quarta-feira, janeiro 20, 2016

O Banco Central na contramão. De novo - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 20/01
Quando decidiu comentar as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o crescimento da economia brasileira neste e no próximo ano, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, atendeu a uma brutal pressão do Palácio do Planalto, que não quer ver o Comitê de Política Monetária (Copom) elevando a taxa básica de juros (Selic) na reunião desta quarta-feira. Ao afirmar que são "significativas" as revisões feitas pelo Fundo, que ficou mais pessimista, Tombini deixou claro que o Copom desistiu de elevar a Selic neste momento. Trata-se de mais um capítulo da triste história de perda de institucionalidade do BC na atual gestão e de deterioração da qualidade da política econômica do país.

Por que o presidente do BC se surpreendeu justamente agora? Ora, o boletim Focus, que colhe para o Banco Central as projeções de mais de cem instituições financeiras, acadêmicas e de classe, já vinha mostrando há algum tempo que a mediana das projeções aponta para uma queda superior a 2,5% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2016. No último boletim, divulgado segunda-feira, a mediana está em 2,99%. Para 2017, o Focus prevê alta de 1%, enquanto o FMI revisou sua projeção de crescimento de 2,3% para zero.

As projeções do Fundo são mais acuradas que as realizadas no Brasil? O que se sabe desde sempre é que os cálculos da instituição são bastante defasados. Em seu comentário, Tombini chamou atenção para o fato de o FMI ter atribuído a fatores "não econômicos" as razões para a "rápida e pronunciada deterioração das previsões". Foi preciso, então, que uma entidade estrangeira advertisse o presidente do BC do Brasil dos efeitos da crise política na atividade econômica?

É curioso porque no último ano Tombini, em conversas reservadas, atribuiu mais de uma vez à "dominância política" a tragédia econômica brasileira. Não se tenha dúvida, por conseguinte: o presidente do Banco Central esteve com a presidente da República e esta lhe ordenou que mantenha os juros onde estão ou até que os reduza.

Uma característica marcante da gestão de Tombini é que desde 2011, alegando razões diversas, ele protelou para o ano seguinte a busca da meta de inflação. Ainda que a conquista da meta, em algumas ocasiões da história do regime de metas, tenha sido postergada para o momento seguinte, no caso da atual administração os adiamentos apenas acarretaram aumento das práticas de indexação e, portanto, do custo de desinflação, uma herança certamente maldita para a próxima geração.

Em 2015, primeiro ano do novo mandato de Dilma Rousseff, parecia que as coisas seriam diferentes ao menos no BC. Tombini e sua equipe voltaram a seguir o regime de metas. Ao observar o modelo, retomaram o ciclo de aperto monetário porque a inflação, mesmo com a economia em recessão, não parava de crescer. Contrariando opiniões inclusive de economistas de perfil ortodoxo, Tombini se preparava, neste momento, para elevar os juros.

A razão é simples: o modelo do Banco Central mostra uma deterioração que, se não for revertida, resultará numa inflação persistentemente acima da meta. O plano de Tombini era fazer um discurso duro quanto à necessidade de combater as pressões inflacionárias e trabalhar para levar o IPCA o mais próximo possível de 6,5% em 2016 e de 4,5% em 2017 - sabendo que não conseguiria lograr sucesso, mas indicando o caminho.

Quando calibra a taxa de juros, o Copom olha para o hiato do produto, a distância que separa o PIB efetivo do potencial. A princípio, a forte queda da atividade econômica e, portanto, do PIB efetivo indicaria um cenário desinflacionário, de abertura do hiato, especialmente quando se observa o que ocorreu nos três primeiros trimestres de 2015. No ano passado, o PIB pode ter recuado 4%, com queda de 9% da absorção doméstica no último trimestre.

O problema é que, também no quarto trimestre, a taxa de investimento (a Formação Bruta de Capita Fixo, isto é, os gastos das empresas e do setor público com máquinas, equipamentos e construção civil) pode ter caído algo como 25%. Quando isso ocorre, reduz-se o potencial de expansão do PIB, o que ajuda a fechar o hiato do produto.

Instituições do mercado que replicam o modelo do BC revelam que, desde a divulgação do último Relatório de Inflação (RI), em dezembro, a projeção de inflação do cenário de referência - aquele no qual a autoridade monetária se ampara para calibrar os juros - piorou. No RI, o IPCA projetado para 2016 é de 6,2%. Aplicando-se o modelo do BC, essa projeção já teria saltado para 6,9%, uma rápida deterioração. No caso de 2017, o salto é de 4,8% para 5,4%.

No cenário de mercado, captado pelo boletim Focus, as expectativas também se deterioraram rapidamente: para 2016, a inflação esperada já é de 7%, ante 6,3% projetados em dezembro; em relação a 2017, os números são 5,2% e 4,9% respectivamente. Além das projeções e das expectativas, o cenário para a taxa de câmbio piorou desde dezembro. O que melhorou foram as estimativas para preço do petróleo e das commodities em geral.

As expectativas também se deterioraram nas medidas de inflação implícita com que o mercado trabalha nas negociações das NTN-Bs, títulos de longo prazo indexados à inflação. Nesses papéis, a inflação implícita está acima de 8,5% para 2016. A pedido desta coluna, uma gestora fez uma interpolação das expectativas contidas nesses papéis para os próximos anos e constatou que a inflação mais baixa, até 2022, é 7,8%.

Se olhasse para seus parâmetros, o Copom teria que aumentar os juros hoje, o que parece uma excrescência e de fato é - se o BC não tivesse procrastinado a sua tarefa nos últimos cinco anos, a inflação não estaria em dois dígitos, uma infâmia, dado que o país não cresce e a carestia corrói a renda justamente dos salários mais baixos e daqueles que vivem de programas de transferência, como o Bolsa Família; os juros também seriam bem menores.

Ao atender sem protestos a meros desígnios políticos, o BC perde institucionalidade - deveria mirar-se no exemplo de instituições como o Tesouro Nacional, que, mesmo sem independência, mostrou ao país do que a tirania é capaz. O resultado da subserviência traduz-se em números: a inflação média anual e mensal da atual gestão é bem superior à dos oito anos do governo Lula - respectivamente, 7,07% e 0,57%, ante 5,79% e 0,47%.

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