quinta-feira, novembro 05, 2015

Sobre jabuticabas e clichês - EVERARDO MACIEL

ESTADÃO - 05/11

Nestas paragens, ditos espirituosos e conceitos semielaborados são, às vezes, confundidos com teorias. “Tudo aquilo que só existe no Brasil, e não é jabuticaba, é bobagem”, por exemplo, é tão somente uma frase bem-humorada. Há jabuticabas em outros países e, além delas, existe no Brasil algo mais a ser admirado.

Admitir que somos incapazes de produzir boas ideias é puro servilismo cultural, que tão somente evidencia nosso conhecido sentimento de inferioridade - o complexo de vira-latas, como dizia Nelson Rodrigues.

O que pode ser único, num momento, pode ser o primeiro, em outro.

No campo tributário, há no Brasil bons exemplos de antecipações históricas, como a cobrança de tributos pela rede bancária, a fusão da administração de tributos internos com a aduana, o uso intensivo da internet na administração tributária, etc. À época, poderiam ser tidas como “jabuticabas”. Em futuro não remoto, presumo, os juros remuneratórios do capital próprio e a isenção na distribuição dos resultados das empresas poderão ser outros exemplos de antecipações meritórias.

É claro que respeito pela criatividade nacional não deve ser sinônimo de xenofobia intelectual, tão deplorável quanto a devoção pela verdade única e universal, muito apreciada pelos que são incapazes de perceber as nuances culturais que informam os sistemas tributários. Quando o leitor identificar a lenda da jabuticaba sendo utilizada como argumento para refutar uma tese, desconfie de que o autor não estudou suficientemente o assunto.


No amplo universo dos clichês tributários, o maior deles é a presunção de que tributo é responsável por todos os males ou instrumento capaz de prover todos os remédios. As desigualdades, de todos os matizes, são chagas que ameaçam a coesão social. Nenhum governo, com um mínimo de responsabilidade social, pode abdicar do propósito de enfrentá-las. É um equívoco, todavia, pretender que a política tributária seja um meio eficaz para alcançar esse objetivo, pois não há evidências que deem sustentação à tese.

As proposições que vinculam tributo à redução das desigualdades, como as de Thomas Piketty (O capital no século XXI), são de uma impressionante ingenuidade. Presumem que os contribuintes são incapazes de reagir às pretensões de aumento da tributação e abdicam da mobilidade que a globalização propicia ou dos sempre eficientes serviços dos planejadores tributários.

As mudanças recentes no perfil das desigualdades brasileiras estiveram claramente ligadas à estabilidade monetária, às transferências de renda, às regras de reajuste do salário mínimo, ao aumento na oferta de empregos, etc. Nada que lembre, ainda que remotamente, a política tributária.

A despeito disso, não há como negar que os privilégios tributários das aplicações financeiras, inclusive no mercado de renda variável, tanto quanto os subsídios creditícios concedidos pelo BNDES, são mecanismos ostensivos de acumulação de capital que devem ser revistos.

Outro clichê muito difundido é qualificar como regressivos ou progressivos os sistemas tributários, com base em prevalência da tributação da renda ou do consumo, especialmente quando se tem em conta que a tributação do consumo no Brasil - aliás, infelizmente - pouco se assemelha à de outros países. Alguns qualificam as contribuições do PIS e da Cofins como tributos incidentes sobre o consumo, e não sobre a renda, embora tenham, em relação ao Imposto de Renda, a mesma base de cálculo, no regime cumulativo, e muita semelhança, como atesta farta jurisprudência administrativa e judicial, no regime não cumulativo.

À luz dessa hipótese insubsistente, concluem que a tributação no Brasil é regressiva. Se aquelas contribuições, contudo, forem contabilizadas no campo da tributação da renda, a conclusão simplesmente se inverte. O que, no meu entender, também não autoriza afirmar que a tributação brasileira é progressiva.

Essas inferências são de um simplismo comovente. Já é tempo de abandonarmos falsas teorias e clichês.

* Everardo Maciel é consultor tributário. Foi secretário da Receita Federal (1995-2002)

As 21 Copas do Brasil - PAULO RABELLO DE CASTRO

O GLOBO - 05/11

Não será só com medidas pontuais de ajuste, como quer o desbaratado governo, que conseguiremos estabilizar as contas. Precisamos de ousadia e criatividade


Deu no “Jornal Nacional”: “... o governo já gastou R$ 400 bilhões, só este ano, com juros da dívida pública”. Mas não fará um tostão de economia — o tal superávit primário — para amortecer o impacto desses juros. O governo “gastou”, mas não liquidará a fatura indigesta. Vai rolar os juros para o futuro, como dívida nova. Dívida nossa. O repórter arrematava: a dívida pública chegará a 68% de PIB em 2015 e, se nada for feito, passará de 70% do PIB em 2016. Nada está sendo feito. Com essa notícia, o grande público começa a se inteirar de uma realidade catastrófica. O Brasil voltou a dever “demais”. E a pagar juros cavalares pela rolagem dessa dívida. O que não está claro é a profundidade do estrago deixado pela ruinosa gestão financeira do governo de Dilma Rousseff. Tudo indica que os juros acumulados este ano baterão em R$ 530 bilhões. Vamos configurar esta conta pensando em 21 Copas do Mundo, ao custo unitário de R$ 25 bilhões (como a nossa, em 2014) como se realizadas e pagas pelos contribuintes, de uma vez! Soa como completo absurdo, mas é a assombrosa verdade. Na época, ficamos discutindo se valia a pena bancar uma Copa, com ajuda do setor privado, e pagar em quatro anos. Achamos caro. Agora, sem debate público nem deliberação do Congresso, estamos encomendando e bancando 21 Copas de uma só vez. Com detalhe: sem realizar uma única obra pública para os contribuintes.

A realidade trágica dos juros públicos, de longe a conta mais elevada do planeta na sua categoria, acende um debate que não pode mais ser evitado. O Congresso jamais autorizou tal dispêndio e não o acompanha. O ministro da Fazenda a ele nem se refere. E o próprio Banco Central não dá ao tema o foco devido. O país tampouco tem freio limitador do endividamento federal; só agora aparece meritória iniciativa do senador José Serra, propondo uma lei a respeito. A deterioração das contas primárias do governo vem sendo alertada por analistas atentos e pelo TCU no episódio das “pedaladas”. E não é de hoje. O descontrole das despesas em 2015 é apenas o episódio final de anos de irresponsabilidade crescente na gestão financeira do Estado, que ninguém — pasmem! — controla preventivamente nesta República. A oportuna criação de um Conselho de Gestão Fiscal, capaz de fazer tal acompanhamento, dormita há 15 anos no Congresso e só foi acordada por iniciativa da bancada da “economia moderna” liderada pelo senador Paulo Bauer.

