FOLHA DE SP - 07/01
Ontem foi Dia de Reis. Em vez de levar presentes, alguns reis do capital foram a Brasília pedir dinheiro para suas empresas arrebentadas. Teve-se notícia do que o rei do PT, Lula, disse na primeira sessão de tutela de Dilma Rousseff neste ano: quer medidas "concretas" de estímulo econômico.
Nada de novo sob a poeira e o sol do Planalto.
A fila de empresas pedintes vai aumentar. Assim como a de Estados e prefeituras quebrados. Minas Gerais não tem dinheiro para pagar o salário de servidores. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Paraná estão na pindaíba.
Siderúrgicas e montadoras querem dinheiro. A venda de veículos caiu 26,5% em 2015. A associação dos vendedores estima que caia outros 6% neste 2016, o quarto ano seguido de ruína. Ao anunciar as más novas, vazou também que o governo prepara um pacotinho de ajuda.
Pacotinho, diminutivo, pois o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) diz que não haverá "pacotes", medidas "bombásticas" ou "grandes notícias". Não vai sair "coelho da cartola", afirmou, com aquelas vogais graves e extensas como o mar que quebra na praia da tranquilidade de Caymmi ("é boniiito, é boniiiito...").
O coelhinho da Páscoa ou do Carnaval das montadoras, por exemplo, não teria subsídios. Isto é, o governo não doaria dinheiro dos impostos para fábricas e compradores de carros. Mas sempre é possível disfarçar subsídios por meio de crédito facilitado.
O governo vai facilitar empréstimos? Não faz sentido, pois o Banco Central arrocha o crédito faz anos, com a intenção declarada e frustrada de conter a inflação. Dado que não faz sentido, é possível que Dilma Rousseff adote a ideia.
O pacotinho pode ser algo mais incrementado. Insinua-se que haveria uma espécie de taxa ou seguro para financiar a compra de carro novo, colocando os muito velhos no rolo.
No que diz respeito à "retomada do crescimento", tanto faz. Até remendo setorial com privilégios está difícil de fazer. As siderúrgicas, por exemplo, estão na lama porque a construção civil entrou em colapso, assim como a venda de bens duráveis, como carros, entre os motivos imediatos.
A construção civil afunda porque os governos não têm dinheiro para obras, porque as maiores empreiteiras foram enfim pegas na roubança, por causa da ruína na Petrobras. Afunda porque não há crédito ou coragem de tomar dinheiro emprestado para comprar casa, também porque os juros estão altos. O mercado imobiliário afunda. O preço do metro quadrado dos imóveis em São Paulo caiu 8% em 2015, em termos reais, segundo o índice Fipe-ZAP.
Enfim, o colapso da construção é um aspecto do colapso do investimento das empresas em capital (máquinas, equipamentos, instalações produtivas), que cai desde 2013. O governo federal cortou 40% do valor do investimento "em obras" em 2015, pois de 2012 a 2014 administrou o dinheiro público de modo irresponsável, incompetente e fraudulento.
A venda de veículos afunda porque houve uma bolha inflada pelo governo, porque se antecipou muito consumo, porque os juros estão altos, porque as empresas não investem, porque a renda do trabalho parou de subir, porque as pessoas estão com medo do futuro depois da passagem do furacão Dilma.
quinta-feira, janeiro 07, 2016
A hemorragia do Banco Central - MONICA DE BOLLE
ESTADÃO - 07/01
Para impedir que a desvalorização do real se transformasse em pesadelo inflacionário ainda pior do que o aumento de quase 11% dos preços em 2015, o Banco Central acaba de anunciar prejuízo de 1,5% do PIB, ou cerca de R$ 90 bilhões de reais no ano passado.
A perda deve-se à forma como a autoridade monetária brasileira intervém nos mercados de câmbio desde 2013, usando os chamados swaps cambiais. Nessas operações, o Banco Central entrega ao investidor a variação do dólar em relação ao valor futuro predeterminado no contrato e em troca recebe a variação dos juros de mercado no mesmo período. Como as operações são efetuadas em moeda doméstica, não há perda de reservas. Ou assim nos dizem.
Em 2013, quando essas operações se avolumaram, o motivo era oferecer proteção aos investidores contra as bruscas oscilações do câmbio vinculadas ao fim dos estímulos monetários excepcionais nos EUA. Na época, o temor dos mercados de que a liquidez internacional se esvaísse diante da mudança de postura do Federal Reserve (Fed) induziu fortes desvalorizações de moedas emergentes, entre elas do real. Contudo, quando o tumulto acabou, nosso BC não se fez de rogado. Continuou a prover “proteção” aos investidores, embora estivesse ficando cada vez mais claro que o intuito verdadeiro era conter o deslizamento da moeda brasileira. Contenção que fez o estoque total de swaps cambiais alcançar cerca de US$ 120 bilhões. Como o real só sofreu desvalorizações nos últimos tempos, ao estoque considerável somaram-se as perdas aviltantes. Aviltantes posto que são forma perversa de tentar esconder o óbvio: o câmbio flutuante do Brasil quase não flutua. Ou, quase não flutua de acordo com as pressões existentes no mercado. Finge-se que o instrumento para controlar a inflação ainda são os juros, enquanto a hemorragia cambial só aumenta.
A perda de 1,5% do PIB registrada no ano passado é apenas parte das verdades escondidas. A outra parte é o mito de que dispomos de reservas de cerca de US$ 370 bilhões. Se interpretarmos os estoque de US$ 120 bilhões em swaps como um fluxo negativo de capitais que ainda não se concretizou, nossas reservas são de US$ 250 bilhões, ou 30% menores do que nos dizem.
Diante do estado lastimável da economia brasileira, a hemorragia haverá de continuar. Com ela, as verdades escondidas, cada vez mais nítidas.
*Pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics
Para impedir que a desvalorização do real se transformasse em pesadelo inflacionário ainda pior do que o aumento de quase 11% dos preços em 2015, o Banco Central acaba de anunciar prejuízo de 1,5% do PIB, ou cerca de R$ 90 bilhões de reais no ano passado.
A perda deve-se à forma como a autoridade monetária brasileira intervém nos mercados de câmbio desde 2013, usando os chamados swaps cambiais. Nessas operações, o Banco Central entrega ao investidor a variação do dólar em relação ao valor futuro predeterminado no contrato e em troca recebe a variação dos juros de mercado no mesmo período. Como as operações são efetuadas em moeda doméstica, não há perda de reservas. Ou assim nos dizem.
Em 2013, quando essas operações se avolumaram, o motivo era oferecer proteção aos investidores contra as bruscas oscilações do câmbio vinculadas ao fim dos estímulos monetários excepcionais nos EUA. Na época, o temor dos mercados de que a liquidez internacional se esvaísse diante da mudança de postura do Federal Reserve (Fed) induziu fortes desvalorizações de moedas emergentes, entre elas do real. Contudo, quando o tumulto acabou, nosso BC não se fez de rogado. Continuou a prover “proteção” aos investidores, embora estivesse ficando cada vez mais claro que o intuito verdadeiro era conter o deslizamento da moeda brasileira. Contenção que fez o estoque total de swaps cambiais alcançar cerca de US$ 120 bilhões. Como o real só sofreu desvalorizações nos últimos tempos, ao estoque considerável somaram-se as perdas aviltantes. Aviltantes posto que são forma perversa de tentar esconder o óbvio: o câmbio flutuante do Brasil quase não flutua. Ou, quase não flutua de acordo com as pressões existentes no mercado. Finge-se que o instrumento para controlar a inflação ainda são os juros, enquanto a hemorragia cambial só aumenta.
A perda de 1,5% do PIB registrada no ano passado é apenas parte das verdades escondidas. A outra parte é o mito de que dispomos de reservas de cerca de US$ 370 bilhões. Se interpretarmos os estoque de US$ 120 bilhões em swaps como um fluxo negativo de capitais que ainda não se concretizou, nossas reservas são de US$ 250 bilhões, ou 30% menores do que nos dizem.
Diante do estado lastimável da economia brasileira, a hemorragia haverá de continuar. Com ela, as verdades escondidas, cada vez mais nítidas.
*Pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics
O pote de mel do PT - ROGÉRIO GENTILE
Folha de SP - 07/01
Uma velha sentença, injusta com tantos que certamente levam a vida honestamente, mesmo em Brasília, dá conta de que há apenas dois tipos de políticos no país: o que rouba para fazer política e o que faz política para roubar.
Sempre que tentam justificar os injustificáveis escândalos do mensalão e da Lava Jato, petistas se colocam, subliminarmente, na primeira categoria, alegando que, no sistema político em vigor no Brasil, não há como se eleger sem gastar muito dinheiro nas campanhas.
Nesse sentido, como afirmou o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, à Folha, o grande erro do PT foi não ter feito a reforma política no primeiro ano do governo Lula.
Segundo seu raciocínio, se tivesse lá atrás acabado com o financiamento privado das campanhas, se houvesse mudado "os métodos do exercício da política", não teria sido necessário se "lambuzar".
Em outras palavras, o partido, ou melhor, integrantes do partido não teriam favorecido empresas a fim de obter dinheiro para as suas campanhas eleitorais.
