quinta-feira, abril 07, 2016

Marina, no seu labirinto - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 07/04

A líder da Rede segue prisioneira de uma resistência cujo sentido perdeu-se no passado



“Nem, nem” — eis a campanha lançada pela Rede, dois dias atrás, em Brasília. Nem Dilma, nem Temer: o impeachment, explicou Marina Silva, “não cumpre a finalidade de resolver a crise”. É que, “ao final dele, a metade que patrocinou a crise estará lá, que é o PMDB”. A solução seria uma nova eleição presidencial, por meio da cassação da chapa no TSE, cujos juízes “devolveriam aos 200 milhões de brasileiros a possibilidade de reparar o erro que foram induzidos a cometer”. Por esse caminho, Marina chega à câmara mais recôndita de seu labirinto. O Minotauro que a habita é o Princípio. Ele se alimenta da negação da política.

A política distingue-se da politicagem quando se submete às balizas dos princípios. Mas, sob o olhar de Marina, a arte da política está sempre contaminada por uma impureza essencial. Para circundá-la, a líder da Rede move-se à frente, numa trajetória de fuga em direção ao Princípio. Ela esquece que suas ações estão inscritas, inevitavelmente, no tabuleiro da política. A campanha do “nem, nem” ilumina essa contradição fatal. O radicalismo principista da rejeição do impeachment apenas aprofunda a crise nacional que se propõe a solucionar.

O diagnóstico geral de Marina é irretocável. A coalizão PT-PMDB produziu uma crise de legitimidade ao enganar os eleitores, prometendo uma estabilidade econômica já destroçada no primeiro mandato de Dilma Rousseff. O golpe eleitoral de 2014 destruiu a governabilidade, que não será restaurada pela transferência do poder ao sócio menor. Juntos, PT e PMDB promoveram o assalto à coisa pública desvendado pela Operação Lava Jato, convertendo a democracia numa caricatura macabra de si mesma. Na manobra da ruptura do PMDB com o governo, entre os ratos que saltam do barco, contam-se diversas figuras envolvidas com o escândalo do “petrolão”. Para “passar o Brasil a limpo”, na expressão usada por Marina, é preciso bem mais que uma troca de guarda no Planalto.

Um governo Michel Temer não é rima nem solução. Carente da legitimidade eleitoral, enfrentando o bombardeio implacável do PT e da sua tropa disciplinada de sindicatos e “movimentos sociais”, Temer não teria meios para adotar as medidas ousadas exigidas pelo desastre econômico. Cercado pelas máfias de seu próprio partido, Temer ficaria vulnerável às chantagens políticas destinadas a encerrar as investigações da Lava Jato. De fato, para alinhar o poder político ao imperativo de “passar o Brasil a limpo”, é preciso devolver o voto ao povo. Entretanto, no lugar disso, a campanha do “nem, nem” oferece uma oportunidade suplementar ao sócio maior da coalizão governista, que é o PT.

Fora do universo “sonhático” do Princípio, a vida política obedece a ritmos e prazos definidos legalmente. Um julgamento das contas de campanha no TSE ainda demanda alguns meses. Depois, na hipótese de cassação da chapa Dilma-Temer, o governo ingressaria com recurso junto ao STF. A decisão final não sairia antes de 2017, o que transferiria a prerrogativa de eleger presidente e vice para o Congresso Nacional. Na prática, o sucesso da campanha do “nem, nem” provocaria uma eleição indireta, entregando o Executivo aos indicados por um corpo de deputados e senadores largamente comprometidos com os esquemas do “petrolão”. O Minotauro é um conservador extremado, não uma fonte de ruptura e renovação.

Confrontados com tais impasses, os arautos do “nem, nem” apelam ao expediente do ilusionismo, reivindicando as renúncias simultâneas de Dilma e Temer, o que ensejaria a convocação de eleições diretas. A renúncia é, porém, um ato unilateral de vontade — e Dilma repete sem cessar, noite e dia, que “jamais” renunciará. Opondo-se ao impeachment e solicitando algo que só a presidente pode fazer, Marina converte o Brasil em refém das estratégias de Lula. No fundo, enquanto o ministro ilegal da Casa Civil engaja-se no feirão da corrupção, comprando deputados a preços de mercado spot, a Rede vira as costas ao jogo da política, isolando-se no cubo de cristal do Princípio.