Conclusão simples: “quebramos”, mais uma vez, como país. Ainda tem remédio. Mas não será apenas com medidas pontuais de ajuste, como quer o desbaratado governo, que conseguiremos estabilizar as contas públicas. Precisamos de ousadia e criatividade, como assinalado no correto documento do PMDB sobre o atual impasse fiscal. Anos seguidos de rigorosa programação orçamentária, digamos até 2022, serão exigidos para se atingir a disciplina fiscal que nunca tivemos de fato. A Comissão Mista do Orçamento, presidida pela firme senadora Rose de Freitas, tem a missão histórica de retraçar o rumo perdido e consertar a lambança que agora ameaça as bases do Real, comprometido por uma inflação de dois dígitos. Um plano de controle orçamentário plurianual foi entregue pelo Movimento Brasil Eficiente à Comissão Mista, contendo os cálculos dos limitadores de dispêndio capazes de fazer o Orçamento de 2016 ser executado sem prejuízo dos investimentos e do crescimento. A ausência de ação imediata, no entanto, propiciará o impeachment do Brasil, antes mesmo do fim deste ano. Alternativas ao desastre existem, mas só a sociedade as poderá exigir do governante que não governa.

Flagrante delito - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/11

O homem que dá as cartas na Câmara dos Deputados em Brasília, seu presidente Eduardo Cunha, visto mais uma vez ontem a distribuir o tempo de seus colegas como se nada estivesse acontecendo fora da rotina, na fria letra da lei está em estado de flagrante delito.
Sua tranqüilidade só é quebrada quando algo fora da rotina parlamentar que domina foge ao seu controle, como a chuva de dólares com sua efígie com que foi homenageado ontem por militantes contrários à sua permanência à frente dos trabalhos da Câmara.
Na análise de especialistas, ele não só cometeu o crime, mas ainda o está cometendo. Diz o artigo 302, inciso I, do Código de Processo Penal, “Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal”. Por sua vez, o artigo 303, do mesmo diploma legal, tem a seguinte redação: “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”.
Crime permanente é aquele em que a consumação se prolonga no tempo, só cessando quando findo o estado antijurídico criado pelo autor. O exemplo clássico é: A sequestra B às oito horas. Privada a vítima de sua liberdade, o crime de sequestro está consumado. Entretanto, enquanto B permanecer privado de sua liberdade de locomoção, a consumação estará operando, prolongando-se no tempo, podendo A ser preso em flagrante.
Só cessará a permanência quando B for posto em liberdade. O crime de “lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”, previsto na lei 9.613, de 3 de março de 1998, na modalidade “ocultar” é considerado permanente pela melhor doutrina.
Enquanto “ocultado” o produto do crime, o agente está em situação de flagrante delito. O ministro Teori Zavascki determinou o bloqueio e sequestro do dinheiro, mas, este ainda permanece no exterior, “oculto”, insistindo Cunha que os recursos não lhe pertencem, que não tem contas no exterior.
O que salva Eduardo Cunha de uma prisão em flagrante é a mudança da lei. “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” (1ª parte do artigo 53, § 2º, CF).
O crime de lavagem de dinheiro era inafiançável, nos termos do artigo 3º, da lei 9.613/98, mas, este dispositivo foi revogado pela lei 12.683, de 9 de julho de 2012. O artigo 323, do Código de Processo Penal, arrola os crimes inafiançáveis, entre os quais não consta aquele crime. Em resumo, o Eduardo Cunha está em situação de flagrância mas, por se tratar de crime afiançável, não pode ser preso.

Projeto Silvio Santos

O líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho, foi certeiro ao evocar o quadro do programa Silvio Santos “Topa tudo por dinheiro” para definir a situação em que se encontra o governo.
Debatia-se o projeto de repatriação de dinheiro do exterior, em que uma iniciativa correta foi sendo deturpada por mudanças no projeto original até chegarmos à situação atual, em que não há nenhuma garantia de que não se estará oficializando dinheiro oriundo de atividades criminosas.
A aceitação, por parte do governo, de tais alterações feitas por sua base parlamentar está diretamente conectada com a necessidade de ganhar algum dinheiro com a repatriação através dos impostos a serem recolhidos.
Estima-se que entre R$ 25 e 30 bilhões de reais possam ser arrecadados em impostos, o que substituiria a cobrança da CPMF que ainda está sendo discutida no Congresso com escassa chance de ser aprovada.

Volte amanhã, tente de novo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 05/11

No caso do eSocial, muitos ficaram acordados até de madrugada. E ficaram felizes quando conseguiram emitir a guia


Não é coincidência. O sistema tributário brasileiro foi considerado o pior do mundo no relatório “Fazendo negócios” que o Banco Mundial acaba de lançar. Nem bem a gente conseguia estudar o documento, e a Receita correu para justificar o título: impôs ao contribuinte horas de trabalho extra para registrar os empregados domésticos e emitir a guia de pagamento dos impostos.

Foi na mosca. O relatório do Banco Mundial não mede prioritariamente o tamanho da carga tributária, mas se o sistema é amigável ou hostil ao contribuinte. Atenção, ao contribuinte honesto, que deseja manter em dia suas obrigações com o Fisco. Num ranking de 189 países, o Brasil ficou em 177º no quesito facilidade no pagamento de impostos.

Então não foi o último, dirão. Certo. Há 12 países que atormentam ainda mais o seu contribuinte. Entre eles, países africanos, como Nigéria e Senegal, e dois latino-americanos, aliás, nossos parceiros de Mercosul, a Venezuela e a Bolívia, respectivamente no penúltimo e no último lugar. Portanto, nosso comentário acima está correto: o Brasil tem o pior sistema tributário do mundo quando considerados as nações sérias e relevantes, com todo o respeito.

O documento do Banco Mundial avalia o ambiente de negócios para uma empresa média padrão. O sistema tributário é examinado a partir de dois itens básicos: quantas horas a empresa gasta para manter suas obrigações (2.600 no caso brasileiro) e quantos procedimentos precisa fazer.

Aplicando para a pessoa física, já podemos acrescentar mais horas e procedimentos com esse eSocial.

Não é um episódio pequeno. Na verdade, revela uma cultura de governo, entranhada na burocracia e nas repartições, que trata o contribuinte e o cidadão como se fossem empregados do governo, como se fossem devedores. Quando faz alguma coisa, como uma obra ou presta um serviço decente, o governante sai por aí alardeando que “deu” isso e aquilo para o povo. Por exemplo: “colocamos comida na panela das pessoas”.

