupção não é aceitável que políticos corruptos sejam agraciados com o sigilo sobre seus crimes, a dormição de seus processos e, não raro, a prescrição dos crimes praticados. De que vale a lei da ficha limpa quando a ficha suja encontra abrigo numa gaveta do Tribunal e criminosos seguem influenciando a vida do país?
Por fim, uma questão institucional. O ministro Marco Aurélio ora tem afirmado que o STF se encaminha para ser o Poder Moderador da República, ora que já é esse poder. Trata-se de uma nova criatura extraconstitucional que ganha corpo à margem do Congresso. Nossa Constituição não a menciona. Como pode, então, existir e agir? Já tivemos Poder Moderador, na pessoa do monarca, durante o Império, mas essa função de última instância desapareceu com a República. Quando o STF age como se tal função fosse sua ou manifestamente aspira assumi-la, viola-se a separação dos poderes, ao arrepio da Constituição. O que está acontecendo com o Supremo é reflexo do nosso desarranjo institucional, em cujos poderes, então, pouco ou nada confiamos. E isso inclui a tal ´última trincheira da cidadania´, definição dada pelo ministro Marco Aurélio à Corte que integra. Não dá para arrumar o STF sem reordenar toda a organização sistêmica das nossas instituições. Parece-lhe bem, leitor, que uma só pessoa comande o Estado, o governo, a administração, legisle e compre maioria parlamentar, e possa, até mesmo, controlar ideologicamente o Supremo?
Molecagem - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 30/04
Na iminência de ser desalojada do Palácio do Planalto, a petista Dilma Rousseff parece disposta a reafirmar, até o último minuto de sua estada no gabinete presidencial, a sesquipedal irresponsabilidade que marcou toda a sua triste trajetória como chefe de governo.
Até aqui, a inconsequência de Dilma podia ser atribuída, com boa vontade, apenas a sua visão apalermada de mundo, que atribui ao Estado o poder infinito de gerar e distribuir riqueza, bastando para isso a vontade “popular”, naturalmente representada pelo lulopetismo. Agora, no entanto, ciente de que não escapará da destituição constitucional, justamente porque violou a Lei de Responsabilidade Fiscal, Dilma resolveu transformar essa irresponsabilidade em arma, com a qual pretende lutar contra o Brasil enquanto ainda dispuser da caneta presidencial.
A presidente prepara um pacote de “bondades”, quase todas eivadas do mesmo espírito populista que tanto mal tem feito ao País. A ideia da petista é obrigar o novo governo, presidido por Michel Temer, a assumir o pesado ônus político de tentar anular algumas dessas decisões, que claramente atentam contra as possibilidades do Orçamento.
Um exemplo é a concessão de um reajuste do Bolsa Família. Articulada pelo chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva, a medida deverá ser divulgada por Dilma para celebrar o Dia do Trabalho, amanhã. Não é uma mera “bondade”. Trata-se de uma armadilha para Temer.
O próprio Tesouro avalia que não há nenhuma possibilidade de conceder reajuste para os beneficiários do Bolsa Família sem, com isso, causar ainda mais estragos nas contas públicas. O secretário do Tesouro, Otávio Ladeira de Medeiros, disse que não há “espaço fiscal” – isto é, recursos no Orçamento – para o aumento.
Segundo Medeiros, o Orçamento tem uma margem de R$ 1 bilhão para reajustar o Bolsa Família, mas a extrema penúria das contas da União não permite que se mexa nesse valor enquanto o Congresso não aprovar a nova meta fiscal – o governo quer aval para produzir um déficit de até R$ 96,95 bilhões no ano. Sem essa autorização, e diante da perspectiva de nova queda da receita, a Fazenda reconhece que será necessário fazer um contingenciamento orçamentário ainda maior, o que inviabiliza o reajuste do Bolsa Família.
Essa impossibilidade, aliás, foi prevista pela própria Dilma. Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, nos últimos dias do ano passado, a petista vetou os reajustes de todos os benefícios do Bolsa Família. A previsão era de um aumento de ao menos 16,6%, correspondente ao IPCA acumulado de maio de 2014 – data do último reajuste do Bolsa Família – a novembro de 2015. Ao justificar o veto, Dilma escreveu que “o reajuste proposto, por não ser compatível com o espaço orçamentário, implicaria necessariamente o desligamento de beneficiários do Bolsa Família”.
Agora, no entanto, Dilma mandou às favas o que havia restado daquela prudência, com o único objetivo de sabotar Michel Temer. Sem ter autorização para mais gastos, o governo terá de fazer novos cortes até o final de maio – quando se espera que o País já esteja sendo governado pelo peemedebista –, e então qualquer liberação de dinheiro adicional para pagar um Bolsa Família reajustado poderia representar o mesmo crime de responsabilidade pelo qual Dilma está sendo acusada.
