sábado, junho 13, 2015

O mundo irreal de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 13/06

O mar da conjuntura econômica internacional “não serenou” e as condições climáticas não ajudaram, por isso agora será necessário ter a “coragem” de fazer alguns ajustes, coisa pouca, sem tocar um dedo nas conquistas dos trabalhadores, “para dar continuidade ao processo de desenvolvimento”. Esta é a síntese da fala de 50 minutos de Dilma Rousseff, uma exemplar peça de ficção em que pediu apoio de seu partido, na abertura do 5.º Congresso do PT, em Salvador. Antes, Lula havia lido um discurso repleto das habituais críticas à mídia. Depois de afirmar que os veículos de comunicação “há dez anos tentam matar o PT”, garantiu: “Estamos aqui para mostrar que o PT continua vivo e preparado para novos embates”.

Em resumo, para o ex e a atual presidente da República, os brasileiros não têm com o que se preocupar: o governo e seu partido estão aí, firmes, fortes e confiantes, prontos a eliminar qualquer ameaça ao destino glorioso reservado – por obra e graça de Lula e de seus bravos companheiros – a este país como nunca antes em sua história. Mas o clima da abertura do congresso petista não foi exatamente de euforia. Enquanto os mandachuvas acotovelavam-se por espaço no palco, no plenário um número de congressistas bem abaixo dos 800 credenciados preferia conversar em voz alta e posar para selfies. O barulho era tanto que quase ninguém ouviu o discurso do presidente Rui Falcão. Depois, a maioria procurou prestar atenção à fala de Lula. Mas iniciou a debandada já na metade do pronunciamento de Dilma, a última a falar. Em contraste com o otimismo afetado das palavras dos dirigentes, era melancólica a imagem de um partido que se esforça para recolher seus cacos.

A presença de Dilma na abertura do congresso dá a medida de quanto ela sabe que precisa de seu partido para enfrentar a tormenta que se abateu sobre o governo logo após a posse no segundo mandato. Esperada apenas para o encerramento da reunião, Dilma abreviou sua participação no encontro de cúpula entre dirigentes europeus e latino-americanos, em Bruxelas, para dirigir de viva voz um forte apelo à militância petista para a execução do ajuste fiscal indispensável para “dar continuidade ao processo de desenvolvimento”. E foi enfática: “Nós não mudamos de lado, não alteramos o compromisso que temos com o Brasil, que o PT defende desde que chegamos ao governo”. E mais: “Somos um governo que tem a coragem de realizar ajustes ao processo de desenvolvimento”.

Na vida real, no entanto, apesar do esforço de dirigentes como Lula e Rui Falcão – que, mesmo assim, não conseguem disfarçar a insatisfação com a chefe do governo –, a união do PT em torno da equipe econômica de Dilma parece missão impossível. Falcão integra a Novo Rumo, uma ala da corrente majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB), da qual Lula é a principal expressão, e embora tenha trabalhado para suavizar as críticas ao ajuste fiscal no documento oficial do congresso, ele próprio condenou fortemente os sacrifícios que Dilma estaria impondo aos mais pobres. “É inconcebível uma política econômica que seja firme com os fracos e frouxa com os fortes.”

É tão obviamente incômoda a posição das lideranças petistas, especialmente as que não participam do governo, diante da atual crise política e de gestão econômica, que em seu discurso lido “para não falar com o fígado” Lula recomendou o engajamento da militância na defesa pública da presidente da República, mas preferiu dar ênfase a um de seus assuntos favoritos – os ataques à imprensa. Houve época, quando ainda era presidente da República, em que Lula reconhecia que não teria chegado onde chegou sem a ampla cobertura que todos os veículos de comunicação davam a seus passos, projetando para todo o País a imagem de uma nova e promissora liderança de cujo charme fazia parte execrar a política e os políticos.

A imprensa, de fato, tratava Lula com indisfarçável simpatia. Mas, quando o ex-líder sindical passou a exibir os mesmos defeitos daqueles que sempre combatera, o tratamento a ele dado pelos veículos de comunicação tornou-se crítico. E Lula, habilmente, tratou de tirar proveito político disso, posando de vítima da “imprensa golpista”. Mas esse truque cola cada vez menos.

