quinta-feira, abril 07, 2016

Sobre nossas atuais atribulações - EVERARDO MACIEL

ESTADÃO - 07/04

A ciclópica crise que vivemos está desnudando a vida política do País.

As boas notícias. Jamais houve golpe, no Brasil, sem a participação dos militares. Hoje, as Forças Armadas desempenham um papel estritamente profissional, sem nenhuma pretensão política.

Déficit de cidadania é traço marcante da democracia brasileira. Em raros momentos, o povo foi às ruas, para revelar sua vontade. Desde 2014, percebe-se que algo mudou e as manifestações populares passaram a vocalizar o inconformismo do povo contra a corrupção e o desgoverno.

Até bem pouco tempo, ninguém poderia imaginar eficácia no enfrentamento da corrupção. A Operação Lava-Jato está demonstrando que esse objetivo é factível.

As más notícias. A violência, que já faz parte do cotidiano dos brasileiros, transferiu-se para a política.

Nas ruas e nas redes sociais, há uma preocupante polarização, que foi precedida pelo recorrente discurso do “nós contra eles”.

Se nas ruas as agressões físicas e os atentados ao patrimônio se converteram em rotina, nas redes sociais sobressaem a difamação, a adulteração de textos e imagens e a desqualificação, por mera divergência de opiniões, de virtudes intelectuais e artísticas.

O debate político em torno do afastamento ou não da Presidente da República é recheado de sofismas e desvarios.

Obviamente, não vai haver golpe. Não há golpe quando se recorre a institutos abonados pela Constituição, observados ritos reconhecidos como constitucionais pelo STF.

É evidente que não há impeachment sem crime de responsabilidade. Esse juízo, entretanto, é feito por quem julga – no caso, o Congresso Nacional -, e não por quem é acusado. Pesquisa com condenados, em uma penitenciária, iria concluir que todos são inocentes.

Alguns demandam a renúncia do Presidente e do Vice-Presidente. Renúncia é ato de vontade unilateral. Não se exige, mesmo porque há risco de ver essa pretensão ser rechaçada com um rotundo não.

Outros bradam a bandeira das eleições gerais, que se presume alcançar todos os mandatos eletivos. Essa ideia já foi suscitada no governo militar. Ganhou o merecido apelido de “Emenda Jim Jones”, por referência a um líder religioso que se suicidou na Guiana, em 1978, e levou consigo todos os seus seguidores, na esperança de um encontro no Paraíso.

Receio que uma emenda constitucional que venha a cassar todos os detentores de mandato eletivo venha a ser tida como inconstitucional, por ofender à soberania popular, sabendo-se que mandatos somente são revogáveis nas hipóteses já previstas na Constituição.

Parece-me que a proposta é mera manobra diversionista ou expediente de conveniência para pretensões eleitorais. A tese se habilita, com mérito, a troféu no torneio das ideias ruins.

O futuro. E muito difícil conceber cenários para a crise brasileira, em virtude do caráter não linear e imprevisível da Operação Lava-Jato, das decisões judiciais no âmbito do julgamento das contas eleitorais de 2014 e dos recursos contra os processos de afastamento da Presidente, e das manobras espúrias de cooptação de parlamentares no Congresso.

Arrisco-me a imaginar dois cenários possíveis: a agonia prolongada ou a transição dolorosa.

Se não ocorrer o afastamento da Presidente no curto prazo, teremos uma agonia prolongada. A crise econômica não vai ceder, podendo aumentar caso se recorra a pajelanças. As manifestações de hostilidade ao governo continuarão fortes. O ministério, que se prenuncia, vai dar a concretude ao “governo dos piores” (a “kakistrocracia”, para utilizar a expressão cunhada por Michelangelo Bovero).

Caso o Vice-Presidente assuma a presidência, haverá uma transição dolorosa. Os defenestrados não vão dar trégua. Sindicatos e movimentos autodenominados sociais, financiados com dinheiro do imposto sindical e subsídios governamentais, vão usar de todos os recursos para infernizar a vida dos novos governantes. Os partidos apeados do poder vão recorrer a um discurso de vitimização, que incluirá a falsa alegação de golpe.

Um alento inicial, que decorreria do restabelecimento de expectativas no mercado, pode ser seguido de uma frustração dos que demandam mudanças rápidas, que são inviáveis no curto prazo.

A superação da crise vai requerer talento, habilidade negocial e transparência. E, sobretudo, respeito à lei e às decisões judiciais. É assim que funciona no estado democrático de direito.


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