FOLHA DE SP - 11/01
Anos atrás, um amigo me disse que as pessoas com menos espiritualidade que ele conhecia eram os padres. Não quero aqui passar um juízo universal sobre uma classe de pessoas que se dedica, como muitos padres o fazem, a causas de grande valor num mundo sem Deus como o nosso. Mas meu amigo, sim, tinha alguma razão no que dizia. Se não no seu sentido total, pelo menos num específico: refiro-me ao pragmatismo da fé que caracteriza muitos dos “profissionais da religião”, para além dos padres católicos.
Vou fazer uma analogia para ficar mais claro o que quero dizer e depois volto ao tema do pragmatismo religioso. Refiro-me a vícios profissionais de comportamento. Não acho que esses vícios profissionais de comportamento sejam traços universais nas duas categorias profissionais que vou citar como analogia para chegarmos ao que estou chamando aqui de pragmatismo da fé.
Muita gente costuma dizer que o cotidiano dos advogados acaba por produzir neles um certo ceticismo com a “natureza humana”, na medida que eles veem famílias se destruírem por conta de inventários, empregados processarem patrões generosos ou cônjuges virarem inimigos mortais após anos de vida gratificante e de juras de amor trocadas no calor do leito. Esse ceticismo ou cinismo seria um vício profissional de comportamento decorrente do acúmulo de “evidências” contra a fé na natureza humana.
É comum pessoas se referirem a médicos como pessoas frias que não se sensibilizam com o sofrimento humano. Causa suposta: um cotidiano de repetidos casos de sofrimento físico grave em que a “frieza objetiva” no trato com o paciente seria necessária. O acúmulo de experiências desse tipo levaria os médicos ao vício profissional de comportamento descrito como “frieza” com o sofrimento humano. Não estou levando em conta aqui o agravamento deste vício devido ao trabalho sem condições decentes ou sem perspectivas de melhoria financeira dos médicos que atendem centenas de pacientes no SUS ou em seguros de saúde baratos. Portanto, o vício profissional de comportamento seria fruto de um cotidiano que se impõe à pessoa que o exerce.
E aí chegamos ao desencanto do meu amigo com os padres, desencanto este que acredito poder aplicar também aos demais profissionais da religião, isto é, os ministros religiosos. Espera-se profundidade moral e espiritual em ministros religiosos. Não vou discutir se essa expectativa é ingênua, mas assumo que a existência dessa expectativa é, de alguma forma, consistente com a visão que se tem das religiões hoje: sistemas culturais a favor do “bem” e de valores não materiais. Grosso modo, esta seria uma definição básica de profundidade moral e espiritual.
Minha hipótese é que nossa visão da religião é que está errada. A religião, inclusive para sustentar sua suposta função de defensora do “bem” e de valores não materiais, precisa de sustentabilidade econômica, administrativa e de recursos humanos . Daí que os ministros religiosos são, na maior parte do tempo, gestores econômicos, administrativos e de recursos humanos. Pra começo de conversa, ministros religiosos competem dentro de seus mercados de fiéis. São obrigados a conquistar e manter fiéis investindo em sua fé e, por consequência, investindo na “máquina da fé” que são as instituições religiosas, pouco importa qual. Os serviços religiosos têm custos, mesmo um pai de santo precisa de verba pra comprar bichos para os sacrifícios que pede o candomblé. Afora isso, tudo custa luz, água, manutenção, logística. Deuses são baratos, mas seus representantes no mundo dos mortais custam caro.
Meu amigo se assustava com o pragmatismo dos padres. De fato, o pragmatismo dos ministros religiosos pode chocar quando imaginamos que o “mundo divino” e de seus funcionários seja mesmo espiritual e não material como qualquer “negócio”. “Elevação moral e espiritual” ocupa lugar no espaço como tudo mais. Ver como o pertencimento ao corpo profissional das religiões pode fazer de você uma pessoa fria e pragmática pode ser mesmo uma decepção para os mais crentes.
segunda-feira, janeiro 11, 2016
Para sair do impasse - RAUL VELLOSO
O GLOBO - 11/01
A principal ameaça de hoje é a volta da hiperinflação, cujos malefícios bem conhecemos. Principalmente para os mais pobres, os grandes prejudicados. O que está por trás disso é a projeção de uma subida sistemática da razão entre a dívida pública e o PIB nos anos à frente, basicamente porque o governo não consegue — ou não quer — gerar recursos suficientes no seu orçamento para manter a dívida sob controle. Na falta dos ajustes requeridos, os agentes envolvidos no processo de seu financiamento começam a enxergar a hiperinflação como a única saída para corroê-la e trazê-la de volta a níveis sustentáveis.
Isso se dá também porque os agentes relevantes veem o Banco Central perder, aos poucos, a capacidade de controlar a inflação via aumento de juros, uma vez que eles realimentam o crescimento da mesma dívida, e esse aumento já é forte por outras causas. Por tal razão, duas agências de risco internacionais já retiraram o selo de bom pagador do Brasil. Para eles, viramos junk (lixo). Com risco mais alto, vêm maiores juros e maior desaceleração da economia
Desaceleração é o segundo grande problema que se abate sobre o país desde meados de 2014, pois mesmo que a hiper não se materialize, a recessão tem causas adicionais e resultados ruins imediatos. Aqui, o governo sempre responsabilizou os fatores externos, embora comece a admitir culpa no cartório. Analistas pró-governo dizem que o erro foi do “ajuste Levy”, cujas metas na verdade nunca foram cumpridas. Deveriam, então, culpar a “intenção Levy”, que também foi criticado por não ter negociado suas políticas com os “movimentos sociais”.
Nesse sentido, a vinda de Barbosa para a Fazenda foi positiva, pois agora pelo menos ninguém tem dúvidas sobre quem manda de fato no governo. Outra alegação é que antes de a economia voltar a crescer não tem como fazer ajuste, pois a arrecadação não decola. Só que é difícil crescer de novo sem pelo menos um cheiro de ajuste do gasto corrente.
A recessão desorganiza tudo. Destrói a produção, aumenta o desemprego e reduz salários (esta última reação ainda não aconteceu com toda a força que poderá vir). No setor público, a queda resultante na arrecadação cria buracos financeiros profundos, porque ele não demite nem ajusta os demais gastos correntes, todos majoritários nos orçamentos. Quando muito, corta investimento, algo que, ao contrário, deveria até expandir.
Na União, a piora do resultado primário apareceu logo, pois ela pode emitir moeda (ou quase) para financiar esses déficits. Nos estados e municípios, sem essa possibilidade, há uma guerra para identificar receitas extraordinárias, além de, em casos extremos, atrasar salários e outros pagamentos, inclusive em setores críticos como a saúde. Ou esconder os buracos, como vários ex-governadores fizeram impunemente em 2014.
É fato que, diante da recessão, a própria economia reage produzindo uma depreciação da taxa de câmbio, algo que estimula as exportações e contém as importações, evitando o pior nas contas externas. Mas é pouco. E como os fatores de impulsão do consumo, item de maior peso, estão travados, só resta a demanda de investimento como válvula de escape da crise. E tem mais: investindo, amplia-se a capacidade de produção e aumenta-se a produtividade, evitando a volta da recessão. Só falta combinar...
Ou seja, o governo deveria pedir um tempo aos “movimentos sociais” e se voltar para os investidores privados, sem cuja adesão nada acontecerá. Aos primeiros, deveria mostrar que ainda somos uma economia capitalista, e que é dela que saem as riquezas e o emprego. Depois, que há uma bomba de efeito retardado que precisa ser desmontada. Trata-se do modelo de crescimento dos gastos correntes implícito na Constituição de 1988 que, em 2040, conforme estudo que apresentei com colegas ao Fórum Nacional, produzirá uma despesa com salários e benefícios duas vezes maior, em percentual do PIB, que a de 2012, quando ficou ao redor de 11% do PIB. Além do mais, deve-se lembrar que quem mais paga a conta da hiperinflação — inevitável com tanto gasto — é o pobre, que deveria ser defendido pelos movimentos sociais.
Aos segundos, apresentar um programa consistente de ajuste de curto e longo prazo das contas públicas, capaz de motivá-los para voltar a investir. Além disso, deve pôr em prática um mutirão para remover os inúmeros obstáculos que estão travando o investimento privado em concessões, assunto que tenho discutido em vários trabalhos no site www.inae.org.br
Depois, considerar a oportunidade de relançar os PPIs — Projetos Prioritários de Investimento —, escolhidos a dedo para receber dinheiro público, ideia que Levy capitaneou quando era do Tesouro Nacional e recebeu apoio do FMI, mas depois o governo destruiu, inventando o PAC, onde juntou todos os gastos e fingiu que os estava executando. E, finalmente, abraçar para valer as PPPs — Parcerias Público-Privadas —, viabilizando os fundos garantidores que são condição necessária para o setor privado entrar. Há muito mais a fazer, tema para um próximo texto.