Há três falácias nessa formulação. Primeiro, não é verdade que financiamento privado significa obrigatoriamente superfaturamento de obras e outras falcatruas do gênero.
Tampouco é plausível imaginar que, num cenário de financiamento público das candidaturas, empresas deixarão, num incrível passe de mágica, de contribuir, ainda que às escondidas, ainda que com métodos originais, com os políticos que se dispuserem a lhe prestar certos favores inconfessáveis.
Mas o pior engodo é propalar que os petistas que se lambuzaram no pote de mel o fizeram, coitadinhos, apenas porque precisavam de dinheiro para se eleger e, assim, ajudar o sofrido povo brasileiro.
As várias acusações de benefícios pessoais, que incluem aumento de patrimônio e pagamentos por consultorias, indicam que eles gostam mesmo é de um bom melado.
Uma velha sentença, injusta com tantos que certamente levam a vida honestamente, mesmo em Brasília, dá conta de que há apenas dois tipos de políticos no país: o que rouba para fazer política e o que faz política para roubar.
Sempre que tentam justificar os injustificáveis escândalos do mensalão e da Lava Jato, petistas se colocam, subliminarmente, na primeira categoria, alegando que, no sistema político em vigor no Brasil, não há como se eleger sem gastar muito dinheiro nas campanhas.
Nesse sentido, como afirmou o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, à Folha, o grande erro do PT foi não ter feito a reforma política no primeiro ano do governo Lula.
Segundo seu raciocínio, se tivesse lá atrás acabado com o financiamento privado das campanhas, se houvesse mudado "os métodos do exercício da política", não teria sido necessário se "lambuzar".
Em outras palavras, o partido, ou melhor, integrantes do partido não teriam favorecido empresas a fim de obter dinheiro para as suas campanhas eleitorais.
Há três falácias nessa formulação. Primeiro, não é verdade que financiamento privado significa obrigatoriamente superfaturamento de obras e outras falcatruas do gênero.
Tampouco é plausível imaginar que, num cenário de financiamento público das candidaturas, empresas deixarão, num incrível passe de mágica, de contribuir, ainda que às escondidas, ainda que com métodos originais, com os políticos que se dispuserem a lhe prestar certos favores inconfessáveis.
Mas o pior engodo é propalar que os petistas que se lambuzaram no pote de mel o fizeram, coitadinhos, apenas porque precisavam de dinheiro para se eleger e, assim, ajudar o sofrido povo brasileiro.
As várias acusações de benefícios pessoais, que incluem aumento de patrimônio e pagamentos por consultorias, indicam que eles gostam mesmo é de um bom melado.
Operação abafa na Lava-Jato - LUIZ CARLOS AZEDO
CORREIO BRAZILIENSE -07/01
O efeito das delações premiadas nas investigações da Lava-Jato só existe porque o dispositivo rompe a lógica do chamado “dilema dos prisioneiros”
Desde o início da Operação Lava-Jato, o Palácio do Planalto sustenta o discurso de que é preciso salvar da insolvência as empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras, até para obter o ressarcimento do dinheiro desviado dos cofres públicos. Argumenta que a economia não pode ser prejudicada, é preciso salvar o emprego e a engenharia nacional estaria em risco de sobrevivência.
O mesmo discurso foi entoado pelos advogados das empresas, cujos executivos e alguns proprietários estavam diretamente envolvidos no escândalo, a ponto de alguns serem presos. Ao apagar das luzes de 2015, no vácuo do recesso do Congresso e do Judiciário, e em meio ao clima de Jingle Bells – “Bate o sino, pequenino, sino de Belém...” – que caracteriza as viradas do ano-novo, o governo fez dois movimentos para salvar as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras.
O primeiro é um verdadeiro presente de Mamãe Noel, que está dando a maior confusão. A MP 703, de 18 de dezembro, alterou as regras dos acordos de leniência. As punições foram abrandadas e o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) acabaram escanteados das negociações dos acordos, que somente apreciarão como fatos consumados. O segundo foi a tunga de R$ 133 milhões no orçamento da Polícia Federal, limitando ainda mais sua capacidade operacional nas investigações.
As duas medidas causaram forte reação das duas corporações envolvidas nas investigações, os procuradores federais e os delegados federais, respectivamente. Mas é o Tribunal de Contas de União (TCU), o órgão externo de controle das finanças públicas, que está estrilando mais por não participar das negociações dos acordos. O envolvimento do TCU, porém, politiza o assunto, porque remete à rejeição das contas de Dilma Rousseff de 2014 e à discussão sobre o impeachment.
Mas é evidente que a mudança da legislação terá impacto na Operação Lava-Jato. Foi feita para acelerar acordos de leniência que estavam sendo negociados discretamente pela Controladoria-Geral da União com seis das 26 empresas envolvidas no escândalo da Petrobras. A primeira é a UTC Engenharia, cujo proprietário, Ricardo Pessoa, liderou o cartel de empreiteiras do esquema de propina, aderiu à delação premiada e hoje goza do regime de prisão domiciliar.
Engevix, Galvão Engenharia, OAS, Andrade Gutierrez e Toyo Setal são as demais empresas da lista. Os acordos implicam no ressarcimento dos prejuízos comprovados, mas as mudanças nas regras do jogo são vistas pelos investigadores da Lava-Jato como uma espécie de pacto entre o governo e os empreiteiros, uma vez que a MP já em vigor permite que as empresas continuem a prestar serviços ao governo.
“Omertà”
A salvação das empresas, porém, seria uma espécie de moeda de troca para evitar novas delações premiadas. Segundo procuradores e delegados, o silêncio dos empresários protegeria os agentes políticos envolvidos no escândalo. Diga-se de passagem, os mesmos que podem garantir a aprovação das mudanças contidas na MP na Câmara e no Senado.
Como se sabe entre os advogados que atuam na Lava-Jato, o entendimento geral é de que as delações premiadas somente estão ocorrendo em razão da prisão preventiva dos acusados: diretores e gerentes da Petrobras, empreiteiros e executivos de empresas, lobistas e doleiros. A manutenção dessas prisões pelo Supremo Tribunal Federal, que tem rejeitado quase todos os pedidos de habeas corpus, fez com que as delações funcionassem como uma espécie de efeito dominó.
Entretanto, o impacto das investigações nas empresas, que quase entraram em colapso, também foi determinante para que as delações ocorressem. No caso dos proprietários que aderiram à delação premiada, esse era o caminho para obter os acordos de leniência para salvar as empresas. Agora, com as novas regras, não é mais. Uma coisa independerá da outra. Os investigadores temem que as empresas pactuem uma linha de defesa comum e novamente recorram ao pacto de silêncio, uma espécie de “omertà” mafiosa.
O efeito das delações premiadas nas investigações da Lava-Jato só existe porque o dispositivo rompe a lógica do chamado “dilema dos prisioneiros”, um problema da teoria dos jogos muito estudado pelos criminalistas. Funciona assim: A e B, são presos pela polícia, que tem provas insuficientes para condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: confessar e testemunhar contra o outro. Se um deles permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro decide sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro.
Com a delação premiada, é mais difícil manter esse tipo de pacto de silêncio. É o que aconteceu na Operação Lava-Jato.
À deriva - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 07/01
O mesmo Wagner que outro dia disse em alto e bom som que o PT “se lambuzou” no governo, em referência aos escândalos de corrupção. Há claramente uma ala petista que está tentando abrir espaço para uma espécie de autocrítica, em busca do eleitorado de classe média que foge do PT como o diabo foge da cruz, em confronto com outra, liderada por Lula, que quer uma guinada à esquerda, uma Carta aos Brasileiros às avessas, para garantir o apoio das chamadas “bases sociais”.
Lula ontem, na reunião que teve com a presidente Dilma e alguns ministros — o da Fazenda, Nelson Barbosa, foi barrado pelo próprio Lula —, insistiu em mais crédito, menos juros e mais capacidade de empréstimos para os estados. Quer dizer, mais do mesmo, que nos levou aonde estamos.
São duas posturas distintas: a dos que têm que tocar o que ainda resta do governo e a dos que estão de fora querendo recuperar a imagem do PT no ano eleitoral. Não são propriamente dissidentes, apenas companheiros com estratégias diferentes diante da crise que os apanhou a todos de calças curtas.
Lula ainda pediu que PT e governo não lavem roupa suja publicamente, mas a cada pronunciamento da direção nacional do PT contra o ajuste fiscal e a favor de medidas populistas para uma recuperação da economia — até o uso das reservas cambiais está entre as propostas — fica claro que o coração do PT balança entre apoiar Dilma ou vê-la pelas costas.
Ao mesmo tempo, como dizia Leonel Brizola, vários fatos insinuam que a presidente Dilma está “costeando o alambrado”, isto é, preparando-se para se livrar do PT assim que possível. A sugestão do ex-ministro Cid Gomes, atualmente filiado ao PDT, para que Dilma deixe o PT não parece fora de contexto.
Dificilmente as coisas acontecerão de maneira linear mas, à medida que a crise avança, é possível que aconteçam sem que ninguém possa controla-las. O país está à deriva, cada um tentando salvar a sua pele, principalmente Lula, que depende da recuperação de sua popularidade para escapar do cerco da Operação Lava-Jato.
