quinta-feira, julho 02, 2015

Enganaram Tsipras - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 02/07

A incerteza trazida pelo governo de esquerda da Grécia levará tempo para se dissipar

 

Não é piada porque o povo grego não está achando graça nenhuma. Mas é uma ironia pronta. Há dois anos e meio, Alexis Tsipras, então um jovem aspirante a líder europeu, esteve no Brasil para ouvir o conselho de Dilma e Lula. Ouviu que políticas de austeridade só levam ao desastre e que era preciso, ao contrário, aumentar o gasto público e o consumo. E não é que ele, eleito primeiro-ministro, seguiu o conselho quando o governo Dilma estava fazendo justo o contrário, uma severa política de aumento de impostos, corte de gastos e alta de juros? A mesma que os credores europeus estão exigindo da Grécia.

Tsipras está muito ocupado com a confusão que armou. Mas ainda assim poderia tomar um tempinho para telefonar ao mentor e à mentora brasileira: e o que eu faço agora, hein?

Seria só para manifestar sua bronca porque Lula e Dilma não teriam o que responder. Depois de três anos de política anti-austeridade, a economia brasileira chegou ao desastre. Logo, o conselho de dezembro de 2012, quando Tsipras teve longos papos com Dilma e Lula, está superado pelos fatos.

Austeridade, então? Dá para imaginar Tsipras reclamando com razão: mas só agora vocês me avisam? Seria melhor, então, que os conselheiros não dissessem nada. Simplesmente não atenderiam o telefone, celulares... e, talvez, poderiam mandar uma mensagem tipo “desculpaí, foi mal". Sabem como é, o primeiro-ministro grego é bem jovem, nem usa gravata.

Mesmo porque, seguem as ironias, Dilma não poderia recomendar austeridade no momento em que sua popularidade é um desastre tão grande quanto a economia.

E querem mais uma? Pois a Grécia, do ano passado para cá, estava em processo de recuperação do crescimento, junto com a Europa. Podem checar os diversos cenários que vinham sendo feitos por instituições internacionais. Ou pela revista “Economist”: a previsão de crescimento para este ano é (era) de 1,4%, depois de uma expansão de 0,8% em 2014.

É pouco, claro, nem de longe repõe as perdas da recessão e o desemprego continua na casa dos 25%. Mas era um desempenho melhor que a anti-austeridade brasileira. Nada de crescimento em 2014 e uma recessão em 2015. Alguns dirão: a recessão deste ano é culpa da austeridade. Não é. Nenhuma política conseguiria produzir maldades tão rapidamente. Desastres econômicos são cuidadosamente construídos ao longo de muitos equívocos. E tanto maior o tempo de recuperação quanto maior e mais longo o desastre.

Tudo considerado, a população brasileira sabe que ainda passará por tempos difíceis: inflação elevada, juros altos, desemprego em alta e só a renda em queda. A população grega vai passar por tempos piores, ficando ou não na Zona do Euro, fazendo ou não um novo acordo com os credores. A incerteza trazida pelo governo de esquerda de Tsipras levará tempo para se dissipar.

Por exemplo: se o governo reabrir os bancos e permitir a livre movimentação do dinheiro, não sobrará um centavo na Grécia. Toda pessoa de bom senso transferirá sua poupança para, digamos, a Alemanha.

Mas o país estará certamente pior se deixar o Euro, sem novo acordo de financiamento. Além dos problemas atuais, haverá desvalorização e alta inflação na nova moeda (contra inflação zero do euro) e, pois, a perda do valor de poupanças e rendas.

Neste caso, entrará em operação o Plano B, explicado em entrevista a O GLOBO por Theodoros Paraskevopoulos, assessor econômico do Syriza, o partido de Tsipras: “Suspender completamente o pagamento da nossa dívida, em outras palavras, dar o calote. Pela primeira vez, os bancos alemães e franceses vão sofrer com essa crise. Eu sei que, nesse caso, a Grécia não teria mais acesso ao mercado de capitais".

Não é verdade que aqueles bancos vão sofrer pela primeira vez. Lá atrás, no primeiro acordo de resgate da Grécia, já foram obrigados a aceitar um desconto nos seus créditos e a refinanciá-los com juros menores. Hoje, é bem pequena a exposição de bancos privados alemães e franceses à dívida grega. Aprenderam. Esta dívida está hoje, na maior parte, com os governos e instituições europeias. A Grécia de Tsipras, portanto, vai dar um calote nos colegas, vai passar a conta para contribuintes de outros países.