Marina segue prisioneira de uma resistência cujo sentido perdeu-se no passado. A necessidade do impeachment já não decorre do precário argumento original das “pedaladas fiscais”. Hoje, deriva das evidências de que Dilma elegeu-se com recursos desviados da Petrobras e, mais ainda, da urgência de afastar um governo empenhado na sabotagem das investigações da Lava Jato, numa ofensiva contra a autonomia do Ministério Público e da Polícia Federal e na tentativa de obstrução da justiça. Dilma e Lula precisam ser apeados justamente para resguardar a oportunidade de “passar o Brasil a limpo”. O impeachment é, no momento, o instrumento disponível para alcançar a finalidade explicitamente almejada pela líder da Rede.

Na aliança tática com o PMDB, o Princípio se perde, mas os princípios sobrevivem. Dilma e Lula dispõem de uma máquina política eficaz, que ainda funciona. Temer, por outro lado, seria apenas um presidente circunstancial. Do impeachment, emanaria um governo frágil, confrontado desde a inauguração com uma encruzilhada decisiva. Temer teria a chance de cumprir um papel histórico, semeando a reconstrução econômica e abrindo as comportas para a continuidade das investigações da Lava Jato. Na direção oposta, cedendo à tentação de reduzir seu governo a um polo de reaglutinação de corruptos à deriva, ele afrontaria a vontade da maioria. Nessa hipótese, o grito de “Fora, Dilma” seria substituído por um sonoro “Fora, Temer”.

A política é, entre outras coisas, a arte de estabelecer uma hierarquia de prioridades. Marina desrespeita suas regras básicas ao refugiar-se na câmara do Princípio. O Minotauro nasceu do castigo de Poseidon ao gesto de desrespeito do rei Minos. Antes de oferecer involuntariamente uma ajuda providencial a Dilma e Lula, sugiro que ela estude a narrativa mitológica do labirinto de Creta.

Outra herança maldita de Dilma - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de SP - 07/04

Há fantasias de recomeço em todos os grupos que pretendem tomar o poder de Dilma Rousseff depois da votação do impeachment, seja qual for o resultado, Lula 3, Temer 1, Dilma 2, a Zumbi, ou sabe-se lá que mutreta institucional se venha a inventar.

Recomeço no sentido de alguma retomada econômica ou "estabilização", suficiente para evitar envenenamento adicional do ambiente socioeconômico e, assim, a ruína política antecipada de quem tomar o poder.

Esqueçam-se por um momento a conversa macroeconômica e debates sobre o médio e longo prazos. Convém ainda duvidar sobre os efeitos imediatos de um programa de reformas alentado.

Suponha-se que apareça um governo sério, de qualquer cor ideológica, com um plano crível e politicamente viável de consertar a política econômica e, ainda, de retirar o entulho microeconômico ruinoso deixado por Dilma Rousseff (ufa). Assim, especula-se, a expectativa de dias melhores animaria desde já empresas e consumidores sobreviventes da crise. Começaríamos lentamente a sair do buraco.

Observando as ruínas reais em torno, há motivos para suspeitar dessa primavera no pós-guerra. Considere-se o caso das montadoras de veículos, que nesta quarta (6) apresentaram os números de sua depressão cada vez mais profunda.

Cerca de 60% das linhas de produção de automóveis estão paradas. No caso de caminhões e ônibus, mais de 81%. A produção de automóveis baixou uns 40% desde o pico histórico de 2013 (em termos anuais), quase 1,5 milhão de carros a menos. A produção agora baixou ao nível de meados de 2005.

Já houve outras descidas aos infernos. Não tão longas; talvez de qualidade diferente.

Talvez a indústria automotiva padeça de mais que recessão profunda: de superinvestimento doentio, excesso duradouro de capacidade. As fábricas cresceram com o estímulo de crédito, reduções de impostos e algumas proteções da concorrência. A mão pesada (ou leve?) do governo inflou as montadoras, incentivando de modo artificial e, por fim, equivocado, decisões de investir ("distorceu a alocação de capital").