Atitudes como essa fazem parte de um conjunto de decisões indecentes que Dilma resolveu tomar para travar sua guerra particular contra o País. Sempre sob orientação de Lula, o inventor de postes, Dilma escancarou seu gabinete para os líderes das milícias fantasiadas de “movimentos sociais”, fazendo-lhes todas as vontades e concedendo-lhes benefícios com os quais Temer terá de lidar. Enquanto isso, mandou seus ministros se recusarem a colaborar com os assessores de Temer e reforçou sua campanha internacional para enxovalhar a imagem do Brasil no exterior, caracterizando o País como uma república bananeira. E esse espetáculo grotesco não deve parar por aí.
Eis o tamanho da desfaçatez de Dilma e de Lula. Inimigos da democracia, eles consideram legítimo aprofundar a crise no Brasil se isso contribuir para a aniquilação de seus adversários. Isso não é política. É coisa de moleques.
Na iminência de ser desalojada do Palácio do Planalto, a petista Dilma Rousseff parece disposta a reafirmar, até o último minuto de sua estada no gabinete presidencial, a sesquipedal irresponsabilidade que marcou toda a sua triste trajetória como chefe de governo.
Até aqui, a inconsequência de Dilma podia ser atribuída, com boa vontade, apenas a sua visão apalermada de mundo, que atribui ao Estado o poder infinito de gerar e distribuir riqueza, bastando para isso a vontade “popular”, naturalmente representada pelo lulopetismo. Agora, no entanto, ciente de que não escapará da destituição constitucional, justamente porque violou a Lei de Responsabilidade Fiscal, Dilma resolveu transformar essa irresponsabilidade em arma, com a qual pretende lutar contra o Brasil enquanto ainda dispuser da caneta presidencial.
A presidente prepara um pacote de “bondades”, quase todas eivadas do mesmo espírito populista que tanto mal tem feito ao País. A ideia da petista é obrigar o novo governo, presidido por Michel Temer, a assumir o pesado ônus político de tentar anular algumas dessas decisões, que claramente atentam contra as possibilidades do Orçamento.
Um exemplo é a concessão de um reajuste do Bolsa Família. Articulada pelo chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva, a medida deverá ser divulgada por Dilma para celebrar o Dia do Trabalho, amanhã. Não é uma mera “bondade”. Trata-se de uma armadilha para Temer.
O próprio Tesouro avalia que não há nenhuma possibilidade de conceder reajuste para os beneficiários do Bolsa Família sem, com isso, causar ainda mais estragos nas contas públicas. O secretário do Tesouro, Otávio Ladeira de Medeiros, disse que não há “espaço fiscal” – isto é, recursos no Orçamento – para o aumento.
Segundo Medeiros, o Orçamento tem uma margem de R$ 1 bilhão para reajustar o Bolsa Família, mas a extrema penúria das contas da União não permite que se mexa nesse valor enquanto o Congresso não aprovar a nova meta fiscal – o governo quer aval para produzir um déficit de até R$ 96,95 bilhões no ano. Sem essa autorização, e diante da perspectiva de nova queda da receita, a Fazenda reconhece que será necessário fazer um contingenciamento orçamentário ainda maior, o que inviabiliza o reajuste do Bolsa Família.
Essa impossibilidade, aliás, foi prevista pela própria Dilma. Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, nos últimos dias do ano passado, a petista vetou os reajustes de todos os benefícios do Bolsa Família. A previsão era de um aumento de ao menos 16,6%, correspondente ao IPCA acumulado de maio de 2014 – data do último reajuste do Bolsa Família – a novembro de 2015. Ao justificar o veto, Dilma escreveu que “o reajuste proposto, por não ser compatível com o espaço orçamentário, implicaria necessariamente o desligamento de beneficiários do Bolsa Família”.
Agora, no entanto, Dilma mandou às favas o que havia restado daquela prudência, com o único objetivo de sabotar Michel Temer. Sem ter autorização para mais gastos, o governo terá de fazer novos cortes até o final de maio – quando se espera que o País já esteja sendo governado pelo peemedebista –, e então qualquer liberação de dinheiro adicional para pagar um Bolsa Família reajustado poderia representar o mesmo crime de responsabilidade pelo qual Dilma está sendo acusada.