De todo modo, ficará isolada da Europa na política, estará fora dos mercados de capitais, sem financiamento, portanto, e afastada da economia global. Tudo bem, disse Paraskevopoulos: “Temos a chance de procurar novas alianças, com o Brasil, com a Venezuela, com a Rússia".

Estão lascados. Vão cair na esparrela outra vez.

Poderes em conflito - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 02/07

Ninguém sabe aonde isso vai dar, mas há um sentimento de regozijo entre os políticos fora do PT com o protagonismo que o Congresso vem assumindo, mesmo que algumas medidas aprovadas possam significar prejuízos ao orçamento público, como o aumento dos servidores do Judiciário.

Esse aumento, aliás, também é consequência do papel ampliado que vem exercendo o Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal. O presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Ricardo Lewandowski, foi um ativo lobista a favor desses aumentos, que devem ser seguidos pela aprovação de reajustes na mesma proporção para os servidores do Ministério Público.

No centro dessas decisões está o Congresso, que cada vez mais assume o controle da agenda política do país, no que é classificado como "uma experiência extremamente rica" em avaliação da cúpula do PMDB, neste momento com papel ambíguo a desempenhar.

Ao mesmo tempo em que o vice Michel Temer é o responsável pela coordenação política do governo, os presidentes de Câmara e Senado são os responsáveis pelo estouro do Orçamento, prejudicando o ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cuja aprovação é a principal responsabilidade de Temer.

Na avaliação política da situação, os peemedebistas entendem que as consequências de curto prazo de certos exageros nas votações no Congresso poderão até ser contidas, na medida em que a presidente vete alguma dessas propostas, dê nova configuração a outras. "Mas é preciso ter autoridade para isso", ressaltam.

E quem acompanhou a votação do aumento dos servidores do Judiciário certamente anotou que o provável veto da presidente Dilma, prenunciado pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e confirmado pela própria em declaração ainda nos Estados Unidos, já estava nas contas do rebelado Senado.

Não foram poucos os senadores que já convocavam reação ao veto presidencial, para derrubá-lo no plenário. O senador Cristovam Buarque disse que, ao se deparar com o placar eletrônico marcando 62 votos a favor e nenhum contra, já que nem mesmo o PT teve coragem de anunciar um voto contrário à medida e liberou seus senadores, percebeu que aquele era o sinal mais claro do fim da hegemonia do PT.

O governo manobrou para adiar a decisão, na tentativa de usar os argumentos de sempre para "convencer" senadores a reprovar o aumento, que é realmente abusivo. Ainda mais neste momento de crise. Cristovam lembra que o PT sempre atuou como rolo compressor no Congresso, sem se importar com a minoria.

Hoje, não tem mais condição de segurar nem sua bancada no Senado, e nem os senadores mais alinhados ao Planalto, como Lindbergh Farias, que procurou um microfone para dizer que votaria a favor dos aumentos. Não foi possível, pois o voto simbólico de liderança foi o bastante para aprovar, sem que nenhum senador se dispusesse a checar a maioria, que era avassaladora.

Desde a ditadura que não temos relação do Legislativo com as outras instituições com tanto protagonismo, tanta autonomia. A ditadura impôs o presidencialismo imperial com o decreto-lei. A medida provisória, do ponto de vista do arcabouço legal, é quase um substitutivo do decreto-lei. Vem sendo mitigada desde Sarney, mas é ferramenta extremamente eficaz para impor a dominação do Executivo.

Ou era, pois, como o Executivo está muito fraco, o Congresso ganhou nova dimensão e hoje tem condições de derrubar vetos presidenciais ou MPs. E, para compensar os desmandos que vêm sendo aprovados no plenário das duas Casas, há medidas econômicas importantes que devem ser aprovadas pelo Congresso, como a mudança da legislação da exploração do petróleo do pré-sal.

Acabar com a obrigatoriedade de a Petrobras participar com pelo menos 30% em todos os campos é fundamental para a economia; a própria Petrobras está torcendo para isso, pois não tem dinheiro para investir.

E o país precisa atrair investimentos nessa área para garantir, inclusive, as empresas que estão na cadeia de produção do petróleo. Por isso os governadores de Rio, ES e SP estão apoiando essa mudança, extremamente favorável para o ambiente de negócios do país.

Essa será, por sinal, uma derrota que até mesmo o Planalto vai receber de bom grado, criticando, embora, a mudança, para não perder o viés ideológico. 