Ora, quem coloca comida na panela são os brasileiros que trabalham duro e enfrentam condições difíceis por culpa dos governos. Ou é culpa do cidadão demorar duas horas para chegar ao trabalho e outras duas para voltar? Vai ver que não conhece as linhas de ônibus...

No episódio do eSocial, logo de cara ficou claro que o sistema não funcionava direito. Resposta das autoridades aos contribuintes: continuem tentando; tentem fora do horário de pico.

E não é que muitos ficaram acordados até tarde ou acordaram de madrugada? E ficaram felizes quando conseguiram emitir a guia para cumprir a obrigação.

É costume. Desânimo também. Tantos anos sendo maltratado, e o cidadão-contribuinte como que perdeu a esperança e o ânimo de reclamar. Vai pacificamente para a fila do hospital, espera no INSS, fica horas na frente do computador tentando emitir a tal guia. Quando é atendido agradece. Claro, deve mesmo, por educação, ser gentil e agradecer ao funcionário, mas, gente, é este que está ali cumprindo sua obrigação.

A repartição tem de ser amigável com o cidadão. O funcionário é empregado do cidadão. Se o serviço público não funciona, não se pode passar a responsabilidade para as pessoas, como fazem: Volte amanhã. Tente de novo. Você precisa de melhores computadores.

Do lado lá deles, por vários dias, ninguém pediu desculpas, ninguém se demitiu, ninguém caiu pelos erros ou omissões. E ainda ameaçaram: o prazo não seria prorrogado. Não emitiu a guia, toma multa.

FOI BOM?

Ao comprar uma parte da brasileira Hypermarcas por US$ 1 bilhão, a multinacional Coty assumiu o risco Brasil ou simplesmente aproveitou uma liquidação?

É fato que a Hypermarcas estava barata, por duas vias. A recessão derrubou o valor das ações em reais, e a desvalorização do real tornou a empresa ainda mais barata quando avaliada em dólares. Liquidação, portanto.

Por outro lado, mesmo uma multinacional de porte não gasta um bilhão de dólares só porque topou com uma pechincha. Logo, a companhia comprou Brasil, com dois parâmetros: um, o dólar já deve estar na cotação adequada; dois, um dia a crise passa e o mercado volta.

Tomara que estejam certos.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

A opção pela inflação - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 05/11

Dizem que o problema do Brasil é a incapacidade política de levar a cabo o inevitável ajuste fiscal. Contudo é igualmente possível dizer que o nó brasileiro reside no imenso desafio de convencer a classe política e a sociedade de que o modelo nacional de Estado de bem-estar promulgado pela Constituição de 1988 e subsequentemente turbinado pelas políticas do PT faliu. E é essa falência, somada aos desdobramentos dos escândalos de corrupção, que travam a política e impedem o ajuste.

Documento, amplamente citado na imprensa, preparado pelo PMDB expõe claramente o que todos os economistas de bom senso do País já sabem: para retomar a solvência das contas públicas é preciso implementar pacote de ditas maldades, que a sociedade brasileira não parece preparada para aceitar. Trata-se de acabar com a estapafúrdia regra de indexação do salário mínimo, de eliminar os vínculos entre receitas e despesas orçamentárias que impedem a execução adequada da política fiscal, de quebrar as regras automáticas de reajustes dos benefícios mais diversos, de reformar a Previdência.

Todavia, apesar da óbvia constatação de que em qualquer país do mundo o povo jamais está preparado para abrir mão de conquistas que drenam o Estado quando este perdeu a capacidade de se sustentar financeiramente, economistas de renome preferem a saída pelo clichê. É mais fácil culpar o sistema político. E é mais fácil porque assim se justifica a ideia do momento: esperar para ver o que acontece. Não que se admitam de pronto as implicações perversas da paciência dilatada. No caso, trata-se não de exercer a serenidade, resguardar-se, ou de cerrar fileiras; trata-se, antes de tudo, de jogar a toalha. O Brasil não tem política fiscal porque o Congresso não deixa, ou não tem consenso político no Congresso porque a política fiscal que realmente é necessária não o permite? Eis o velho e inútil dilema do ovo e da galinha, aquele que ilustra o problema da endogeneidade. Não há política fiscal sem política. E se a política é a arte da redistribuição de recursos do Estado, tampouco há política sem política fiscal. Logo, afirmar que a dominância política prevalece sobre a dominância fiscal que paralisa a economia brasileira é não compreender a natureza do problema. Dominância política e dominância fiscal são, afinal, dois lados de uma só moeda – aquela cujo destino é perder valor ante a disfuncionalidade instaurada.

Toalha no chão não é ideia boa. Não há ajuste fiscal porque a política não deixa. Se a política não deixa que o ajuste seja feito, não pode haver mais nada, segue a lógica niilista daqueles que desqualificam o debate sobre a crise brasileira como punhado de ideias que por um dia de prazer trariam mais de ano de sofrer.

Economias que padecem de desajustes fiscais consideráveis, como é o caso do Brasil, não podem prescindir de algo que segure a inflação, a variável de ajuste por excelência quando nada mais restou. Portanto, a dita “espera” corresponde a uma escolha declarada por mais inflação enquanto se aguarda uma definição dos rumos que a política fiscal haverá de tomar. A enormidade dos desafios sugere que a paralisia política e da política macroeconômica haverá de ser duradoura.

Enquanto isso, muitos hão de padecer com a elevação dos preços, ao mesmo tempo que um punhado haverá de ganhar com a inflação ascendente. Esse é o resultado trágico de jogar a toalha, o enorme retrocesso dos ganhos sociais e da travessia para a estabilidade macroeconômica tão duramente conquistada. Será mesmo que passar por isso novamente é melhor do que pensar em formas de evitar a escalada inflacionária enquanto o ajuste não vem?

Recentemente, propus que o câmbio fosse utilizado como forma de impedir, temporariamente, o descontrole dos preços. A ideia não é original, tampouco heterodoxa, embora alguns tenham sido céleres em tratá-la como heresia. “As reservas internacionais do País devem ser preservadas a qualquer custo”, disseram uns. “Tal ideia nos levaria às crises cambiais dos anos 90”, argumentaram outros. “Quem sabe dá certo, e aí mesmo é que o governo não haverá de sentir-se pressionado a avançar nas propostas de ajuste das contas públicas”, retrucaram os poucos com quem tendo a concordar. Aos que se sentiram afrontados com a ideia, a constatação: não é preciso vender reservas para manter o câmbio em determinada faixa de variação. Afinal, países mundo afora, e o Brasil não é exceção, dispõem de formas de influenciar a taxa de câmbio que não passam pelo Banco Central. No Japão, por exemplo, é prática comum usar instituições do sistema financeiro local para ajudar o Banco Central a controlar bruscas flutuações pontuais da moeda.