Atitudes como essa fazem parte de um conjunto de decisões indecentes que Dilma resolveu tomar para travar sua guerra particular contra o País. Sempre sob orientação de Lula, o inventor de postes, Dilma escancarou seu gabinete para os líderes das milícias fantasiadas de “movimentos sociais”, fazendo-lhes todas as vontades e concedendo-lhes benefícios com os quais Temer terá de lidar. Enquanto isso, mandou seus ministros se recusarem a colaborar com os assessores de Temer e reforçou sua campanha internacional para enxovalhar a imagem do Brasil no exterior, caracterizando o País como uma república bananeira. E esse espetáculo grotesco não deve parar por aí.
Eis o tamanho da desfaçatez de Dilma e de Lula. Inimigos da democracia, eles consideram legítimo aprofundar a crise no Brasil se isso contribuir para a aniquilação de seus adversários. Isso não é política. É coisa de moleques.
Sabotando o Brasil - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 30/04
Ao pedir “transição zero”, negando informações a seus eventuais sucessores, o PT deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com as pessoas
Faltam poucas semanas para a votação, no Senado, que pode decretar o afastamento temporário de Dilma Rousseff – afastamento que, a julgar pelos placares divulgados pela imprensa, é praticamente certo e será conseguido com folga. O vice-presidente, Michel Temer, sabedor da possibilidade, já conversa com potenciais integrantes de seu ministério. Mas, se depender dos petistas – também conscientes de que a saída de Dilma é inevitável –, é apenas isso que Temer poderá fazer. Na quarta-feira, dia 27, quase todos os deputados federais do partido se reuniram com o ministro Ricardo Berzoini, da secretaria de Governo, e ouviram a ordem do Planalto: transição zero.
Isso significa que um eventual governo Temer começaria às escuras. Ministros e outros ocupantes de cargos essenciais iniciariam seu trabalho sem receber de seus antecessores nenhuma informação sobre a situação de suas pastas, projetos em andamento e planos futuros, orçamentos, previsões de gastos e o que mais disser respeito ao dia a dia da administração pública. Tudo para que a nova equipe perca tempo descobrindo tudo sozinha e, no processo, cometa erros que os petistas denunciarão enfaticamente, escondendo da opinião pública o fato de também serem parte do problema.
O argumento dos líderes petistas para tal é o de que fornecer as informações e promover uma transição civilizada significaria um reconhecimento da legitimidade de um governo Temer, o que o PT não aceita – ainda que o impeachment esteja ocorrendo estritamente dentro do que preveem a Constituição, a Lei 1.059 e o trâmite estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, que até foi camarada com Dilma ao submeter a abertura de processo no Senado a uma votação, pois, se fosse seguida a letra da Carta Magna, Dilma já estaria afastada. Mais uma prova de que os critérios do PT são unicamente o benefício ou o prejuízo ao partido. É por isso que ladrões que articulam um esquema para fraudar a democracia viram “guerreiros do povo brasileiro”: porque ajudaram o PT. É por isso que um processo que corre dentro da lei vira ilegítimo: porque prejudica o PT. É por isso que bloqueios de estradas feitos por caminhoneiros contra o governo são “crime”, mas bloqueios de estradas feitos por “movimentos sociais” são elogiados.
Mas salta aos olhos um aspecto interessante dessa “resistência” que os petistas prometem fazer ao negar informações à equipe que virá em seu lugar: se a ordem é não repassar nenhum dado sobre absolutamente nada, também os programas sociais direcionados aos mais pobres, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, sairão prejudicados. O mesmo ocorrerá com projetos de apoio a minorias que constituem uma forte base de apoio do petismo. Ou com planos de reforma agrária. E de nada adiantará Dilma ceder à pressão dos “movimentos sociais” que praticamente exigem da presidente que lhes entregue os cargos atualmente vagos, nem acelerar os programas em andamento: uma vez que Temer assuma, acabarão paralisados até que a nova administração se inteire da situação.
O petismo, nesses seus dias finais no Planalto, se mostra disposto a sabotar o Brasil. Mas, ao agir dessa forma, faz um último favor aos brasileiros: deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com os cidadãos. Os mais pobres, as minorias, são apenas massa de manobra para um projeto de poder, e podem ser desprezados quando se trata de realizar uma pequena vingança contra outro grupo político. Que os membros desses grupos, e os que têm uma preocupação autêntica com eles, possam perceber isso o quanto antes e abandonem de vez uma legenda que vê as pessoas apenas como instrumentos.
Ao pedir “transição zero”, negando informações a seus eventuais sucessores, o PT deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com as pessoas
Faltam poucas semanas para a votação, no Senado, que pode decretar o afastamento temporário de Dilma Rousseff – afastamento que, a julgar pelos placares divulgados pela imprensa, é praticamente certo e será conseguido com folga. O vice-presidente, Michel Temer, sabedor da possibilidade, já conversa com potenciais integrantes de seu ministério. Mas, se depender dos petistas – também conscientes de que a saída de Dilma é inevitável –, é apenas isso que Temer poderá fazer. Na quarta-feira, dia 27, quase todos os deputados federais do partido se reuniram com o ministro Ricardo Berzoini, da secretaria de Governo, e ouviram a ordem do Planalto: transição zero.
