quarta-feira, agosto 24, 2016

Quem grita mais alto mata o pato do imposto - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/08

Os impostos federais não vão aumentar pelo menos até 2018, disse nesta terça (23) Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil. Disse ainda que foi essa a orientação de Michel Temer para Henrique Meirelles, ministro da Fazenda.

Era esse o "programa" de quem assumiu o poder com a deposição de Dilma Rousseff. Padilha ratificou tal programa dizendo ontem que "a sociedade neste momento não tem condições" de pagar mais impostos.

Primeiramente, "a sociedade" em geral não existe quando se discutem política e economia. Pode ser que parte da sociedade possa ou deva pagar mais impostos; pode ser que o balanço socioeconômico do custo de aumentar impostos e de seus benefícios gerais seja positivo.

Tal contas decerto são muito complicadas mesmo em tempos normais, que dirá durante este rescaldo de desastre. Ainda assim, o governo fez tais estimativas? Quede?

A carga tributária federal diminui desde o início do governo de Dilma Rousseff, 2011. Isto é, a receita do governo equivale a parcela menor do PIB, da produção ou da renda nacional. A arrecadação baixou ainda mais que o PIB. Caía mesmo antes da recessão, em parte devido às desonerações de impostos.

A arrecadação federal era de 22,54% do PIB ao final de 2011, fim do primeiro ano de Dilma 1. Caiu a 20,96% do PIB nos 12 meses até junho de 2016. Baixa de mais de um ponto e meio de PIB, um desastre.

Não se trata de dizer que "está sobrando PIB" para ser tributado, dado que a receita encolheu ainda mais que a economia. Além do mais, decisões sobre impostos jamais são neutras em termos de eficiência arrecadatória, econômica, impactos sociais etc. Mas fica a questão: além da oposição de setores sociais com voz, especialmente neste governo, qual o argumento para não bulir com os impostos?

Sem impostos adicionais, em tese a dívida pública vai crescer mais rapidamente, as taxas de juros cairão mais devagar. Parte maior da renda nacional ainda será dedicada ao pagamento de juros da dívida pública, uma transferência de renda regressiva. Etc.

No entanto, é possível que impostos adicionais limitem a disposição de consumir e investir (e, assim, o PIB); talvez pressionem a inflação. Não se sabe, sem mais, qual o sucesso arrecadatório de aumentar impostos agora.

Por outro lado ainda, receitas ainda limitadas vão tolher, por exemplo, investimento público, também empecilho para a retomada econômica.

Na ausência de um programa de aumento de eficiência do gasto público, ora inexistente, despesas sociais tendem a ser asfixiadas. O investimento público continuará na metade do pouco que era já em 2014. Porém, um programa de concessões bem-feito poderia compensar a falta de obras públicas e até resultar em alguma ganho de receita.

Enfim, a depender do tipo de imposto a ser cobrado, sobre quem, do tamanho do aumento, de sua duração etc., os efeitos são diversos.

Essa é a exposição mais rudimentar que se pode fazer do dificílimo balanço de perdas e ganhos com altas (ou não) de impostos. Mesmo assim, é fácil perceber que a questão é grave, complexa e afeta partes da "sociedade" de modo diferente.

Mas não há nenhuma discussão qualificada e pública do problema. Grita quem não quer pagar o pato, paga quem pode gritar menos.


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