sábado, setembro 03, 2016

Duas línguas - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 03/09

Outro dia, vi-me no meio de um grupo de garotos que caçavam Pokémons numa praça aqui do Leblon. Depois de levar alguns esbarrões involuntários, tive que me desviar para não pisar num deles — num dos Pokémons, quero dizer. Os bichos infestavam o lugar, ou foi o que pensei, pelo alarido entre os fedelhos. Estranhamente, nenhum deles os chamava de Pokémon, como parece ser a maneira de grafá-los. Chamavam de pokemón, mesmo.

Consultei uma autoridade no assunto e aprendi que Pokémon é a abreviatura universal do japonês "poketto monsutã", ou "pocket monsters", em inglês — "monstros de bolso". Já vem com acento do original e, como se trata de uma marca registrada, talvez esse acento seja obrigatório em todas as línguas. Mas seus usuários brasileiros não querem nem saber, e os chamam como lhes parece mais lógico: pokemón.

Da mesma forma, a Paraolimpíada que vem por aí está sendo chamada pelo COB, pela literatura oficial e até por alguns jornais (não pela Folha), de Paralimpíada. Por quê? Para acompanhar a nomenclatura imposta pelo COI, que, há pouco, determinou que seu evento se chamaria "Paralympics" — como se, de repente, elas passassem a se chamar Limpíadas. Acontece que, em português, a contração correta, caso necessária, seria Parolimpíadas. E, como não é, o carioca as está chamando, e muito bem, de Paraolimpíadas.

Esses não são os únicos casos de discrepância entre os ditadores da língua — aqueles que ditam as normas — e seus falantes. Por algum motivo, pelas próximas semanas leremos centenas de vezes na imprensa a palavra "tríplex". Assim mesmo, com o acento no i. E, em todas essas vezes, iremos pronunciá-la "tripléx".

Pokemóns, Paraolimpíadas, tripléx. Há duas línguas no país — uma que se escreve e outra, que se fala. Mas tudo bem, elas se entendem.


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