Isso significa que um eventual governo Temer começaria às escuras. Ministros e outros ocupantes de cargos essenciais iniciariam seu trabalho sem receber de seus antecessores nenhuma informação sobre a situação de suas pastas, projetos em andamento e planos futuros, orçamentos, previsões de gastos e o que mais disser respeito ao dia a dia da administração pública. Tudo para que a nova equipe perca tempo descobrindo tudo sozinha e, no processo, cometa erros que os petistas denunciarão enfaticamente, escondendo da opinião pública o fato de também serem parte do problema.
O argumento dos líderes petistas para tal é o de que fornecer as informações e promover uma transição civilizada significaria um reconhecimento da legitimidade de um governo Temer, o que o PT não aceita – ainda que o impeachment esteja ocorrendo estritamente dentro do que preveem a Constituição, a Lei 1.059 e o trâmite estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, que até foi camarada com Dilma ao submeter a abertura de processo no Senado a uma votação, pois, se fosse seguida a letra da Carta Magna, Dilma já estaria afastada. Mais uma prova de que os critérios do PT são unicamente o benefício ou o prejuízo ao partido. É por isso que ladrões que articulam um esquema para fraudar a democracia viram “guerreiros do povo brasileiro”: porque ajudaram o PT. É por isso que um processo que corre dentro da lei vira ilegítimo: porque prejudica o PT. É por isso que bloqueios de estradas feitos por caminhoneiros contra o governo são “crime”, mas bloqueios de estradas feitos por “movimentos sociais” são elogiados.
Mas salta aos olhos um aspecto interessante dessa “resistência” que os petistas prometem fazer ao negar informações à equipe que virá em seu lugar: se a ordem é não repassar nenhum dado sobre absolutamente nada, também os programas sociais direcionados aos mais pobres, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, sairão prejudicados. O mesmo ocorrerá com projetos de apoio a minorias que constituem uma forte base de apoio do petismo. Ou com planos de reforma agrária. E de nada adiantará Dilma ceder à pressão dos “movimentos sociais” que praticamente exigem da presidente que lhes entregue os cargos atualmente vagos, nem acelerar os programas em andamento: uma vez que Temer assuma, acabarão paralisados até que a nova administração se inteire da situação.
O petismo, nesses seus dias finais no Planalto, se mostra disposto a sabotar o Brasil. Mas, ao agir dessa forma, faz um último favor aos brasileiros: deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com os cidadãos. Os mais pobres, as minorias, são apenas massa de manobra para um projeto de poder, e podem ser desprezados quando se trata de realizar uma pequena vingança contra outro grupo político. Que os membros desses grupos, e os que têm uma preocupação autêntica com eles, possam perceber isso o quanto antes e abandonem de vez uma legenda que vê as pessoas apenas como instrumentos.
O verdadeiro golpe é o das ‘diretas já’ - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 30/04
A manobra, de origem petista, esbarra em obstáculos intransponíveis, como a necessidade de Temer renunciar e sua própria inconstitucionalidade
A ideia, sibilina, teria surgido em hostes petistas, quando a aprovação da admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma pela Câmara passou a ser inevitável. E toma corpo agora com as previsões do afastamento de fato da presidente pelo Senado.
Marcar para logo eleições de presidente e vice — quem sabe, até gerais — ofuscaria a amarga derrota do partido no impedimento de Dilma, daria chance de uma volta por cima para o PT, caso o próprio Lula se candidatasse — a depender da Lava-Jato e do Supremo —, e ainda arrebanharia o apoio dos muitos que se assustam com Michel Temer e com os que o cercam.
A, na aparência, sedutora bandeira do “nem Dilma nem Temer” logo ganhou o apoio desabrido de Marina Silva, da Rede, não por coincidência quem tem aparecido em boa colocação nas pesquisas eleitorais feitas no turbilhão da crise. Nada contra o senso de oportunidade. É legítimo político almejar o poder e se mobilizar diante de uma possibilidade, pelo menos teórica, de chegar lá.
Dez senadores do PMDB, PSB, Rede, PDT, PSD e, é claro, PT e PCdoB, acabam de encaminhar carta a Dilma pedindo que ela envie proposta de emenda constitucional para convocar eleições presidenciais, fazendo-as coincidir com o pleito municipal de outubro. E renuncie à Presidência, por óbvio.