E a popularidade dificilmente voltará com a economia em frangalhos. Talvez se livrar de Dilma seja mais barato para o lulismo, que voltaria para a oposição tentando convencer os incautos de que tudo será diferente com Lula novamente no poder em 2018.
Mas Jaques Wagner parece ter também planos de concorrer à Presidência da República, e o modelo que está tentando usar é o de um líder de esquerda moderado, que sabe onde o partido errou e quer fazer a releitura política para começar de novo.
Para isso tem que estar ao lado de Dilma, tentando superar a crise que estrangula o governo. Nesse ponto, a percepção de Lula está mais apurada, embora as consequências sejam catastróficas. O governo Dilma não tem mais tempo para fazer as maldades todas que têm que ser feitas, e chegar em 2018 em condições competitivas para disputar a Presidência da República.
O fato é que, se tivéssemos aqui o sistema de recall que existe em alguns estados dos Estados Unidos, ou a convocatória, referendo chavista que tirará Maduro do governo nos próximos meses, Dilma já estaria fora do governo com uma derrota esmagadora.
A solução de Lula é irresponsável, mas para os interesses imediatistas, que sempre foram sua prioridade, serviriam para desafogar o governo. A maioria defensiva que Lula sempre advogou para proteger-se de comissões parlamentares — e, no limite, do impeachment — está se esvaindo no governo Dilma, e ele próprio admite que, se não for reorganizada até março, o impeachment torna-se uma saída viável para a oposição.
José Dirceu, na cadeia, já está lendo o livro de Fernando Henrique Cardoso alegando que o PSDB pode voltar ao poder “e é preciso saber o que eles pensam”. Como se não soubesse. Todos os sinais desencontrados entre o PT e o governo são reflexos da crise que não tem data para acabar, aumentando a possibilidade de esse governo acabar antes do tempo.
Palpite infeliz - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 07/01
A presidente Dilma continua se submetendo à tutela do ex-presidente Lula. No ano passado, ela ensaiou resistir à fritura do ex-ministro Joaquim Levy, mas depois acabou aceitando o que Lula dizia sobre ele ter esgotado o seu prazo de validade. Ontem, o ex-presidente voltou a Brasília para dar novas orientações a Dilma sobre como conduzir a economia. Não é necessário: ela sabe errar por ela mesma.
O que Lula poderia dizer a Dilma que ela já não tenha tentado? Vai fazer um novo PAC para estimular a economia e fazer uma nova etapa do Minha Casa, Minha Vida. Tudo o que ela já fez no passado usando recursos de outros entes estatais, como o FGTS, por exemplo. É o que ela está preparando para anunciar e assim dizer que seu governo não está parado. O problema é que o Tesouro fechou no negativo nos últimos dois anos, sendo 2015 um enorme rombo e não sabe ainda como se poderá chegar ao equilíbrio em 2016. O Orçamento está em aberto, e a proposta foi enviada com déficit. Em uma economia que tem esse desequilíbrio é difícil saber como estimular o crescimento através de investimento público.
Até agora, tudo o que o Partido dos Trabalhadores sugeriu já foi tentado no primeiro mandato e terminou mal. Foi transferida uma montanha de dinheiro para que a indústria automobilística vendesse mais. Ela se manteve por um tempo e agora está afundando. Ontem, anunciou queda de 26,5% nas vendas em 2015. As famílias foram incentivadas a se endividar para comprar carros e eletrodomésticos. O nível de inadimplência aumentou. O estímulo ao crescimento e ao consumo feito de forma artificial sempre dará em novas quedas nas vendas e endividamento excessivo das famílias. Apenas posterga a crise e a um custo muito alto.
O que a presidente Dilma deveria fazer é encontrar formas para derrubar a altíssima taxa de inflação que está batendo principalmente nos mais pobres, reduzindo a renda disponível das famílias, tirando o horizonte de planejamento das empresas. Ela deve terminar o ano em 10,8%, com a taxa de dezembro ficando em 1,1%, segundo a previsão do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Uma taxa deste tamanho é uma barbaridade. Em um governo sério, que tivesse dimensão do dano que a inflação alta já produziu ao Brasil, a reunião de presidente, ex-presidente, ministros, deveria ser feita para saber como reduzir essa taxa. Mas ela nunca incomodou a presidente Dilma. Seu governo sempre aceitou que a inflação ficasse um pouco mais alta até que estourou o teta da meta.
Nos primeiros meses do ano, a inflação vai ceder um pouco no acumulado de 12 meses. No primeiro trimestre do ano passado o índice ficou entre 1,2% a 1,3% ao mês e, por isso, a base de comparação é muito alta. Continuará alta este ano, será um pouco mais baixa e isso pode trazer o índice em 12 meses para abaixo de 10%. Isso não pode ser comemorado, mas o governo dirá que a inflação era apenas conjuntural e que já está sendo resolvida.
A base de qualquer política econômica decente é manter a inflação baixa porque só isso torna sustentável qualquer outra proposta de estímulo econômico. O erro do governo é que ele faz uma inversão da ordem dos fatores. Quer estimular a economia, convencido que isso é que trará a inflação para baixo.
O ex-presidente Lula fez campanha para tirar Levy e entre as propostas de nomes para o lugar estava o do ministro Nelson Barbosa, que ele considera próximo do ideário do PT. Agora defende “outra política econômica”. O problema é que nem ele nem o partido sabem muito bem o que propor como remédio diante do quadro ao qual a política petista, leia-se nova matriz macroeconômica, levou o país.
Neste claudicante segundo mandato, foram várias as vezes em que a presidente Dilma ouviu os conselhos e reprimendas do ex-presidente Lula, mas até agora não encontraram o tom. Estão de volta à preparação de mais um anúncio de mudanças. Querem agradar os petistas com algumas medidas e, por outro lado, não assustar os investidores; estimular a economia com recursos públicos e garantir que o ajuste fiscal será feito. De novo não terão sucesso porque a fórmula não existe. Quando der errado, bastará a Lula dizer que Dilma não fez o que ele propôs.
A presidente Dilma continua se submetendo à tutela do ex-presidente Lula. No ano passado, ela ensaiou resistir à fritura do ex-ministro Joaquim Levy, mas depois acabou aceitando o que Lula dizia sobre ele ter esgotado o seu prazo de validade. Ontem, o ex-presidente voltou a Brasília para dar novas orientações a Dilma sobre como conduzir a economia. Não é necessário: ela sabe errar por ela mesma.
O que Lula poderia dizer a Dilma que ela já não tenha tentado? Vai fazer um novo PAC para estimular a economia e fazer uma nova etapa do Minha Casa, Minha Vida. Tudo o que ela já fez no passado usando recursos de outros entes estatais, como o FGTS, por exemplo. É o que ela está preparando para anunciar e assim dizer que seu governo não está parado. O problema é que o Tesouro fechou no negativo nos últimos dois anos, sendo 2015 um enorme rombo e não sabe ainda como se poderá chegar ao equilíbrio em 2016. O Orçamento está em aberto, e a proposta foi enviada com déficit. Em uma economia que tem esse desequilíbrio é difícil saber como estimular o crescimento através de investimento público.
Até agora, tudo o que o Partido dos Trabalhadores sugeriu já foi tentado no primeiro mandato e terminou mal. Foi transferida uma montanha de dinheiro para que a indústria automobilística vendesse mais. Ela se manteve por um tempo e agora está afundando. Ontem, anunciou queda de 26,5% nas vendas em 2015. As famílias foram incentivadas a se endividar para comprar carros e eletrodomésticos. O nível de inadimplência aumentou. O estímulo ao crescimento e ao consumo feito de forma artificial sempre dará em novas quedas nas vendas e endividamento excessivo das famílias. Apenas posterga a crise e a um custo muito alto.
O que a presidente Dilma deveria fazer é encontrar formas para derrubar a altíssima taxa de inflação que está batendo principalmente nos mais pobres, reduzindo a renda disponível das famílias, tirando o horizonte de planejamento das empresas. Ela deve terminar o ano em 10,8%, com a taxa de dezembro ficando em 1,1%, segundo a previsão do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Uma taxa deste tamanho é uma barbaridade. Em um governo sério, que tivesse dimensão do dano que a inflação alta já produziu ao Brasil, a reunião de presidente, ex-presidente, ministros, deveria ser feita para saber como reduzir essa taxa. Mas ela nunca incomodou a presidente Dilma. Seu governo sempre aceitou que a inflação ficasse um pouco mais alta até que estourou o teta da meta.
Nos primeiros meses do ano, a inflação vai ceder um pouco no acumulado de 12 meses. No primeiro trimestre do ano passado o índice ficou entre 1,2% a 1,3% ao mês e, por isso, a base de comparação é muito alta. Continuará alta este ano, será um pouco mais baixa e isso pode trazer o índice em 12 meses para abaixo de 10%. Isso não pode ser comemorado, mas o governo dirá que a inflação era apenas conjuntural e que já está sendo resolvida.
A base de qualquer política econômica decente é manter a inflação baixa porque só isso torna sustentável qualquer outra proposta de estímulo econômico. O erro do governo é que ele faz uma inversão da ordem dos fatores. Quer estimular a economia, convencido que isso é que trará a inflação para baixo.