A principal ameaça de hoje é a volta da hiperinflação, cujos malefícios bem conhecemos. Principalmente para os mais pobres, os grandes prejudicados. O que está por trás disso é a projeção de uma subida sistemática da razão entre a dívida pública e o PIB nos anos à frente, basicamente porque o governo não consegue — ou não quer — gerar recursos suficientes no seu orçamento para manter a dívida sob controle. Na falta dos ajustes requeridos, os agentes envolvidos no processo de seu financiamento começam a enxergar a hiperinflação como a única saída para corroê-la e trazê-la de volta a níveis sustentáveis.
Isso se dá também porque os agentes relevantes veem o Banco Central perder, aos poucos, a capacidade de controlar a inflação via aumento de juros, uma vez que eles realimentam o crescimento da mesma dívida, e esse aumento já é forte por outras causas. Por tal razão, duas agências de risco internacionais já retiraram o selo de bom pagador do Brasil. Para eles, viramos junk (lixo). Com risco mais alto, vêm maiores juros e maior desaceleração da economia
Desaceleração é o segundo grande problema que se abate sobre o país desde meados de 2014, pois mesmo que a hiper não se materialize, a recessão tem causas adicionais e resultados ruins imediatos. Aqui, o governo sempre responsabilizou os fatores externos, embora comece a admitir culpa no cartório. Analistas pró-governo dizem que o erro foi do “ajuste Levy”, cujas metas na verdade nunca foram cumpridas. Deveriam, então, culpar a “intenção Levy”, que também foi criticado por não ter negociado suas políticas com os “movimentos sociais”.
Nesse sentido, a vinda de Barbosa para a Fazenda foi positiva, pois agora pelo menos ninguém tem dúvidas sobre quem manda de fato no governo. Outra alegação é que antes de a economia voltar a crescer não tem como fazer ajuste, pois a arrecadação não decola. Só que é difícil crescer de novo sem pelo menos um cheiro de ajuste do gasto corrente.
A recessão desorganiza tudo. Destrói a produção, aumenta o desemprego e reduz salários (esta última reação ainda não aconteceu com toda a força que poderá vir). No setor público, a queda resultante na arrecadação cria buracos financeiros profundos, porque ele não demite nem ajusta os demais gastos correntes, todos majoritários nos orçamentos. Quando muito, corta investimento, algo que, ao contrário, deveria até expandir.
Na União, a piora do resultado primário apareceu logo, pois ela pode emitir moeda (ou quase) para financiar esses déficits. Nos estados e municípios, sem essa possibilidade, há uma guerra para identificar receitas extraordinárias, além de, em casos extremos, atrasar salários e outros pagamentos, inclusive em setores críticos como a saúde. Ou esconder os buracos, como vários ex-governadores fizeram impunemente em 2014.
É fato que, diante da recessão, a própria economia reage produzindo uma depreciação da taxa de câmbio, algo que estimula as exportações e contém as importações, evitando o pior nas contas externas. Mas é pouco. E como os fatores de impulsão do consumo, item de maior peso, estão travados, só resta a demanda de investimento como válvula de escape da crise. E tem mais: investindo, amplia-se a capacidade de produção e aumenta-se a produtividade, evitando a volta da recessão. Só falta combinar...
Ou seja, o governo deveria pedir um tempo aos “movimentos sociais” e se voltar para os investidores privados, sem cuja adesão nada acontecerá. Aos primeiros, deveria mostrar que ainda somos uma economia capitalista, e que é dela que saem as riquezas e o emprego. Depois, que há uma bomba de efeito retardado que precisa ser desmontada. Trata-se do modelo de crescimento dos gastos correntes implícito na Constituição de 1988 que, em 2040, conforme estudo que apresentei com colegas ao Fórum Nacional, produzirá uma despesa com salários e benefícios duas vezes maior, em percentual do PIB, que a de 2012, quando ficou ao redor de 11% do PIB. Além do mais, deve-se lembrar que quem mais paga a conta da hiperinflação — inevitável com tanto gasto — é o pobre, que deveria ser defendido pelos movimentos sociais.
Aos segundos, apresentar um programa consistente de ajuste de curto e longo prazo das contas públicas, capaz de motivá-los para voltar a investir. Além disso, deve pôr em prática um mutirão para remover os inúmeros obstáculos que estão travando o investimento privado em concessões, assunto que tenho discutido em vários trabalhos no site www.inae.org.br
Depois, considerar a oportunidade de relançar os PPIs — Projetos Prioritários de Investimento —, escolhidos a dedo para receber dinheiro público, ideia que Levy capitaneou quando era do Tesouro Nacional e recebeu apoio do FMI, mas depois o governo destruiu, inventando o PAC, onde juntou todos os gastos e fingiu que os estava executando. E, finalmente, abraçar para valer as PPPs — Parcerias Público-Privadas —, viabilizando os fundos garantidores que são condição necessária para o setor privado entrar. Há muito mais a fazer, tema para um próximo texto.
Menos brasileiro - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 11/01
RIO DE JANEIRO - Oito sebos de livros fecharam em 2015 num importante trecho do centro do Rio, adjacente à Saara -esta, o velho e querido distrito comercial de árabes e judeus entre a rua Uruguaiana e o Campo de Santana, abaixo da rua Buenos Aires. Os sebos ficavam da Buenos Aires para cima, em ruas abertas há 400 anos e encharcadas de história: a Luiz de Camões, ex da Lampadosa, palco do calvário de Tiradentes; o largo de São Francisco, berço da engenharia brasileira; a dos Andradas, antiga rua do Fogo; e a da Conceição, a travessa das Belas Artes, o beco do Tesouro.
No século 19, esses quarteirões foram o território de José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Raul Pompeia, Euclides da Cunha. Os escritórios, cafés e livrarias em que eles circulavam estão em seus escritos e nos de seus biógrafos. Com o tempo, a região perdeu a supremacia para novas ruas e avenidas. Restou-lhe o comércio popular, em que os sebos sempre tiveram importante papel. À sua maneira, eles mantêm viva a cultura -porque é a eles que os estudantes e os aposentados, sempre duros, recorrem para o seu prazer de ler.
Os sebos são um comércio frágil e humilde -você nunca verá um deles num shopping. E nem precisam: seu habitat natural são as ruas antigas e decadentes, para onde ninguém quer ir. Ou não queria.
Há algum tempo, os chineses descobriram aquela região. Fazem propostas de aluguel ou compra dos imóveis impossíveis de ser superadas pelos pequenos comerciantes. Diante da crise, os proprietários não hesitam: despejam o seu inquilino de décadas e entregam o imóvel a pessoas que nunca viram, dedicadas a saturar a praça com porcarias de plástico made in China.
É o mercado, e talvez não haja nada a fazer. Mas, a cada sebo que fecha, o Brasil fica menos brasileiro.
RIO DE JANEIRO - Oito sebos de livros fecharam em 2015 num importante trecho do centro do Rio, adjacente à Saara -esta, o velho e querido distrito comercial de árabes e judeus entre a rua Uruguaiana e o Campo de Santana, abaixo da rua Buenos Aires. Os sebos ficavam da Buenos Aires para cima, em ruas abertas há 400 anos e encharcadas de história: a Luiz de Camões, ex da Lampadosa, palco do calvário de Tiradentes; o largo de São Francisco, berço da engenharia brasileira; a dos Andradas, antiga rua do Fogo; e a da Conceição, a travessa das Belas Artes, o beco do Tesouro.
No século 19, esses quarteirões foram o território de José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Raul Pompeia, Euclides da Cunha. Os escritórios, cafés e livrarias em que eles circulavam estão em seus escritos e nos de seus biógrafos. Com o tempo, a região perdeu a supremacia para novas ruas e avenidas. Restou-lhe o comércio popular, em que os sebos sempre tiveram importante papel. À sua maneira, eles mantêm viva a cultura -porque é a eles que os estudantes e os aposentados, sempre duros, recorrem para o seu prazer de ler.
Os sebos são um comércio frágil e humilde -você nunca verá um deles num shopping. E nem precisam: seu habitat natural são as ruas antigas e decadentes, para onde ninguém quer ir. Ou não queria.
