segunda-feira, outubro 26, 2015

Modernidade bipolar - LUIZ FELIPE PONDÉ

Folha de S.Paulo - 26/10


A modernidade é bipolar. Fosse ela uma pessoa como você e eu, seria aquele tipo que quando acorda de manhã pode ou não estar acreditando em si mesma.

Quando você acorda bem, confia no mundo à sua volta. Acredita que as coisas que faz têm sentido e crê na sua capacidade de resolver os problemas que, por ventura, venham a acontecer. Pode fazer uma conta ou outra e temer os gastos, mas sentirá que a renda por vir será capaz de dar conta do que precisa. Sentirá no fundo do estômago a sensação clara de um horizonte aberto diante de si, devido à saúde que pulsa em seu sangue. Em sua boca, o gosto doce que só a autoconfiança na própria capacidade dá.

Se for um homem, sentirá que poderá comer todas as mulheres do mundo. Se for uma mulher, se sentirá a mais gostosa das fêmeas que já caminhou sobre a face da Terra, diante dos olhos sedentos dos sapiens machos.

As dificuldades com os afetos serão resolvidas com a certeza de que aqueles que ama estão sendo sinceros e de que o futuro será, em alguma medida, fruto dos seus atos. Fosse eu falar em Maquiavel (1469-1527), diria que você estaria certo de que sua “virtù” vencerá os caprichos da Fortuna.

Mas existem outras manhãs, com outras luzes, menos claras, mais obscuras. As sombras também despertam pela manhã. Nesses dias, você sentirá, talvez, que as contas são demais e crescentes e que, uma hora dessas, ainda mais com a ajuda contínua da nossa querida presidente, você quebrará e será obrigado a dar a má notícia ao mundo à sua volta.

E, desgraçadamente, enganam-se aqueles que negam que dinheiro traz felicidade. Quando falta, é evidente que ele é, sim, um pilar seguro da felicidade. Apenas gente de má fé, muito rica ou muito confusa nega esse fato.

No entanto, para além da grana pouca, você também poderá sentir uma certa fraqueza e uma sensação difusa de que as coisas não são tão certas assim. Aqueles que te amam ou te admiram podem apenas estar mentindo ou encantados com as personas que você desfila pelo mundo.

Sua saúde não é lá tão sólida assim, e, às vezes, uma certa falta de ar surge das profundezas de seu pulmão, um tanto cansado de empurrar essa enorme pedra que é sua vida montanha acima, lembrando a você a dureza de vida de Sísifo, nosso herói desgraçado do maravilhoso ensaio de Albert Camus (1913-1960), “O Mito de Sísifo”.

Como todo Sísifo, sentirá o medo de que, a qualquer momento, não aguentará mais empurrar essa enorme pedra montanha acima e que, talvez, queira ficar mais algumas horas na cama, porque a luz do sol fere seus olhos. Quem sabe desistir de fazer o jogo de Sísifo e jogar todo esse roteiro infernal fora.

A imaginação de assim fazê-lo produz um certo alívio por alguns poucos minutos, seguido da sensação amarga de que é impossível se libertar da escravidão de Sísifo sem perder tudo a que você dá valor.

Alguns tomam remédio para sensações assim, outros creem em Jesus, outros passam anos pagando uma pessoa para ouvi-los. Seja lá como for, a crise de fé em si mesmo e no mundo é um peso que todos carregamos nas costas.

A modernidade, assim como cada um de nós, também tem suas boas e suas más manhãs. Quando acorda bem, olha para a ciência e para a democracia, e vê nelas a certeza de que fez tudo que devia nos últimos séculos para melhorar o mundo em que vivemos.

Emociona-se com a telefonia celular, com o wi-fi, com a longevidade, com o enriquecimento de quem tem disposição para trabalhar, com a emancipação feminina, com o direito ao voto (talvez a alegria mais pueril de todas essas), enfim, a modernidade se olha no espelho e tem a certeza de que nunca o mundo foi tão razoável como o mundo moderno que ela criou, graças à produtividade de sua heroína, a burguesia.

