segunda-feira, setembro 12, 2016

Um Judiciário judicante - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO 12/09

Posse da ministra Cármen Lúcia dá garantias de contribuição do Poder Judiciário ao País



A posse da ministra Cármen Lúcia na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) é garantia de que o Poder Judiciário será - apenas e tão somente - um poder judicante, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988. Longe de significar um empobrecimento da sua missão, trata-se de respeito à específica e fundamental contribuição que o Judiciário deve dar ao País, aplicando a lei com justiça e diligência.

O aprumo institucional do STF - deixando de lado funções que não lhe assentam bem - é especialmente importante no momento atual. Não bastasse a crise política, econômica, social e moral que o País atravessa, tem havido flertes com supostas “soluções” fora dos trilhos constitucionais, que simplesmente tentam contemplar demandas pessoais. Vale lembrar que transigências com os limites da lei são sempre incursões em terreno perigoso, no qual corre risco a ordem jurídica - a democracia, em última instância.

Passado o impeachment de Dilma Rousseff - com o tão promissor afastamento do PT do poder -, é hora de reconstruir o País, ofertando-lhe as condições oportunas para o desenvolvimento econômico e social. Para essa empreitada, uma condição essencial é que o poder estatal, em todas as suas instâncias, se atenha às suas específicas funções institucionais. A Nação está cansada de voluntarismos, de partidarismos e, muito especialmente, do aparelhamento ideológico. Os perversos efeitos desse jeito de atuar, tão frequente em tempos petistas, alimentam uma profunda aspiração por mudança. É hora de, com os olhos postos na lei, trabalhar com afinco em prol do País.

Nesse sentido, é oportuna e carregada de simbolismo a indicação da ministra Cármen Lúcia de que não deseja festa na sua posse como presidente do STF. “Não gosto muito de festas, de nada disso. Eu gosto é de processo”, afirmou a ministra na semana passada.

Se o estilo sóbrio na condução das coisas públicas é sempre bem-vindo, ele se coaduna especialmente bem com as atuais prioridades nacionais. Não é hora de pompas nem de comemorações. O País atravessa uma forte recessão econômica, com quase 12 milhões de desempregados. Só faltava que, no momento em que se pede à população compreensão com as medidas duras que devem ser adotadas para o País sair da crise, integrantes do poder público dessem a entender, com o seu comportamento, que vivem noutro mundo.

As atuais circunstâncias do País revelam em toda sua nitidez a realidade - tão comezinha, mas nem por isso devidamente considerada - de que todo servidor público tem sérias responsabilidades perante o Estado e a sociedade. E, por mais que alguns corporativismos queiram alçar os membros da magistratura a uma condição sobre-humana, os juízes também são servidores públicos.

A razão de existir de todo cargo público é precisamente, como o próprio nome indica, sua finalidade pública. O adequado exercício das funções públicas exige um olhar amplo, que vá além das preocupações pessoais. Cargo público não é para defender interesses de uma categoria. Infelizmente, tal princípio muitas vezes é relegado a um segundo plano, como se fosse legítimo usar o cargo para nele entrincheirar-se e, dali, defender os interesses de sua categoria profissional ou social ou, o que é ainda pior, posições político-partidárias.

A necessidade dessa visão ampla, capaz de vislumbrar o interesse público além do estritamente pessoal, é ainda mais premente em funções, como é o caso dos ministros do STF, cujo exercício tem reflexos diretos sobre toda a sociedade. Tais cargos são revestidos de especiais garantias, precisamente para proteger a independência e a capacidade de seus titulares de atuar tão somente em função do interesse público. São, assim, prerrogativas - nunca privilégios.

A ministra Cármen Lúcia - cuja conduta sempre refletiu, além de sua irreparável competência jurídica e fina sensibilidade humana e social, uma profunda compreensão do que significa ser servidor público na acepção mais nobre do termo - tem, portanto, os melhores qualificativos para assumir, nas atuais circunstâncias do País, a presidência do STF.

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