A considerar o texto da última ata de política monetária do Copom, há quem julgue que a autoridade monetária brasileira tenha jogado a toalha, seguindo os que aconselham a paciência. Há, porém, algo de intrigante no reino dos mercados de câmbio brasileiros. Desde o dia 5 de outubro, uma semana após o dólar ter ultrapassado a marca dos R$ 4,20, a cotação da moeda americana tem oscilado entre cerca de R$ 3,70 e R$ 3,95, a despeito da crise política – e das inúmeras más notícias veiculadas pelos jornais todos os dias. Coincidência cósmica? Fruto da ideia de que o Brasil está barato, “em liquidação”? Talvez. Mas é difícil não enxergar algo silenciosamente sustentado por diversas instituições financeiras públicas numa tentativa de auxiliar os esforços do Banco Central no combate inflacionário sem juros.

Eis, portanto, que, apesar da retórica e do repúdio à ideia de que o câmbio seja ainda a linha de última defesa contra a imperatriz de todos os nossos males econômicos, opiniões revestidas de teses macroeconômicas chocam-se frontalmente com as imposições de natureza prática. Pelos santos, beijam-se os altares. Pelo controle da inflação, abençoa-se o câmbio.


Mudar na crise - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/11

A indústria caiu mais um mês. Quando se compara com o setembro de 2014, o encolhimento foi de 10,9%. Dos 24 setores, apenas dois cresceram. A indústria está em crise estrutural e conjuntural. Contudo, esta pode ser uma época movimentada, de oportunidades e de reestruturações. Chegar a uma recessão já enfraquecido é péssimo, mas há chances abertas para quem se preparou.

Há empresas no Brasil e no exterior capitalizadas e dispostas a fazer boas prospecções em todos os setores. Os próximos dois anos podem ser de compras como aconteceu esta semana, quando a francesa Coty fez uma proposta para adquirir a divisão de beleza da Hypermarcas. A empresa brasileira, depois da venda, vai se reestruturar, reduzir alavancagem e se concentrar no segmento de remédios. Já a Coty terá muitas razões para investir aqui porque este é um mercado dinâmico, que cresceu acima do PIB brasileiro nos últimos anos, e cujo volume de vendas está nos primeiros lugares do mundo. O mercado sempre cresceu sem que o BNDES escolhesse um fabricante para ser o campeão nacional.

Aliás, a crise que atingiu o BNDES, que está com menos dinheiro para emprestar e sem condições políticas de continuar com a sua desastrada estratégia de campeões nacionais, fará com que algumas das antigas escolhidas tenham dificuldades. Por outro lado, empresas capitalizadas e com bons projetos de crescimento em seus setores podem conduzir naturalmente o processo de consolidação.

Na Invistia, consultoria de fusões e aquisições, o movimento aumentou a partir de abril, quando o mercado percebeu que a turbulência se estenderia.

— Em momentos assim, empresas com pouco fôlego passam a considerar a venda de ativos. E quem tinha um plano agressivo de crescimento se interessa em comprar. É uma forma de atingir as metas mesmo com a economia fraca. Períodos muito alongados de crise não são bons. Mas, se há aperspectiva de recuperação, o mercado se agita —, conta Alexandre Kazuki, sócio da Invistia.

O número de clientes hoje já está 10% acima do que a Invistia teve em 2014. Cerca de 80% dos mandatos são de venda de ativos o que, não necessariamente, é algo negativo. Quem vende, explica Kazuki, pode usar o recurso para crescer em outros segmentos. É uma opção interessante neste momento de crédito mais caro.

— A alta do câmbio incentiva as operações de compra. Mas ela tem dois lados. Os ativos estão mais baratos em real, mas o retorno em dólar será menor. O momento do câmbio é bom para aquelas empresas que querem entrar no país para se estabelecer, com visão de longo prazo. Para isso, é preciso confiar que a economia brasileira vai se recuperar —, explica Kazuki.

Crise não significa a paralisação completa; muitos fatos acontecem, muitas fusões, aquisições e reorganizações de mercado. Isso que os economistas e o mundo corporativo chamam de “consolidação” vai movimentar a economia brasileira nestes anos de queda do produto e do consumo.

— Uma grande consolidação sempre é boa para o sistema econômico porque aumenta a produtividade — diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.

Deve aumentar também, neste período de crise interna e dólar alto, o comércio entre companhias estrangeiras. José Roberto Mendonça de Barros chama a atenção para o fato de que deve crescer o comércio intrafirma das multinacionais no Brasil.

— Empresas estrangeiras já estão fazendo o movimento de reorganizar a produção no Brasil para fornecer a outros mercados diante da queda do consumo e do custo menor, pela alta do dólar. Aqui há fábricas de boa qualidade e esse mecanismo intrafirmas sempre é omais rápido em épocas de crise — diz o economista.

Hoje, o quadro na indústria é devastador. O setor está com problemas no mundo inteiro, mas é mais grave no Brasil porque a política industrial, de favorecimento de algumas empresas e segmentos, foi um erro. Se a economia sair dessa crise menos dependente do estado, mais ligada ao resto do mundo, mais competitiva, com grupos empresariais mais bem estruturados será um ganho. É ainda a hora do mergulho e vai demorar para que o país em geral, e a indústria em particular, volte a crescer. Mas a economia pode aproveitar até a crise e se reestruturar para ficar mais competitiva e produtiva.

A Petrobras sob intervenção - RONALDO TEDESCO

O GLOBO - 05/11

A postura dos interventores Aldemir Bendine e Ivan Monteiro é manter o cofre aberto para o governo, sem salvaguardar os interesses da companhia


Mais do que exercer seu direito de sócio majoritário, o governo Dilma pratica uma intervenção direta na Petrobras. O objetivo é claro: fragilizar a companhia com uma política de investimentos que privilegia a entrega de ativos e o fracionamento da Petrobras em seu papel de integração nacional.

A empresa está nas mãos de Aldemir Bendine e de seu diretor financeiro, Ivan Monteiro. Ambos vieram do sistema financeiro e nada entendem do negócio que precisariam gerir. Nem querem entender. Os demais diretores não apitam. Estão todos interinos, com exceção de João Elek, o diretor de governança, risco e conformidade contratado em meio à crise. Este assiste impassível às mudanças que Bendine e Monteiro promovem.