A manobra se relaciona com o discurso de Dilma de que conta com o respaldo de 54 milhões de votos, maneira de dizer que apenas a eleição direta dá legitimidade. Ora, mas o vice da chapa também foi eleito pelo povo. Um grande complicador da esperta operação é convencer Michel Temer a também renunciar. E mais do que isso: deve-se perguntar se o truque é viável à luz da lei maior, a Constituição.
E não é. A proposta de uma emenda constitucional com este fim é no mínimo cavilosa. Porque para uma PEC ser aprovada exige-se quórum de três quintos de cada Casa, ou 60% (na Câmara, 308 votos), enquanto o impeachment, o afastamento do cargo, requer dois terços de apoio, 66% (342 votos). Como esta PEC objetivaria o mesmo que um processo de impedimento, a inventividade política, no mau sentido, teria construído um atalho para se aprovar impeachments com menos votos que o estabelecido na Lei.
Isso, além do fato de que não é possível o Congresso reduzir mandatos. Assim, o presidente e o vice teriam de renunciar, mas, para este caso, também há regras na Carta: eleição direta até o meio do mandato; indiretas, depois disso.
O ponto central da questão é que o Brasil tem de deixar de buscar fórmulas casuísticas, supostamente milagrosas, para enfrentar crises políticas. Desde o mensalão, e agora com o petrolão, passando pelo impeachment de Collor, o arcabouço jurídico e as instituições brasileiras já se mostraram capazes e fortes o bastante para resgatar o país de turbulências. É preciso parar-se de moldar fórmulas de conveniência.
Em entrevistas, Marina Silva diz que reconhece haver base legal no impeachment de Dilma e na consequente posse do vice — “mas não resolve o problema”. O perigo mora nesta frase. Foi por pensar o mesmo da permanência de Jango no Planalto que o general Olímpio Mourão, em março de 64, desceu com tropas de Juiz de Fora para o Rio, e as trevas se abateram sobre o Brasil durante 21 anos.
A manobra, de origem petista, esbarra em obstáculos intransponíveis, como a necessidade de Temer renunciar e sua própria inconstitucionalidade
A ideia, sibilina, teria surgido em hostes petistas, quando a aprovação da admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma pela Câmara passou a ser inevitável. E toma corpo agora com as previsões do afastamento de fato da presidente pelo Senado.
Marcar para logo eleições de presidente e vice — quem sabe, até gerais — ofuscaria a amarga derrota do partido no impedimento de Dilma, daria chance de uma volta por cima para o PT, caso o próprio Lula se candidatasse — a depender da Lava-Jato e do Supremo —, e ainda arrebanharia o apoio dos muitos que se assustam com Michel Temer e com os que o cercam.
A, na aparência, sedutora bandeira do “nem Dilma nem Temer” logo ganhou o apoio desabrido de Marina Silva, da Rede, não por coincidência quem tem aparecido em boa colocação nas pesquisas eleitorais feitas no turbilhão da crise. Nada contra o senso de oportunidade. É legítimo político almejar o poder e se mobilizar diante de uma possibilidade, pelo menos teórica, de chegar lá.
Dez senadores do PMDB, PSB, Rede, PDT, PSD e, é claro, PT e PCdoB, acabam de encaminhar carta a Dilma pedindo que ela envie proposta de emenda constitucional para convocar eleições presidenciais, fazendo-as coincidir com o pleito municipal de outubro. E renuncie à Presidência, por óbvio.
A manobra se relaciona com o discurso de Dilma de que conta com o respaldo de 54 milhões de votos, maneira de dizer que apenas a eleição direta dá legitimidade. Ora, mas o vice da chapa também foi eleito pelo povo. Um grande complicador da esperta operação é convencer Michel Temer a também renunciar. E mais do que isso: deve-se perguntar se o truque é viável à luz da lei maior, a Constituição.
E não é. A proposta de uma emenda constitucional com este fim é no mínimo cavilosa. Porque para uma PEC ser aprovada exige-se quórum de três quintos de cada Casa, ou 60% (na Câmara, 308 votos), enquanto o impeachment, o afastamento do cargo, requer dois terços de apoio, 66% (342 votos). Como esta PEC objetivaria o mesmo que um processo de impedimento, a inventividade política, no mau sentido, teria construído um atalho para se aprovar impeachments com menos votos que o estabelecido na Lei.
Isso, além do fato de que não é possível o Congresso reduzir mandatos. Assim, o presidente e o vice teriam de renunciar, mas, para este caso, também há regras na Carta: eleição direta até o meio do mandato; indiretas, depois disso.