Há algum tempo, os chineses descobriram aquela região. Fazem propostas de aluguel ou compra dos imóveis impossíveis de ser superadas pelos pequenos comerciantes. Diante da crise, os proprietários não hesitam: despejam o seu inquilino de décadas e entregam o imóvel a pessoas que nunca viram, dedicadas a saturar a praça com porcarias de plástico made in China.
É o mercado, e talvez não haja nada a fazer. Mas, a cada sebo que fecha, o Brasil fica menos brasileiro.
Príncipes de toga - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 11/01
SÃO PAULO - O fato político deste início de ano são as saraivadas diárias contra o presidente da Câmara. Com elas a Procuradoria promove ostensivamente o caso pela suspensão do mandato de Eduardo Cunha, a ser decidido no Supremo Tribunal Federal talvez já em fevereiro.
A acusação faz seu jogo, mas aos ministros do STF não cabe assistir à partida com ingenuidade nem aderir ao maniqueísmo. Afastar o chefe do Legislativo sem condenação terá sido, caso ocorra, a ordem da corte mais desafiadora do equilíbrio entre Poderes em 30 anos de democracia.
Não se confundam o volume e a gravidade das acusações que pesam contra Cunha, de um lado, com as motivações alegadas para a suspensão de seu mandato, do outro. Ele precisa ser afastado, segundo a acusação, porque de seu posto tem embaraçado a investigação, coagido testemunhas e persistido no crime.
As provas arroladas são mais frágeis e mediatas que as da trama contra o Supremo, gravada por testemunha, determinantes da inédita prisão preventiva de um senador, Delcídio do Amaral, em novembro –já a detenção cautelar simultânea do banqueiro André Esteves, razão de irreparável derrocada em seus negócios, caminha para figurar entre os erros judiciais da Lava Jato.
No caso da ação contra Cunha, os fatos a sustentá-la não bastam, até por não reclamarem remédio urgente, para justificar uma interferência brutal do STF na esfera legislativa.
Nesta situação de clamor por justiça rápida e de descrença na política, a corte máxima pode transformar-se facilmente em Príncipe togado. Pôr-se a refazer com juízos precários, típicos das medidas cautelares, o que a soberania popular e o Legislativo elegeram é tomar um caminho perigoso, por onde custa retornar.
Eduardo Cunha escarnece do país enquanto permanece na presidência da Câmara, mas são os deputados federais que precisam resolver esse assunto. Não é o Supremo redentor.
SÃO PAULO - O fato político deste início de ano são as saraivadas diárias contra o presidente da Câmara. Com elas a Procuradoria promove ostensivamente o caso pela suspensão do mandato de Eduardo Cunha, a ser decidido no Supremo Tribunal Federal talvez já em fevereiro.
A acusação faz seu jogo, mas aos ministros do STF não cabe assistir à partida com ingenuidade nem aderir ao maniqueísmo. Afastar o chefe do Legislativo sem condenação terá sido, caso ocorra, a ordem da corte mais desafiadora do equilíbrio entre Poderes em 30 anos de democracia.
Não se confundam o volume e a gravidade das acusações que pesam contra Cunha, de um lado, com as motivações alegadas para a suspensão de seu mandato, do outro. Ele precisa ser afastado, segundo a acusação, porque de seu posto tem embaraçado a investigação, coagido testemunhas e persistido no crime.
As provas arroladas são mais frágeis e mediatas que as da trama contra o Supremo, gravada por testemunha, determinantes da inédita prisão preventiva de um senador, Delcídio do Amaral, em novembro –já a detenção cautelar simultânea do banqueiro André Esteves, razão de irreparável derrocada em seus negócios, caminha para figurar entre os erros judiciais da Lava Jato.
No caso da ação contra Cunha, os fatos a sustentá-la não bastam, até por não reclamarem remédio urgente, para justificar uma interferência brutal do STF na esfera legislativa.
Nesta situação de clamor por justiça rápida e de descrença na política, a corte máxima pode transformar-se facilmente em Príncipe togado. Pôr-se a refazer com juízos precários, típicos das medidas cautelares, o que a soberania popular e o Legislativo elegeram é tomar um caminho perigoso, por onde custa retornar.
Eduardo Cunha escarnece do país enquanto permanece na presidência da Câmara, mas são os deputados federais que precisam resolver esse assunto. Não é o Supremo redentor.
Sem refresco - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 11/01
BRASÍLIA - O ano até que começou num ritmo lento, criando a falsa impressão de calmaria, mas os fatos logo chamaram a todos para a realidade. E não falo apenas da Lava Jato e suas novidades, mas também e principalmente da economia.
Encerramos 2015 com uma inflação de 10,67%, a maior desde 2002. Um troféu que ninguém gostaria de carregar, mas Dilma Rousseff teve de levantar. Ops, quer esconder.
A taxa bateu nos dois dígitos num cenário de retração econômica de 4% e desemprego em alta. O pior é que os dados mostram preços ainda elevados, resistentes à ação dos juros nas alturas do Banco Central.
Daí que o BC ameaça subir ainda mais os juros, o que causa desespero no PT e até no governo. Não por outro motivo o presidente do banco, Alexandre Tombini, virou o novo alvo do fogo nada amigo petista.
Assessores bem próximos da presidente querem é queda, não subida, dos juros. Insistem que a demanda está desaquecida, com desemprego crescente, o que não justificaria elevar a taxa Selic.
Pois bem, à Folha, Nelson Barbosa (Fazenda) fez uma avaliação que joga com o BC e não deve agradar nem um pouco sua turma do PT.
Diz ele: "as ações de política monetária são necessárias mesmo que haja uma elevação de inflação causada por fatores não relacionados à demanda". Motivo: evitar que os aumentos se tornem permanentes.
Em busca de conquistar a confiança do mercado, o ministro não só diz isto como reforça o discurso de que o ajuste fiscal é o principal desafio do país e sua prioridade.
Mas não deixa a galera petista no sereno. Promete medidas para estabilizar a economia e fazê-la crescer. Admite que 2016 ainda será de recessão, mas diz ser possível retomar o crescimento no final do ano.
Tarefa nada fácil, cujo sucesso ou fracasso definirá o destino do governo Dilma Rousseff. Ainda mais quando a Operação Lava Jato promete e muito pela frente.
BRASÍLIA - O ano até que começou num ritmo lento, criando a falsa impressão de calmaria, mas os fatos logo chamaram a todos para a realidade. E não falo apenas da Lava Jato e suas novidades, mas também e principalmente da economia.
Encerramos 2015 com uma inflação de 10,67%, a maior desde 2002. Um troféu que ninguém gostaria de carregar, mas Dilma Rousseff teve de levantar. Ops, quer esconder.
A taxa bateu nos dois dígitos num cenário de retração econômica de 4% e desemprego em alta. O pior é que os dados mostram preços ainda elevados, resistentes à ação dos juros nas alturas do Banco Central.
Daí que o BC ameaça subir ainda mais os juros, o que causa desespero no PT e até no governo. Não por outro motivo o presidente do banco, Alexandre Tombini, virou o novo alvo do fogo nada amigo petista.
Assessores bem próximos da presidente querem é queda, não subida, dos juros. Insistem que a demanda está desaquecida, com desemprego crescente, o que não justificaria elevar a taxa Selic.
Pois bem, à Folha, Nelson Barbosa (Fazenda) fez uma avaliação que joga com o BC e não deve agradar nem um pouco sua turma do PT.
Diz ele: "as ações de política monetária são necessárias mesmo que haja uma elevação de inflação causada por fatores não relacionados à demanda". Motivo: evitar que os aumentos se tornem permanentes.
Em busca de conquistar a confiança do mercado, o ministro não só diz isto como reforça o discurso de que o ajuste fiscal é o principal desafio do país e sua prioridade.
Mas não deixa a galera petista no sereno. Promete medidas para estabilizar a economia e fazê-la crescer. Admite que 2016 ainda será de recessão, mas diz ser possível retomar o crescimento no final do ano.
Tarefa nada fácil, cujo sucesso ou fracasso definirá o destino do governo Dilma Rousseff. Ainda mais quando a Operação Lava Jato promete e muito pela frente.
Divórcio - DENIS LERRER ROSENFIELD
ESTADÃO - 11/01
Na desencontrada relação amorosa entre Dilma, Lula e o PT, o Brasil não tem vez
Tudo indica que o governo e o PT caminham para o divórcio, embora a forte relação amorosa resista à separação. As mágoas e desavenças se acentuam em ambos os lados, sem que os cônjuges consigam entender-se sobre o caminho a seguir. Ademais, há uma espécie de tertius, um amante, que namora um e outro, quando, na verdade, ama apenas a si mesmo. Nesse jogo de amantes desencontrados se encontra o Brasil, o verdadeiro não amado.