A Petrobras pagou recentemente mais R$ 3,1 bilhões em Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em junho, pagou R$ 1,6 bilhão à Receita, em função de uma autuação relativa a outras operações controladas no exterior. O governo federal tenta fortalecer seu caixa com a cobrança de impostos da companhia que estão sendo questionados pelo seu corpo técnico. Somente nestas duas operações, foram drenados quase R$ 5 Bilhões. Segundo comenta-se, o acordo da dívida da Eletrobras não foi admitido pela fiscalização, tamanha a generosidade praticada com o cofre da petroleira.

A postura dos interventores Aldemir Bendine e Ivan Monteiro é manter o cofre aberto para o governo, sem salvaguardar os interesses da companhia. Ao contrário do que dizem, estrangulam o fluxo de caixa da companhia. Mesmo assim, a Petrobras apresentou mais de R$ 41 bilhões, lucro sem considerar dedução de impostos, taxas, depreciação e amortização (EBTIDA) — ajustado no primeiro semestre de 2015.

Apostam na mesma cartilha de maldades neoliberais de seus antecessores. Retiram direitos dos petroleiros e promovem demissões de milhares de trabalhadores contratados indiretos. Precarizam a companhia, fatiam e privatizam. Não restou outra solução senão a greve, com a Federação Nacional de Petroleiros e a Federação Única dos Petroleiros à frente para defender os direitos dos petroleiros e a força da empresa.

Ronaldo Tedesco é diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras e conselheiro fiscal da Petros

Máquina de moer esperança - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/11

O pessimismo é um poço sem fundo, afora no caso de extinção —morte, para ser mais desagradável. De qualquer maneira, quando o desânimo de consumidores e empresários para de piorar, mesmo perto das profundas do inferno do desalento de agora, a gente fica tentada a dar uma chance à esperança.

Nas duas últimas semanas, por aí, algumas medidas de expectativas econômicas pararam de piorar ou quase isso, embora em níveis muito deprimidos, inéditos de baixos. Se para de piorar, há possibilidade de começar a despiorar, diria o otimismo tentativo. Algumas contas e comparações de estatísticas depois, no entanto, parece que a esperança ainda é fiapo de nanotubo.

Quando então se observam os números da produção industrial de setembro, divulgados ontem, resta apenas a impressão de que o fundo do poço parece muito largo. Para que não seja, terá de haver uma ressurreição dos ânimos econômicos, milagre, para que a crise não se prolongue ainda até o final de 2016.

Considere-se o desempenho da indústria de bens de capital, que produz bens de investimento, máquinas, equipamentos etc. Neste ano, a produção caiu quase 24% ante 2014. Até setembro de 2014, havia caído quase 9%. Não há desastre comparável em intensidade e duração (a comparação vai até 2002).

Em termos anuais, da produção acumulada em 12 meses, a indústria de bens de capital encolhe faz 14 meses. Além do mais, a piora ainda tem se acelerado. Enfim, a produção está em um nível semelhante ao de uma década.

Obviamente, esse setor da indústria é uma espécie de termômetro bem realista dos ânimos do restante das manufaturas. Queda de encomendas de máquinas e equipamentos, assim violenta, é um voto de desconfiança no futuro, voto com o bolso, indicador de ociosidade feia nas fábricas.

Ou pior que isso. Mesmo a indústria de alimentos e bebidas "principalmente para o consumo doméstico", como diz o IBGE, está no vermelho. A produção caiu 3,4% em 12 meses. Sim, comida e bebida, não carros, TVs e celulares caros.

De uma perspectiva menos desanimada, se pode dizer que a produção de bens de capital é bem volátil. Isto é, dada a variações violentas em curto prazo. No entanto, a julgar pelo padrão de recuperações anteriores, de tempos melhores e menos críticos, é difícil acreditar que o setor de bens de investimento volte ao azul antes do terceiro trimestre do ano que vem, "tudo mais constante".

A esperança de uma reviravolta maior depende, claro de arrumações maiores na economia. Fora isso, depende daquilo que está dito desde o início da recessão (na verdade, desde 2013, mas passemos): de aumento de exportações, de importações menores, de um programa de concessões de obras públicas para a iniciativa privada.

As concessões naufragam com o governo paralisado, quando não dado a bobagens regulatórias, para usar um termo ameno.

Quanto ao comércio exterior, o câmbio começa muito lentamente a fazer o serviço. Nada mais se pode fazer a respeito a não ser reduzir custos, que depende em parte de políticas públicas, faz tempo afogadas em um pântano. Se não, dependerá mais do lento e terrível massacre do trabalho, de reduções de salários.

Da coalizão ao desgoverno - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 05/11

Como muita gente, estou perplexo diante da crise econômica e política, que segue acelerada. Como economista, defendo um ajuste fiscal de profundidade, com foco concentrado nas despesas exceto investimentos, incluídas as voltadas para os “direitos tortos”, como as aposentadorias precoces. E um ajuste também patrimonial, via concessões e outras formas de privatização.

Mais impostos? Ora, a carga tributária já foi bem além do razoável e prejudica a atividade econômica. E falei de investimentos porque o governo precisa também focar no crescimento da economia. Liberar a Petrobrás de participar obrigatoriamente de todos os projetos do pré-sal seria um bom começo, ao lado de pôr em dia todas as obras federais atrasadas. E tudo em regime de urgência, pois a queda do PIB deve alcançar 3% em 2015 e já se prevê outra de 2% em 2016. Do ponto de vista social, essa tendência também manterá crescente o desemprego, com todos os males que o acompanham.

A situação fiscal federal é tão séria que, entre outros desdobramentos, tem efeitos deletérios sobre as taxas de câmbio e de juros. Em face disso, os economistas falam de “dominância fiscal”, ou seja, o fator fundamental estaria do lado fiscal. Mas com o desgoverno que impera no Executivo e no Legislativo os ajustes necessários não andam, além de os cogitados não terem a profundidade necessária. Nessa óptica, o que há é dominância política, pois os líderes da área não cumprem seu papel de propor soluções e dar-lhes sustentação.

É clara a degeneração do sistema presidencialista brasileiro. Conhecido como de coalização, designação dada pelo cientista político Sérgio Abranches, nasceu com um quê de imperial, com forte ênfase e poder na figura do presidente da República. Passou por várias crises antes de chegar à atual.

A coalizão dava-lhe sustentação, acomodando-o com o multipartidarismo e com o sistema eleitoral adotado para o Legislativo, mediante apoio de coligações político-partidárias, inclusive nos seus importantes desdobramentos regionais. Essa base de apoio vinha em três etapas: a aliança para fins eleitorais, com um programa mínimo consensual; a formação do governo, com cargos para os aliados e compromissos com esse programa; e a transformação da aliança em governo efetivo. O Executivo também administrava a agenda legislativa em razão do apoio recebido no Congresso Nacional.