O ex-presidente Lula fez campanha para tirar Levy e entre as propostas de nomes para o lugar estava o do ministro Nelson Barbosa, que ele considera próximo do ideário do PT. Agora defende “outra política econômica”. O problema é que nem ele nem o partido sabem muito bem o que propor como remédio diante do quadro ao qual a política petista, leia-se nova matriz macroeconômica, levou o país.
Neste claudicante segundo mandato, foram várias as vezes em que a presidente Dilma ouviu os conselhos e reprimendas do ex-presidente Lula, mas até agora não encontraram o tom. Estão de volta à preparação de mais um anúncio de mudanças. Querem agradar os petistas com algumas medidas e, por outro lado, não assustar os investidores; estimular a economia com recursos públicos e garantir que o ajuste fiscal será feito. De novo não terão sucesso porque a fórmula não existe. Quando der errado, bastará a Lula dizer que Dilma não fez o que ele propôs.
Tempi brutti - EVERARDO MACIEL
ESTADÃO - 07/01
O ano passado, no Brasil, terá sido o que a monarquia britânica qualifica como annus horribilis, pela impressionante combinação de crises de todos os gêneros. Não há razões, infelizmente, para presumir que 2016 venha a ser diferente.
Lá fora, um ambiente de muitas incertezas econômicas, com possibilidade de eclosão de episódios terroristas e conflagrações regionais.
Aqui, desemprego elevado, inflação alta, juros pesados, baixo crescimento econômico, dificuldades para superar a criminosa crise fiscal, corrupção sistêmica, degradação da prática política, sem falar da inépcia do Estado ante epidemias e desastres ambientais.
Na base de tudo, o aviltamento dos incipientes valores nacionais, para o qual concorrem governantes que designam seus atos deletérios como “um mero caixa dois”, e uma população com baixo nível educacional, maltratada por um ensino de péssima qualidade e pela insensatez das greves de professores, cujas vítimas, afinal de contas, são os alunos.
Uma mudança de rumos para superar as crises exigirá muitos sacrifícios e capacidade política para resolver conflitos e contradições.
Todos que estudam a previdência social brasileira têm claríssima convicção quanto à sua insolvência, em virtude dos sucessivos e crescentes déficits e da mudança do perfil etário da população.
De igual forma, temos uma obsoleta legislação trabalhista, que produz um patético e monumental contencioso judicial e leva à informalidade a grande maioria dos trabalhadores.
Teria, entretanto, o governo condições para implementar reformas previdenciária e trabalhista, contrariando sua base de apoio político, especialmente sindicatos presos a dogmas ultrapassados e linhas auxiliares de partidos políticos, financiadas por dinheiro público e, pretensiosamente, denominadas “movimentos sociais”? Presumo que não.
Temos uma população que, majoritariamente, não sabe ler, nem escrever. Por isso mesmo, os jovens, especialmente os que vivem nas periferias urbanas, frequentemente se entregam às drogas, ao crime ou ao subemprego.
O baixo nível da educação brasileira repercute, também, na carência de mão-de-obra qualificada que possibilite ganhos de produtividade na economia.
Mas como tratar de uma reforma educacional se os interlocutores são justamente os responsáveis pelo deplorável quadro da educação brasileira? A perspectiva não é boa.
Os serviços públicos da saúde à segurança pública, daí passando à mobilidade urbana e à infraestrutura, são um torneio de iniquidades.
Seu enfrentamento, contudo, reclama repensar as funções do Estado, conferir concretude ao princípio da eficiência no serviço público, dar um freio no poder das corporações. Quem se habilita?
É verdade que a Operação Lava Jato representou um extraordinário marco na luta contra a corrupção no País, tanto quanto as ações do Poder Público contra as chamadas pedaladas fiscais. É necessário, entretanto, construir um marco institucional para prevenir novas ocorrências.
Não temos sequer um mínimo consenso sobre a reforma tributária. Reúnam dez tributaristas e terão onze modelos de reforma tributária.
Ainda acreditamos que carga tributária decorre de tributos. Levaremos muito tempo para entendê-la como variável decorrente do tamanho do gasto público.
Tampouco sabemos que a partilha de receitas públicas, no âmbito da Federação, presume um mínimo conhecimento sobre uma repartição, jamais debatida, dos encargos públicos.
Apreciamos muito as reformas tributárias abrangentes, quase sempre meras reproduções de modelos estrangeiros, sem nenhuma criatividade e alheias às nossas circunstâncias. Ainda não aprendemos que as tentativas de reformas abrangentes resultam, invariavelmente, em impasses.
É muito trabalhoso identificar os problemas relevantes, encontrar soluções e desenvolver uma estratégia de implementação.
É possível reverter essas tendências? Sim, mas pouco provável no curto prazo, salvo se houver uma drástica mudança de rumos no governo ou se o inesperado comparecer à assembleia dos fatos.
O ano passado, no Brasil, terá sido o que a monarquia britânica qualifica como annus horribilis, pela impressionante combinação de crises de todos os gêneros. Não há razões, infelizmente, para presumir que 2016 venha a ser diferente.
Lá fora, um ambiente de muitas incertezas econômicas, com possibilidade de eclosão de episódios terroristas e conflagrações regionais.
Aqui, desemprego elevado, inflação alta, juros pesados, baixo crescimento econômico, dificuldades para superar a criminosa crise fiscal, corrupção sistêmica, degradação da prática política, sem falar da inépcia do Estado ante epidemias e desastres ambientais.
Na base de tudo, o aviltamento dos incipientes valores nacionais, para o qual concorrem governantes que designam seus atos deletérios como “um mero caixa dois”, e uma população com baixo nível educacional, maltratada por um ensino de péssima qualidade e pela insensatez das greves de professores, cujas vítimas, afinal de contas, são os alunos.
Uma mudança de rumos para superar as crises exigirá muitos sacrifícios e capacidade política para resolver conflitos e contradições.
Todos que estudam a previdência social brasileira têm claríssima convicção quanto à sua insolvência, em virtude dos sucessivos e crescentes déficits e da mudança do perfil etário da população.
De igual forma, temos uma obsoleta legislação trabalhista, que produz um patético e monumental contencioso judicial e leva à informalidade a grande maioria dos trabalhadores.
Teria, entretanto, o governo condições para implementar reformas previdenciária e trabalhista, contrariando sua base de apoio político, especialmente sindicatos presos a dogmas ultrapassados e linhas auxiliares de partidos políticos, financiadas por dinheiro público e, pretensiosamente, denominadas “movimentos sociais”? Presumo que não.
Temos uma população que, majoritariamente, não sabe ler, nem escrever. Por isso mesmo, os jovens, especialmente os que vivem nas periferias urbanas, frequentemente se entregam às drogas, ao crime ou ao subemprego.
O baixo nível da educação brasileira repercute, também, na carência de mão-de-obra qualificada que possibilite ganhos de produtividade na economia.
Mas como tratar de uma reforma educacional se os interlocutores são justamente os responsáveis pelo deplorável quadro da educação brasileira? A perspectiva não é boa.
Os serviços públicos da saúde à segurança pública, daí passando à mobilidade urbana e à infraestrutura, são um torneio de iniquidades.
Seu enfrentamento, contudo, reclama repensar as funções do Estado, conferir concretude ao princípio da eficiência no serviço público, dar um freio no poder das corporações. Quem se habilita?
É verdade que a Operação Lava Jato representou um extraordinário marco na luta contra a corrupção no País, tanto quanto as ações do Poder Público contra as chamadas pedaladas fiscais. É necessário, entretanto, construir um marco institucional para prevenir novas ocorrências.
Não temos sequer um mínimo consenso sobre a reforma tributária. Reúnam dez tributaristas e terão onze modelos de reforma tributária.
Ainda acreditamos que carga tributária decorre de tributos. Levaremos muito tempo para entendê-la como variável decorrente do tamanho do gasto público.
Tampouco sabemos que a partilha de receitas públicas, no âmbito da Federação, presume um mínimo conhecimento sobre uma repartição, jamais debatida, dos encargos públicos.
Apreciamos muito as reformas tributárias abrangentes, quase sempre meras reproduções de modelos estrangeiros, sem nenhuma criatividade e alheias às nossas circunstâncias. Ainda não aprendemos que as tentativas de reformas abrangentes resultam, invariavelmente, em impasses.
É muito trabalhoso identificar os problemas relevantes, encontrar soluções e desenvolver uma estratégia de implementação.
É possível reverter essas tendências? Sim, mas pouco provável no curto prazo, salvo se houver uma drástica mudança de rumos no governo ou se o inesperado comparecer à assembleia dos fatos.
Não é por vontade - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 07/01
Chineses não estão parando porque querem. É porque não conseguem mais crescer antes de eliminar as distorções
A China é a grande preocupação na economia mundial. O país vem desacelerando forte desde 2012, quando a expansão de seu Produto Interno Bruto caiu de uma média superior a 9% ao ano para a casa dos 7%. Do ano passado em diante, o governo está tentando salvar uns 6%, mas fica cada vez mais difícil.
Questão: terá o Partido Comunista tomado a decisão de não crescer mais? E por que faria isso?