Mas, às vezes, ela acorda romântica e suspeita que tudo isso seja pó, que a longevidade produza solitários, que ninguém deveria produzir tanto assim, que a aceleração da vida é um fardo, que o mundo virou um grande terreno baldio de gente brega e tagarela. Enfim, que o ruído venceu.

Cinismo e desespero - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 26/10

A história mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga brasileira também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política. Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica e ao avanço de um inclemente deserto de liderança. A vida pública, com raras e contadas exceções, transformou-se num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público.
Não bastasse tudo isso, e não é pouco, o Brasil foi tomado por um grupo disposto a impor à sociedade um modelo ideológico autoritário de matriz marxista: o bolivarianismo. Optaram, esperta e pragmaticamente, pelo atalho gramsciano: o populismo democrático. O lulopetismo, como bem lembrou recente editorial do jornal O Estado de S.Paulo, “aplicou um ‘nova matriz econômica’ que priorizou os investimentos de alto retorno eleitoral –como programas sociais que efetivamente ajudaram a tirar milhões de brasileiros momentaneamente da miséria, mas sem nenhuma garantia de efetiva inserção na atividade econômica”.
“De acordo com a constatação insuspeita de Frei Betto, nas favelas que se multiplicam por todo o país se encontram hoje barracos devidamente equipados com geladeira, eletrodomésticos, televisores moderníssimos, às vezes até mesmo carros populares e outros objetos de consumo, mas quando saem porta afora as pessoas não encontram escolas, postos de saúde e hospitais decentes, transporte público eficiente e barato, segurança adequada, enfim, os bens sociais que são muito mais essenciais a um padrão de vida digno do que os bens de consumo que lhes oferecem a ilusória sensação de prosperidade”, concluiu o editorial.
O bolivarianismo tupiniquim, estrategicamente implantado por Lula, rendeu bons resultados aos seus líderes: muito poder e muito dinheiro. Não contaram, no entanto, com três fatores complicadores: a força inescapável da realidade econômica, o papel da liberdade de imprensa e a independência das instituições.
A política econômica populista, que, como hoje se constata, não tinha possibilidade de se sustentar, provocou a catastrófica crise que aprisionou Dilma Rousseff no figurino de um zumbi, reduziu a pó o capital político do PT e transformou Lula num náufrago que se agarra à miragem de sua candidatura em 2018. Não vai funcionar. Lula é um manipulador, mas tudo tem limites. Armado de um cinismo afiado, procura transformar irresponsabilidade fiscal em pedalada social. Uma tentativa, mais uma, de lançar pobres contra ricos. Mas a mentira não se sustenta. Como lembrou a jornalista Miriam Leitão, das “pedaladas” de R$ 40 bilhões, R$ 6 bilhões foram para os pagamentos de programas sociais. “A maior parte da dívida é com programas do bolsa empresário.” A população sentiu a mordida da traição populista: desemprego, inflação, saúde que definha nos corredores da morte do SUS.
Os sucessivos e raivosos ataques de Lula à mídia, balanceados com declarações formais de adesão à democracia, não conseguem mais esconder seus dragões interiores. O ex-presidente está desesperado com o avanço da Lava Jato.
As instituições estão funcionando. Felizmente. O juiz federal Sergio Moro não é um contínuo do Palácio do Planalto. É representante de outro poder da República. A Polícia Federal, independente e eficiente, não é um departamento subordinado aos interesses, caprichos e ordens da doutora Dilma Rousseff.
A Operação Lava Jato vai compondo um quadro de corrupção que arranhou gravemente a história, a saúde financeira, a marca e o futuro de um ícone do Brasil: a Petrobras. Lula e Dilma, queiram ou não, estão no olho do furacão.
A crise econômica e política é gravíssima. Mas a sua raiz é ética e moral. O espaço público é um deserto de princípios, de valores e de grandeza. Virar o jogo não depende de salvadores da pátria, mas de trabalho, honestidade e competência. A democracia tem o melhor remédio: o voto. O Brasil vai ganhar o jogo.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

NA ODEBRECHT, QUEREM VER MARCELO PELAS COSTAS
Exatos 130 dias após sua prisão, até parece que ainda não “caiu a ficha” de Marcelo Odebrecht: ele age como se estivesse em sua sala, fazendo dos advogados portadores de instruções e recados, muitos recados, a maioria ríspidos, dirigidos a diretores e assessores dessa gigante da construção que atua em 21 países. E continua garantindo que todas as acusações são falsas. Ele não sabe, mas perdeu poder.