A democracia se exerce à luz do dia - REVISTA ÉPOCA

Por que é tão grave quando um funcionário do Itamaraty impede o acesso de um jornalista a um documento público – no caso, envolvendo as relações entre Lula e a Odebrecht

 
 

Para alguns setores do Itamaraty, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se tornou um cidadão comum no Brasil ao deixar o poder, como é normal e razoável em países civilizados. No mês passado, o repórter de ÉPOCA Filipe Coutinho requisitou, pela Lei de Acesso à Informação, documentos públicos relativos a negócios envolvendo a empreiteira Odebrecht. São documentos que já deveriam estar disponíveis para consulta por qualquer pessoa. Pelos critérios legais, o prazo para atendimento é de 20 dias corridos, prorrogáveis por mais dez. Quando os dois prazos se esgotaram, o Itamaraty informou ao repórter que precisaria de mais dez dias úteis para atendê-lo. A justificativa era que “a consolidação dos dados demandará trabalho adicional”. Nesta sexta-feira (12), o jornal O Globo revelou a verdade: a documentação já estava pronta, mas um diplomata tentava manipular as regras para torná-la inacessível.

O Globo mostrou um documento no qual o diplomata João Pedro Costa toma por base reportagens de ÉPOCA relativas às ligações entre Lula e a Odebrecht e escreve a um superior: “Estes documentos já seriam de livre acesso público”, diz. E complementa: “(...)o fato de o referido jornalista já ter produzido matérias sobre a empresa Odebrecht e um suposto envolvimento do ex-presidente Lula em seus negócios internacionais, muito agracederia a Vossa Excelência reavaliar a anexa coleção de documentos e determinar se há, ou não, necessidade de sua reclassificação para o grau de secreto.” Pelo que se depreende do documento, um funcionário do Itamaraty queria driblar a lei com o intuito de preservar Lula.

A atitude demonstra que, pelo menos para uma facção de servidores, as atividades empresariais de Lula estão acima da transparência obrigatória devida pelo Itamaraty – e por todo governo – ao público que paga por seus serviços e salários. É temerário para a democracia que um burocrata se sinta à vontade para driblar a lei mediante a simples possibilidade de dados públicos criarem constrangimento a um político. Lula é um cidadão comum. Suas atividades privadas estão sujeitas ao escrutínio público porque seus passos como prestador de serviços da Odebrecht em viagens ao exterior contaram com o apoio da diplomacia brasileira. Como ÉPOCA noticiou em reportagem de capa em maio deste ano, o Ministério Público Federal abriu investigação sobre tais viagens. Não houve, até agora, abertura de inquérito – mas, para o Ministério Público, Lula é suspeito de tráfico de influência internacional.

A Lei de Acesso à Informação é um avanço civilizatório. Estabelece critérios para que o cidadão possa saber o que o governo, eleito com seus votos e sustentado por seus impostos, faz em seu nome. Documentos são classificados de acordo com seu grau de sensibilidade e liberados em prazos definidos; os mais delicados, que tratam de questões de segurança nacional, ficam ocultos por mais tempo. Uma reclassificação de documentos segue critérios e é feita por uma comissão. É difícil imaginar que as viagens de Lula toquem em alguma questão de segurança nacional. Funcionários do Itamaraty não podem, por critérios políticos pessoais, sugerir que a lei seja subvertida para preservar a imagem de quem quer que seja.



Muitas autoridades ainda não se acostumaram com a transparência que está no cerne da democracia. O então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e hoje governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, classificou como secretos os acordos entre Brasil e Cuba para construção do Porto de Mariel – outra obra da Odebrecht. A desculpa é o sigilo empresarial, mas a atitude é no mínimo questionável. No episódio revelado pelo Globo nesta semana, um representante do Itamaraty tentou decidir o que o público pode saber a respeito das relações entre Lula e a Odebrecht. A censura oficial terminou com a Constituição de 1988. Como disse a ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento das biografias, nesta semana, “Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição”.

O filósofo italiano Norberto Bobbio descreveu a democracia como “o governo do poder público em público”. Exercer a democracia à luz do dia é a tarefa dos órgãos de Estado. Guardada a exceção da segurança nacional, atos realizados longe dos olhos e do escrutínio dos eleitores são, por definição, antidemocráticos. Só seremos uma democracia de verdade quando nossos diplomatas e políticos incorporarem essa verdade simples. 


