domingo, agosto 21, 2016

O Brasil na encruzilhada - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO - 21/08

Presidente Michel Temer terá de arbitrar conflitos e não ceder a qualquer pressão



O Brasil tem oportunidade única de entrar num período positivo. Esse cenário será possível quanto mais o Executivo federal conseguir impor a sua agenda, pois o País necessita consolidar a volta da trajetória de crescimento para além de um movimento cíclico de curto prazo.

O espaço para o novo governo será maior do que imaginávamos, uma vez que estamos vendo a saída melancólica de Dilma Rousseff da cena política. Sua carta foi universalmente considerada fora do momento e totalmente inexequível. Além disso, há uma acelerada derrocada do PT: o partido lança menos candidatos nas eleições de outubro e ficou em oitavo lugar, entre as 35 legendas que disputam a eleição. Finalmente, há uma acelerada piora na situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a decisão do ministro Teori Zavascki de abrir inquérito por obstrução de Justiça e pelo andamento das investigações em Curitiba. Não é casual que o maior esforço de seu grupo esteja concentrado na construção de uma narrativa internacional de perseguição política.

Como consequência desses eventos, o governo Michel Temer terá muito mais tranquilidade para discutir com o Parlamento a difícil, porém necessária, agenda de reformas que inclui, especialmente, os seguintes itens:

a) Negociação da PEC do limite de gastos e do projeto de renegociação da dívida dos Estados;

b) Mudanças nas áreas previdenciária e trabalhista;

c) Montagem dos modelos e da agenda de privatizações/concessões.

A percepção de que a interinidade é limitante tem resultado na concessão de tempo, por parte dos agentes e analistas, para o governo começar a agir mais incisivamente. Entretanto, esse tempo está se esgotando. Exatamente por isso, atinge o máximo a pressão de governadores por recursos e a do funcionalismo por aumentos. A excursão dos governadores do Nordeste, Norte e Centro-Oeste ao Senado, buscando que não se vote um projeto de renegociação das dívidas, a menos que seja pago antecipadamente um resgate de R$ 7 bilhões, explicita bem o que estamos dizendo. Da mesma forma, o embate por um eventual aumento de salários no Supremo Tribunal Federal (que gera um conhecido efeito cascata em cima de todas as categorias de servidores) ficou tão relevante.

Não temos dúvidas de que a agenda Temer é adequada e que o governo conta com auxiliares competentes. Também sabemos que o presidente da República é zeloso das relações entre poderes e do papel do Legislativo e Judiciário na República do Brasil, o que significa defender seus pontos de vista e negociar a sua implantação.

O que começa a nos afligir não é a direção, mas sim a intensidade da ação. Não se trata de achar que seria fácil fazer alterações no País apenas porque a crise em que estamos mergulhados garantiria o sucesso. Sabemos que é preciso debater, esclarecer e eleger como prioridade a solução de desarranjos que levarão, caso mantidos, ao colapso das finanças públicas brasileiras, atingindo o conjunto da população.

O que preocupa é a possibilidade das dificuldades políticas levarem a um cenário de acomodação. Na história recente do Brasil já tivemos dois momentos em que vice-presidentes da República assumiram o poder por conta de imprevistos. O presidente José Sarney, que assumiu em 1985, buscou a estabilização da inflação com o Plano Cruzado, que fracassou no ano seguinte. A partir daí, passou o remanescente do seu mandato conciliando politicamente, o que acabou num total desastre inflacionário.

De outro lado, temos o exemplo do governo Itamar Franco, que também foi curto como será o de Temer. Após um início hesitante, chamou Fernando Henrique Cardoso, e enfrentou diretamente a questão inflacionária com o sucesso conhecido. Temer, como Sarney e Itamar, assumiu o poder por conta do imprevisto e tem agora uma clara escolha: contemporizar ou enfrentar o resgate do desastre macroeconômico que vivemos.

Como lidará com os desafios a partir de setembro é a questão. Não poderá fazer apenas política. Terá de arbitrar conflitos e não ceder a qualquer pressão, como parece estar acontecendo neste momento.

É por isso que estamos numa encruzilhada.

Artigo escrito em parceria com Maria Cristina Mendonça de Barros, da MB Associados

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