AVAL PATERNO
Ordens de Marcelo enviadas da prisão não são seguidas, a menos que referendadas pelo pai, Emílio Odebrecht, muito estimado na empresa.

SEM COMPANHEIROS
Marcelo chamava executivos de “meus companheiros”, mas os tratava com distância. Quase não tem amigos. Muito menos companheiros.

BILHETE AZUL
Quando deixar a prisão, Marcelo será informado de que já não há lugar para ele na empresa. Ainda não foi desligado para não abalar o moral.

BYE, BYE, BRASIL
A ideia de dirigentes do conglomerado é que Marcelo Odebrecht, que ainda é jovem, passe a viver no exterior tão logo a Justiça o permitir.

VICE DE CUNHA COLECIONA ACUSAÇÕES NA JUSTIÇA
Caso o mandato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não resista ao escândalo das contas na Suíça, a Câmara dos Deputados poderá vir a ser comandada pelo seu vice-presidente, Waldir Maranhão (PP-MA). O problema é que ele responde a três processos judiciais, e aparece na lista de propina do doleiro Alberto Youssef. Em maio, escapou de outro processo na Justiça Eleitoral pelas contas da campanha de 2010.

PUXA A FICHA
Além da citação de Youssef no Petrolão, corre no Supremo Tribunal Federal investigação por lavagem de dinheiro ou ocultação de bens.

NO CASH
Na CPI da Petrobras, Youssef disse que entregou pessoalmente R$ 1,4 milhão ao deputado. O total da propina teria sido de R$ 3 milhões.

QUEDA POR DOLEIRO
Em 2013, a PF grampeou o deputado convidando o doleiro Fayed Treboulsi à sua casa para um encontro. À época, ele negou tudo.

AGUENTA, CORAÇÃO
O clima tenso vivido nos últimos meses levou a Câmara dos Deputados a torrar R$ 500 mil, sem licitação, na contratação dos serviços do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal, para realizar atendimentos.

MELHOROU PARA PIOR
Apesar do pessimismo, a bolsa brasileira voltou a ser destino predileto de investidores estrangeiros: US$ 4,2 bilhões nos primeiros 20 dias de outubro. É a famosa “especulação seletiva”, quando estrangeiros compram na baixa, e caso não dê certo, as perdas são irrisórias.

DESAPOSENTADO
O ex-senador José Sarney (PMDB) ainda está forte na atuação política. Assessores no Senado se impressionam: ele recebe mais visitas de políticos agora do que quando ocupava função pública.

O DILEMA DE CUNHA
O deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) avalia que após Eduardo Cunha definir a questão do impeachment, aumentará a pressão pela sua queda. “No mesmo dia, o PT parte para cima do Eduardo”, diz.

ASSÉDIO MORAL
Funcionários da Liga dos Países Árabes se queixam de assédio moral. Uma copeira foi expulsa pelo braço e aos berros. Ela não contou conversa: registrou queixa na delegacia contra o embaixador.

CHAPA FICHA LIMPA
Articula-se no DF uma chapa ficha limpa para 2018: Chico Leite (Rede) para governador, Cristovam Buarque (PDT) para o Senado, e com o apoio de Antonio Reguffe (PDT), senador campeão de votos.

A HISTÓRIA SE REPETE
Na Câmara, deputados brincam afirmando que vão parar de pedir a cabeça de Joaquim Levy (Fazenda). Se Dilma o mantém só de pirraça, como o fez com Aloizio Mercadante, os deputados estarão no sal.

SOLUÇÃO À GRINGA
A revista Forbes analisou a crise brasileira e listou as três possíveis saídas para o Brasil: o impeachment de Dilma, novas eleições convocadas pela Justiça Eleitoral, ou a permanência de presidente e crise.

SE CONVIDAR, ELA VAI
Tentando parecer simpática, Dilma topa qualquer coisa. Já foi a pelada de índios, e pode considerar até convite para aniversário de boneca.