O governo inflou o crédito por meio de bancos estatais, alimentados à base de dívida pública. Reduziu impostos sobre bens de consumo de modo suicida, em termos fiscais. Etc. A distorção não aconteceu apenas em um ramo central da indústria de bens de consumo ou na construção residencial.

Não se pode dizer, do mesmo modo, que aconteceu superinvestimento no setor imobiliário, mas de algum modo tal coisa ocorreu. O ritmo de crescimento de crédito que inflou preços e expectativa de vendas era insustentável. Aliás, note-se que, em termos anuais, a venda de imóveis residenciais novos na região metropolitana de São Paulo caiu 17%.

Aconteceu tal coisa ainda com os investimentos incompetentes ou criminosos em expansão doidivanas do setor do petróleo, movidos a dívida e proteções. De modo inverso (escassez), ocorreu no restante do setor de energia (elétrica e etanol).

A economia de muita empresa ou setor está, pois, fora do lugar, além de avariada por dívidas e assombrada pela perspectiva de que o crédito não vai voltar a crescer tão cedo: ainda cai e, pior, os efeitos piores da recessão estão para aparecer no balanço dos bancos.

É tudo culpa da Lava- Jato - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 07/04

A operação simbolizada em Moro é parte do fenômeno policial e jurídico mundial de combate a quadrilhas de lavagem de dinheiro

“Isso deve ser coisa daquele juiz brasileiro” — foi o comentário ouvido em rodas de conversas no Panamá, nesta semana, quando estourou o caso dos “Panama Papers”. O tal juiz, claro, só pode ser Sérgio Moro, bastante conhecido no país por causa da Odebrecht. Quer dizer, por causa da prisão de Marcelo Odebrecht, ali reconhecido como o dono da maior companhia da América Latina.

Eu estava por lá, em visita particular, quando da prisão. O pessoal parecia estupefato. Preso em uma cela comum? — espantavam-se desde executivos nacionais e estrangeiros a motoristas de Uber.

A empreiteira tem obras importantes por lá — aliás, discute com o atual governo uma revisão nos planos e custo do aeroporto — e é o “mecenas” número um do principal museu local, um magnífico prédio do arquiteto Frank Gehry.

Tudo isso apanha o Panamá num momento especial. O escritório Mossack Fonseca ganhou muito dinheiro com a condição de paraíso fiscal de que o país desfrutou durante anos a fio. Formou-se, e ainda trabalha por lá, uma expressiva comunidade de executivos financeiros de várias nacionalidades.

De uns tempos para cá, quando os Estados Unidos, a União Europeia e instituições internacionais, como o FMI, iniciaram a guerra contra o dinheiro sujo que alimenta a corrupção, o tráfico de drogas e o terrorismo, o Panamá foi apanhado no contrapé. Aquilo que era vantagem competitiva — o paraíso fiscal — tornou-se um peso, um pecado que passou a espantar empresas e capitais.

Para resumir, o atual governo, do presidente Juan Carlos Varela, aplica um programa de desmonte do paraíso fiscal. Já conseguiu aprovar uma legislação restritiva, chancelada pelo FMI, e faz uma campanha interna alertando que lavagem de dinheiro é crime e deve ser denunciada. A operação não é simples, entretanto. O governo quer banir a lavagem, mas pretende que o Panamá permaneça como um “hub” financeiro para a América Latina, isso incluindo Miami.

Nessa hora, aparece o caso do escritório Mossack Fonseca. O sócio Ramon Fonseca é da mais alta elite panamenha. Além de advogado, é escritor (romances, novelas) e político. Não tem Lava-Jato no Panamá, mas a elite local ligada aos velhos hábitos, digamos assim, entra na alça de mira internacional.

É claro que não foi o juiz Sérgio Moro que deflagrou a operação “Panama Papers”. Mas a Lava-Jato, se não passou, vai passar por esse canal. E isso explica por que o pessoal do Panamá chega a imaginar que era tudo coisa “daquele juiz brasileiro”.

A Lava-Jato, simbolizada em Moro, é parte de um fenômeno mundial — a campanha policial e jurídica em busca das quadrilhas que promovem ou participam da lavagem de dinheiro. Não se trata só de mais uma operação.

Na última segunda, o WhatsApp brasileiro passou a exibir a informação de que as mensagens agora são criptografadas “de ponta a ponta”. Quando tratamos disso na CBN, muitos ouvintes perguntaram: é coisa da Lava-Jato?

