sexta-feira, agosto 12, 2016

Parte da solução ou do problema? - JOSÉ PAULO KUPFER

O GLOBO - 12/08

Menos pelo que possa ser desfigurado pelo Congresso do que pela frustração da teoria na prática, sugere-se cautela com o êxito do ajuste fiscal


Odiagnóstico predominante segundo o qual a correção dos evidentes desequilíbrios fiscais na economia brasileira promoveria a retomada de um novo ciclo de crescimento acelerado e sustentado se vale de uma construção conceitual muita em voga desde a grande crise global de 2008, mas nem por isso isenta de controvérsias. A ideia da “contração expansionista” — ou seja, que é possível promover expansão econômica a partir do corte de gastos públicos e da produção de superávits fiscais — é polêmica e motivo de acalorados debates entre economistas mundo afora.

Prevalece, entre os adeptos da teoria entre nós, a visão de que um corte de gastos públicos consistente, que resultasse em superávits primários idem e, em consequência, no estancamento da tendência de elevação da dívida pública, teria o condão de recuperar a confiança dos agentes econômicos, abrindo espaço para a redução dos juros e a retomada dos investimentos. A constatação de que a fórmula não tem conseguido tirar as economias maduras do atoleiro em que se encontram é rebatida pelo fato de que, diferentemente de lá, onde os juros estão no chão, aqui haveria espaço para reduzir os juros e estimular a demanda privada.

Esse é o experimento econômico que está em curso no Brasil desde o segundo mandato de Dilma Rousseff, com os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, mas ganhou consistência e espaço político a partir de maio, no governo do presidente interino Michel Temer, sob o comando do ministro Henrique Meirelles. A expectativa é a de que ele seja aprofundado com a conclusão do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff e o fim da interinidade de Temer.

Se vai dar certo, porém, são outros quinhentos. Menos pelo que possa ser desfigurado no Congresso do que pela simples frustração da teoria na prática, sugere-se cautela em relação ao êxito do programa de ajuste fiscal. E se a teoria do ajuste expansionista não produzir a volta concreta da confiança, frustrando o impulso do investimento, como a redução dos juros, as desonerações das folhas de pagamento e isenções de tributos da chamada nova matriz econômica não produziram aumento da produção suficiente para manter os empregos e sustentar a demanda?

Para o economista Felipe Rezende, professor do Departamento de Economia do Hobart and William Smith Colleges, em Genebra, por exemplo, esse risco existe. A crise brasileira, segundo ele, não é de base fiscal, mas financeira. Em artigo recente publicado no jornal “Valor”, Rezende afirma que o mesmo quadro de deterioração da saúde financeira das empresas brasileiras, que teria determinado o fracasso da nova matriz e o aprofundamento da crise econômica, pode também reduzir ou mesmo anular os efeitos esperados do programa de ajuste fiscal anunciado pelo governo. “As empresas têm agora de pagar as dívidas e recompor seus balanços — num contexto em que o retorno sobre os seus ativos, assim como o lucro líquido, sofreram uma forte queda de mais de 50% entre 2010 e 2014”, escreveu ele.

Levantamentos do Centro de Estudos do Instituto Ibmec (Cemec), coordenados pelo economista Carlos Antonio Rocca, já haviam apontado uma vedação prática à decisão de investir entre as empresas do setor privado, diante da combinação adversa de queda nos lucros e custos de financiamento acima da taxa de retorno dos investimentos. Novas pesquisas levaram Rocca a concluir que a “desalavancagem” das empresas brasileiras ainda está longe do fim. Num grupo de 300 empresas de capital aberto agora analisadas, metade não tem geração de caixa suficiente para cobrir custos financeiros e 40% precisariam de cinco anos de faturamento para liquidar suas dívidas. Não é por outra razão que o número de pedidos de recuperação judicial mais do que dobrou de 2013 para cá.

Há, para resumir, uma crise fiscal, mas, antes dela, existe uma crise de solvência no setor privado. Assim, o ajuste fiscal, que é parte da solução, dependendo de como seja executado, pode vir a ser um fator de agravamento de um generalizado problema financeiro.

José Paulo Kupfer é jornalista

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