Esse presidencialismo degenerou no de cooptação, conforme conceituação recente de Fernando Henrique Cardoso. A transformação começou no governo Lula, mas acentuou-se no governo Dilma I e domina o Dilma II. A cooptação envolve grandes e pequenos partidos ideologicamente díspares que, em troca de posições na máquina governamental, e na administração de seus contratos, passam a integrar a base parlamentar do governo. O único programa que interessa aos políticos passa a ser o controle de nacos do Orçamento. Com Dilma perdendo credibilidade e popularidade, sua liderança política se foi e vários que ainda navegam politicamente no seu barco já vestiram coletes salva-vidas e acenam a outros barcos sua disposição de eventualmente passarem a eles. Nesse caos, a base parlamentar está mais para lamentar. Do apoio passou até à aprovação de itens de uma pauta-bomba orçamentária que a presidente ainda não conseguiu reverter integralmente. E os presidentes da Câmara e do Senado comandam uma pauta legislativa a seu critério.

E o presidencialismo de corrupção? Ela se acentua com a cooptação, mas pelo menos em parte veio à tona. É consequência porque a cooptação não se pauta por critérios de competência, político-ideológicos ou de governança efetiva. Quem assume cargos quer sua capitania de porteira fechada. Por exemplo, os jornais noticiaram que o novo ministro da Saúde, do PMDB, defenestrou ocupantes de cargos de confiança nomeados pelo ministro anterior, do PT. Na pasta dos Portos, de novo entregue ao PMDB, também foi fechada a porteira, pondo-se para fora até mesmo o secretário responsável por organizar leilões de concessão de portos, que tinham data já marcada.

Tudo isso é conhecido. O que ainda não se vislumbra é nenhuma perspectiva de solução para o nó político que mantém o desgoverno. A situação poderia ser acomodada num sistema parlamentarista, mediante constituição de maioria partidária capaz de exercer o poder, se necessário recorrendo a sucessivas eleições parlamentares, até que essa maioria se consolidasse. E o exercício do poder acabaria por conduzir o Parlamento a uma administração responsável e mais focada nos problemas que o Brasil enfrenta, já que o abacaxi estaria todo em suas mãos.

Outra saída seria um presidencialismo sem a degeneração de que padece, a qual também corrompeu o princípio da separação dos Poderes Executivo e Legislativo, com a cooptação exacerbando o envolvimento promíscuo deste naquele, mas sem assumir as respectivas responsabilidades. Estava a refletir sobre o assunto quando um colega economista, Jorge Vianna Monteiro, ex-professor da PUC-Rio, me chamou a atenção para o fato de que nos EUA, onde o presidencialismo é tido como eficaz, a Constituição, no seu artigo 1.º, Seção 6, Parte 2, proíbe que membros do Legislativo exerçam cargos no Executivo, o que pode ser constatado em www.law.cornell.edu/constitution/articlei#section6. Além dessa proibição, no Brasil caberia também reduzir drasticamente o número de cargos governamentais preenchidos por indicação política, que com ou sem cooptação igualmente traz incompetência e outros males.

Em síntese, há dois caminhos. Ou se adota o parlamentarismo para que o protagonismo do Legislativo implique a assunção ampla e explícita de responsabilidades executivas, ou se reforma o presidencialismo extirpando males que o levaram à cooptação, à corrupção e ao desgoverno.

O eSocial e a vagabundagem - PASQUALE CIPRO NETO

FOLHA DE SP - 05/11

Pela enésima vez, vou citar Paulo Freire neste espaço: "A leitura do mundo precede a leitura da palavra". Bem, num país cada vez mais ignorante, talvez convenha lembrar que o advogado Paulo Freire foi um dos maiores educadores do século 20. Autor de vastíssima e importante obra sobre pedagogia, laureado mundo afora por um sem-número de universidades, o grande Mestre pernambucano foi banido do país pela mil vezes maldita ditadura militar.

Posto isso, quero trocar duas palavras sobre a leitura de determinados fatos da nossa triste realidade. Quando a operadora de telefonia, internet, TV a cabo etc. diz que vai mandar um técnico e que o cliente, quando muito, pode escolher um período do dia, ou seja, não pode determinar o horário dessa "visita", qual é a leitura que se faz disso? Que somos todos vagabundos, que não temos o que fazer, que temos de ficar à mercê da agenda do técnico etc. Em outras palavras, pagamos pelo serviço e somos transformados em escravos da operadora. E o poder público? Como age nisso? Não age. Certamente não age porque não sabe ler a realidade, ou, no conceito de Paulo Freire, não sabe fazer a leitura desse mundo.

Não custa lembrar que certo ex-ministro da Justiça teve problema com uma operadora de celular e resolveu telefonar para a central de atendimento. Muitos minutos e muita humilhação depois, o ex-ministro "descobriu" que a coisa é como é e resolveu tomar algumas providências (que até hoje são letra morta).

Como se vê, o ex-ministro nem podia fazer a leitura dessa realidade porque a desconhecia, embora fosse de domínio público. Há um bom tempo, num debate eleitoral, Boris Casoy perguntou aos candidatos o preço do pãozinho. Ninguém sabia...

O que diria disso Paulo Freire? Como aplicar o conceito dele em casos bizarros como esses? Como é que alguém vai fazer uma boa leitura do mundo se nem conhece esse mundo?

Pois chegamos ao eSocial, o genial programa criado pelo governo para o cadastramento dos empregados domésticos. Posto no ar poucos dias antes do vencimento da primeira guia de arrecadação sob a nova legislação, o site não funciona. Milhares de pessoas perderam horas e horas diante do computador para tentar fazer o bendito cadastro e gerar a não menos bendita guia. Dia após dia, autoridades fiscais, do alto da sua sensibilidade e também do alto do seu conhecimento de mundo, insistiam em dizer que o prazo não seria prorrogado.

Usuários contumazes de óleo de peroba da mais alta qualidade, alguns tiveram a suprema sensibilidade de dizer que, ainda que o sistema se estabilizasse só na quarta ou na quinta-feira, não haveria adiamento (que acabou acontecendo aos 49 do segundo tempo –alguém se rendeu à realidade real!!!).

Que leitura se faz da leitura de mundo dessas criaturas? Moleza: esses lígneos senhores (também) acham que somos vagabundos, que não temos nada para fazer etc.
Se as "otoridades" pensassem de outra maneira, saberiam que as estradas, os hospitais, os transportes, as ruas, as calçadas, as escolas, as polícias etc. que nos dão fazem do nosso dia a dia um inacreditável inferno e entenderiam de imediato que essa tortura já basta. A cegueira é tanta que eles não enxergam o desgaste que o ridículo episódio lhes causa. A leitura de mundo deles é outra. Somos mesmo vagabundos, incuráveis vagabundos. É isso.