Não, claro, mas de certa forma... Trata-se de um reforço na privacidade. Criptografadas, as mensagens não podem ser lidas nem pelo WhatsApp, nem por terceiros. Quer dizer que não podem ser grampeadas?

Não vai demorar muito para termos aqui um caso parecido com o FBI x Apple, quando a agência queria que a companhia quebrasse o código do iPhone de um terrorista. Não é de se esperar que um juiz brasileiro acabe pedindo que o WhatsApp quebre a criptografia para apanhar um suspeito? Ou, se o próprio pessoal da Lava-Jato, com autorização do juiz, quebrar a criptografia e captar conversas suspeitas, essa prova terá validade nos tribunais?

Notem: o uso de uma tecnologia de informação de ponta é parte essencial das operações tipo Lava-Jato no mundo todo. São eficientes e rápidas. Talvez pela primeira vez no Brasil uma operação anticorrupção seja mais capaz do que a própria corrupção. Ou ainda: tem uma capacidade de gerar provas muito mais intensas do que a habilidade dos advogados e seus clientes de oferecer explicações e defesas.

Por isso a Lava-Jato é celebrada — de Curitiba ao Panamá —, mas por isso também assusta um determinado público, nos mesmos lugares. Há movimentos nos meios políticos brasileiros para restringir a legislação anticorrupção, assim como, aqui incluindo os meios jurídicos, tentativas de limitar a capacidade da Lava-Jato de buscar e produzir provas.

Conseguirão?

Talvez consigam atrasar o processo. Mas imaginem a repercussão — mundial — de uma tentativa de cortar os braços de Moro.

E para encerrar com uma ironia: sabem qual o segundo sobrenome de Rafael Fonseca? Mora.

Quase.

Sobre nossas atuais atribulações - EVERARDO MACIEL

ESTADÃO - 07/04

A ciclópica crise que vivemos está desnudando a vida política do País.

As boas notícias. Jamais houve golpe, no Brasil, sem a participação dos militares. Hoje, as Forças Armadas desempenham um papel estritamente profissional, sem nenhuma pretensão política.

Déficit de cidadania é traço marcante da democracia brasileira. Em raros momentos, o povo foi às ruas, para revelar sua vontade. Desde 2014, percebe-se que algo mudou e as manifestações populares passaram a vocalizar o inconformismo do povo contra a corrupção e o desgoverno.

Até bem pouco tempo, ninguém poderia imaginar eficácia no enfrentamento da corrupção. A Operação Lava-Jato está demonstrando que esse objetivo é factível.

As más notícias. A violência, que já faz parte do cotidiano dos brasileiros, transferiu-se para a política.

Nas ruas e nas redes sociais, há uma preocupante polarização, que foi precedida pelo recorrente discurso do “nós contra eles”.

Se nas ruas as agressões físicas e os atentados ao patrimônio se converteram em rotina, nas redes sociais sobressaem a difamação, a adulteração de textos e imagens e a desqualificação, por mera divergência de opiniões, de virtudes intelectuais e artísticas.

O debate político em torno do afastamento ou não da Presidente da República é recheado de sofismas e desvarios.

Obviamente, não vai haver golpe. Não há golpe quando se recorre a institutos abonados pela Constituição, observados ritos reconhecidos como constitucionais pelo STF.

É evidente que não há impeachment sem crime de responsabilidade. Esse juízo, entretanto, é feito por quem julga – no caso, o Congresso Nacional -, e não por quem é acusado. Pesquisa com condenados, em uma penitenciária, iria concluir que todos são inocentes.

Alguns demandam a renúncia do Presidente e do Vice-Presidente. Renúncia é ato de vontade unilateral. Não se exige, mesmo porque há risco de ver essa pretensão ser rechaçada com um rotundo não.

Outros bradam a bandeira das eleições gerais, que se presume alcançar todos os mandatos eletivos. Essa ideia já foi suscitada no governo militar. Ganhou o merecido apelido de “Emenda Jim Jones”, por referência a um líder religioso que se suicidou na Guiana, em 1978, e levou consigo todos os seus seguidores, na esperança de um encontro no Paraíso.