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

‘PEDALADAS FISCAIS’ DE DILMA CONTINUAM EM 2015

O governo ainda recorre a “pedaladas fiscais”, manobra contábil para fingir superávit, por exemplo, que em 2014 levou o Tribunal de Contas da União a abrir processo. A Lei de Responsabilidade Fiscal pune as “pedaladas” como crime. A artimanha é complexa: em razão de atrasos nos repasses do Tesouro Nacional, o governo financia programas com recursos de instituições oficiais, como Caixa e Banco do Brasil.

BENEFÍCIOS SOFREM

Benefícios como Bolsa Família e seguro-desemprego, pagos pelo BB e Caixa, não atrasam. Mas o ressarcimento aos bancos é outra história.

CAIXA SOFRE

De acordo com líderes do Congresso, a Caixa ainda sofre na mão do governo: os repasses estão atrasados há meses.

FINANCIAMENTO ATRASADO

Com arrecadação em baixa e crise se agravando, a Caixa atrasa os recursos do “Minha Casa, Minha Vida”, paralisando o programa.

PEDALADAS BILIONÁRIAS

Segundo o atual processo aberto no TCU, cerca de R$ 40 bilhões estiveram enrolados nas pedaladas fiscais de Dilma entre 2012 e 2014.

EX-GERENTE SERIA ‘GUARDIÃO’ DO DINHEIRO ROUBADO

Alguns integrantes da força-tarefa da Lava Jato suspeitam que não eram do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco os US$ 100 milhões que ele devolveu. Roubado da estatal por meio de superfaturamento e outros negócios escusos, o dinheiro estava no exterior. A suspeita é que ele seria “fiel depositário”, em nome do ex-chefe Renato Duque, ex-diretor ligado ao PT, e de autoridades dos governos Lula e Dilma.

GENTE DO ZÉ

Influente ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque foi selecionado para o cargo, pessoalmente, pelo ex-ministro José Dirceu.

ENTREGANDO OS ANÉIS

Desconfia-se que o ex-gerente devolveu o dinheiro que “guardava” para outras pessoas, preservando a parte dele em lugar seguro.

MONTANHA DE DINHEIRO

Os espantosos US$100 milhões (R$301 milhões) devolvidos por Pedro Barusco são a maior apreensão de dinheiro roubado na Lava Jato.

FALÊNCIA DO GOVERNO

O painel de votação do reajuste do Judiciário, no plenário, era o retrato da falência do governo Dilma, segundo o senador Aécio Neves (PSDB-MG): partidos votando contra o ajuste fiscal do governo que apoiam e o PT se lixando, ao liberar seus parlamentares a votar como quisessem.

LUTA SOLITÁRIA

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), foi o único governista a defender o ajuste fiscal, orientando voto contra o aumento do Judiciário. Até os adversários reconheceram sua luta solitária.

VAI QUE É TUA, DILMA

As forças aliadas no Congresso parecem empenhadas em dificultar a vida de um governo em declínio. Ajudaram a aprovar o aumento da Justiça para pôr no colo Dilma o desgaste do veto, em nome do ajuste.

TRIBUNAL

PT, PSOL, PCdoB, PDT e PSB ameaçam judicializar a votação da emenda que reduz a maioridade penal. Os partidos criaram um grupo contra o que chamam de “escalada autoritária” de Eduardo Cunha.

ATAQUE A CUNHA

Silvio Costa (PSC-PE) esbravejou contra o presidente da Câmara, que, segundo ele, livrou um convocado de depor na CPI das Próteses: “Quero ver ele explicar por que está protegendo bandido”.

LUCRO SÓ COM O GOVERNO

O Grupo Andrade Gutierrez reafirma que teve prejuízo de R$ 451 milhões em 2014. O lucro de R$ 444 milhões da AG Participações só foi alcançado incluindo suas empresas que têm concessões públicas.

EXPLICA AÍ

Os tucanos Betinho Gomes (PE), Eduardo Barbosa (MG), João Paulo Papa (SP), Mara Gabrilli (SP) e Max Filho (ES) passaram o dia explicando o voto contrário a PEC da maioridade. Foram decisivos.

DIREITO DE ESCOLHA

Milhares de felizes clientes do Uber, aplicativo de serviço de carro com motorista, inundam a caixa postal do governador do DF, Rodrigo Rollemberg, pedindo – em nome do direito de escolha – veto ao projeto da Câmara Legislativa tornando ilegal essa alternativa de mobilidade.

PENSANDO BEM...

...as crises política, econômica e ética no governo estão longe do final, já o governo Dilma parece cada vez mais perto.

