segunda-feira, junho 20, 2016

Na angústia da espera - J. R. GUZZO

REVISTA EXAME

Poucas vezes o Brasil viveu, como neste primeiro semestre de 2016, um período de tanta incerteza quanto à situação real de seu governo, com as inevitáveis consequências que isso traz para a economia e para a estabilidade material dos brasileiros. Quem governa? Ou melhor, há governo?

O que se tem no momento, e por um período de tempo ainda mal definido, é umpresidente interino e uma presidente afastada. Há um tiroteio diário, sem trégua, contra o primeiro, e uma angústia geral diante da campanha feita pela segunda e por seu sistema de apoio para influir no rumo das decisões.

A Câmara dos Deputados tem um presidente que procura o tempo todo não comparecer ao trabalho; não se sabe direito se ele preside mesmo alguma coisa. O presidente do Senado é alvo de sabe Deus quantas denúncias e, ultimamente, de uma ofensiva por parte do procurador-geral da República — junto com dois dos mais importantes personagens do partido ao qual pertence o chefe de Estado interino, um deles ex-presidente do Brasil.

O Supremo Tribunal Federal está envolvido em questões políticas de primeiríssimo grau, para a solução das quais nenhum de seus 11 ministros foi eleito. Há, sem dúvida, um governo montado em Brasília, e seu núcleo mais decisivo, a equipe econômica, é de qualidade incomparavelmente superior a tudo que havia na área até o afastamento da presidente em maio — mas não existe segurança suficiente sobre sua permanência definitiva.

Políticos, às dúzias, estão ameaçados por algum tipo de desgraça súbita por causa da corrupção em massa praticada ao longo dos últimos dois governos; ou pertencem ao partido ora afastado do poder, ou foram seus sócios na administração do país. A Operação Lava-Jato continua produzindo efeitos diretos na vida pública, e não vai parar.

É uma situação de anarquia? Não se pode dizer tanto, mas não há as certezas indispensáveis em relação ao exercício da autoridade, à eficácia das decisões do governo, ao cumprimento da lei e a grande parte de tudo aquilo que fornece a previsibilidade básica sem a qual a economia simplesmente não funciona — aliás, nem a economia nem o resto.

Obviamente, o chão está se movendo; o grande problema é que ninguém sabe para onde. Como poderia ser diferente, quando não se sabe nem mesmo quem vai para a cadeia ou fica solto entre as figuras públicas mais notáveis do Brasil? Não há chão que possa ficar firme desse jeito.

O resultado prático dessa desordem generalizada é que o consumo trava. Oinvestimento para. O planejamento, das pessoas ou das empresas, é colocado em modo de “espera”. A arrecadação emagrece. O emprego não melhora em nada. O câmbio fica balançando. Quem pode decidir não decide; quem não pode tem apenas a perspectiva de tentar se segurar onde está.

O mundo exterior não se mexe em relação ao Brasil. Parece se desenhar, em pesquisas, uma vaga retomada de confiança no futuro, mas tudo ainda é muito difuso, incipiente e incerto para ver alguma coisa com mais clareza.

Diante disso tudo, parece que a única pergunta cuja resposta realmente interessa no presente momento seja a seguinte: quando a presidente afastada vai mesmo embora, de uma vez por todas?

A ideia de que possa ficar, é claro, só poderá ser definitivamente enterrada quando um mínimo de 54 senadores decidirem pelo impeachment; trata-se de algo tão intragavelmente complicado, pelas dificuldades de ordem prática que isso colocaria para o país ser gerido com um mínimo de lógica, que é melhor só falar do assunto se a reencarnação da presidente acontecer.

Até lá, o Brasil terá de viver esse apocalipse de São João anunciado todos os dias. Só o fim do processo, e nada mais, permitirá que haja um governo de verdade; só aí começará o novo jogo, agora para valer. Tudo muda, porque após pelo menos um ano de acefalia, o país voltará, enfim, a ser governado — e começará a viver com as escolhas reais que serão feitas para enfrentar as calamidades do presente. Será possível ver, então, para onde estaremos realmente indo.


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