Inflação e equívocos - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 13/06
 
Está difícil, a esta altura, definir o que mais preocupa: a disparada do custo de vida, a demora do efeito das medidas tomadas para domar a inflação ou a interpretação que a presidente da República faz do que ocorre na economia brasileira. A divulgação feita pelo IBGE, na quinta-feira, de que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio (0,74%) tinha superado as expectativas mais pessimistas, empurrando a alta acumulada em 12 meses para 8,46%, casou abalos.

Primeiro, porque, no mesmo dia, o Banco Central (BC) tinha aberto a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) justificando mais um aumento na taxa básica de juros (Selic) para 13,75%, maior patamar desde 2006. Na ata, o BC assegurava que persegue, com perseverança, a meta de 4,5% ao ano e prevê alcançá-la em 2016. Era a realidade colocando em dúvida a intenção, embora alcançá-la em prazo tão longo não seja impossível.

Ficou claro que, se os juros já estão muito altos, terão de subir mais nos próximos meses, apesar das consequências sobre os custos de produção da indústria e da agricultura e sobre as taxas do crédito ao consumidor. Pela ata, a autoridade monetária parece fazer a leitura correta da situação e caminha para se redimir do erro de ter seguido a orientação do primeiro governo Dilma de baixar de forma voluntarista a Selic em 2012 antes de baixar a inflação, derrubando os juros reais. Deu errado.

A dúvida é se o governo continuará bancando a alta dos juros o tempo necessário para que os efeitos derrubem a inflação. De sua parte, a presidente só ajudou a manter a perplexidade. Primeiro, ao comentar o IPCA de maio, disse que o governo quer derrubar a inflação. E fez uma análise que retoma a velha cantiga da transferência de culpa, usada nos últimos anos para se esquivar de medidas impopulares: a inflação seria consequência da seca e da situação internacional.

Não houve excesso de gastos do governo a ponto de provocar deficit fiscal primário e aumento do endividamento em 2014, assim como jamais ocorreu uma desastrosa interferência nos contratos e tarifas do setor elétrico, cujos efeitos estão na conta de luz dos últimos meses. Com o discurso escapista e sem compromisso com a realidade dos fatos, Dilma volta a transmitir insegurança, quando o que o país mais precisa é vislumbrar um norte que estaria sendo seguramente buscado por mão firme no comando.

As últimas observações da presidente em relação à inflação e ao crescimento e os apelos para que o PT apoie o ajuste fiscal deixam claro que há duas Dilmas no Planalto. Uma, a que nomeou técnico durão para fazer o ajuste e quer que ele ocorra o mais rápido possível. A outra, a que não tem nada a ver com os males desse mesmo ajuste e, muito menos, com as causas da inflação e da recessão na economia. Assim, fica difícil reconquistar a confiança do investidor, do qual nunca precisamos tanto para retomar o crescimento e evitar o agravamento do desemprego.

Anos de retrocesso - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 13/06

Os jornais, diariamente, dão comparações com tempos pretéritos. Estamos em marcha a ré. Se o Banco Central elevar os juros na próxima reunião, como sugeriu na Ata desta semana, a Selic voltará ao nível de 2006. A inflação está no maior patamar desde 2003.

Em Bruxelas, a presidente Dilma disse que a inflação alta é consequência da seca e do cenário internacional. Na economia, como na medicina, o erro de diagnóstico leva ao tratamento inadequado, que não cura o paciente. Se fosse só a seca, era um problema momentâneo. Se é a crise internacional, fica cômodo para a governante, porque ela pode terceirizar a culpa.

Na verdade, a inflação está em inacreditáveis 8,5% porque, no primeiro mandato, a presidente cometeu erros sequenciais. Um deles foi ser tolerante com a inflação alta, achando que era causada por um fator eventual, e aceitou que ela ficasse em torno do teto. Eventos inesperados sempre acontecerão, uma seca, chuva excessiva, uma quebra de safra, a alta de um preço ou desvalorização cambial. É por isso que a taxa tem que ficar na meta, para que o espaço de flutuação possa absorver o choque.

Agora Dilma diz que uma onda nos abateu. Que era marolinha, mas depois se transformou em onda. A verdade é que foi um grande impacto desde o começo. O país crescia a6% e foi para a recessão. O governo Lula subestimou a crise, apertou o acelerador em 2010, elegeu a sucessora, que, por sua vez, não teve a sabedoria de fazer o ajuste naquela época. Pelo contrário, preferiu acreditar nos alquimistas.