Não faz sentido. Nenhum governo, nenhuma sociedade, democrática ou autoritária, gosta de recessão. No capitalismo, que já é o regime dominante na China, todos querem o crescimento mais acelerado possível, já que é mais fácil ter empregos e ganhar dinheiro nesse ambiente.
Só a pobre esquerda brasileira acha que os neoliberais e os barões do capitalismo preferem a recessão para faturar mais. Se fosse assim, os bancos e as empresas capitalistas seriam um poço de pobreza.
Se é tão óbvio assim, por que estamos falando disso? Porque parece não ser óbvio por aqui. No PT e satélites, nas centrais sindicais, nos movimentos sociais e em boa parte da academia, aconteceu o seguinte: a presidente Dilma, pressionada pelo “sistema”, abandonou a política de crescimento e passou para a recessiva. Agora, vai voltar ao caminho do crescimento.
Pois deveriam explicar aos chineses como se faz isso: basta ter vontade de crescer e, pronto, faça-se o PIB.
Os chineses não estão parando porque querem. É porque não conseguem mais crescer antes de eliminar as distorções geradas pela expansão acelerada das últimas décadas.
Quais distorções?
Reparem nesta: o governo chinês prometeu conceder uma espécie de cidadania urbana provisória para nada menos que cem milhões de trabalhadores neste ano. Parece estranho, e é mesmo.
Na China, você não pode morar onde quiser. Quer dizer, poder, pode, mas se o trabalhador se instalar em uma cidade sem autorização do governo — sem registro na prefeitura — não terá direito aos serviços públicos geralmente subsidiados. Fica mais ou menos clandestino. Mora em algum lugar, pagando aluguel caro, e trabalha numa fábrica, por exemplo, mas ganhando menos.
Há nada menos que 255 milhões de trabalhadores nessas condições — são pessoas que migraram do campo para as cidades, em busca de oportunidades.
O objetivo dessa restrição histórica — o registro de residência — é social (controlar as migrações), econômico (controlar a distribuição de mão de obra) e político (controlar a vida das pessoas).
Não funcionou — ou não funciona mais. O pessoal do Partido Comunista, certamente, esperava que, sem registro, os trabalhadores ficariam no campo. A realidade do mercado capitalista instalado no país desde o final dos anos 80 determinou o contrário: os camponeses migraram para onde estava o emprego.
Resultado: um poderoso exército de mão de obra barata, que serviu para a expansão inicial; mas, hoje, são 255 milhões na terceira classe de uma sociedade que ganhou renda.
O PIB chinês cresceu mais de dez vezes desde a derrubada do maoísmo e a introdução da economia de mercado. Formou-se uma classe média e uma classe trabalhadora de primeira, além de uma geração de empreendedores e empresários. Toda essa gente quer mais. Mais salários — que já estão subindo —, mais habitação, cidades melhores, saúde, educação, previdência. E mais liberdade.
Nesse ambiente, a existência de 255 milhões de clandestinos gera enorme pressão social e política. Daí a decisão do governo de conceder a esses trabalhadores o acesso ao registro residencial. No estilo chinês, paulatinamente, começando com apenas 100 milhões.
Ora, isso vai ficar caro para o governo — que terá de fornecer serviços subsidiados para mais gente — e para as empresas, que pagarão salários mais altos e mais benefícios a trabalhadores legalizados.
Com custos mais altos para resolver essa e outras (muitas) distorções, a economia chinesa terá menos investimentos e, pois, menos crescimento. Não por vontade, mas por necessidade.
Aqui no Brasil, a situação é muito diferente. Não estamos crescendo menos, estamos em recessão. Essa recessão, porém, não era inevitável no primeiro momento. Decorre de sucessivos equívocos da política econômica dilmista, baseada na crença de que para crescer basta querer. Basta o governo querer gastar, conceder crédito e endividar-se — e tudo se resolve.
Isso gerou um baita rombo nas contas públicas, além de inflação. Aí, sim, a recessão tornou-se inevitável. Não foi consequência da política de ajuste fiscal, mas da falta de ajuste prévio. O problema agora é como administrar a saída da recessão, o que exige restabelecer o equilíbrio das contas públicas.
Vontade de crescer, todo mundo tem. Como fazê-lo? — eis o que distingue as sociedades mais ou menos sábias.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Chineses não estão parando porque querem. É porque não conseguem mais crescer antes de eliminar as distorções
A China é a grande preocupação na economia mundial. O país vem desacelerando forte desde 2012, quando a expansão de seu Produto Interno Bruto caiu de uma média superior a 9% ao ano para a casa dos 7%. Do ano passado em diante, o governo está tentando salvar uns 6%, mas fica cada vez mais difícil.
Questão: terá o Partido Comunista tomado a decisão de não crescer mais? E por que faria isso?
Não faz sentido. Nenhum governo, nenhuma sociedade, democrática ou autoritária, gosta de recessão. No capitalismo, que já é o regime dominante na China, todos querem o crescimento mais acelerado possível, já que é mais fácil ter empregos e ganhar dinheiro nesse ambiente.
Só a pobre esquerda brasileira acha que os neoliberais e os barões do capitalismo preferem a recessão para faturar mais. Se fosse assim, os bancos e as empresas capitalistas seriam um poço de pobreza.
Se é tão óbvio assim, por que estamos falando disso? Porque parece não ser óbvio por aqui. No PT e satélites, nas centrais sindicais, nos movimentos sociais e em boa parte da academia, aconteceu o seguinte: a presidente Dilma, pressionada pelo “sistema”, abandonou a política de crescimento e passou para a recessiva. Agora, vai voltar ao caminho do crescimento.
Pois deveriam explicar aos chineses como se faz isso: basta ter vontade de crescer e, pronto, faça-se o PIB.
Os chineses não estão parando porque querem. É porque não conseguem mais crescer antes de eliminar as distorções geradas pela expansão acelerada das últimas décadas.
Quais distorções?
Reparem nesta: o governo chinês prometeu conceder uma espécie de cidadania urbana provisória para nada menos que cem milhões de trabalhadores neste ano. Parece estranho, e é mesmo.
Na China, você não pode morar onde quiser. Quer dizer, poder, pode, mas se o trabalhador se instalar em uma cidade sem autorização do governo — sem registro na prefeitura — não terá direito aos serviços públicos geralmente subsidiados. Fica mais ou menos clandestino. Mora em algum lugar, pagando aluguel caro, e trabalha numa fábrica, por exemplo, mas ganhando menos.
Há nada menos que 255 milhões de trabalhadores nessas condições — são pessoas que migraram do campo para as cidades, em busca de oportunidades.
O objetivo dessa restrição histórica — o registro de residência — é social (controlar as migrações), econômico (controlar a distribuição de mão de obra) e político (controlar a vida das pessoas).
Não funcionou — ou não funciona mais. O pessoal do Partido Comunista, certamente, esperava que, sem registro, os trabalhadores ficariam no campo. A realidade do mercado capitalista instalado no país desde o final dos anos 80 determinou o contrário: os camponeses migraram para onde estava o emprego.
Resultado: um poderoso exército de mão de obra barata, que serviu para a expansão inicial; mas, hoje, são 255 milhões na terceira classe de uma sociedade que ganhou renda.
O PIB chinês cresceu mais de dez vezes desde a derrubada do maoísmo e a introdução da economia de mercado. Formou-se uma classe média e uma classe trabalhadora de primeira, além de uma geração de empreendedores e empresários. Toda essa gente quer mais. Mais salários — que já estão subindo —, mais habitação, cidades melhores, saúde, educação, previdência. E mais liberdade.
Nesse ambiente, a existência de 255 milhões de clandestinos gera enorme pressão social e política. Daí a decisão do governo de conceder a esses trabalhadores o acesso ao registro residencial. No estilo chinês, paulatinamente, começando com apenas 100 milhões.
Ora, isso vai ficar caro para o governo — que terá de fornecer serviços subsidiados para mais gente — e para as empresas, que pagarão salários mais altos e mais benefícios a trabalhadores legalizados.
Com custos mais altos para resolver essa e outras (muitas) distorções, a economia chinesa terá menos investimentos e, pois, menos crescimento. Não por vontade, mas por necessidade.
Aqui no Brasil, a situação é muito diferente. Não estamos crescendo menos, estamos em recessão. Essa recessão, porém, não era inevitável no primeiro momento. Decorre de sucessivos equívocos da política econômica dilmista, baseada na crença de que para crescer basta querer. Basta o governo querer gastar, conceder crédito e endividar-se — e tudo se resolve.
Isso gerou um baita rombo nas contas públicas, além de inflação. Aí, sim, a recessão tornou-se inevitável. Não foi consequência da política de ajuste fiscal, mas da falta de ajuste prévio. O problema agora é como administrar a saída da recessão, o que exige restabelecer o equilíbrio das contas públicas.
Vontade de crescer, todo mundo tem. Como fazê-lo? — eis o que distingue as sociedades mais ou menos sábias.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
“Poliamor” ou poligamia? - RODRIGO CONSTANTINO
GAZETA DO POVO - PR - 07/01
Três ou mais pessoas que se “amam” pretendem casar e constituir uma família. Quem pode ser contra? Ainda mais quando chamamos isso pelo nome bonito de “poliamor”. À primeira vista, isso é um problema ou um direito deles, e ninguém tem nada com isso, certo? Errado, e pretendo justificar meu ponto de vista.