O ponto central da questão é que o Brasil tem de deixar de buscar fórmulas casuísticas, supostamente milagrosas, para enfrentar crises políticas. Desde o mensalão, e agora com o petrolão, passando pelo impeachment de Collor, o arcabouço jurídico e as instituições brasileiras já se mostraram capazes e fortes o bastante para resgatar o país de turbulências. É preciso parar-se de moldar fórmulas de conveniência.
Em entrevistas, Marina Silva diz que reconhece haver base legal no impeachment de Dilma e na consequente posse do vice — “mas não resolve o problema”. O perigo mora nesta frase. Foi por pensar o mesmo da permanência de Jango no Planalto que o general Olímpio Mourão, em março de 64, desceu com tropas de Juiz de Fora para o Rio, e as trevas se abateram sobre o Brasil durante 21 anos.
Passo contra a impunidade - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 30/04
A Controladoria-Geral da União (CGU) declarou pela primeira vez uma empresa inidônea para contratar com o poder público com base nas investigações da Operação Lava Jato. A punição foi aplicada à construtora Mendes Júnior e proíbe a realização de novos contratos da empresa com a administração federal por dois anos.
A declaração de inidoneidade da construtora baseia-se em duas acusações. A primeira refere-se à prática de atos lesivos em licitações, caracterizada pelo conluio com outras empresas que também prestavam serviços à Petrobrás, reduzindo assim a competitividade dessas disputas e, consequentemente, prejudicando a estatal. A segunda irregularidade constatada pela CGU foi o pagamento de propina para agentes públicos, com a utilização de empresas de fachada.
A Mendes Júnior contestou as acusações. Segundo a empresa, as provas apresentadas no processo não são suficientes para justificar a condenação. O ministro da CGU Luiz Navarro defendeu a aplicação da pena. “Essa é uma importante decisão adotada pela CGU, pois cumpre o papel de punir severamente as empresas que lesaram o Estado”, afirmou o ministro.
A declaração de inidoneidade é um passo importante contra a impunidade. É essencial para a sociedade que as irregularidades cometidas não fiquem num limbo, sem receberem a devida punição, como se desse na mesma atuar dentro ou fora da lei. Num Estado Democrático de Direito vige o princípio da legalidade e da responsabilidade – a prática de ilícitos não pode ser irrelevante aos olhos dos órgãos do Estado que têm o dever de investigar e punir.
Ao longo dos últimos meses, a presidente Dilma Rousseff – que por onde passa alardeia sua honestidade – não teve o menor pudor em defender a impunidade sob o falacioso argumento de que punições às empresas agravariam a crise econômica. Em sua estranha lógica, punir o ilícito cometido pelas empresas geraria desemprego. Não é exagero dizer que a presidente da República e seu séquito – como não lembrar, por exemplo, das frequentes intervenções nesse sentido do anterior advogado-geral da União Luis Inácio Adams? – promoveram verdadeiro terrorismo argumentativo a favor da não punição das pessoas jurídicas, como se o combate à impunidade significasse indiferença às vicissitudes da economia nacional.
O que poderia, para alguns, parecer ingenuidade pueril na verdade ocultava grande interesse em defender os poderosos amigos do ex-presidente Lula. E, com isso, a presidente Dilma Rousseff insistia na ideia de que bastava a punição de pessoas físicas. Exemplo dessa esquisita complacência com o ilícito foi o discurso proferido pela presidente Dilma, no ato de assinatura da Medida Provisória 703/15 – aquela que maliciosamente modificou importantes regras da Lei Anticorrupção. “Nossa tarefa é garantir reparação integral dos danos causados à administração pública e à sociedade sem destruir empresas ou fragilizar a economia. (...) Como eu disse já, em outras ocasiões, devemos penalizar os CPFs, os responsáveis pelos atos ilícitos. Não necessariamente penalização de CPFs significa a destruição dos CNPJs. Aliás, acreditamos que não exige. Precisamos voltar a crescer e gerar emprego e renda para nossa população”, afirmou uma presidente da República ineditamente preocupada com a economia que levava à ruína e acintosamente devotada aos interesses das empresas.
Como bem sabe a população brasileira, a presidente Dilma Rousseff não tem lá grandes preocupações com a economia nacional.
Teimosamente insistiu por longos e dolorosos anos em políticas públicas que arrasaram o País, com indecentes taxas de inflação e de desemprego. O que parece preocupá-la de verdade é a possibilidade de que empresas amigas sejam punidas. Merece, portanto, elogio a decisão da CGU de não deixar impunes irregularidades de empresas. Sinal de que a lei ainda prevalece sobre caprichos presidenciais.
A Controladoria-Geral da União (CGU) declarou pela primeira vez uma empresa inidônea para contratar com o poder público com base nas investigações da Operação Lava Jato. A punição foi aplicada à construtora Mendes Júnior e proíbe a realização de novos contratos da empresa com a administração federal por dois anos.