O primeiro governo Dilma não fez esforços para manter a inflação em 4,5%. Havia comemoração quando o IPCA terminava o ano pouco abaixo do teto de 6,5%, como se estivesse cumprido a meta. Tão próximo do limite, a inflação rompe o patamar máximo com muita facilidade.

Houve outros erros que explicam o momento atual. Um deles é o de energia. Capixabas e curitibanos estão pagando hoje um preço da energia mais de 80% maior do que há um ano. Os paulistanos, mais de 70%. E assim por diante. Quem provocou esse eletrochoque foi o governo Dilma, quando achou que poderia fazer demagogia com o preço da luz. Provocou uma grande desorganização no setor que ainda não está resolvida. Despachou para 2015 aumentos que deveriam ter acontecido antes. Tudo terminou no tarifaço, que tem provocado encolhimento da renda disponível e perda de competitividade das empresas.

Enquanto o mundo vive um período de queda de preços, puxada pelas baixas cotações do petróleo, o brasileiro paga uma conta que já subiu em média 41% de janeiro a maio e 58% em 12 meses. Não é o mundo nem a seca que explicam esses reajustes.

E ela continua errando, quando afirma que está preocupada com a inflação, mas quer que as pessoas aumentem o consumo. Houve um forte endividamento nos últimos 10 anos, o custo dos empréstimos subiu, a renda das famílias encolheu com a elevação dos preços e há o medo do desemprego. Essa é a armadilha na qual estamos agora: o país indo para a recessão, o Copom dá sinais na sua Ata desta semana de que os juros continuarão subindo, porque a inflação está em um patamar perigoso.

Uma taxa neste ponto induz à indexação e cria uma rigidez que torna mais difícil derrubar a inflação. Empresários preferem diminuir a produção a reduzir os preços. A esperança é que a briga que se instala dentro da cadeia produtiva seja vencida pelos que não aceitam os repasses de custos, nem validem qualquer preço.

As projeções dos economistas são de que a inflação cairá ao menos três pontos percentuais no ano que vem. Tomara que aconteça, mas há risco de que, no primeiro momento de recuperação, as empresas queiram recompor margem e, assim, a taxa de inflação permaneceria alta. É por isso que o Banco Central fala em ser persistente na política monetária.

O cenário da inflação é muito mais complexo do que a presidente demonstrou, em suas declarações, ter entendido. Uma taxa de 8,5%, quase chegando a dois dígitos, exigirá que se atue em várias frentes para vencer a velha inimiga. Há retrocessos que não são aceitáveis.

Ajuste só para os ricos - CELSO MING

O ESTADÃO - 13/06

A economia precisa de tratamento com responsabilidade fiscal, disciplina monetária e regras confiáveis; É um procedimento técnico, que não é nem de esquerda nem de direita



A primeira reação da militância do PT ao programa de ajuste da economia foi de rejeição, como se fosse receita das elites dirigentes ou, simplesmente, como se fosse política que contraria o programa eleitoral da presidente Dilma.

Como o ajuste ficou inevitável e, de mais a mais, foi recomendado pelo próprio ex-presidente Lula, o discurso mudou alguma coisa. O ajuste passou a ser rejeitado porque foi aplicado erradamente: concentrado no arrocho das despesas públicas e na alta dos juros, de maneira a favorecer os banqueiros e os ricos e a prejudicar os trabalhadores e os pobres. É o que repetem o presidente do MST, João Pedro Stédile, o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro e mais seguidores.

Quando se trata de apresentar propostas que produzam o efeito pretendido por esses críticos, o que sai ou são medidas ineficientes ou medidas ainda mais prejudiciais aos trabalhadores e aos pobres do que a atual política.

Três sugestões desses segmentos são recorrentes: criação de um imposto sobre fortunas, a volta da CPMF (taxação sobre movimentação financeira) e derrubada unilateral dos juros.

O primeiro projeto de regulamentação de um imposto sobre fortunas foi elaborado em 1989, pelo então senador Fernando Henrique Cardoso. Não foi à frente. Não porque tivesse sido vetado pelos ricos, mas porque sua arrecadação seria insignificante e sua administração, muito complicada. Na maioria dos países que o instituíram teve de ser abandonado tanto como instrumento de arrecadação quanto de distribuição de renda.