Receio que uma emenda constitucional que venha a cassar todos os detentores de mandato eletivo venha a ser tida como inconstitucional, por ofender à soberania popular, sabendo-se que mandatos somente são revogáveis nas hipóteses já previstas na Constituição.

Parece-me que a proposta é mera manobra diversionista ou expediente de conveniência para pretensões eleitorais. A tese se habilita, com mérito, a troféu no torneio das ideias ruins.

O futuro. E muito difícil conceber cenários para a crise brasileira, em virtude do caráter não linear e imprevisível da Operação Lava-Jato, das decisões judiciais no âmbito do julgamento das contas eleitorais de 2014 e dos recursos contra os processos de afastamento da Presidente, e das manobras espúrias de cooptação de parlamentares no Congresso.

Arrisco-me a imaginar dois cenários possíveis: a agonia prolongada ou a transição dolorosa.

Se não ocorrer o afastamento da Presidente no curto prazo, teremos uma agonia prolongada. A crise econômica não vai ceder, podendo aumentar caso se recorra a pajelanças. As manifestações de hostilidade ao governo continuarão fortes. O ministério, que se prenuncia, vai dar a concretude ao “governo dos piores” (a “kakistrocracia”, para utilizar a expressão cunhada por Michelangelo Bovero).

Caso o Vice-Presidente assuma a presidência, haverá uma transição dolorosa. Os defenestrados não vão dar trégua. Sindicatos e movimentos autodenominados sociais, financiados com dinheiro do imposto sindical e subsídios governamentais, vão usar de todos os recursos para infernizar a vida dos novos governantes. Os partidos apeados do poder vão recorrer a um discurso de vitimização, que incluirá a falsa alegação de golpe.

Um alento inicial, que decorreria do restabelecimento de expectativas no mercado, pode ser seguido de uma frustração dos que demandam mudanças rápidas, que são inviáveis no curto prazo.

A superação da crise vai requerer talento, habilidade negocial e transparência. E, sobretudo, respeito à lei e às decisões judiciais. É assim que funciona no estado democrático de direito.


Sem vitória possível - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/04

Com a provável aprovação do relatório da comissão do impeachment a favor da continuidade do processo, a batalha política transfere-se para o plenário da Câmara, onde o governo busca de várias as maneiras, quase todas ilegais ou imorais, montar uma minoria que seja suficiente para barrar o impeachment.

Para o governo, não há vitória possível. Sairá apequenado do episódio, com uma votação que indicará que já não tem apoio para governar, ou será derrotado pela maioria que hoje se impõe no Congresso e na sociedade. Caso o governo, à custa de ausências e votos literalmente comprados, vier a ser bem-sucedido, a crise continuará dando as cartas e um novo fantasma surgirá.

Seria a própria vitória de Pirro, onde o esforço acaba dizimando o exército teoricamente vencedor. Nesse caso, produziria a desmoralização final do PT e um governo mais incompetente ainda, formado pelo baixo clero do Congresso em conflito com o PT e os movimentos de esquerda.

O processo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passará a ser a nova etapa a ser superada pelo governo Dilma, processo que dificilmente controlará devido às denúncias que estão surgindo na Operação Lava-Jato, agora abarcando também o financiamento ilegal da eleição presidencial de 2014.

Desde o início desse processo, dois potenciais candidatos à sucessão presidencial que aparecem nas pesquisas como favoritos, o senador Aécio Neves do PSDB e Marina Silva da Rede, se colocaram a favor da solução TSE, pois acreditavam que só uma nova eleição daria ao futuro presidente condições políticas para governar dentro da crise em que estamos metidos.

O PSDB, com o tempo, foi sendo levado a aderir à tese do impeachment, principalmente devido à pressão dos movimentos sociais que colocam multidões nas ruas contra a presidente Dilma. Hoje, está convencido de que a realidade se impôs e que o impeachment é a saída constitucional adequada para o momento, que exige ações de urgência.

Por isso, recusa qualquer proposta que saia da normalidade constitucional, como as eleições gerais que alguns políticos começam a tentar negociar. Uma solução desse tipo, ou mesmo a implantação do parlamentarismo e seus sucedâneos como o semiparlamentarismo, representaria, aí sim, um golpe, pois não estão previstas na Constituição, e não há ruptura institucional que as justifique.

