quarta-feira, abril 27, 2016

STF pode dar golpe fatal em Tesouro e sistema financeiro - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/04

Se a Corte aceitar a reclamação de estados contra a incidência de juros compostos nas suas dívidas — prática universal —, tornará ainda mais séria a já grave crise fiscal



Todo o desenrolar da política fiscal nos últimos tempos em boa parte da Federação, mais as pressões por uma nova renegociação de dívidas de estados e grandes municípios com o Tesouro, e a evolução desse imbróglio até aqui têm sido desastrosos.

E pode piorar, a depender da decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá tomar hoje sobre liminares concedidas a estados, inicialmente o de Santa Catarina, que impedem, nesta repactuação, o uso de juros compostos, uma prática financeira universal.

Caso vença a tese de que a União só pode aplicar juros simples nas dívidas públicas de demais entes federativos, surgirá, num Tesouro já muito abalado, um rombo adicional de R$ 300 bilhões, estima o governo. Mesmo menor, já será trágico. Significa aprofundar a crise fiscal de forma talvez irreversível, rumo a uma situação de ruptura.

Também o sistema financeiro ficará abalado, porque em todos os seus segmentos — créditos, dívidas, investimentos —, e como em qualquer lugar do mundo, usam-se os juros compostos. Haverá, por óbvio, devedores recorrendo à Justiça.

É uma longa sucessão de equívocos, desde o desregramento fiscal na Federação a uma renegociação de dívidas mal encaminhada pelo governo Dilma, de que se aproveitam estados para fazer esta contestação no STF, como se não soubessem do risco que existe para todos decorrente de uma eventual vitória do veto aos juros compostos, na sessão plenária da Corte.

A crise fiscal tem responsáveis conhecidos: Lula e Dilma, além de governadores que aproveitaram a frouxidão fiscal para também explodir os gastos. No domingo, O GLOBO mostrou o ponto a que chegou a festa da gastança em estados: entre 2009 e 2015, descontando-se a inflação, portanto em termos reais, o Rio de Janeiro aumentou a folha de salários do funcionalismo em 69,6%, apenas um pouco à frente de Santa Catarina (64,8%); Tocantins elevou a sua em 55,9% etc. Este é apenas um indicador da má gestão fiscal de estados.

Instaurada a recessão, devido à própria política fiscal sem medidas, veio a queda da arrecadação tributária, e se tornou impossível para estados e municípios pagar contas que, por lei, não se pode cortar — salários, previdência e benefícios.

A primeira grande rodada de renegociação de dívidas foi fechada em 1997, ainda no primeiro governo FH. Ali acertaram-se contrapartidas, juros e tudo o mais. Com o tempo, passou a haver algum consenso de que os juros precisariam ser revistos — pois haviam sido estabelecidos em outro momento da economia —, para que a dívida remanescente não ficasse impagável.

Sem força política, tampouco convicção da importância do equilíbrio fiscal, o governo aceitou que as novas taxas — IPCA mais 4% ou Selic, o que for mais baixo — retroajam, num ataque ao espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O julgamento no STF sobre os juros é muito importante. Mas apenas parte de uma história nada edificante. Sobre como não fazer.

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