Mas, antes, um alerta. Os rótulos servem para simplificar a nossa compreensão do mundo, mas podem confundir também. Sou presidente do Conselho do Instituto Liberal, e algumas pessoas acham que liberalismo é sinônimo de libertinagem, ou seja, um liberal “verdadeiro” não deveria se importar com nada que é feito com consentimento entre adultos.
Ao defender a importância da família tradicional, sou “acusado” de ser um conservador por aqueles que têm necessidade de colocar tudo em caixinhas simplistas. Não ligo; tenho meu lado conservador mesmo, pois acho que devemos conservar aquilo que presta, e nem tudo que é “moderno” é melhor. Mas o debate ganharia sem a preocupação exagerada com os rótulos. Devemos defender o que julgamos certo, e ponto.
De volta ao tema do artigo, há uma clara campanha “progressista” contra a família tradicional. O movimento feminista, sem dúvida, é o líder dessa revolução cultural em curso. Mas quem acha que o feminismo é uma luta legítima pelos direitos das mulheres, e não um ataque rancoroso ao homem e à família, com forte viés marxista, deveria ler O outro lado do feminismo, de Suzanne Venker e Phyllis Schlafly. Vai abrir os olhos.
É somente nesse contexto mais amplo que o “poliamor” pode ser entendido. Não se trata da defesa de uma liberdade ou um direito aos vários que se “amam” e querem viver juntos, e sim um ataque ideológico ao próprio conceito clássico de família. Desde o tempo de minha avó que o bacanal e a orgia existem, mas nunca ninguém teve a cara de pau de chamar um grupo sexual de família. É isso que mudou, e é isso que precisa ser condenado, para o bem da sociedade.
Vivemos na era dos apetites, em que ninguém quer mais colocar freio nos desejos instintivos. Só que o avanço e até a preservação da civilização dependem disso. O que diferencia o homem do cachorro é essa capacidade de frear impulsos. Não saímos por aí fazendo as necessidades no meio da rua ou transando com a mãe. Os tabus existem por uma razão, e a tentativa de derrubar todos eles, inclusive o incesto, é um ato bárbaro e infantil.
Certas tradições são mais importantes para nosso progresso do que podemos apreender, como sabia Hayek. O núcleo familiar sempre foi fundamental para a boa educação dos filhos e como foco de resistência às ideologias totalitárias. Por isso, entre outros motivos, o Islã, com sua poligamia, não conseguiu produzir sociedades livres e prósperas como as ocidentais. Por isso, todo movimento coletivista e totalitário teve a família tradicional como alvo principal.
“Poliamor” é um eufemismo para a velha poligamia oriental. E esta sempre foi essencialmente masculina. É irônico que feministas ajudem numa causa que tem viés claramente machista. Ou alguém acha mesmo que as “famílias” coletivas serão formadas por uma mulher e vários homens? O mais comum será sempre um homem e seu harém. É a porta de entrada do fundamentalismo islâmico em nosso país.
Como os liberais podem fechar os olhos para esses riscos, então? Hoje, só os religiosos, em especial os evangélicos, têm oferecido resistência a essa agenda torpe parida nas universidades. Mas é do interesse de todos que prezam a liberdade lutar contra esse ataque coordenado aos valores tradicionais.
Três ou mais pessoas que se “amam” pretendem casar e constituir uma família. Quem pode ser contra? Ainda mais quando chamamos isso pelo nome bonito de “poliamor”. À primeira vista, isso é um problema ou um direito deles, e ninguém tem nada com isso, certo? Errado, e pretendo justificar meu ponto de vista.
Mas, antes, um alerta. Os rótulos servem para simplificar a nossa compreensão do mundo, mas podem confundir também. Sou presidente do Conselho do Instituto Liberal, e algumas pessoas acham que liberalismo é sinônimo de libertinagem, ou seja, um liberal “verdadeiro” não deveria se importar com nada que é feito com consentimento entre adultos.
Ao defender a importância da família tradicional, sou “acusado” de ser um conservador por aqueles que têm necessidade de colocar tudo em caixinhas simplistas. Não ligo; tenho meu lado conservador mesmo, pois acho que devemos conservar aquilo que presta, e nem tudo que é “moderno” é melhor. Mas o debate ganharia sem a preocupação exagerada com os rótulos. Devemos defender o que julgamos certo, e ponto.
De volta ao tema do artigo, há uma clara campanha “progressista” contra a família tradicional. O movimento feminista, sem dúvida, é o líder dessa revolução cultural em curso. Mas quem acha que o feminismo é uma luta legítima pelos direitos das mulheres, e não um ataque rancoroso ao homem e à família, com forte viés marxista, deveria ler O outro lado do feminismo, de Suzanne Venker e Phyllis Schlafly. Vai abrir os olhos.
É somente nesse contexto mais amplo que o “poliamor” pode ser entendido. Não se trata da defesa de uma liberdade ou um direito aos vários que se “amam” e querem viver juntos, e sim um ataque ideológico ao próprio conceito clássico de família. Desde o tempo de minha avó que o bacanal e a orgia existem, mas nunca ninguém teve a cara de pau de chamar um grupo sexual de família. É isso que mudou, e é isso que precisa ser condenado, para o bem da sociedade.
Vivemos na era dos apetites, em que ninguém quer mais colocar freio nos desejos instintivos. Só que o avanço e até a preservação da civilização dependem disso. O que diferencia o homem do cachorro é essa capacidade de frear impulsos. Não saímos por aí fazendo as necessidades no meio da rua ou transando com a mãe. Os tabus existem por uma razão, e a tentativa de derrubar todos eles, inclusive o incesto, é um ato bárbaro e infantil.
Certas tradições são mais importantes para nosso progresso do que podemos apreender, como sabia Hayek. O núcleo familiar sempre foi fundamental para a boa educação dos filhos e como foco de resistência às ideologias totalitárias. Por isso, entre outros motivos, o Islã, com sua poligamia, não conseguiu produzir sociedades livres e prósperas como as ocidentais. Por isso, todo movimento coletivista e totalitário teve a família tradicional como alvo principal.
“Poliamor” é um eufemismo para a velha poligamia oriental. E esta sempre foi essencialmente masculina. É irônico que feministas ajudem numa causa que tem viés claramente machista. Ou alguém acha mesmo que as “famílias” coletivas serão formadas por uma mulher e vários homens? O mais comum será sempre um homem e seu harém. É a porta de entrada do fundamentalismo islâmico em nosso país.
Como os liberais podem fechar os olhos para esses riscos, então? Hoje, só os religiosos, em especial os evangélicos, têm oferecido resistência a essa agenda torpe parida nas universidades. Mas é do interesse de todos que prezam a liberdade lutar contra esse ataque coordenado aos valores tradicionais.
Reforma trabalhista é a favor do emprego - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 07/01
Se deseja mesmo modernizar a arcaica legislação trabalhista, governo precisa ser claro e explicar que flexibilizar a CLT é essencial para ampliar o mercado de trabalho
Feita a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa, no Ministério da Fazenda — mal recebida devido ao sinal emitido de uma recaída “desenvolvimentista” de Dilma —, o novo ministro mergulhou no trabalho e a chefe, num período de silêncio sobre temas econômicos.
É certo que o governo precisa agir para se contrapor à degradação do humor provocada pela saída de Levy, interpretada como a subjugação do governo à filosofia econômica suicida do PT, expressa num documento que pode ser resumido por: “apagar incêndio com gasolina”.
Há, porém, alguns indícios de que a presidente Dilma tentará se contrapor ao justificado pessimismo que toma conta do país, com o encaminhamento de duas reformas das quais ela e PT sempre se esquivaram, a da Previdência e a da legislação trabalhista.
A da Previdência, o próprio Nelson Barbosa assumiu o novo cargo se referindo a ela. A da flexibilização da granítica e retrógrada CLT, agora começa a aparecer no noticiário.
O lulopetismo, por suas raízes populistas, evita tomar qualquer medida, por mais racional que seja, que possa ser tachada de “antipovo”. Mesmo que nada fazer contra uma grave crise como a atual seja, isto sim, um crime contra as pessoas menos instruídas e de renda mais baixa da população — a maioria.
Na Previdência, cujo déficit sobe de forma avassaladora — o Brasil já despende em benefícios pouco mais de 11% do PIB, índice de país desenvolvido com população mais idosa —, o Planalto tentará estabelecer o óbvio limite de idade para a obtenção do benefício, a começar por 65 anos.
Já na questão trabalhista, a ideia seria — como se propõe há muito tempo — aceitar acordos entre patrões e empregados, mesmo que possam estar contra algum dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, inspirada no fascismo de Benito Mussolini. Vale o acordado, por sobre o legislado.
A vida real costuma ensinar ao mais recalcitrante sindicalista. Às vezes, não, e o resultado é desemprego. Daí o próprio governo Dilma ter criado o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), uma sigla nova para uma ideia antiga: trocar o corte de salário por manutenção do emprego, em momento de séria crise. O PPE, no entanto, é burocratizado. Precisa-se de algo mais amplo e de fácil execução.
