sábado, julho 02, 2016

Silêncio gritante - ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

CORREIO BRAZILIENSE - 02/07

A dinastia dos ptolomeus, sucessores de Alexandre, o grande, criaram, em torno do ano 300 a.C., a biblioteca de Alexandria, que chegou a possuir mais de 100 mil volumes. No centro da área, onde ficavam os palácios reais, eles construíram um santuário, chamado de museion, museu, dedicado ao culto de suas musas do saber e da erudição. Grande pensadores estudaram ali. Entre eles, Euclides, o matemático; Erastóstenes, o astrônomo; e Arquimedes, o engenheiro.

Desde as tragédias gregas, nada foi essencialmente modificado. O homem persiste sendo o mesmo ser que busca prazer, renda e procriação. Os portugueses diziam que não existia pecado ao sul do Equador. Faz sentido. Eles vinham sem mulher. Tomavam as índias como companheiras. E tudo na colônia dependia da matriz. A única maneira de prosperar era trapacear as frágeis regras fiscalizatórias portuguesas. A colônia fornecia madeira e minérios, que rendiam polpudas receitas aos operadores. O resto era obtido com o simples descaminho, contrabando e assemelhados.

O Brasil passa, neste momento, pela mais séria crise ética de sua história. Primeiro, a investigação no processo do mensalão explodiu na frente de todos. Depois, a do petrolão atingiu níveis estratosféricos jamais experimentados neste país. Houve quem continuasse a receber propina do mensalão, mesmo depois de condenado, porque a origem dos recursos era o caixa da Petrobras. Enfim, uma bagunça absoluta e generalizada. Isso não é política. É simplesmente desorganização proposital para favorecer a distribuição de propina, desvio de recursos públicos em nome da construção de uma democracia. Os motivos e as ideologias são variados, mas as consequências são conhecidas. Políticos enriquecem e a população sofre.

A corrupção corroeu as iniciativas no setor elétrico, que está praticamente falido. A Eletrobras se prepara para vender empresas para fazer caixa com a maior urgência porque o setor foi impiedosamente sangrado pelas hordas predatórias que passaram pelo poder. A Petrobras também segue na mesma direção. Os delírios da esquerda brasileira resultaram no mais impressionante processo de privatização de empresas públicas. Os sindicatos ainda lutam pela manutenção dos bens das empresas de energia, petróleo e eletricidade, mas ninguém fala sobre a deslavada roubalheira.

Mais de 800 mil servidores públicos federais foram vítimas de fraude no sistema de créditos consignados. A imposição de taxa extra sobre cada pagamento realizado nos últimos cinco anos por funcionários endividados proporcionou ganho espetacular de mais de R$ 100 milhões a pessoas vinculadas ao PT, na maioria emergente do ativismo sindical. A polícia prendeu o ex-ministro de Lula e Dilma, Paulo Bernardo, liberado dias depois pelo ministro Dias Tofolli, do STF.

Meio milhão de quotistas dos fundos de pensão de Petrobras, Caixa e Correios foram depenados por administrações fraudulentas. Os negócios realizados com verbas daquelas instituições somaram deficit de R$ 33,6 bilhões no ano passado. As negociatas foram conduzidas por gestores vinculados ao Partido dos Trabalhadores. A maioria teve origem no ativismo sindical e ascendeu no loteamento político proporcionado pelo que é chamado de governo de coalizão.

Ninguém levantou a voz para protestar contra o absurdo de furtar dinheiro de funcionários públicos, por intermédio do empréstimo consignado. Criou-se uma sobretaxa, pequena, porém objetiva, que retirava mais dinheiro do tomador do empréstimo e irrigava verbas para o PT e seus protegidos. A farra da corrupção não poupou nem a área cultural, tão protegida nas últimas semanas. A famosa lei Rouanet foi transformada em financiadora de festas, recepções e casamentos. Nenhum artista protestou. Reação zero.

O país está preso ao tempo da colônia, quando o melhor era tirar todo o proveito que a terra poderia oferecer. As ideologias se revelaram até agora uma simples maneira de alcançar o poder. Para depois assalta-lo. É lamentável ver hoje o herói de ontem amargando pena na prisão de Curitiba. E políticos de prestígio se desdobrando em explicações inúteis.

Policiais exibem faixa redigida em inglês, no aeroporto do Rio, dizendo que o país é semelhante ao inferno. Deputado federal sugere que policiais militares, no Distrito Federal, entrem em greve. E ainda há, neste ano, a realização das Olimpíadas, das Paralimpíadas e das eleições municipais. Muita movimentação para apenas um ano. E ninguém protesta, sindicatos emudeceram e oposição não reclama. Todos têm um pé na lama. Trata-se do silêncio gritante.


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