domingo, junho 26, 2016

Trump, Brexit e a longa crise - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 26/06

Um Donald Trump nos Estados Unidos e o Reino Unido fora da União Europeia parecem acontecimentos tão pouco casuais quanto a ascensão de Margaret Thatcher e Ronald Reagan na virada dos 1970 para os 1980. Isto é, não são.

Trump pode perder a eleição, e a debandada dos britânicos talvez seja um alerta que incentive um reforço da Europa. Mas as forças que produzem esses eventos não são um raio em dia de céu azul. Há mudança climática na política e na economia.

O longo prazo parece mais claro do que a semana que vem. Observadores qualificados do que se passa na finança e na economia diziam na sexta (24) que não tinham ideia do tumulto que virá, ou não, amanhã.

A Europa parou faz oito anos. O PIB per capita da zona do euro ainda está abaixo do nível de 2007. No Reino Unido, apenas 1% acima. Na França, na mesma. Na Itália, 11% abaixo. Na Espanha, 6% menor. Mas o mal-estar na terceira classe do Primeiro Mundo é mais antigo.

A desigualdade aumentou, em especial nos EUA e no Reino Unido, nos últimos 30 anos. Os salários medianos nos EUA ficaram estagnados, em termos reais, por quase tanto tempo. Mesmo nos anos melhores, o desemprego continuou alto na Europa. Direitos sociais, "excessivos" ou não, foram aparados. Alemanha e parte do "Norte europeu" escaparam -em parte.

A globalização da indústria e até de serviços, além de mudanças tecnológicas, deprimiu salários e precarizou empregos. Não houve políticas novas de redução de desigualdade, em especial no Reino Unido, ou reformas econômicas na "Europa do Sul".

Parte relevante dos europeus atribui as dificuldades materiais, mas não apenas essas, a imigrantes, óbvio, como se acabou de ver no Reino Unido. A correlação é esdrúxula, claro, "nada a ver", mas é fato político. O bode expiatório se tornou mais odioso com a crise dos refugiados e, faz mais tempo, com o terrorismo.

Há rejeição crescente dos partidos tradicionais de centro-esquerda ou centro-direita, que se tornaram indistintos. Há desinteresse pelas eleições. Há preferências maiores por extremos (de direita) ou novidades ainda imprevisíveis e longe de majoritárias (Podemos espanhol).

Vários sentimentos de insegurança se combinaram (econômica, social, física, identitária) em contexto de desmoralização, ainda relativa, da política tradicional. Não se sabe o que fazer com o fato de que a direita extremista se estabeleceu no cenário político; não se reage à artrite socioeconômica de várias sociedades europeias.

Nem mesmo a política econômica contra a estagnação econômica é efetiva, a tempo. Combater os efeitos da crise que começou em 2007-08 com política monetária ("juros") está ora perto da inoperância; usar a política fiscal ("gasto público") parece maldição. O resultado é inércia. A eurozona perde a década na economia e as estribeiras na política.

O governo da União Europeia, diz o clichê correto, é uma tecnoburocracia distante, que apenas mui indiretamente é testada no voto. Muitos o enxergam como opressor econômico ("austericida") ou ameaça à ideia de nação ou identidade, um último e equivocado reduto de segurança.

O tumulto financeiro do Brexit pode até passar. A crise é outra e de longa duração.


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