O governo dá progressivamente mostras de desavença consigo mesmo, sem que consiga escolher uma via de ação que seja minimamente crível. Primeiro, é incapaz de reconhecer os seus erros, que conduziram o País a esta situação calamitosa de PIB negativo, desemprego em alta, inflação de dois dígitos, juros estratosféricos, real cada vez mais desvalorizado, Orçamento federal deficitário. A lista seria longa e, ainda assim, não exaustiva.
Segundo, quando esboça um mínimo de reconhecimento, é só para alegar que todos erram e as verdadeiras causas são externas, incapaz que é de reconhecer suas próprias responsabilidades. Assumir a sua responsabilidade seria o primeiro passo para uma efetiva mudança de rumos.
Terceiro, no primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma, ela ainda procurou modificar algo, chamando o agora ex-ministro Joaquim Levy para assumir a pasta da Fazenda. Mas não lhe foram dadas as condições para cumprir a sua missão, obrigando-o a abandoná-la. Nem amor foi, de tão fugaz.
Quarto, foi então alçado a esse ministério crucial Nelson Barbosa, um dos artífices da dita “nova matriz econômica”, que tem tudo de velha, baseada que está em intervencionismo estatal, gastança pública e crédito farto, além de seu correlato que é o afrouxamento fiscal generalizado. Logo, como se pode esperar uma verdadeira mudança, como podem as empresas e os cidadãos deste país acreditar numa transformação necessária?
O PT, por sua vez, mostrou-se satisfeito com a escolha de um dos seus para a Fazenda, mas logo mostrou que seu amor não é incondicional. Diante das primeiras declarações do ministro de que o País deveria perseguir o ajuste fiscal e fazer a reforma da Previdência, declarou-se traído, sem mesmo averiguar se se tratava de uma verdadeira posição ou de mera encenação. Ressabiado, deixou claro que essa relação pode ser efêmera, sem se traduzir em verdadeiro casamento.
A presidente Dilma, após seu breve interlúdio com Levy, abraçou-se com seu verdadeiro par estatista, seu novo ministro da Fazenda. Aí há uma verdadeira comunhão, que se traduz por ideias e afetos mutuamente compartilhados. O maior temor consiste no ambiente macro dessa relação, que tem como contexto decisivo o processo de impeachment em curso. Nessa perspectiva, o Brasil é um fator completamente secundário, que só entra em consideração como coadjuvante longínquo, que carece de encanto.
Mesmo assim, a presidente e sua equipe econômica já foram postos contra a parede, lembrados de que as manifestações de rua contrárias ao impeachment foram por eles lideradas. O fôlego que ganharam é deles tributário. Cobram, agora, o seu preço. Só manterão a relação se forem satisfeitos em seus pleitos e exigências. O amor tem seus limites.
As condições do casamento foram refeitas, ganhando nova versão a “lista de presentes” que deveria ser entregue. Essa lista é constituída por um conjunto de exigências que nada mais faz do que reiterar as condições que levaram o mesmo governo petista ao divórcio com o Brasil. Embora digam o contrário, pretendem que esse divórcio seja definitivo, caso contrário farão eles mesmos uma nova separação.
Assim, querem a persistência da gastança pública, crédito farto, interesses corporativos satisfeitos, benefícios privados, nada de combate efetivo à corrupção, nem reforma da Previdência e trabalhista, aumento generalizado de impostos, e assim por diante.
Num ponto devemos reconhecer que têm razão. Querem simplesmente o que lhes foi prometido. E o que lhes foi prometido tinha ainda a névoa e a (des)graça ideológica de um encaixe, o de que ambos estariam numa cruzada dos “pobres contra os ricos”, da “esquerda contra a direita”. Se nada mais têm a dizer, voltam-se para a surrada linguagem socialista, como se uma bem-aventurança maior lhes fosse prometida. Se esse amor de múltiplas facetas não lhes for retribuído, ameaçam com o divórcio. Doravante, cada um seguiria o seu caminho, em busca da sobrevivência ou de novos amores.
O tertius, Lula, contudo, não os abandona. Está sempre à espreita, procurando o amor de um e outro. Ou melhor, impondo as condições de seu próprio amor, que em determinado momento foi ilimitado. Fez de Dilma a sua criatura, ungindo-a sua sucessora. Fez do PT um partido de massas, alçando-o ao poder, em que pode usufruir todo tipo de benesses. Agora, porém, esse triângulo amoroso está a perigo, corroído por suas discórdias internas.
A questão é tão grave que esses amantes tudo podem perder. Ainda que a presidente Dilma sobreviva ao impeachment e à eventual cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, poucas são as suas chances de sucesso. Se as atuais condições econômicas, sociais e políticas persistirem, o País chegará exaurido a 2018. O divórcio maior será inevitável, o do País com a presidente, o PT e Lula. Dentre eles não haverá sobreviventes.
A decisão que têm diante de si é crucial. Uma verdadeira encruzilhada numa viagem sem retorno. O encurtamento do mandato da presidente, seja por impeachment ou cassação pela Justiça Eleitoral, não seria para dois desses amorosos uma má solução. Certamente traumática, mas mesmo assim necessária. O triângulo seria desfeito, Lula e o PT manteriam a relação e partiriam em busca de um reencontro com o País.
O tempo, porém, não lhes é favorável.
Na desencontrada relação amorosa entre Dilma, Lula e o PT, o Brasil não tem vez
Tudo indica que o governo e o PT caminham para o divórcio, embora a forte relação amorosa resista à separação. As mágoas e desavenças se acentuam em ambos os lados, sem que os cônjuges consigam entender-se sobre o caminho a seguir. Ademais, há uma espécie de tertius, um amante, que namora um e outro, quando, na verdade, ama apenas a si mesmo. Nesse jogo de amantes desencontrados se encontra o Brasil, o verdadeiro não amado.
O governo dá progressivamente mostras de desavença consigo mesmo, sem que consiga escolher uma via de ação que seja minimamente crível. Primeiro, é incapaz de reconhecer os seus erros, que conduziram o País a esta situação calamitosa de PIB negativo, desemprego em alta, inflação de dois dígitos, juros estratosféricos, real cada vez mais desvalorizado, Orçamento federal deficitário. A lista seria longa e, ainda assim, não exaustiva.
Segundo, quando esboça um mínimo de reconhecimento, é só para alegar que todos erram e as verdadeiras causas são externas, incapaz que é de reconhecer suas próprias responsabilidades. Assumir a sua responsabilidade seria o primeiro passo para uma efetiva mudança de rumos.
Terceiro, no primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma, ela ainda procurou modificar algo, chamando o agora ex-ministro Joaquim Levy para assumir a pasta da Fazenda. Mas não lhe foram dadas as condições para cumprir a sua missão, obrigando-o a abandoná-la. Nem amor foi, de tão fugaz.
Quarto, foi então alçado a esse ministério crucial Nelson Barbosa, um dos artífices da dita “nova matriz econômica”, que tem tudo de velha, baseada que está em intervencionismo estatal, gastança pública e crédito farto, além de seu correlato que é o afrouxamento fiscal generalizado. Logo, como se pode esperar uma verdadeira mudança, como podem as empresas e os cidadãos deste país acreditar numa transformação necessária?
O PT, por sua vez, mostrou-se satisfeito com a escolha de um dos seus para a Fazenda, mas logo mostrou que seu amor não é incondicional. Diante das primeiras declarações do ministro de que o País deveria perseguir o ajuste fiscal e fazer a reforma da Previdência, declarou-se traído, sem mesmo averiguar se se tratava de uma verdadeira posição ou de mera encenação. Ressabiado, deixou claro que essa relação pode ser efêmera, sem se traduzir em verdadeiro casamento.
A presidente Dilma, após seu breve interlúdio com Levy, abraçou-se com seu verdadeiro par estatista, seu novo ministro da Fazenda. Aí há uma verdadeira comunhão, que se traduz por ideias e afetos mutuamente compartilhados. O maior temor consiste no ambiente macro dessa relação, que tem como contexto decisivo o processo de impeachment em curso. Nessa perspectiva, o Brasil é um fator completamente secundário, que só entra em consideração como coadjuvante longínquo, que carece de encanto.
Mesmo assim, a presidente e sua equipe econômica já foram postos contra a parede, lembrados de que as manifestações de rua contrárias ao impeachment foram por eles lideradas. O fôlego que ganharam é deles tributário. Cobram, agora, o seu preço. Só manterão a relação se forem satisfeitos em seus pleitos e exigências. O amor tem seus limites.