PODER SEM PUDOR

MILITAR CUMPRE ORDENS

Na campanha presidencial de 1950, o ex-ditador Getúlio Vargas acabaria eleito. O País estava intranquilo e prosperavam os boatos sobre a insatisfação dos militares com o seu retorno ao poder. Filha de assessora de Getúlio, Alzirinha Vargas estava preocupada e quis saber sobre o futuro de tudo aquilo:

- Papai, o que farão as Forças Armadas?

- Farão continência, minha filha, farão continência...

Lula e a cara de pau - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 02/07

O tempo passa e não surge nem um indicador econômico que permita aos brasileiros acreditar que há luz no fim do túnel. Pagam por isso – além de todo o País, é claro – Dilma e o PT. Enquanto isso, uma figura desfila olimpicamente pelo cenário político, puxando orelhas, oferecendo conselhos, dando ordens, indicando estratégias, deitando falação: Luiz Inácio Lula da Silva. Com uma esperteza que compensa o que lhe falta, Lula sabe que não há solução a curto prazo para a encrenca em que sua criatura meteu o País. Trata então de salvar a própria pele agarrado ao que tem de mais precioso: a aura de Grande Líder. Para isso, precisa permanecer em evidência. E sabe como fazê-lo.

Seu último lance autopromocional foi aproveitar a ausência de Dilma em Brasília para encontrar-se com parlamentares do PT e lideranças do PMDB, neste caso com a intenção anunciada de recompor a aliança do partido de Michel Temer com o Palácio do Planalto. Aproveitou para fazer o que havia recomendado a seus correligionários: partir para o “enfrentamento” da Operação Lava Jato. Em café da manhã na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, sentenciou: “A Lava Jato não pode ser a agenda do País”.

Mas o que chamou a atenção na sua passagem por Brasília foi a falta de cerimônia com que deu uma guinada de 180 graus no tom de seus pronunciamentos da semana anterior, quando criticou o “governo de mudos” de Dilma Rousseff e acusou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de ter “perdido o controle” da Polícia Federal. Desta vez pegou leve. Preferiu atribuir os “vazamentos seletivos” das delações premiadas à oposição: “Todo vazamento é contra o PT. O que eles querem é ver Dilma e o PT sangrarem”. Por modéstia ou precaução, preferiu excluir-se da lista de alvos dos “vazamentos seletivos”.

À bancada petista na Câmara, Lula ponderou: “Não existe PT sem governo nem governo sem PT”. A Renan e senadores peemedebistas, apelou para que “relevem” os problemas com a presidente e ajudem o governo a superar a crise. Com um de seus principais desafetos no governo, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, teve um encontro secreto – negado por sua assessoria – num hotel da capital.

Como pode um líder político afirmar uma coisa e dias depois dizer e fazer praticamente o contrário? Para Lula, não faz a menor diferença. É seu estilo. Desde os tempos das assembleias de metalúrgicos no estádio de Vila Euclides, no ABC, ele aprendeu que o importante é dizer o que as pessoas querem ouvir. E como ele também acredita que todo mundo só presta atenção no que quer ouvir e tende a não ouvir ou a esquecer o que não quer, agradar a todos é só uma questão de ter o caradurismo de fazer o discurso certo para cada audiência. Até agora, deu certo.

Ocorre que, depois de 12 anos, em que não faltou a contribuição decisiva da teimosia e da incompetência de Dilma, o brasileiro vê a inflação comer seu salário e seu emprego ser ameaçado. Por isso, não está mais disposto a dar ouvidos a discursos edulcorados. Principalmente quando fica sabendo das escandalosas maracutaias feitas com o dinheiro público. Não deverá adiantar muito, portanto, a lábia de Lula ou a “agenda positiva” que ele quer que Dilma passe a cumprir. O brasileiro está cansado de conversa, agora quer resultados. E é aí que o governo, Dilma e o PT se complicam. Pois se, em tempos de bonança, a criatura foi incapaz de outra coisa senão devastar as contas públicas e arruinar a economia, o que não fará agora que o País está mergulhado numa crise econômica, social e moral? Nesse quadro, Lula fará tudo o que puder para se descolar da sina a que sua criatura parece condenada. Para tanto é preciso continuar em evidência.

Já Dilma, tendo entendido que as acusações do empreiteiro Ricardo Pessoa aos ministros Aloizio Mercadante e Edinho Silva constituem agravo a sua pessoa e a sua condição de presidente da República, rechaça essas acusações como pode. Em Washington, queixou-se de que o governo “não teve acesso aos autos” das delações premiadas e que vai “aguardar toda a divulgação dos fatos para avaliar a situação”. Não deveria, então, ter-se precipitado na defesa de seus ministros. Teria sido mais prudente afastá-los do governo até que possa “avaliar a situação”.