O GLOBO - 05/11
Não será só com medidas pontuais de ajuste, como quer o desbaratado governo, que conseguiremos estabilizar as contas. Precisamos de ousadia e criatividade
Deu no “Jornal Nacional”: “... o governo já gastou R$ 400 bilhões, só este ano, com juros da dívida pública”. Mas não fará um tostão de economia — o tal superávit primário — para amortecer o impacto desses juros. O governo “gastou”, mas não liquidará a fatura indigesta. Vai rolar os juros para o futuro, como dívida nova. Dívida nossa. O repórter arrematava: a dívida pública chegará a 68% de PIB em 2015 e, se nada for feito, passará de 70% do PIB em 2016. Nada está sendo feito. Com essa notícia, o grande público começa a se inteirar de uma realidade catastrófica. O Brasil voltou a dever “demais”. E a pagar juros cavalares pela rolagem dessa dívida. O que não está claro é a profundidade do estrago deixado pela ruinosa gestão financeira do governo de Dilma Rousseff. Tudo indica que os juros acumulados este ano baterão em R$ 530 bilhões. Vamos configurar esta conta pensando em 21 Copas do Mundo, ao custo unitário de R$ 25 bilhões (como a nossa, em 2014) como se realizadas e pagas pelos contribuintes, de uma vez! Soa como completo absurdo, mas é a assombrosa verdade. Na época, ficamos discutindo se valia a pena bancar uma Copa, com ajuda do setor privado, e pagar em quatro anos. Achamos caro. Agora, sem debate público nem deliberação do Congresso, estamos encomendando e bancando 21 Copas de uma só vez. Com detalhe: sem realizar uma única obra pública para os contribuintes.
A realidade trágica dos juros públicos, de longe a conta mais elevada do planeta na sua categoria, acende um debate que não pode mais ser evitado. O Congresso jamais autorizou tal dispêndio e não o acompanha. O ministro da Fazenda a ele nem se refere. E o próprio Banco Central não dá ao tema o foco devido. O país tampouco tem freio limitador do endividamento federal; só agora aparece meritória iniciativa do senador José Serra, propondo uma lei a respeito. A deterioração das contas primárias do governo vem sendo alertada por analistas atentos e pelo TCU no episódio das “pedaladas”. E não é de hoje. O descontrole das despesas em 2015 é apenas o episódio final de anos de irresponsabilidade crescente na gestão financeira do Estado, que ninguém — pasmem! — controla preventivamente nesta República. A oportuna criação de um Conselho de Gestão Fiscal, capaz de fazer tal acompanhamento, dormita há 15 anos no Congresso e só foi acordada por iniciativa da bancada da “economia moderna” liderada pelo senador Paulo Bauer.
Conclusão simples: “quebramos”, mais uma vez, como país. Ainda tem remédio. Mas não será apenas com medidas pontuais de ajuste, como quer o desbaratado governo, que conseguiremos estabilizar as contas públicas. Precisamos de ousadia e criatividade, como assinalado no correto documento do PMDB sobre o atual impasse fiscal. Anos seguidos de rigorosa programação orçamentária, digamos até 2022, serão exigidos para se atingir a disciplina fiscal que nunca tivemos de fato. A Comissão Mista do Orçamento, presidida pela firme senadora Rose de Freitas, tem a missão histórica de retraçar o rumo perdido e consertar a lambança que agora ameaça as bases do Real, comprometido por uma inflação de dois dígitos. Um plano de controle orçamentário plurianual foi entregue pelo Movimento Brasil Eficiente à Comissão Mista, contendo os cálculos dos limitadores de dispêndio capazes de fazer o Orçamento de 2016 ser executado sem prejuízo dos investimentos e do crescimento. A ausência de ação imediata, no entanto, propiciará o impeachment do Brasil, antes mesmo do fim deste ano. Alternativas ao desastre existem, mas só a sociedade as poderá exigir do governante que não governa.
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