As condições do casamento foram refeitas, ganhando nova versão a “lista de presentes” que deveria ser entregue. Essa lista é constituída por um conjunto de exigências que nada mais faz do que reiterar as condições que levaram o mesmo governo petista ao divórcio com o Brasil. Embora digam o contrário, pretendem que esse divórcio seja definitivo, caso contrário farão eles mesmos uma nova separação.
Assim, querem a persistência da gastança pública, crédito farto, interesses corporativos satisfeitos, benefícios privados, nada de combate efetivo à corrupção, nem reforma da Previdência e trabalhista, aumento generalizado de impostos, e assim por diante.
Num ponto devemos reconhecer que têm razão. Querem simplesmente o que lhes foi prometido. E o que lhes foi prometido tinha ainda a névoa e a (des)graça ideológica de um encaixe, o de que ambos estariam numa cruzada dos “pobres contra os ricos”, da “esquerda contra a direita”. Se nada mais têm a dizer, voltam-se para a surrada linguagem socialista, como se uma bem-aventurança maior lhes fosse prometida. Se esse amor de múltiplas facetas não lhes for retribuído, ameaçam com o divórcio. Doravante, cada um seguiria o seu caminho, em busca da sobrevivência ou de novos amores.
O tertius, Lula, contudo, não os abandona. Está sempre à espreita, procurando o amor de um e outro. Ou melhor, impondo as condições de seu próprio amor, que em determinado momento foi ilimitado. Fez de Dilma a sua criatura, ungindo-a sua sucessora. Fez do PT um partido de massas, alçando-o ao poder, em que pode usufruir todo tipo de benesses. Agora, porém, esse triângulo amoroso está a perigo, corroído por suas discórdias internas.
A questão é tão grave que esses amantes tudo podem perder. Ainda que a presidente Dilma sobreviva ao impeachment e à eventual cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, poucas são as suas chances de sucesso. Se as atuais condições econômicas, sociais e políticas persistirem, o País chegará exaurido a 2018. O divórcio maior será inevitável, o do País com a presidente, o PT e Lula. Dentre eles não haverá sobreviventes.
A decisão que têm diante de si é crucial. Uma verdadeira encruzilhada numa viagem sem retorno. O encurtamento do mandato da presidente, seja por impeachment ou cassação pela Justiça Eleitoral, não seria para dois desses amorosos uma má solução. Certamente traumática, mas mesmo assim necessária. O triângulo seria desfeito, Lula e o PT manteriam a relação e partiriam em busca de um reencontro com o País.
O tempo, porém, não lhes é favorável.
De cima a baixo - PAULO GUEDES
O GLOBO - 11/01
Mais do que a falta de recursos, os problemas de incapacidade administrativa atingem toda a estrutura de governo
A televisão exibiu em tempo real a premeditada explosão de vandalismo em meio a uma até então pacífica manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo. Era possível desde o início observar suspeitos mascarados infiltrados na passeata. Tanto assim que o repórter da GloboNews registrou ao vivo os sucessivos episódios de destruição de veículos e de imóveis perpetrados pela mesma meia dúzia de vândalos em fúria com porretes, pedras, correntes e extintores de incêndio retirados dos próprios veículos atacados.
Foi revoltante assistir à contaminação de uma manifestação democrática pela escalada da barbárie ante a impotência das forças de segurança pública de São Paulo. Uma exuberante demonstração de incompetência administrativa pela inútil exibição de poderio material com centenas de policiais bem equipados, dezenas de motocicletas e viaturas em cega disparada, enquanto meia dúzia de vândalos ameaçavam transeuntes, apavoravam e desembarcavam passageiros dos coletivos, destruindo propriedades impunemente.
Ora, o testemunho ocular de um bom repórter demonstra que meia dúzia de policiais infiltrados, bem treinados e com equipamentos de comunicação poderiam ter igualmente monitorado as cenas de destruição, coordenando o cerco e aprisionamento dos vândalos. Presos em flagrante, desmascarados, identificados e em seguida processados por danos materiais e por colocar em risco outras vidas de uma multidão em pânico, cada um desses bárbaros poderia ser rapidamente reconvertido à civilização. Assistimos enfim a uma demonstração de que os problemas da administração pública nem sempre se devem à falta de recursos. Deveram-se, neste caso, à falta de inteligência.
Essa incapacidade administrativa atinge a própria estrutura da Federação. A boa execução das políticas sociais exigiria a descentralização de recursos e atribuições para estados e municípios, novos eixos para a modernização operacional do Estado brasileiro. Ao contrário da atual estrutura de governo gerencialmente caótica, com 39 ministérios e baixa sintonia com as gestões estaduais e municipais. Mas como exigir do Congresso as reformas fiscal e administrativa quando a principal preocupação dos presidentes da Câmara e do Senado é tirar seus pescoços da guilhotina?
Mais do que a falta de recursos, os problemas de incapacidade administrativa atingem toda a estrutura de governo
A televisão exibiu em tempo real a premeditada explosão de vandalismo em meio a uma até então pacífica manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo. Era possível desde o início observar suspeitos mascarados infiltrados na passeata. Tanto assim que o repórter da GloboNews registrou ao vivo os sucessivos episódios de destruição de veículos e de imóveis perpetrados pela mesma meia dúzia de vândalos em fúria com porretes, pedras, correntes e extintores de incêndio retirados dos próprios veículos atacados.
Foi revoltante assistir à contaminação de uma manifestação democrática pela escalada da barbárie ante a impotência das forças de segurança pública de São Paulo. Uma exuberante demonstração de incompetência administrativa pela inútil exibição de poderio material com centenas de policiais bem equipados, dezenas de motocicletas e viaturas em cega disparada, enquanto meia dúzia de vândalos ameaçavam transeuntes, apavoravam e desembarcavam passageiros dos coletivos, destruindo propriedades impunemente.
Ora, o testemunho ocular de um bom repórter demonstra que meia dúzia de policiais infiltrados, bem treinados e com equipamentos de comunicação poderiam ter igualmente monitorado as cenas de destruição, coordenando o cerco e aprisionamento dos vândalos. Presos em flagrante, desmascarados, identificados e em seguida processados por danos materiais e por colocar em risco outras vidas de uma multidão em pânico, cada um desses bárbaros poderia ser rapidamente reconvertido à civilização. Assistimos enfim a uma demonstração de que os problemas da administração pública nem sempre se devem à falta de recursos. Deveram-se, neste caso, à falta de inteligência.
Essa incapacidade administrativa atinge a própria estrutura da Federação. A boa execução das políticas sociais exigiria a descentralização de recursos e atribuições para estados e municípios, novos eixos para a modernização operacional do Estado brasileiro. Ao contrário da atual estrutura de governo gerencialmente caótica, com 39 ministérios e baixa sintonia com as gestões estaduais e municipais. Mas como exigir do Congresso as reformas fiscal e administrativa quando a principal preocupação dos presidentes da Câmara e do Senado é tirar seus pescoços da guilhotina?
2016 - como será? - NELSON JOBIM
ZERO HORA - 11/01
A agenda política será intensa.
O STF, em fevereiro (espera-se), publicará o acórdão da decisão do impeachment.
A Câmara dos Deputados (diz-se) irá embargar para que o STF esclareça pontos.
Anuncia o presidente da CD algumas questões:
1) Quanto à Comissão, o STF decidiu que não cabia candidaturas avulsas, pois os membros seriam aqueles indicados pelo líderes partidários, obedecida a proporcionalidade das bancadas, pois a expressão eleita significaria escolhida pelo líderes.
Pergunta-se:
a) a exigência da CF de respeito a proporcionalidade partidária na composição da Comissão impõe que a nominada de seus membros seja sempre aquela indicada pelos líderes dos partidos?
b) eleição não é uma das formas de escolha, como o é a indicação de um nome constante de uma lista tríplice?
c) pode-se impedir, com recurso à sinonímia do voto do ministro Barroso, que a escolha não seja procedida pela forma prevista nas regras, ou seja, a eleição?
c) se não pode haver outra nominata, respeitada a proporcionalidade (única exigência da CF), qual a finalidade de uma votação sem alternativas de escolhas?
c) se o plenário não aprovar a nominata indicada pelos líderes, como deve ser solucionado o impasse?
2) Quanto ao Senado Federal, o STF decidiu que compete, por maioria simples, decidir sobre a instauração do processo.