A declaração de inidoneidade da construtora baseia-se em duas acusações. A primeira refere-se à prática de atos lesivos em licitações, caracterizada pelo conluio com outras empresas que também prestavam serviços à Petrobrás, reduzindo assim a competitividade dessas disputas e, consequentemente, prejudicando a estatal. A segunda irregularidade constatada pela CGU foi o pagamento de propina para agentes públicos, com a utilização de empresas de fachada.
A Mendes Júnior contestou as acusações. Segundo a empresa, as provas apresentadas no processo não são suficientes para justificar a condenação. O ministro da CGU Luiz Navarro defendeu a aplicação da pena. “Essa é uma importante decisão adotada pela CGU, pois cumpre o papel de punir severamente as empresas que lesaram o Estado”, afirmou o ministro.
A declaração de inidoneidade é um passo importante contra a impunidade. É essencial para a sociedade que as irregularidades cometidas não fiquem num limbo, sem receberem a devida punição, como se desse na mesma atuar dentro ou fora da lei. Num Estado Democrático de Direito vige o princípio da legalidade e da responsabilidade – a prática de ilícitos não pode ser irrelevante aos olhos dos órgãos do Estado que têm o dever de investigar e punir.
Ao longo dos últimos meses, a presidente Dilma Rousseff – que por onde passa alardeia sua honestidade – não teve o menor pudor em defender a impunidade sob o falacioso argumento de que punições às empresas agravariam a crise econômica. Em sua estranha lógica, punir o ilícito cometido pelas empresas geraria desemprego. Não é exagero dizer que a presidente da República e seu séquito – como não lembrar, por exemplo, das frequentes intervenções nesse sentido do anterior advogado-geral da União Luis Inácio Adams? – promoveram verdadeiro terrorismo argumentativo a favor da não punição das pessoas jurídicas, como se o combate à impunidade significasse indiferença às vicissitudes da economia nacional.
O que poderia, para alguns, parecer ingenuidade pueril na verdade ocultava grande interesse em defender os poderosos amigos do ex-presidente Lula. E, com isso, a presidente Dilma Rousseff insistia na ideia de que bastava a punição de pessoas físicas. Exemplo dessa esquisita complacência com o ilícito foi o discurso proferido pela presidente Dilma, no ato de assinatura da Medida Provisória 703/15 – aquela que maliciosamente modificou importantes regras da Lei Anticorrupção. “Nossa tarefa é garantir reparação integral dos danos causados à administração pública e à sociedade sem destruir empresas ou fragilizar a economia. (...) Como eu disse já, em outras ocasiões, devemos penalizar os CPFs, os responsáveis pelos atos ilícitos. Não necessariamente penalização de CPFs significa a destruição dos CNPJs. Aliás, acreditamos que não exige. Precisamos voltar a crescer e gerar emprego e renda para nossa população”, afirmou uma presidente da República ineditamente preocupada com a economia que levava à ruína e acintosamente devotada aos interesses das empresas.
Como bem sabe a população brasileira, a presidente Dilma Rousseff não tem lá grandes preocupações com a economia nacional.
Teimosamente insistiu por longos e dolorosos anos em políticas públicas que arrasaram o País, com indecentes taxas de inflação e de desemprego. O que parece preocupá-la de verdade é a possibilidade de que empresas amigas sejam punidas. Merece, portanto, elogio a decisão da CGU de não deixar impunes irregularidades de empresas. Sinal de que a lei ainda prevalece sobre caprichos presidenciais.
Instabilidade e desemprego - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 30/04
Desde o primeiro mandato, a presidente Dilma investiu alto na manutenção dos postos de trabalho no país. Renúncia fiscal, desoneração da folha de pagamento e incentivos à indústria - um dos mais importantes setores da economia. As providências foram frustradas. A arrecadação encolheu e, na sequência, o rombo fiscal se tornou mais profundo. Hoje, no ápice da crise política, quando o impeachment bate à porta da presidente, o país convive com duas situações, que deprimem a economia e exigirão medidas amargas para realinhar o país na rota do desenvolvimento. O deficit nas contas públicas chegou a R$ 7,9 bilhões, o mais alto em 19 anos, o que estreita a margem de manobra do Estado para reerguer o país.
O desemprego fechou o primeiro trimestre em 10,9%, ou seja, atinge mais de 11 milhões de profissionais, segundo os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se da mais alta taxa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua - sondagem mais abrangente, iniciada em 2012, que substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego, que, por 36 anos, levantou o índice em seis regiões metropolitanas.