Papel vergonhoso - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/11

Está no Supremo Tribunal Federal (STF) um caso que escancara o lamentável estado das instituições venezuelanas e deixa em evidência mais uma vez a indesculpável cumplicidade do Palácio do Planalto com um governo que, sem qualquer pudor, desrespeita os mais comezinhos princípios democráticos. Por tristes vias, é uma boa oportunidade para o Brasil mostrar que, ao contrário do país vizinho, aqui os poderes são independentes e a Justiça preza os direitos humanos e não se pauta por questões políticas.

O caso versa sobre a prisão preventiva e extradição de um cidadão venezuelano – George Owen Kew Prince – que está legalmente no Brasil, onde trabalha como executivo de uma empresa. O governo de Nicolás Maduro acusa George de ter cometido dois crimes – obtenção ilícita de divisas e associação para delinquir, uma espécie de formação de quadrilha prevista na Lei Antiterrorismo venezuelana. Em fins de setembro, o relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, decretou a prisão preventiva de George e, poucos dias depois, ele foi preso em São Paulo. O venezuelano teve o seu pedido de revogação da prisão liminarmente rejeitado e o recurso será agora analisado pela 1.ª Turma do tribunal.

O fundamento para o pedido de liberdade e não extradição é a falta de independência da Justiça venezuelana, agravada pelo desrespeito às garantias de defesa. A ordem de prisão na Venezuela foi expedida pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) – a polícia política do regime – e confirmada por uma juíza temporária, que não tem garantias de estabilidade. Semanas antes de proferir a decisão ratificando a prisão de George, a juíza Angela Carrillo Carrillo havia sido removida do cargo justamente por ter concedido liberdade provisória a executivos de outra empresa, num caso semelhante ao de George. Reconduzida ao cargo, ela assinou a prisão do executivo. O governo brasileiro lamentavelmente cumpriu o mandado internacional de prisão, como se fora beleguim de Maduro.

A Justiça da Venezuela não é independente em relação ao Poder Executivo. Ao contrário, há um sistema formalmente estabelecido que submete as sentenças judiciais à Comissão Judicial do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, com poderes para destituir magistrados cujas decisões não sejam do agrado da tal comissão. Há ainda casos como o da juíza Maria Afiuni, que não apenas foi destituída do cargo. Em 2009, a juíza foi presa por ter concedido liberdade a um inimigo de Hugo Chávez.

Há mais de dez anos a Human Rights Watch denuncia a falta de independência do Poder Judiciário venezuelano. Segundo relatório da entidade, apenas 20% dos juízes são estáveis em seus cargos e desfrutam de garantias constitucionais. O restante está formado por juízes provisórios (52%), temporários (26%) e ainda há uma parcela sem qualquer tipo de estabilidade (2%).

A Organização dos Estados Americanos (OEA) também denuncia há anos as constantes violações dos direitos humanos e a falta de independência da Justiça na Venezuela. Ao invés de retificar suas práticas, o governo venezuelano simplesmente solicitou em 2012 sua saída do Sistema de Proteção dos Direitos Humanos da OEA. E tudo isso com o silêncio cúmplice do governo brasileiro, que faz vista grossa às arbitrariedades bolivarianas e prioriza uma estranha relação de amizade. No Palácio do Planalto, a ideologia parece ter mais voz que os direitos humanos.

Há evidências de sobra de que o caso de George Owen Kew Prince viola gravemente as garantias mínimas relativas ao direito de defesa. Um Poder Judiciário que reiteradamente descumpre os direitos humanos não pode ter a pretensão de fazer valer suas imorais e ilegítimas decisões em outros países. O caso no STF é uma excelente oportunidade não apenas para a Justiça brasileira reafirmar sua posição de independência ante os interesses ideológicos do Palácio do Planalto. É também uma ocasião e tanto para o ministro Fachin confirmar suas juras de isenção proferidas solenemente durante sua recente sabatina no Senado.


Um novo script - NATUZA NERY - COLUNA PAINEL

FOLHA DE SP - 05/12

Está em curso uma operação que poderá inviabilizar o mandato de Dilma Rousseff sem precisar recorrer às pedalas do TCU. Segundo o plano articulado pelo PMDB com a ajuda de integrantes da oposição, o Congresso só aprovaria a mudança da meta fiscal de 2015 no ano que vem, levando o governo a fechar dezembro infringindo as leis Orçamentária e de Responsabilidade Fiscal em uma só tacada. A irregularidade sustentaria um pedido de impeachment “sob medida” na largada de 2016.

Nó 

Caso a nova meta prevendo o deficit primário de 2,05% do PIB não seja aprovada, todos os atos fiscais do Executivo em 2015 se tornariam irregulares.

Operação-padrão 
A cúpula do PSDB discute nos bastidores como proceder oficialmente. Integrantes da oposição na Comissão Mista de Orçamento falam em obstruir as sessões do Congresso para impedir a votação.

Aperitivo 
Peemedebistas lembram que, em 2014, quando o governo tinha mais força do que agora, uma das sessões para aprovar a alteração da meta passou de 16 horas.

Em família 
Líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani voltou a se reunir com Dilma Rousseff acompanhado do pai, Jorge Picciani.

Campanha 
Eduardo Cunha ouviu relatos de que o colega falou abertamente em se candidatar ao comando da Câmara caso a situação do atual presidente se deteriore.

Dois… 
Cunha, a propósito, constituiu comissão especial para discutir um projeto de lei que altera o Código de Trânsito Brasileiro.

… em um 
O grupo tem potencial para esvaziar os trabalhos da Comissão de Viação e Transporte, presidida por Clarissa Garotinho (PR-RJ), rival do peemedebista no Estado que tem feito críticas públicas a sua atuação.

Veja bem 
Durou quatro horas o depoimento de Luis Cláudio Lula da Silva à Polícia Federal. O filho do ex-presidente Lula estava tranquilo. Os investigadores, entretanto, não ficaram convencidos com a versão apresentada.

Arquivo 
Luis Cláudio teria dito que retirou documentos de sua empresa após reportagem revelar que recebeu pagamentos da Marcondes & Mautoni. Consultada, a defesa não respondeu.

Ferida aberta 
As críticas de Celso Russomanno à equipe que trabalhou em sua campanha de 2012 azedaram ainda mais a relação do deputado com o seu partido, o PRB.