Pergunta-se:
a) o SF passaria a ser órgão revisor da CD, pois estaria negando execução/prosseguimento à decisão desta?
b) a maioria simples do SF pode derrubar decisão da CD, tomada por maioria de dois terços?
c) para que o procedimento qualificado da CD, instituído pela CF?
d) em linguagem de processo, a aceitação da denúncia poderia ser rejeitada pelo SF?
e) o entendimento não é contrário à CF pois esta dispõe que, admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, será o PR submetido a julgamento perante o Senado Federal?
f) ao atribuir-se ao SF a possibilidade de revisão da decisão da CD não importaria em concentrar em uma só casa duas competências que a CF distribui entre a CD (admissibilidade) e o SF (processamento e julgamento)?
g) o rito no caso "Collor", fixado sem contraditório pelo STF, não importou em confundir o rito dos processos contra ministros do STF e PGR da lei de 1950, onde somente figura o SF: admite a denúncia, processa e julga, sem participação alguma da CD?
Mas o que ocorrerá após a decisão final do STF, com a economia desabando?
A disfuncionalidade não está a agravar-se em detrimento da Nação?
Penúria - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 11/01
Famosa há décadas, a clássica marchinha "Me Dá Um Dinheiro Aí" parece a trilha ideal para o próximo Carnaval, tal o estado de penúria em que se encontra a nação. O país, Estados e municípios, empresas e brasileiros –estão quase todos de pires na mão.
Fechamos 2015 com uma crise sem precedentes. PIB negativo, inflação de dois dígitos, contas públicas fora de controle, 59 milhões de consumidores inadimplentes e as empresas brasileiras as mais endividadas entre os emergentes. Perdemos o selo de bom pagador de duas agências de risco.
Quem ainda confia na solvência do governo?
Estados e municípios estão à míngua, sem recursos para honrar seus principais compromissos. Uma parte considerável do problema está na centralização excessiva da União, que fica com grande parte do que se arrecada no país. O pouco que resta é disputado pelos entes federados, penalizados pelo crescente acréscimo de despesas sem a respectiva contrapartida financeira, como nas áreas de saúde e segurança. No momento em que a arrecadação federal cai, a sobrevivência de grande parcela das cidades, muito dependentes das transferências da União, fica ameaçada.
A situação se agrava com a péssima gestão das contas públicas. Em Estados como Minas, onde vigora hoje o mesmo modelo de gestão petista, o resultado é ruinoso: pela primeira vez em 12 anos estão em atraso os pagamentos dos servidores. Sem conseguir promover reformas que reduzam seus gastos, os governos estão acuados –e a ética contábil aplicada pelo governo federal não pode ser referência como solução para cobrir os rombos fiscais. Em 2015, muitos Estados tiveram ajuda de depósitos judiciais para "equilibrar" as contas. E agora?
O fato é que o fracasso da administração pública atinge diretamente a sociedade. A população mais vulnerável é duramente atingida pela deterioração dos serviços públicos, como mostra o caos da saúde em todo o país. Com a economia em declínio, o colapso do serviço público tende a se agravar. No cardápio de soluções do governo aposta-se na recriação da CPMF como um bote salva-vidas, o que revela uma espantosa incapacidade de se apontar novos caminhos.
Temos a obrigação de fazer mais do que isso. De um lado, a sociedade precisa continuar exigindo mais transparência e responsabilidade por parte daqueles a quem ela delegou a missão de governar. Por outro, é preciso perseverar na luta por um pacto federativo capaz de promover a justa redistribuição dos recursos tributários, a maior autonomia de Estados e municípios e uma participação maior de todos os entes da Federação na definição das políticas públicas.
É bom começarmos o ano lembrando que o Brasil é muito mais que Brasília.
Famosa há décadas, a clássica marchinha "Me Dá Um Dinheiro Aí" parece a trilha ideal para o próximo Carnaval, tal o estado de penúria em que se encontra a nação. O país, Estados e municípios, empresas e brasileiros –estão quase todos de pires na mão.
Fechamos 2015 com uma crise sem precedentes. PIB negativo, inflação de dois dígitos, contas públicas fora de controle, 59 milhões de consumidores inadimplentes e as empresas brasileiras as mais endividadas entre os emergentes. Perdemos o selo de bom pagador de duas agências de risco.
Quem ainda confia na solvência do governo?
Estados e municípios estão à míngua, sem recursos para honrar seus principais compromissos. Uma parte considerável do problema está na centralização excessiva da União, que fica com grande parte do que se arrecada no país. O pouco que resta é disputado pelos entes federados, penalizados pelo crescente acréscimo de despesas sem a respectiva contrapartida financeira, como nas áreas de saúde e segurança. No momento em que a arrecadação federal cai, a sobrevivência de grande parcela das cidades, muito dependentes das transferências da União, fica ameaçada.
A situação se agrava com a péssima gestão das contas públicas. Em Estados como Minas, onde vigora hoje o mesmo modelo de gestão petista, o resultado é ruinoso: pela primeira vez em 12 anos estão em atraso os pagamentos dos servidores. Sem conseguir promover reformas que reduzam seus gastos, os governos estão acuados –e a ética contábil aplicada pelo governo federal não pode ser referência como solução para cobrir os rombos fiscais. Em 2015, muitos Estados tiveram ajuda de depósitos judiciais para "equilibrar" as contas. E agora?
O fato é que o fracasso da administração pública atinge diretamente a sociedade. A população mais vulnerável é duramente atingida pela deterioração dos serviços públicos, como mostra o caos da saúde em todo o país. Com a economia em declínio, o colapso do serviço público tende a se agravar. No cardápio de soluções do governo aposta-se na recriação da CPMF como um bote salva-vidas, o que revela uma espantosa incapacidade de se apontar novos caminhos.
Temos a obrigação de fazer mais do que isso. De um lado, a sociedade precisa continuar exigindo mais transparência e responsabilidade por parte daqueles a quem ela delegou a missão de governar. Por outro, é preciso perseverar na luta por um pacto federativo capaz de promover a justa redistribuição dos recursos tributários, a maior autonomia de Estados e municípios e uma participação maior de todos os entes da Federação na definição das políticas públicas.
É bom começarmos o ano lembrando que o Brasil é muito mais que Brasília.
A MP da impunidade - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 11/01
A presidente Dilma Rousseff não deixa dúvidas quanto à rota que deseja impor ao País. Ela quer a manutenção da impunidade. A Medida Provisória (MP) 703, de 18 de dezembro de 2015, altera importantes regras relativas ao acordo de leniência, com o declarado intuito de permitir que as empresas investigadas por atos de corrupção continuem a negociar com o poder público como se nada de errado tivesse acontecido. Sem qualquer pudor, a presidente empenha-se em reduzir os efeitos positivos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e oferece uma generosa oportunidade às empresas que transitam no ilícito.
A questão é simples. A presidente Dilma Rousseff não concorda com a principal novidade trazida pela Lei Anticorrupção – a responsabilização objetiva das empresas – e usa o poder de editar medidas provisórias para abrandar suas consequências. A manobra encontrada para realizar esse espúrio desejo foi desvirtuar o acordo de leniência, transformando-o num simples meio para livrar as empresas das sanções pelos atos de corrupção.
Com a MP 703, será possível uma empresa celebrar acordo de leniência – e assim se livrar das penalidades pelos eventuais ilícitos praticados – sem revelar às autoridades qualquer fato novo. Bastaria uma promessa genérica de não delinquir no futuro para obter o bloqueio das investigações e processos em curso. Assim, o acordo de leniência perde um de seus propósitos originais, de ser um meio para obter novas informações sobre irregularidades.
A MP 703 ainda exclui a regra de que o acordo de leniência poderá ser feito apenas com a primeira empresa a se manifestar sobre o ato ilícito (art. 16, § 1º, I) – importante condição para obter informações com celeridade.
Não sem razão, o Ministério Público Federal mostrou-se preocupado com o teor da MP 703. “É um retrocesso evidente. Infelizmente, o governo federal, com a edição dessa medida provisória, introduziu um risco moral, pois, além de desincentivar o cumprimento da legislação com a mitigação da ameaça de aplicação imediata de sanções de inidoneidade, também deixou claro que não é do interesse do governo que o combate à corrupção avance sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária”, afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, em entrevista ao jornal Valor. Segundo Lima, a mensagem aos agentes econômicos é clara: “Caso necessário, ao invés de cumprir a lei, o governo federal fará tantas mudanças legislativas quanto necessárias para manter tudo como dantes”.
Também receoso quanto aos efeitos da MP 703, o Ministério Público de Contas apresentou uma recomendação ao Tribunal de Contas da União (TCU), com pedido de medida cautelar, em relação à medida presidencial. Segundo o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, com a MP 703, há risco de interferência indevida do Poder Executivo no controle externo realizado pelo TCU.
