sábado, setembro 24, 2016

Disfunção celular - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/09

Se toda exceção de fato confirma alguma regra, Nelson Rodrigues (1912-1980) aceitaria talvez que nem toda unanimidade é burra. A insatisfação universal com telefones celulares no Brasil revela, por exemplo, que em realidade falta discernimento a quem deveria zelar pela eficiência desse meio de comunicação, não a seus usuários.

Rara a ligação mais demorada que não se perde antes de concluída a conversa. Diz-se que a telefonia é móvel, mas locomover-se costuma ser fatal para a conexão em andamento. São frequentes as chamadas erradas, as gravações mentirosas ("este número de telefone não existe") e as cobranças indevidas de ligações (36 mil em 2014).

Quase duas décadas após a privatização do setor, o país tem 257,8 milhões de linhas celulares (2015). De 2012 a 2015, as reclamações contra as teles saltaram de 9% para 13% do total registrado em órgãos de defesa do consumidor.

A Anatel prima pela inoperância. Este é o resumo do relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) na agência reguladora, referente ao período 2012/15, concluído em abril deste ano.

Um sistema para monitorar a qualidade e o cumprimento de metas pelas teles até existe, mas carece de foco. Reuniu-se um elenco tão bizantino quanto inócuo de 1.200 indicadores que precisam ser reportados pelas empresas; despendem-se R$ 16 bilhões por ano para satisfazer a burocracia.

Tantas exigências surtem pouco ou nenhum efeito sobre o desempenho das operadoras. A razão parece simples: os indicadores não foram talhados para auscultar a satisfação dos consumidores com o serviço, e sim para acompanhar o desenvolvimento da infraestrutura —sem dúvida uma variável importante nessa equação.

Nem para isso funcionou, contudo. O país conta com cerca de 77 mil antenas de celular, das quais 19,7 mil no Estado de São Paulo. Regiões da capital paulista chegam a ter 3.500 usuários por antena, quando o recomendável seria de 1.000 a 1.500.

Parte do problema decorre de barreiras em normas municipais para instalação das torres, não de incompetência da Anatel. Sucessivas autuações pela agência e por prefeituras criaram um passivo de R$ 20 bilhões em multas, sem eficácia para aperfeiçoar o sistema.

Em boa hora o TCU se dedicou a fiscalizar a agência fiscalizadora. Seria lamentável se as 87 páginas do relatório de auditoria se convertessem em mais uma pilha de recomendações a reforçar a unanimidade do diagnóstico e a destituir a terapêutica de inteligência.

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