Além do mais, quaisquer dessas mudanças constitucionais pressupõem a interrupção do processo de impeachment, o que, no fundo, parece ser a verdadeira intenção de quem as apresenta. Como uma espécie de grande acordo que acabaria desmoralizando mais ainda a classe política e colocaria em risco a Operação Lava- Jato.

Já o caso de Marina é diferente, e, ontem, a chamada da minha coluna na primeira página do jornal exacerbou o que escrevi, colocando a posição da Rede na mesma conta do que considero golpe. Na verdade, como já escrevi aqui antes, em tese, também considero que a solução TSE seria a melhor, mas o que me diferencia da posição de Marina é que considero que a realidade coloca em xeque posições idealistas.

No momento, votar contra o impeachment ou abster-se é o mesmo que dar apoio à continuidade do governo Dilma. Marina me diz que o processo de decisão da Rede é horizontalizado, em busca do que chama de "consenso progressivo", e por isso a direção nacional não fechará questão sobre o impeachment.

Pessoalmente, Marina já considera que o impeachment se impôs como fato político e jurídico, mas seus representantes terão liberdade para decidir. Os deputados Miro Teixeira e João Derly votarão a favor, Alessandro Molon votará contra, e o representante do partido na comissão, Aliel Machado, aguarda uma orientação da direção nacional do partido.

Já o PSDB está hoje inteiramente voltado para a aprovação do impeachment. E, caso ela não venha, voltará seus esforços políticos para que o Tribunal Superior Eleitoral decida ainda este ano a situação das contas da eleição presidencial de 2014.

Esse fantasma assombrará também um eventual governo Michel Temer, pois o processo continuará a correr e as provas continuarão sendo produzidas nas investigações da Lava- Jato. Nesse caso, porém, enquanto o PSDB e outros partidos de oposição participarão do governo de transição do PMDB, provavelmente a Rede de Marina estará fora.


O valor da estabilidade - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/04

O que esse doloroso momento pode trazer para o país é a confirmação dos valores e princípios que levaram à Lei de Responsabilidade Fiscal e a todo o esforço para que as leis orçamentárias fossem levadas a sério. O relatório do deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que viu indícios de crime de responsabilidade, lembra que a estabilidade não é uma questão menor.

Durante toda essa discussão, o que o governo sempre disse é que essa era uma pequena ilegalidade. Outras forças políticas, mesmo contrárias ao governo, lamentavam que o processo de impeachment estivesse sendo iniciado por uma questão tão "pequena" quanto esta. Descumprir o ordenamento fiscal, monetário e orçamentário do país, pilares da estabilidade tão duramente conquistada, não é um pecadilho, não é pequena irregularidade, é um atentado à ordem econômica do país.

O que o relatório acolhe é esta ideia central do valor da estabilidade. O curioso é que 2015 foi o ano em que se tentou desfazer o que foi prática corrente durante o primeiro mandato. O então secretário do Tesouro Arno Augustin, escolha pessoal da presidente da República, e o então ministro da Fazenda Guido Mantega, que ela herdou do ex- presidente Lula, fizeram tábula rasa das leis fiscais do país: maquiaram as contas, manipularam dados, esconderam déficits. Eles se sentiam tão à vontade, com a concordância da presidente da República às suas práticas, que foram além no que ficou conhecido como "pedaladas fiscais".

O deputado Jovair Arantes vai ao cerne da questão quando diz que a proibição de o governo contrair empréstimos junto a bancos públicos foi uma das principais medidas da Lei de Responsabilidade Fiscal e por isso essa questão não pode ser considerada como menor. De fato, quem viu a lei nascer, como forma de acabar com os abusos de governantes que quebravam os bancos e deixavam a bomba estourar nas mãos dos sucessores, sabe exatamente que esse é um ponto central.

Durante o ano de 2015, em um encontro no Ministério da Fazenda, ouvi de uma autoridade: "aqui estamos despedalando." Mesmo assim, as dívidas cresceram, e a prática, apesar de reduzida, permaneceu. Isso elevou o passivo. Mas, correto mesmo, era considerar-se as pedaladas de 2014. Ele teve que ficar nas de 2015, de menor intensidade, porque foi isso que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, recebeu como denúncia. E essa limitação temporal acaba favorecendo a presidente da República em sua luta para manter o mandato.