Diante dessas reações, o governo federal esquivou-se, negando a realidade. “Essa MP não é um produto do governo federal”, afirmou o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É, no mínimo, cínica tal resposta, partindo de quem assinou juntamente com a presidente a medida. A defesa jurídica da MP por parte de Adams consistiu em dizer: “Acho que existem profetas do caos que criticam essa medida”.
“O propósito maior (da MP 703) é diminuir a incerteza e preservar empregos”, afirmou Dilma Rousseff na edição da medida. Tem razão, em parte, a presidente. A MP 703 recupera em boa medida a infeliz certeza da impunidade das empresas que há muito se acostumaram a operar de forma ilícita com o poder público. Tudo ficará como sempre foi – é o recado que a presidente se esforça em transmitir. Quanto ao argumento da preservação de empregos à custa de não punir ilícitos, trata-se de retumbante hipocrisia. Não é desenvolvimento econômico tendo por base a corrupção e a bandalheira que o Brasil deseja e espera. Cabe ao Congresso preservar a Lei Anticorrupção e rejeitar a MP da impunidade.
A presidente Dilma Rousseff não deixa dúvidas quanto à rota que deseja impor ao País. Ela quer a manutenção da impunidade. A Medida Provisória (MP) 703, de 18 de dezembro de 2015, altera importantes regras relativas ao acordo de leniência, com o declarado intuito de permitir que as empresas investigadas por atos de corrupção continuem a negociar com o poder público como se nada de errado tivesse acontecido. Sem qualquer pudor, a presidente empenha-se em reduzir os efeitos positivos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e oferece uma generosa oportunidade às empresas que transitam no ilícito.
A questão é simples. A presidente Dilma Rousseff não concorda com a principal novidade trazida pela Lei Anticorrupção – a responsabilização objetiva das empresas – e usa o poder de editar medidas provisórias para abrandar suas consequências. A manobra encontrada para realizar esse espúrio desejo foi desvirtuar o acordo de leniência, transformando-o num simples meio para livrar as empresas das sanções pelos atos de corrupção.
Com a MP 703, será possível uma empresa celebrar acordo de leniência – e assim se livrar das penalidades pelos eventuais ilícitos praticados – sem revelar às autoridades qualquer fato novo. Bastaria uma promessa genérica de não delinquir no futuro para obter o bloqueio das investigações e processos em curso. Assim, o acordo de leniência perde um de seus propósitos originais, de ser um meio para obter novas informações sobre irregularidades.
A MP 703 ainda exclui a regra de que o acordo de leniência poderá ser feito apenas com a primeira empresa a se manifestar sobre o ato ilícito (art. 16, § 1º, I) – importante condição para obter informações com celeridade.
Não sem razão, o Ministério Público Federal mostrou-se preocupado com o teor da MP 703. “É um retrocesso evidente. Infelizmente, o governo federal, com a edição dessa medida provisória, introduziu um risco moral, pois, além de desincentivar o cumprimento da legislação com a mitigação da ameaça de aplicação imediata de sanções de inidoneidade, também deixou claro que não é do interesse do governo que o combate à corrupção avance sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária”, afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, em entrevista ao jornal Valor. Segundo Lima, a mensagem aos agentes econômicos é clara: “Caso necessário, ao invés de cumprir a lei, o governo federal fará tantas mudanças legislativas quanto necessárias para manter tudo como dantes”.
Também receoso quanto aos efeitos da MP 703, o Ministério Público de Contas apresentou uma recomendação ao Tribunal de Contas da União (TCU), com pedido de medida cautelar, em relação à medida presidencial. Segundo o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, com a MP 703, há risco de interferência indevida do Poder Executivo no controle externo realizado pelo TCU.
Diante dessas reações, o governo federal esquivou-se, negando a realidade. “Essa MP não é um produto do governo federal”, afirmou o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É, no mínimo, cínica tal resposta, partindo de quem assinou juntamente com a presidente a medida. A defesa jurídica da MP por parte de Adams consistiu em dizer: “Acho que existem profetas do caos que criticam essa medida”.
“O propósito maior (da MP 703) é diminuir a incerteza e preservar empregos”, afirmou Dilma Rousseff na edição da medida. Tem razão, em parte, a presidente. A MP 703 recupera em boa medida a infeliz certeza da impunidade das empresas que há muito se acostumaram a operar de forma ilícita com o poder público. Tudo ficará como sempre foi – é o recado que a presidente se esforça em transmitir. Quanto ao argumento da preservação de empregos à custa de não punir ilícitos, trata-se de retumbante hipocrisia. Não é desenvolvimento econômico tendo por base a corrupção e a bandalheira que o Brasil deseja e espera. Cabe ao Congresso preservar a Lei Anticorrupção e rejeitar a MP da impunidade.
A inflação castiga os mais pobres - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Gazeta do Povo - PR - 11/01
Aquela história de que os governos dos últimos 12 anos tiraram da miséria extrema milhões de brasileiros e fizeram outros milhões ascenderem à classe média começa a se esvair como uma bolha de sabão. A política econômica populista empreendida nos períodos de Lula e Dilma cobra agora o seu preço. Preço alto principalmente para aqueles segmentos que o PT dizia querer proteger – e deles, naturalmente, obter votos e mais votos.
Enquanto a inflação oficial, o IPCA, ficou em 10,67%, e o IPC (medido pela Fundação Getulio Vargas e referente a famílias com renda entre um e 33 salários mínimos) foi de 10,53%, no ano passado os mais pobres amargaram uma inflação de 11,52%. O dado é do IPC-C1, índice também medido pela FGV e que se refere às famílias com renda mensal entre um e 2,5 salários mínimos.
A maior diferença entre os índices está no peso de cada produto e serviço nas respectivas cestas. Por exemplo, o transporte coletivo tem peso três vezes maior na inflação dos mais pobres que na inflação geral medida pela FGV.
E os grandes vilões da inflação da baixa renda em 2015 foram três grupos: transportes (com alta de 13,2%), alimentos (13%) e habitação (14,6%). Note-se que, desses três grupos, dois incluem preços diretamente controlados pelo poder público, como transporte coletivo, energia e combustíveis – e esses itens ainda têm impacto decisivo sobre outros preços, como os dos alimentos.
O represamento dos preços controlados praticado nos anos anteriores estava entre os fatores que permitiram melhorar por algum tempo o poder aquisitivo da população de baixa renda. Este era um dos quesitos que fizeram o “sucesso” da matriz econômica posta em prática pelos governos petistas e serviram para propaganda eleitoral, para manter a inflação “controlada” e para obter altos índices de popularidade.
Viu-se, porém, que se tratava de uma prática insustentável. Economistas principiantes aprendem logo os resultados de uma política que consiste em vender produtos abaixo do custo. A Petrobras é um bom exemplo, com as perdas que acumulou com a manutenção artificial dos preços dos combustíveis, até que chegou a hora da verdade – assim como chegou também para o setor de energia elétrica, que ainda não se recuperou totalmente da canetada de Dilma que desorganizou o setor em 2013.
Se a inflação é ruim para todos, para os pobres ela é ainda mais cruel. A classe média tem alguma chance de equilibrar o orçamento doméstico se consumir menos gasolina, se gastar menos energia elétrica, se cortar supérfluos. Não é este o caso dos mais pobres, que já não têm supérfluos para eliminar e nem sempre conseguem economizar – e, quando sobra algum salário no fim do mês, os mais pobres têm menos acesso ao tipo de aplicação que poderia proteger suas economias da inflação, seja por falta de informação, seja por exigências de investimento mínimo. Sobram opções como a caderneta de poupança, que perdeu para o IPCA em 2015.
Diante da constatação básica de que a inflação torna os pobres ainda mais pobres, é estarrecedor que haja entre assessores do Planalto, como informou no fim de dezembro o jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, gente tão tolerante com a inflação que queira elevar o centro da meta, dos atuais 4,5% para 5,5% – uma ideia que, felizmente, parece engavetada.
O lulopetismo vendeu uma ilusão ao povo brasileiro e todos, especialmente os mais pobres, estão descobrindo isso da pior maneira.
Aquela história de que os governos dos últimos 12 anos tiraram da miséria extrema milhões de brasileiros e fizeram outros milhões ascenderem à classe média começa a se esvair como uma bolha de sabão. A política econômica populista empreendida nos períodos de Lula e Dilma cobra agora o seu preço. Preço alto principalmente para aqueles segmentos que o PT dizia querer proteger – e deles, naturalmente, obter votos e mais votos.