Deve-se, porém, pagar para ver. As duas reformas deverão passar pelo Fórum Nacional de Previdência e Trabalho, onde correm o risco de ser desidratadas por sindicalistas. O Fórum, na verdade, cumpre aquela função da clássica comissão criada para nada resolver.
O governo justificaria a proposta de modernizar a legislação trabalhista como uma ação destinada a restaurar a confiança do mercado e consumidores. O melhor é ir direto ao ponto: mudanças nesta direção ajudam a preservar os empregos atuais e, na retomada do crescimento, a acelerar a criação de novos.
Se deseja mesmo modernizar a arcaica legislação trabalhista, governo precisa ser claro e explicar que flexibilizar a CLT é essencial para ampliar o mercado de trabalho
Feita a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa, no Ministério da Fazenda — mal recebida devido ao sinal emitido de uma recaída “desenvolvimentista” de Dilma —, o novo ministro mergulhou no trabalho e a chefe, num período de silêncio sobre temas econômicos.
É certo que o governo precisa agir para se contrapor à degradação do humor provocada pela saída de Levy, interpretada como a subjugação do governo à filosofia econômica suicida do PT, expressa num documento que pode ser resumido por: “apagar incêndio com gasolina”.
Há, porém, alguns indícios de que a presidente Dilma tentará se contrapor ao justificado pessimismo que toma conta do país, com o encaminhamento de duas reformas das quais ela e PT sempre se esquivaram, a da Previdência e a da legislação trabalhista.
A da Previdência, o próprio Nelson Barbosa assumiu o novo cargo se referindo a ela. A da flexibilização da granítica e retrógrada CLT, agora começa a aparecer no noticiário.
O lulopetismo, por suas raízes populistas, evita tomar qualquer medida, por mais racional que seja, que possa ser tachada de “antipovo”. Mesmo que nada fazer contra uma grave crise como a atual seja, isto sim, um crime contra as pessoas menos instruídas e de renda mais baixa da população — a maioria.
Na Previdência, cujo déficit sobe de forma avassaladora — o Brasil já despende em benefícios pouco mais de 11% do PIB, índice de país desenvolvido com população mais idosa —, o Planalto tentará estabelecer o óbvio limite de idade para a obtenção do benefício, a começar por 65 anos.
Já na questão trabalhista, a ideia seria — como se propõe há muito tempo — aceitar acordos entre patrões e empregados, mesmo que possam estar contra algum dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, inspirada no fascismo de Benito Mussolini. Vale o acordado, por sobre o legislado.
A vida real costuma ensinar ao mais recalcitrante sindicalista. Às vezes, não, e o resultado é desemprego. Daí o próprio governo Dilma ter criado o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), uma sigla nova para uma ideia antiga: trocar o corte de salário por manutenção do emprego, em momento de séria crise. O PPE, no entanto, é burocratizado. Precisa-se de algo mais amplo e de fácil execução.
Deve-se, porém, pagar para ver. As duas reformas deverão passar pelo Fórum Nacional de Previdência e Trabalho, onde correm o risco de ser desidratadas por sindicalistas. O Fórum, na verdade, cumpre aquela função da clássica comissão criada para nada resolver.
O governo justificaria a proposta de modernizar a legislação trabalhista como uma ação destinada a restaurar a confiança do mercado e consumidores. O melhor é ir direto ao ponto: mudanças nesta direção ajudam a preservar os empregos atuais e, na retomada do crescimento, a acelerar a criação de novos.
Obcecados por impostos - EDITORIAL GAZETA DO POVO PR
Gazeta do Povo - 07/01
Em setembro de 2015, a Fundação Perseu Abramo, think tank vinculado ao PT, lançou dois documentos, “Mudar para sair da crise – alternativas para o Brasil voltar a crescer” e “O Brasil que queremos – subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional”, em que pregava o fim da austeridade fiscal e a insistência na “nova matriz econômica” como solução para a crise em que o país foi lançado justamente por causa desse modelo e do abandono do tripé macroeconômico criado por FHC. A julgar pelas notícias de que o governo federal está negociando com montadoras um plano de renovação da frota para estimular as vendas de carros novos (que em 2015 tiveram queda de 26,5% em relação ao ano anterior), o Planalto parece mesmo disposto a seguir a velha receita dos economistas do PT.
Mas a bancada petista na Câmara foi além: entregou ao governo uma lista com 14 pontos inspirados no trabalho da Fundação Perseu Abramo. Tanto o presidente do PT, Rui Falcão, quanto o ex-presidente Lula já manifestaram apoio aos parlamentares, colocando pressão na presidente Dilma Rousseff e no ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para que adotem medidas mais “ousadas” na condução da economia. “Ousadia”, no caso, significa quase que exclusivamente sangrar ainda mais o contribuinte, pois, das 14 propostas, 10 se referem à criação de impostos (como a tributação de grandes fortunas ou um “IPVA” para jatos e helicópteros) ou à elevação de tributos existentes (como o ITCMD). Um dos itens, a adoção da CPMF, já é pauta abraçada pelo governo.
Das propostas, a única que talvez mereça uma análise mais ponderada é a reformulação do Imposto de Renda para pessoas físicas, que passaria das atuais quatro faixas para sete e tornaria isentos os contribuintes com salário mensal de até R$ 3,4 mil (hoje é isento quem recebe até R$ 1,9 mil). As alíquotas propostas pelo PT talvez não sejam as ideais (na faixa mais alta de tributação, ela chegaria aos 40%), mas pelo menos há o mérito de se provocar um debate sobre justiça tributária.
De resto, trata-se prioritariamente de punir o empresário e o empreendedor. Baseando-se na clássica visão da esquerda, que trata o lucro como uma abominação, os petistas pretendem taxar lucros e dividendos e impedir que as empresas possam abater do seu Imposto de Renda o dinheiro pago a acionistas como juros sobre capital próprio, valores considerados “privilégio aos detentores de capital”, ignorando que também a classe média que investe em bolsa de valores conta com esses recursos.
Em um momento de recessão, é contraproducente propor medidas que, ao fim, servem para desestimular a capitalização das empresas. Mas, considerando que a ideologia estatizante que move o governo e o PT pede cada vez mais subordinação e dependência do setor produtivo em relação ao Estado, não se pode dizer que quem propõe esse tipo de tributação não sabe o que está fazendo.
Por mais que um ou outro ponto do documento até mereça discussão, é o seu conjunto e as omissões nele que demonstram o que move seus autores e causam preocupação. Trata-se única e exclusivamente de encontrar maneiras de fazer entrar mais e mais dinheiro nos cofres públicos; não há nem uma linha sequer sobre como cortar despesas. Não há referências às necessárias reformas previdenciária e trabalhista.
Dilma e Barbosa, segundo a imprensa, estão elaborando um documento que descreverá como deve ser a política econômica do pós-Joaquim Levy. Que a dupla consiga resistir às pressões daqueles que só conseguem pensar no aumento de impostos – uma solução conveniente para o governo, mas desastrosa para o país.
Em setembro de 2015, a Fundação Perseu Abramo, think tank vinculado ao PT, lançou dois documentos, “Mudar para sair da crise – alternativas para o Brasil voltar a crescer” e “O Brasil que queremos – subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional”, em que pregava o fim da austeridade fiscal e a insistência na “nova matriz econômica” como solução para a crise em que o país foi lançado justamente por causa desse modelo e do abandono do tripé macroeconômico criado por FHC. A julgar pelas notícias de que o governo federal está negociando com montadoras um plano de renovação da frota para estimular as vendas de carros novos (que em 2015 tiveram queda de 26,5% em relação ao ano anterior), o Planalto parece mesmo disposto a seguir a velha receita dos economistas do PT.
Mas a bancada petista na Câmara foi além: entregou ao governo uma lista com 14 pontos inspirados no trabalho da Fundação Perseu Abramo. Tanto o presidente do PT, Rui Falcão, quanto o ex-presidente Lula já manifestaram apoio aos parlamentares, colocando pressão na presidente Dilma Rousseff e no ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, para que adotem medidas mais “ousadas” na condução da economia. “Ousadia”, no caso, significa quase que exclusivamente sangrar ainda mais o contribuinte, pois, das 14 propostas, 10 se referem à criação de impostos (como a tributação de grandes fortunas ou um “IPVA” para jatos e helicópteros) ou à elevação de tributos existentes (como o ITCMD). Um dos itens, a adoção da CPMF, já é pauta abraçada pelo governo.
Das propostas, a única que talvez mereça uma análise mais ponderada é a reformulação do Imposto de Renda para pessoas físicas, que passaria das atuais quatro faixas para sete e tornaria isentos os contribuintes com salário mensal de até R$ 3,4 mil (hoje é isento quem recebe até R$ 1,9 mil). As alíquotas propostas pelo PT talvez não sejam as ideais (na faixa mais alta de tributação, ela chegaria aos 40%), mas pelo menos há o mérito de se provocar um debate sobre justiça tributária.
