quarta-feira, julho 27, 2016

Ajuste fiscal ameaçado - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 27/07

Projeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente em exercício Michel Temer, concedendo reajuste e bonificações a servidores da Receita Federal, indica que autoridades federais não estão imunes a chantagens


Além de lançar dúvidas sobre a real intenção de seu governo de colocar em prática uma rigorosa política fiscal que aponte para a redução do imenso déficit público, o projeto de lei enviado ao Congresso pelo presidente em exercício Michel Temer, concedendo reajuste e bonificações a servidores da Receita Federal, indica que autoridades federais não estão imunes a chantagens. É uma má lição, que tende a estimular servidores de outras carreiras do funcionalismo com razoável poder de mobilização a também pressionar o governo para obter ganhos salariais. E isso já está acontecendo.

No caso dos servidores da Receita, a concessão de bonificações a auditores e analistas fiscais implicará aumento de R$ 6,479 bilhões nos gastos com pessoal até 2019. Além desses benefícios, os funcionários da Receita terão também reajuste de 21,3% no salário-base, a ser pago ao longo dos próximos quatro anos, o que implicará despesas adicionais de R$ 2,097 bilhões até 2019. Em resumo, apenas com esses servidores o governo gastará mais R$ 8,576 bilhões. São 30.667 auditores fiscais, dos quais 20.383 (ou 66,5%) aposentados ou pensionistas; e 13.778 analistas tributários, sendo 6.612 (ou 48%) inativos.

Basta uma simples conta para concluir que, em média, cada um dos funcionários da Receita beneficiados, na ativa ou aposentado, em quatro anos ganhará praticamente R$ 193 mil além dos vencimentos que já recebe normalmente. São remunerações bem maiores do que os salários recebidos pela imensa maioria dos trabalhadores da iniciativa privada, que, além de ganharem menos, estão sujeitos à perda de renda real quando conseguem manter-se no emprego ou ao risco de cair no desemprego, que atinge mais de 11 milhões de brasileiros que precisam trabalhar.

Não é apenas a imensa disparidade entre os rendimentos e benefícios acumulados pelos servidores da Receita – que ademais gozam da vantagem da estabilidade no emprego – e a remuneração média dos assalariados do setor privado que esses fatos e números deixam claro. Do ponto de vista político-administrativo, o que assusta é a docilidade com que – no momento em que proclama, com toda a razão, a necessidade de árduo ajuste das finanças públicas que pode exigir aumento de impostos – o governo se rendeu à chantagem dos funcionários da Receita, que paralisaram alguns serviços para exigir a concessão dos benefícios que acabaram obtendo.

Se quiser reforçar a confiança que vinha conseguindo instilar nos agentes econômicos por meio de medidas adequadas de contenção do déficit público, o governo não pode continuar concordando em oferecer vantagens a diferentes carreiras do funcionalismo, como já fez com os do Poder Judiciário e acaba de fazer com auditores e analistas da Receita. Precisa mostrar disposição de cortar despesas ou de resistir ao aumento delas, sobretudo na folha de pagamentos. Gastos com pessoal tendem a crescer em termos reais por conta da acumulação de vantagens pelos funcionários. Fazê-los crescer ainda mais depressa, com a concessão de benefícios adicionais, é um sinal ruim.

É, também, um forte argumento para que outras categorias iniciem novas ações de pressão sobre o governo para também conseguir benefícios salariais, até com mais ousadia do que a demonstrada pelos funcionários da Receita. Este é o caso dos auditores fiscais do trabalho, que, por não terem sido incluídos no projeto que beneficia os servidores da Receita, marcaram greve a partir do próximo dia 2 de agosto. Nesta semana, já iniciaram o que chamam de “operação-padrão” em pelo menos 12 Estados.

Por meio de seu sindicato nacional, os auditores do trabalho se dizem “agredidos” pelo tratamento que o governo lhes tem dispensado, com o adiamento do projeto de lei aumentando seus vencimentos. Fazem ameaças e dizem que, se empregados e empregadores tiverem perdas com seu movimento salarial, a culpa será do governo. “Não somos palhaços”, proclamou o presidente do sindicato, Carlos Silva. Deve pensar que palhaços somos nós, os contribuintes, que pagamos seus salários.


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