Troco 
Guto Ferreira, do núcleo estratégico, postou uma resposta a Russomanno no Facebook: “Ser covarde para assumir a responsabilidade na derrota mostra o quanto você involuiu no seu caminho político”.

Racha 
Com a relação desgastada, a direção do PRB sugeriu a Russomanno que monte uma equipe para tocar, “com as próprias pernas”, a campanha de 2016. “Queremos ver se agora, sozinho, ele consegue chegar naqueles 35%. Em 2012, formamos um grupo por ele”, diz um alto dirigente do partido.

Rodeando 
Embora o PMDB já tenha Marta Suplicy e Gabriel Chalita na disputa interna pela candidatura à Prefeitura de São Paulo, o partido do vice Michel Temer também andou flertando com Celso Russomanno.

Futuro 
O PDT tem trabalhado para filiar, em breve, o ex-ministro Mangabeira Unger. Integrantes do partido dizem que ele ajudará a montar a estrutura para a possível candidatura presidencial de Ciro Gomes em 2018.

Visita à Folha 
Alexandre de Moraes, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Marcio Aith, subsecretário de Comunicação do governo do Estado, e Fábio Santos, assessor de imprensa.

TIROTEIO

O ministério do Patrus é a prova de que o Brasil quebrou. O corte na pasta dele é de 92% em relação ao orçamento do ano passado.

DE JOSÉ ANÍBAL (PSDB), presidente do Instituto Teotônio Vilela, sobre artigo do ministro do Desenvolvimento Agrário na Folha criticando os “pessimistas”.


CONTRAPONTO

Nã na ni na não!

Durante as negociações por melhores condições de trabalho e aumento de salário dos metalúrgicos paulistas com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, integrantes da entidade diziam que a crise econômica é um impedimento para avançar nos pleitos da categoria.
Em determinado momento, um dos os representantes da Fiesp apresentou a proposta de reduzir o tempo da licença-maternidade e amamentação para que outras demandas fossem atendidas.
— Além de não querer conceder aumento para os pais, agora vocês querem acabar com o leitinho das crianças? –reagiu Miguel Torres, presidente da Força Sindical.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

CAÇAS: SOBREPREÇO PODE CHEGAR A R$ 1,3 BILHÃO
O Brasil poderá pagar sobrepreço de US$ 10 milhões na compra de cada um dos 36 aviões de combate Gripen. É exatamente a diferença da oferta que o fabricante sueco Saab fez ao governo da Suíça pelos aviões modelo Gripen NG (New Generation). No contrato total de US$ 5,4 bilhões, equivalentes R$ 14 bilhões, o sobrepreço poderá somar US$ 360 milhões, que representam hoje R$ 1 bilhão e 367 milhões.

POVO DISSE NÃO
País sério, a Suíça submeteu a compra dos caças Gripen a plebiscito, em 2014. O povo rejeitou a compra, por considerá-la desnecessária.

FUSCA COM ASAS
Especialistas que participaram dos debates, na Suíça, chegaram a comparar os caças Gripen, por assim dizer, a um fusca com asas.

TAPETE VERMELHO
Para sacramentar a compra dos aviões, a presidente Dilma esteve na Suécia, em outubro, onde, claro, foi recebida com tapete vermelho.

APOIO INTERNO
Os suecos tiveram ajuda de gente como o lobista Alexandre Paes dos Santos, preso na Operação Zelotes, e a ex-ministra Erenice Guerra.

DEPUTADO PETISTA AGE PARA LIVRAR ‘BENÉ’ DE CPI
Causa espanto até entre os aliados do governo Dilma na CPI do BNDES o devotado esforço do deputado Carlos Zaratini (PT-SP) para evitar a convocação do empresário do ramo gráfico Benedito Rodrigues de Oliveira, o “Bené”. Ele é um dos principais alvos da Operação Acrônimo, da Polícia Federal, e tem conhecidas relações com o PT e fez muitos amigos entre deputados do chamado “baixo clero”.

COMEMORAÇÃO
Na saída de uma das sessões da CPI, o petista Zaratini foi ouvido comemorando com um amigo: “Viu? Conseguimos tirar o Bené!”.

MEIO BILHÃO
Empresas de Bené faturaram no governo federal, de 2005 (governo Lula) a 2014 (governo Dilma) mais de R$ 525 milhões.

LIGAÇÃO AO PT
Bené saiu das sombras ao ser revelado que ele pagava o aluguel do comitê da primeira campanha presidencial de Dilma, em 2010.

VELHOS CONHECIDOS
Sorteado como possível relator do processo contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética, Vinícius Gurgel (PR-AP) é marido da deputada estadual Luciana Gurgel (PHS-AP). Foi ela quem entregou o título de cidadão honorário do Amapá a Cunha, recebido em maio.

DÓLAR NA CARA
Dólar nos outros é refresco: Eduardo Cunha ficou furioso com o sujeito que jogou dólares falsos sobre ele, mas não se incomodou com o “derrame” de notas idênticas estampadas com fotos de Dilma e Lula.

É GRAVE A CRISE HÍDRICA
Setores da indústria afetados pela crise hídrica no Nordeste se reúnem nesta quinta em João Pessoa (PB). Empresas recorrem a carros pipa enquanto o desabastecimento praticamente inviabiliza a produção.

INVEJA DA ROMÊNIA
Enquanto o premiê da Romênia renunciou após a morte de 32 pessoas em incêndio em uma boate por lá, passados mil dias do incêndio na boate Kiss, nenhuma autoridade de Santa Maria (RS) foi presa.

CONCURSO PARA MINISTRO
Abaixo-assinado criado no site Change.org para acabar com indicações políticas e pela criação de concursos públicos para cargos nos tribunais superiores atingiu mais de 30 mil assinaturas em apenas sete minutos.

NA PORRADA
Um assessor de Moema Gramacho (PT-BA) empurrou um manifestante algemado no Salão Verde que pede impeachment de Dilma. Ele alegou que “a deputada foi empurrada antes”, mas ninguém viu isso.

BARRIGA FORRADA
O governo providenciou até pão de queijo para que seus apoiantes não abandonassem a votação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), na CCJ. “É um presente”, diz José Guimarães (PT-CE).

GOLPE NA PRAÇA
Têm sido frequentes as queixas de clientes de operadoras de telefonia celular sobre “contas inventadas”. Enquanto o cliente reclama e não paga, seu nome acaba negativado. A Anatel finge que não vê o golpe.

PERGUNTA DO CONTRIBUINTE
Será que Dilma conseguiu emitir o boleto para pagamento do e-Social dos seus empregados, ou vai dar uma pedalada?