Enquanto a inflação oficial, o IPCA, ficou em 10,67%, e o IPC (medido pela Fundação Getulio Vargas e referente a famílias com renda entre um e 33 salários mínimos) foi de 10,53%, no ano passado os mais pobres amargaram uma inflação de 11,52%. O dado é do IPC-C1, índice também medido pela FGV e que se refere às famílias com renda mensal entre um e 2,5 salários mínimos.
A maior diferença entre os índices está no peso de cada produto e serviço nas respectivas cestas. Por exemplo, o transporte coletivo tem peso três vezes maior na inflação dos mais pobres que na inflação geral medida pela FGV.
E os grandes vilões da inflação da baixa renda em 2015 foram três grupos: transportes (com alta de 13,2%), alimentos (13%) e habitação (14,6%). Note-se que, desses três grupos, dois incluem preços diretamente controlados pelo poder público, como transporte coletivo, energia e combustíveis – e esses itens ainda têm impacto decisivo sobre outros preços, como os dos alimentos.
O represamento dos preços controlados praticado nos anos anteriores estava entre os fatores que permitiram melhorar por algum tempo o poder aquisitivo da população de baixa renda. Este era um dos quesitos que fizeram o “sucesso” da matriz econômica posta em prática pelos governos petistas e serviram para propaganda eleitoral, para manter a inflação “controlada” e para obter altos índices de popularidade.
Viu-se, porém, que se tratava de uma prática insustentável. Economistas principiantes aprendem logo os resultados de uma política que consiste em vender produtos abaixo do custo. A Petrobras é um bom exemplo, com as perdas que acumulou com a manutenção artificial dos preços dos combustíveis, até que chegou a hora da verdade – assim como chegou também para o setor de energia elétrica, que ainda não se recuperou totalmente da canetada de Dilma que desorganizou o setor em 2013.
Se a inflação é ruim para todos, para os pobres ela é ainda mais cruel. A classe média tem alguma chance de equilibrar o orçamento doméstico se consumir menos gasolina, se gastar menos energia elétrica, se cortar supérfluos. Não é este o caso dos mais pobres, que já não têm supérfluos para eliminar e nem sempre conseguem economizar – e, quando sobra algum salário no fim do mês, os mais pobres têm menos acesso ao tipo de aplicação que poderia proteger suas economias da inflação, seja por falta de informação, seja por exigências de investimento mínimo. Sobram opções como a caderneta de poupança, que perdeu para o IPCA em 2015.
Diante da constatação básica de que a inflação torna os pobres ainda mais pobres, é estarrecedor que haja entre assessores do Planalto, como informou no fim de dezembro o jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, gente tão tolerante com a inflação que queira elevar o centro da meta, dos atuais 4,5% para 5,5% – uma ideia que, felizmente, parece engavetada.
O lulopetismo vendeu uma ilusão ao povo brasileiro e todos, especialmente os mais pobres, estão descobrindo isso da pior maneira.
Mudança inevitável - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 11/01
Somente na última década do século XX, a expectativa de vida do brasileiro teve um aumento de 2,6 anos, pulando de 66 anos em 1991 para 68,6 anos no ano 2000. A tendência de aumentar a longevidade da população do país incrementou-se ainda mais a partir daí, e, hoje, também de acordo com o IBGE, a esperança de vida no Brasil está em torno de 75,2 anos (segundo o último levantamento do instituto, divulgado no início de dezembro de 2015, relativo aos dados recolhidos ao longo de 2014). Na década de 50, o brasileiro vivia, em média, 50 anos.
Aumento da longevidade é um fenômeno mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, no último meio século, a expectativa de vida da população mundial cresceu cerca de 20 anos. São dados que impactam de alguma forma a formulação de políticas sociais: estatísticas demográficas de 50 anos atrás eram apropriadas para a época, mas de modo algum podem servir de base para programas atuais.
A expectativa de vida se aplica, principalmente, na definição da política previdenciária de qualquer país. No Brasil, onde o sistema do INSS é financiado pela contribuição dos assalariados mais jovens, a população está envelhecendo num ritmo em que o percentual de idosos já supera a proporção de jovens no mercado de trabalho. Tem-se, então, uma conta que não fecha: cada vez há, proporcionalmente, menos contribuintes para o caixa da Previdência, ao passo que aumenta exponencialmente o número de aposentados.
Todos os países se defrontaram com essa questão. O Brasil ainda está com essa agenda em aberto, principalmente porque o tema, carregado de emoção, costuma ser abordado pelos seus aspectos políticos, subjetivos, ideológicos — quando deveria ser tratado pelo viés técnico. É da essência de uma demanda em que não se pode fugir dos números. O tamanho do buraco é assustador: em 1988, a conta da Previdência correspondia a 2,5% do PIB, já em 2015 fechou a aproximadamente 7,5%. E a relação tende a piorar. Mas a presidente Dilma Rousseff parece ter, finalmente, entendido a extensão do problema, ao se mostrar disposta a propor uma reforma efetiva — e espera-se que, desta vez, para valer — da Previdência Social. A fixação de um limite mínimo na faixa de 65 anos a ser exigido na concessão de aposentadoria, razoável num país com crescente taxa de longevidade, é um positivo ponto de partida. A experiência em curso, de adotar a fórmula 85/95 (resultado da soma do tempo de contribuição com a idade para homens e mulheres se aposentar), por paliativa, não consegue conter o déficit — este ano, 124,9 bilhões, mais que os R$ 88,9 bilhões no ano passado.
A simples manifestação da presidente de encaminhar a reforma já provocou reações contrárias do PT e das organizações ditas sociais que orbitam o governo. Era esperado. Mas Dilma não tem escolha: ou enfrenta o desafio ou o buraco da Previdência engolirá qualquer esforço de equilíbrio fiscal, uma ameaça muito maior à governabilidade que os estribilhos de setores cegos à inevitabilidade da reforma.
Somente na última década do século XX, a expectativa de vida do brasileiro teve um aumento de 2,6 anos, pulando de 66 anos em 1991 para 68,6 anos no ano 2000. A tendência de aumentar a longevidade da população do país incrementou-se ainda mais a partir daí, e, hoje, também de acordo com o IBGE, a esperança de vida no Brasil está em torno de 75,2 anos (segundo o último levantamento do instituto, divulgado no início de dezembro de 2015, relativo aos dados recolhidos ao longo de 2014). Na década de 50, o brasileiro vivia, em média, 50 anos.
Aumento da longevidade é um fenômeno mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, no último meio século, a expectativa de vida da população mundial cresceu cerca de 20 anos. São dados que impactam de alguma forma a formulação de políticas sociais: estatísticas demográficas de 50 anos atrás eram apropriadas para a época, mas de modo algum podem servir de base para programas atuais.
A expectativa de vida se aplica, principalmente, na definição da política previdenciária de qualquer país. No Brasil, onde o sistema do INSS é financiado pela contribuição dos assalariados mais jovens, a população está envelhecendo num ritmo em que o percentual de idosos já supera a proporção de jovens no mercado de trabalho. Tem-se, então, uma conta que não fecha: cada vez há, proporcionalmente, menos contribuintes para o caixa da Previdência, ao passo que aumenta exponencialmente o número de aposentados.
Todos os países se defrontaram com essa questão. O Brasil ainda está com essa agenda em aberto, principalmente porque o tema, carregado de emoção, costuma ser abordado pelos seus aspectos políticos, subjetivos, ideológicos — quando deveria ser tratado pelo viés técnico. É da essência de uma demanda em que não se pode fugir dos números. O tamanho do buraco é assustador: em 1988, a conta da Previdência correspondia a 2,5% do PIB, já em 2015 fechou a aproximadamente 7,5%. E a relação tende a piorar. Mas a presidente Dilma Rousseff parece ter, finalmente, entendido a extensão do problema, ao se mostrar disposta a propor uma reforma efetiva — e espera-se que, desta vez, para valer — da Previdência Social. A fixação de um limite mínimo na faixa de 65 anos a ser exigido na concessão de aposentadoria, razoável num país com crescente taxa de longevidade, é um positivo ponto de partida. A experiência em curso, de adotar a fórmula 85/95 (resultado da soma do tempo de contribuição com a idade para homens e mulheres se aposentar), por paliativa, não consegue conter o déficit — este ano, 124,9 bilhões, mais que os R$ 88,9 bilhões no ano passado.
A simples manifestação da presidente de encaminhar a reforma já provocou reações contrárias do PT e das organizações ditas sociais que orbitam o governo. Era esperado. Mas Dilma não tem escolha: ou enfrenta o desafio ou o buraco da Previdência engolirá qualquer esforço de equilíbrio fiscal, uma ameaça muito maior à governabilidade que os estribilhos de setores cegos à inevitabilidade da reforma.