segunda-feira, maio 09, 2016

Esperanças e inquietações - JORGE J. OKUBARO

O Estado de São Paulo - 09/05

A poucos dias da muito provável mudança de governo, brasileiros que há dois anos sofrem os efeitos de uma profunda crise política, econômica, social e moral continuam em dúvida: ainda pode piorar? Se tomarmos um interessante indicador conhecido como “índice de mal-estar”, construído pela equipe de análise econômica de uma instituição financeira, a resposta é ruim: pode, sim. Resultado da combinação de inflação e desemprego – aferido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, de abrangência nacional e divulgada mensalmente pelo IBGE –, esse índice alcançou em março seu ponto mais alto desde que começou a ser calculado pelo Banco Fibra e talvez continue a subir. Embora alguns dados apontem que a inflação está se desacelerando, outros sugerem que o desemprego continua crescendo. As condições de vida estão ruins e tendem a se manter – ou piorar, pelo menos por algum tempo.

Na iminência de os principais cargos do Poder Executivo federal terem novos ocupantes, no entanto, surgem também alguns sinais de que, pelo menos no que se refere à atividade de alguns setores da economia, o fundo do poço parece ter sido atingido. São tênues, ressalve-se, as indicações de recuperação da indústria, mas ainda assim auspiciosas. Este foi o setor mais afetado pela crise e que por mais de uma dezena de meses consecutivos acumulou resultados negativos. Em março, segundo o IBGE, a produção industrial foi 1,4% maior do que a de fevereiro (no primeiro trimestre do ano, porém, houve queda de 11,7% na comparação com igual período de 2015). O crescimento no mês é pequeno e se dá sobre uma base muito baixa. Mas é positiva a evolução do investimento, expressa na produção de bens de capital, cuja expansão tem evitado há meses resultados piores da indústria de transformação.

Há indicações também de que, diante da provável mudança dos rumos na condução da política econômica, começa a melhorar o humor do empresariado, que, como se sabe, influi decisivamente no ritmo dos negócios. O paulatino afastamento das incertezas e dos temores alimentados pelos desastres fiscais, econômicos e sociais acumulados durante o governo Dilma Rousseff abre espaço para a mudança no ambiente empresarial. Na população, a expectativa de superação da crise que paralisou o governo e afetou fortemente a economia tende a criar um novo estado de ânimo.

O anúncio, há alguns meses, do pro- grama de governo do PMDB intitulado Uma ponte para o futuro – previsível e duramente atacado pelo governo Dilma e seus apoiadores, que o consideraram parte do “golpe” que se preparava contra a presidente da República – teve como principal objetivo conquistar o apoio do empresariado para um governo Michel Temer, que já então a cada dia parecia mais provável.

Estão lá, de fato, pontos que há muito parte significativa do setor produtivo considera indispensáveis para recolocar o País nos trilhos da estabilidade e do crescimento econômico. É um programa que, como diz o PMDB, se destina a “preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos”.

Ali se destaca, entre outros objetivos, a redução rápida do desajuste das contas públicas, que “chegou a um ponto crítico”. Para isso, será preciso “o concurso de muitos atores”, deixando de lado “divergências e interesses próprios”. O ajuste deveria, como princípio, “evitar o aumento de impostos”, diz o documento, com a ressalva de que isso poderia ser feito “em situação de extrema emergência e com amplo consentimento social”. Talvez venha a ser necessário fazê-lo.

O texto refere-se também à necessidade de acabar com todas as vinculações orçamentárias, bem como a de se instituir o orçamento inteiramente impositivo. Acabar com vinculações significa retirar a exigência de aplicações mínimas em determinados setores, como saúde e educação.

A questão da Previdência, cujo déficit cresce a velocidades assustadoras em razão das regras de concessão dos benefícios e da mudança do padrão demográfico – além de ser alimentado, no presente, pela recessão que reduz o emprego e, consequentemente, o número de contribuintes do sistema –, é tratada com prioridade. Prudentemente, o documento do PMDB fala em preservar direitos adquiridos, mas faz propostas que podem afetar a vida dos aposentados e as expectativas dos que hoje ainda contribuem para o sistema de previdência. Defende, por exemplo, o fim da indexação dos benefícios e a instituição de regras mais duras para a concessão de novos benefícios, como a exigência de idade mínima.

São propostas sensatas, mas algumas contrariam interesses de grupos com forte representação política. Mesmo assim, um governo determinado, com um núcleo operacional coeso e competente, poderia fazê-las avançar, pavimentando o caminho do progresso que beneficiaria a todos. O início de um governo, ainda que decorrente de um processo traumático como o do afastamento da presidente Dilma Rousseff, é uma grande oportunidade para iniciar as mudanças necessárias.

O que se tem visto nas conversações para a constituição de um governo Temer, porém, com raras exceções, é a repetição da negociação rasteira por cargos e verbas em troca de apoio parlamentar, como a que fez do agonizante governo Dilma um conjunto disforme e disfuncional. Surgiram também exigências absurdas, entre elas a realização de uma impossível reforma política no prazo que o PSDB impôs como condição para integrar o governo Temer. Supostos apoiadores de primeira hora do impeachment de Dilma e de um novo governo Temer, como sindicalistas controlados pelo deputado Paulinho da Força, afirmaram que não aceitarão “perda de direitos” – ou seja, mudanças na legislação trabalhista e nas regras das aposentadorias.

Não são boas indicações de que as coisas começarão a melhorar logo.


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