segunda-feira, agosto 01, 2016

O custo da corrupção - LUÍS EDUARDO ASSIS

O ESTADO DE S. PAULO - 01/08

O combate a este mal é um dever moral fundamental e incondicional, que prescinde de justificativa econômica

Com o entusiasmo de quem acredita ter as convicções certas, a procuradora explica numa entrevista à TV as dez medidas que oMinistério Público Federal propõe e espera ver convertidas em lei. Entusiasmada, a entrevistada vai além e avança o argumento que lhe parece definitivo: estudos demonstram que o ganho com o fim da corrupção pode alcançar R$ 200 bilhões. Nada mal. Quer dizer, então, que, acabando com a corrupção, o ajuste fiscal poderia ser feito de forma suave, sem alterar direitos, sem impor perdas, apenas coibindo o que está errado? Será mesmo? Há copiosa literatura econômica sobre a tentativa de medir o impacto econômico da corrupção.

Desde o estudo pioneiro de Paolo Mauro em 1995 (Corruption and Growth, Quarterly Journal of Economics), muitos outros economistas desenvolveram modelos quantitativos que buscam essa mensuração. Estudo mais recente de Axel Dreher e Thomas Herzfeld (The Economic Costs of Corruption: A Survey and New Evidence, 2005) sugere, por exemplo, que um aumento de 1 ponto porcentual na corrupção implica uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,13%. O tema, no entanto, é tão espinhoso quanto controverso. A própria definição de corrupção não é trivial. Um hábito moralmente aceito em algum país asiático, por exemplo, pode ser considerado prática delituosa na Escandinávia. Problema ainda maior é como medir a corrupção.

A alternativa mais comum é aferir não a corrupção propriamente dita, o que é impraticável, mas sua percepção - e acreditar que essas duas variáveis têm comportamento paralelo. Mas isso não é verdade quando, por exemplo, um país passa por uma fase de grandes escândalos, o que pode provocar um aumento na percepção de corrupção, ao mesmo tempo que sua prática fica mais difícil e menos provável. Este é o caso do Brasil hoje. A Transparência Internacional publica anualmente o Índice de Percepção de Corrupção, talvez o mais conhecido desses índices. Em 2015, o Brasil ficou em 76.º lugar numa lista de 168 países, com 38 pontos numa escala de 0 a 100 (a Dinamarca ficou em primeiro lugar, com 91 pontos).

Em 2012, o Brasil estava em 66.º lugar, com 43 pontos. No ano passado, ficamos na mesma colocação que Burkina Faso, Tunísia e Zâmbia e atrás de Ruanda, El Salvador e Senegal. Um otimista afeito à linguagem adocicada dos livros de autoajuda corporativa diria que "há muitas oportunidades de melhoria". Na verdade, é uma tragédia. Os modelos que tentam medir quantitativamente o impacto da corrupção apuram, para um conjunto de países num determinado ano, a relação estatística entre índice de percepção de corrupção e o desempenho econômico. Concluem, em geral, que essa relação está negativamente correlacionada e, portanto, uma queda de x% na corrupção pode induzir a um crescimento de y% no PIB.

Há, aqui, várias questões metodológicas. Essa relação pode ser alterada, por exemplo, variando o número de países no painel ou o ano de apuração. Pode, também, mudar pela especificação do modelo, linear ou exponencial. Os resultados variam muito e podem até mesmo apontar uma correlação positiva. Em artigo publicado em 2001, Raul Barreto, da Universidade de Adelaide, Austrália (Endogenous Corruption, Inequality and Growth: Econometric Evidence), usa um modelo com três equações simultâ- neas calculadas pelo método de mínimos quadrados em dois estágios para concluir que a corrupção pode estar positivamente correlacionada com o crescimento da economia (mais corrupção implica mais crescimento), o que fere o senso comum. Outra complicação metodológica que afeta a confiabilidade destes modelos é a necessidade de isolar a corrupção de outras variáveis. Pode-se argumentar sem dificuldade que a corrupção é sintoma da fragilidade das instituições que asseguram o império da lei e que é essa debilidade, não a corrupção, que explica o entrave ao crescimento econômico.

Os economistas respondem com modelos mais sofisticados, sem, no entanto, dissipar a controvérsia. A conclusão, aqui, é dupla. A primeira é que medir o custo da corrupção é tema polêmico e seus resultados são inconclusivos. A segunda é que isso não tem importância. A corrupção é um mal e seu combate é um objetivo meritório em si mesmo; não é preciso descobrir nenhuma funcionalidade para justificá-lo. Aqui cabe a distinção clássica de Kant entre imperativo categórico e imperativo hipotético. O combate à corrupção é um dever moral fundamental e incondicional, que prescinde de justificativa econômica.

Não é um meio para atingir um objetivo; é um objetivo em si mesmo. Ajuste. Acreditar na funcionalidade econômica do combate à corrupção traz, ainda, um potencial efeito deletério. Pode estimular a crença de que o ajuste fiscal que se procrastina seria indolor. Não será. O equacionamento do crescente déficit público exige necessariamente a escolha de perdedores. O equilíbrio das contas do governo exigirá uma engenhosa combinação entre redução de gastos públicos (logo, por definição, de receitas privadas) e aumento de impostos (de novo, aqui, onerando o setor privado).

Não há mágica. A questão - política, por definição - é escolher quem pagará a conta. Grupos beneficiados se articulam para vender a ideia de que o problema fiscal pode até ser importante, mas "não é comigo". Melhor apontar outros candidatos a pagarem a conta do ajuste ou sonhar com a solução idílica de que basta combater a corrupção, os privilégios e o desperdício. Convém não misturar as coisas. Combater a corrupção é urgente, necessário e essencial. Mas o ajuste das contas públicas só virá quando formos capazes de engendrar um novo pacto fiscal, o que, na ausência de uma liderança política incontroversa, parece ainda distante.

*ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E DA FGV-SP

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