Na comparação com o último trimestre de 2015, o número de desocupados cresceu 22%, e, em relação a igual período do ano passado, o aumento foi bem maior: de 39,8%. A população ocupada, que totalizou 90,6 milhões, diminuiu 1,7% sobre trimestre encerrado em dezembro, e 1,5%, de janeiro a março deste ano. Ante O cenário tão cruel, os brasileiros decidiram trabalhar por conta própria. A alta foi de 1,2% frente o período de outubro a dezembro, e de 6,5% em relação ao primeiro trimestre de 2015.
Quaisquer medidas adotadas pelo provável governo Michel Temer para reaquecer a economia não terão resultado imediato. Vários fatores vão influenciar o processo, a começar pelo comportamento do Congresso Nacional frente ao que for anunciado pela futura equipe econômica. Haverá respaldo político para o receituário anticrise? Ou prevalecerá o toma lá dá cá que emperra a aprovação de providências indispensáveis para debelar a crise? O mercado estará atento a cada passo. Postegar ações necessárias para garantir credibilidade aos que chegarem ao comando da nação implica manter o desânimo dos investidores, hoje retraídos frente à crise instalada no país.
De nada adianta lamentar o leite derramado. A tragédia está pronta. Resta recolher os escombros, resultado dos desacertos e conflitos, e reconstruir os caminhos para que o país possa trilhar rota que o leve à recuperação dos empregos, dos investimentos e alcance a alavanca do desenvolvimento. Mantidos os atuais impasses, decorrentes de conflitos de interesses, além do desemprego, a nação amargará a perda de conquistas importantes, que guindaram social e economicamente milhões de brasileiros, e verá inflar as estatísticas da fome e da miséria. O momento não contempla espaço para debates estéreis, mas impõe responsabilidade de todos aqueles que têm poder de decisão para tirar o país da estagnação.
Desde o primeiro mandato, a presidente Dilma investiu alto na manutenção dos postos de trabalho no país. Renúncia fiscal, desoneração da folha de pagamento e incentivos à indústria - um dos mais importantes setores da economia. As providências foram frustradas. A arrecadação encolheu e, na sequência, o rombo fiscal se tornou mais profundo. Hoje, no ápice da crise política, quando o impeachment bate à porta da presidente, o país convive com duas situações, que deprimem a economia e exigirão medidas amargas para realinhar o país na rota do desenvolvimento. O deficit nas contas públicas chegou a R$ 7,9 bilhões, o mais alto em 19 anos, o que estreita a margem de manobra do Estado para reerguer o país.
O desemprego fechou o primeiro trimestre em 10,9%, ou seja, atinge mais de 11 milhões de profissionais, segundo os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se da mais alta taxa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua - sondagem mais abrangente, iniciada em 2012, que substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego, que, por 36 anos, levantou o índice em seis regiões metropolitanas.
Na comparação com o último trimestre de 2015, o número de desocupados cresceu 22%, e, em relação a igual período do ano passado, o aumento foi bem maior: de 39,8%. A população ocupada, que totalizou 90,6 milhões, diminuiu 1,7% sobre trimestre encerrado em dezembro, e 1,5%, de janeiro a março deste ano. Ante O cenário tão cruel, os brasileiros decidiram trabalhar por conta própria. A alta foi de 1,2% frente o período de outubro a dezembro, e de 6,5% em relação ao primeiro trimestre de 2015.
Quaisquer medidas adotadas pelo provável governo Michel Temer para reaquecer a economia não terão resultado imediato. Vários fatores vão influenciar o processo, a começar pelo comportamento do Congresso Nacional frente ao que for anunciado pela futura equipe econômica. Haverá respaldo político para o receituário anticrise? Ou prevalecerá o toma lá dá cá que emperra a aprovação de providências indispensáveis para debelar a crise? O mercado estará atento a cada passo. Postegar ações necessárias para garantir credibilidade aos que chegarem ao comando da nação implica manter o desânimo dos investidores, hoje retraídos frente à crise instalada no país.
De nada adianta lamentar o leite derramado. A tragédia está pronta. Resta recolher os escombros, resultado dos desacertos e conflitos, e reconstruir os caminhos para que o país possa trilhar rota que o leve à recuperação dos empregos, dos investimentos e alcance a alavanca do desenvolvimento. Mantidos os atuais impasses, decorrentes de conflitos de interesses, além do desemprego, a nação amargará a perda de conquistas importantes, que guindaram social e economicamente milhões de brasileiros, e verá inflar as estatísticas da fome e da miséria. O momento não contempla espaço para debates estéreis, mas impõe responsabilidade de todos aqueles que têm poder de decisão para tirar o país da estagnação.