Seja o que for que aconteça daqui por diante, é forçoso reconhecer os passos dados no enforcement, ou seja, na força para fazer cumprir a lei fiscal. O TCU recomendou a rejeição das contas por essas manobras e agora o relator da Comissão do Impeachment vê indícios de crime de responsabilidade. É o país que avança.

"A preocupação com o equilíbrio fiscal está longe de constituir mera tecnicalidade", diz o relator e explicou que isso é parte integrante da democracia porque a população tem o direito de escolher projetos distintos para governar os destinos do país. Se um governo desmonta as bases da estabilidade, compromete a administração seguinte. Esta é a ideia: um governo não pode quebrar o Estado para se eternizar no poder ou jogar para o sucessor bombas fiscais de efeito retardado.

Os valores "exorbitantes" que ficaram a descoberto junto aos bancos públicos, explica o relator, "evidenciam que a União, sob o comando da denunciada, transformou em regra o que deveria ser absolutamente excepcional". O destino do relatório será decidido pelos membros da Comissão, mas ele acolheu exatamente o que é fundamental em toda essa discussão.


Ministro do STF exorbita em impeachment de Temer - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/04

A divulgação, sexta-feira, pela assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal, de decisão do ministro Marco Aurélio Mello, determinando que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceitasse pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer foi justificada como um erro. O documento sequer estava assinado pelo ministro, alegava-se.

Fazia sentido a explicação, porque a aceitação do pedido do advogado Mariel Márley Marra, naqueles termos, seria uma ingerência do STF na esfera de decisão de outro Poder. Mas, se erro houve, foi apenas de antecipação do que o magistrado já decidira. De fato, Marco Aurélio, na terça-feira, viria a determinar que Cunha aceitasse o pedido de impeachment, recusado por ele anteriormente. Daí o advogado ter recorrido ao Supremo.

É surpreendente esta liminar, por vários motivos. Um deles, citado pelo próprio Cunha, é que o Supremo, ao julgar em dezembro a ADF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) impetrada pelo PCdoB contra o rito do impeachment da presidente Dilma, sacramentou o poder do presidente da Câmara de aceitar ou não processos de impedimento, sem precisar instalar comissões especiais. Em 2011, situação semelhante ocorreu com o então presidente do Senado, José Sarney, e a Corte reafirmou o posicionamento.

Salvo depois de definições formais de jurisprudência (súmulas vinculantes), juízes estão livres para mudar de opinião. Ocorre, porém, que nesta matéria específica, tamanha reviravolta — a necessidade de comissões especiais para avaliar cada pedido de impeachment, e há dezenas na Câmara — não provocará apenas grande tumulto no funcionamento da Casa. Terminará sendo uma barreira à abertura desses processos.

Uma questão grave é aumentar o já grande envolvimento do Supremo no processo de impeachment de Dilma, e que tende a crescer com a promessa do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, de não economizar nos recursos à Corte em defesa da presidente. Não há mesmo como imaginar um impeachment de presidente sem recursos ao STF. Mas existem, nos meios jurídicos, doutrinas opostas quanto a isso. No impedimento de Collor, por exemplo, o Supremo, por sua composição à época, procurou deixar o Legislativo com um espaço de manobra mais amplo.

No julgamento da ADF, em dezembro, o ministro relator do caso, Edson Fachin , apresentou um voto mais neste sentido, em alguns pontos. Foi vencido pelo entendimento, em direção oposta, do ministro Luís Roberto Barroso, de cujo voto saíram as linhas básicas do rito que está sendo seguido. Tudo conforme a Constituição.

Mas a determinação do ministro Marco Aurélio desequilibra a balança, por invadir área do Legislativo.Ainda bem que a decisão final será do plenário da Corte. A crise política, já grave, não pode desembocar numa choque institucional entre Judiciário e Legislativo.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DILMA USA GOVERNADORES PARA ‘ACERTAR’ DEPUTADOS

A presidente Dilma e seu quase-ministro Lula acionaram governadores íntimos para o “serviço sujo” de fazer os deputados federais dos seus estados se posicionarem contra o impeachment, na votação do dia 17. Os governadores estão autorizados a utilizar a “moeda” que for exigida pelos interlocutores, inclusive cargos. Dilma e Lula definiram essa estratégia porque temem gravações de conversas e de telefonemas.