De resto, trata-se prioritariamente de punir o empresário e o empreendedor. Baseando-se na clássica visão da esquerda, que trata o lucro como uma abominação, os petistas pretendem taxar lucros e dividendos e impedir que as empresas possam abater do seu Imposto de Renda o dinheiro pago a acionistas como juros sobre capital próprio, valores considerados “privilégio aos detentores de capital”, ignorando que também a classe média que investe em bolsa de valores conta com esses recursos.
Em um momento de recessão, é contraproducente propor medidas que, ao fim, servem para desestimular a capitalização das empresas. Mas, considerando que a ideologia estatizante que move o governo e o PT pede cada vez mais subordinação e dependência do setor produtivo em relação ao Estado, não se pode dizer que quem propõe esse tipo de tributação não sabe o que está fazendo.
Por mais que um ou outro ponto do documento até mereça discussão, é o seu conjunto e as omissões nele que demonstram o que move seus autores e causam preocupação. Trata-se única e exclusivamente de encontrar maneiras de fazer entrar mais e mais dinheiro nos cofres públicos; não há nem uma linha sequer sobre como cortar despesas. Não há referências às necessárias reformas previdenciária e trabalhista.
Dilma e Barbosa, segundo a imprensa, estão elaborando um documento que descreverá como deve ser a política econômica do pós-Joaquim Levy. Que a dupla consiga resistir às pressões daqueles que só conseguem pensar no aumento de impostos – uma solução conveniente para o governo, mas desastrosa para o país.
O jogo das aparências - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 07/01
O desempenho da Polícia Federal (PF) na investigação do mar de lama que contaminou a administração pública dá alento aos cidadãos honestos e acatadores da lei, que renovam, assim, as suas esperanças em relação ao futuro do País. A Operação Lava Jato, que pelo menos conseguiu conter o ímpeto do assalto sem precedentes aos cofres da maior empresa estatal brasileira, é hoje símbolo das instituições republicanas postas a serviço da Nação. Não é hora, portanto, nem de pensar em cortes orçamentários que possam comprometer a amplitude e a eficácia do trabalho da PF, por maior que seja a penúria das contas públicas.
Não poderia ter sido outra, portanto, a reação do governo diante da crescente onda de protestos contra o que seria o “desmonte” da PF: o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público para garantir que a Polícia Federal tem recebido “total prioridade” de sua pasta e, consequentemente, “jamais faltará verba para a Lava Jato ou qualquer outra operação ou projeto estratégico” daquela instituição policial.
A reação ao anunciado corte de R$ 133 milhões no orçamento da PF para este ano começou a partir de manifestação da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), que na semana passada advertiu para os prejuízos que a falta de recursos ocasionaria ao curso de operações importantes como a Lava Jato. A Associação alertou para a possibilidade de estar em curso uma tentativa de “desmonte” da PF, patrocinada por políticos implicados nas várias investigações sobre corrupção nos órgãos públicos.
A suspeita é plausível. Contam-se às dezenas os parlamentares, altas autoridades federais e políticos em geral sob investigação, denunciados e condenados no âmbito das Operações Lava Jato e Zelotes, para citar apenas as duas de maior repercussão junto à opinião pública. No Congresso Nacional, a suprapartidária “bancada do pixuleco” age nas sombras com enorme desenvoltura e, se dependesse dela e de seus poderes tantas vezes demonstrados, inconveniências como as operações da PF certamente não existiriam.
Por outro lado, com uma insistência que chegou a causar espécie, altas autoridades do governo, entre elas a própria presidente Dilma Rousseff, não se cansaram de repetir que a economia do País, a começar pela geração e manutenção de empregos, seria fortemente prejudicada pela interrupção de grandes projetos de infraestrutura em decorrência do comprometimento das principais empreiteiras de obras públicas nos escândalos investigados pela polícia. Eram argumentos que sugeriam que o crescimento econômico tem ligação direta e necessária com os excessos de empresários gananciosos e políticos inescrupulosos. Ou que, realisticamente considerando a hipocrisia de um mundo em que geralmente o dinheiro fala alto, ceder o espaço necessário à corrupção é o tributo que a virtude paga ao vício.
Não se pode negar fundamento, portanto, à queixa manifestada pelo presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral, de que “a categoria enxerga o corte (previsto para o orçamento da PF) como um desprestígio”. Assim como também tem razão a diretora regional da ADPF em São Paulo, Tania Fernanda Prado Pereira, que se manifestou já depois do pronunciamento oficial do ministro José Eduardo Cardozo: “A medida do Ministério da Justiça é o reconhecimento do erro do governo de cortar nosso orçamento”. Para a delegada, a “sinalização” de cortes nos recursos para a PF pode ser “um primeiro passo” para o “sucateamento” da instituição.
De qualquer modo, ao garantir que de uma maneira ou de outra a PF não sofrerá cortes em seu orçamento para este ano, o ministro Cardozo agiu com a cautela politicamente recomendável a um governo que procura se apropriar do mérito das investigações sobre corrupção alegando que elas só se tornaram possíveis porque as administrações petistas garantiram autonomia e recursos à PF. Por outro lado, à medida que essas investigações avançam e, repetindo o que já acontecera com o mensalão, importantes quadros políticos do PT e seus aliados – por enquanto, dois ex-presidentes e dois ex-tesoureiros do partido – se tornam hóspedes do Estado, fortalece-se a crença de que neste governo e nesses partidos há muita gente que não morre de amores pelo trabalho dos delegados e procuradores federais.
O desempenho da Polícia Federal (PF) na investigação do mar de lama que contaminou a administração pública dá alento aos cidadãos honestos e acatadores da lei, que renovam, assim, as suas esperanças em relação ao futuro do País. A Operação Lava Jato, que pelo menos conseguiu conter o ímpeto do assalto sem precedentes aos cofres da maior empresa estatal brasileira, é hoje símbolo das instituições republicanas postas a serviço da Nação. Não é hora, portanto, nem de pensar em cortes orçamentários que possam comprometer a amplitude e a eficácia do trabalho da PF, por maior que seja a penúria das contas públicas.
Não poderia ter sido outra, portanto, a reação do governo diante da crescente onda de protestos contra o que seria o “desmonte” da PF: o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público para garantir que a Polícia Federal tem recebido “total prioridade” de sua pasta e, consequentemente, “jamais faltará verba para a Lava Jato ou qualquer outra operação ou projeto estratégico” daquela instituição policial.
A reação ao anunciado corte de R$ 133 milhões no orçamento da PF para este ano começou a partir de manifestação da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), que na semana passada advertiu para os prejuízos que a falta de recursos ocasionaria ao curso de operações importantes como a Lava Jato. A Associação alertou para a possibilidade de estar em curso uma tentativa de “desmonte” da PF, patrocinada por políticos implicados nas várias investigações sobre corrupção nos órgãos públicos.
A suspeita é plausível. Contam-se às dezenas os parlamentares, altas autoridades federais e políticos em geral sob investigação, denunciados e condenados no âmbito das Operações Lava Jato e Zelotes, para citar apenas as duas de maior repercussão junto à opinião pública. No Congresso Nacional, a suprapartidária “bancada do pixuleco” age nas sombras com enorme desenvoltura e, se dependesse dela e de seus poderes tantas vezes demonstrados, inconveniências como as operações da PF certamente não existiriam.
Por outro lado, com uma insistência que chegou a causar espécie, altas autoridades do governo, entre elas a própria presidente Dilma Rousseff, não se cansaram de repetir que a economia do País, a começar pela geração e manutenção de empregos, seria fortemente prejudicada pela interrupção de grandes projetos de infraestrutura em decorrência do comprometimento das principais empreiteiras de obras públicas nos escândalos investigados pela polícia. Eram argumentos que sugeriam que o crescimento econômico tem ligação direta e necessária com os excessos de empresários gananciosos e políticos inescrupulosos. Ou que, realisticamente considerando a hipocrisia de um mundo em que geralmente o dinheiro fala alto, ceder o espaço necessário à corrupção é o tributo que a virtude paga ao vício.
Não se pode negar fundamento, portanto, à queixa manifestada pelo presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral, de que “a categoria enxerga o corte (previsto para o orçamento da PF) como um desprestígio”. Assim como também tem razão a diretora regional da ADPF em São Paulo, Tania Fernanda Prado Pereira, que se manifestou já depois do pronunciamento oficial do ministro José Eduardo Cardozo: “A medida do Ministério da Justiça é o reconhecimento do erro do governo de cortar nosso orçamento”. Para a delegada, a “sinalização” de cortes nos recursos para a PF pode ser “um primeiro passo” para o “sucateamento” da instituição.
De qualquer modo, ao garantir que de uma maneira ou de outra a PF não sofrerá cortes em seu orçamento para este ano, o ministro Cardozo agiu com a cautela politicamente recomendável a um governo que procura se apropriar do mérito das investigações sobre corrupção alegando que elas só se tornaram possíveis porque as administrações petistas garantiram autonomia e recursos à PF. Por outro lado, à medida que essas investigações avançam e, repetindo o que já acontecera com o mensalão, importantes quadros políticos do PT e seus aliados – por enquanto, dois ex-presidentes e dois ex-tesoureiros do partido – se tornam hóspedes do Estado, fortalece-se a crença de que neste governo e nesses partidos há muita gente que não morre de amores pelo trabalho dos delegados e procuradores federais.