PARA ISSO, HÁ RECURSOS
A oposição já sabe que o Planalto tem liberado recursos para os governadores aliados que viabilizem a “negociação” com os deputados.

GATO ESCALDADO
Conduzido sob vara para depor na polícia, Lula hoje “tem certeza” que continua grampeado e teme ser flagrado em conversas impróprias.

LEILÃO DE VOTOS
Governadores ligados ao Planalto têm sido chamados a Brasília para receberem a “missão” de reverter votos hoje pró-impeachment.

TUDO SE SABE
Nem adianta fazer segredo da estratégia. Até os próprios governadores saem dos encontros com Lula e Dilma contando tudo.

ESCOLAS DO RIO VENDEM ENREDOS AOS ESTADOS
Escolas de samba do Rio enfrentam a crise vendendo a governos estaduais o espetáculo do carnaval de 2017, incluindo enredo, samba, carros alegóricos etc. Pernambuco, Maranhão e Brasília já toparam o negócio, em outros carnavais. As escolas cobram pelo pacote, em média, R$ 6,5 milhões. Mas a crise atravessou o samba e há escolas oferecendo descontos, reduzindo o valor total para R$ 4,5 milhões.

ALAGOAS DECLINOU
O governador de Alagoas, Renan Filho, até queria divulgar as belezas do paraíso, mas a crise tem sido perversa para as finanças do Estado.

ESTADO RICO
A Caprichosos de Pilares já levou dinheiro de Goiás, e a Imperatriz Leopoldinense voltou a homenagear o Estado no carnaval de 2016.

FESTA CUSTA CARO
Este ano, a Vila Isabel fez festa para Pernambuco, assim como em 2013 a prefeitura de Cuiabá bancou a Mangueira com R$ 5 milhões.

TRATAMENTO SERÁ DURO
Especialistas dizem que é ruim o prognóstico para o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), diagnosticado com câncer raro. O tratamento é muito agressivo para um homem de sua idade.

FANTASMA DO CALOTE
Funcionários públicos da União querem antecipação do 13º salário, diante dos fortes rumores de que o governo federal, quebrado por sua política econômica, não vai conseguir pagar a folha de pessoal a partir de outubro. Como, aliás, já acontece em diversos estados e no DF.

RETALIAÇÃO ANUNCIADA
No dia em que o deputado Jovair Arantes (PTB-GO) apresentava relatório favorável ao impeachment de Dilma, era demitido o diretor da Conab, Roberto Naves e Siqueira, indicado pelo relator.

ASSÉDIO PALACIANO
“Nem atendo mais ligações. A pressão está intensa”, diz o deputado Marcos Rotta (PMDB-AM), sobre a pressão do governo para dissuadi-lo de votar favoravelmente ao impeachment de Dilma.

PODE SAIR PRESO
O sindicalista porralouca Aristides Santos, da Contag, acusado de fazer incitação ao crime, em comício no Planalto, pode sair preso da CPI da Funai/Incra, pela qual foi convocado para depor. Ele conclamou à invasão de gabinetes e propriedades de políticos pró-impeachment.

PANO VERDE
A resistência do deputado Guilherme Mussi (PP-SP) no apoio a Dilma tem motivos fortes. Ele tem a promessa de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, de coordenar a comissão sobre liberação do jogo.

KÁTIA SÓ CONTROLA SEU VOTO
Lula tem mais um motivo para falar mal de Kátia Abreu (Agricultura). Dizia que ela não influi nem o filho, deputado Irajá Abreu (PMDB-TO). Agora ironiza sua “liderança” a Confederação Nacional da Agricultura, da qual é presidente licenciada, que anunciou apoio ao impeachment.

SOM NA CAIXA
Paulinho da Força (SD-SP) resolveu constranger o ex-presidente Lula, que vem despachando no luxuoso hotel cinco estrelas de Brasília. Levou um caminhão de som para fazer barulho no hotel.

PENSANDO BEM...
...as centenas de cargos à disposição do baixo clero, com a saída do PMDB do governo, são café pequeno diante dos milhares de cargos que ficarão disponíveis, com a “despetização” do Estado.