O problema da CPMF, de arrecadação facílima por ser automática, é seu caráter cumulativo. Vai amontoando imposto sobre imposto em todas as fases da produção. Ao contrário do que dizem seus defensores, não atinge só quem tenha conta bancária. Seu maior impacto é o aumento dos preços dos bens finais de consumo. Portanto, corrói o poder aquisitivo do trabalhador. Também prejudica as exportações porque vai para o preço e tira a competitividade do produto nacional. Além do que, seria uma jabuticaba: nenhuma economia o adota, pelas distorções que acarreta.

A derrubada dos juros, como instrumento de barateamento do crédito e de redução dos custos de produção, é outra bobagem. Entre agosto de 2011 e abril de 2013, o governo Dilma acreditou nessa tese e obrigou o Banco Central a derrubar a Selic. Os juros reais (descontada a inflação) chegaram a pouco mais de 2% ao ano. O resultado foi a disparada da inflação. A administração Mantega ainda tentou segurá-la com mecanismos heterodoxos, como o achatamento dos preços administrados e o represamento do câmbio, que criaram ainda mais distorções, as mesmas que agora estão exigindo alta brutal dos juros e o ajuste colocado em prática pelo ministro Joaquim Levy.

Se prevalecesse agora uma política de redução artificial dos juros, o resultado seria a disparada ainda mais acentuada da inflação que corroeria os salários e empurraria a economia para a desorganização e para o desemprego.

A economia precisa de conserto e, nisso, não há mágica disponível. É tratamento com responsabilidade fiscal, disciplina monetária e regras confiáveis. É um procedimento técnico, que não é nem de esquerda nem de direita, como imobilização para tratar perna quebrada.

CONFIRA:

Sem pé nem cabeça
Nesta sexta-feira, no congresso do PT, em Salvador, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, fez uma proposta esquisita. Ele pediu a volta da CPMF, mas de um jeito que "incida apenas sobre os ricos e não sobre a classe média". É o mesmo que pretender uma transfusão de sangue no doente que irrigue só o braço esquerdo e não o resto do corpo.

Empresas, não
O que o ministro está propondo é que cada titular de conta bancária mantenha atualizado o tamanho do seu patrimônio para que o computador do banco saiba de quem cobrar ou não cobrar o imposto. E, obviamente, para que o imposto não seja repassado para os preços finais de mercadorias e serviços e prejudiquem o consumidor, as contas bancárias das empresas, sejam elas grandes ou pequenas, também não podem ser alcançadas.

Desmentido
Também nesta sexta-feira, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, desmentiu categoricamente que o governo esteja pensando na volta da CPMF.

A energia nuclear não pode ser descartada - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/06

Para não depender apenas da boa vontade de São Pedro, com chuvas que encham os reservatórios, o Brasil agora necessita de uma base de geração térmica mais sólida

 
Com a matriz energética dependendo cada vez mais da boa vontade de São Pedro, pois as hidrelétricas que estão sendo construídas ou entraram recentemente em funcionamento não possuem reservatórios — e operam, portanto, com a vazão natural dos rios —, o Brasil deve pôr de lado os preconceitos e constituir uma base de geração térmica mais sólida. A opinião é do ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, e soa como alento. O ministro já governou o Amazonas e sabe, por experiência própria, o quanto é difícil conduzir uma economia (e, no caso de Manaus, a capital amazonense, com parcela expressiva de indústrias) sem contar com um sistema elétrico confiável.

A base térmica da matriz elétrica foi montada no Brasil mais para situações de emergência do que para garantir o suprimento do mercado de forma permanente. Assim, a maior parte das termelétricas foi projetada para ser ligada eventualmente ou durante alguns meses do ano, no chamado período seco, quando é preciso poupar água dos reservatórios remanescentes de hidrelétricas. São térmicas que queimam óleo combustível ou diesel.

Depois que se tornou evidente a necessidade de uma base térmica mais sólida, o Brasil passou a contar com mais térmicas a gás natural, embora tenha que importar volumes consideráveis desse combustível. E a energia procedente da biomassa enfim entrou na matriz. O carvão deixou de ser descartado, e já se buscam tecnologias que possibilitem o uso adequado e mais eficiente do mineral para geração de energia.

Mas nada é tão relevante para a base térmica do que a energia nuclear. Tais usinas têm alta capacidade de geração, podem ficar relativamente próximos aos centros de consumo ou de áreas que precisem de reforço no fornecimento de eletricidade. Funcionam por vários meses sem interrupção (com paralisações programadas para troca de combustível e manutenção preventiva), não emitem dióxido de carbono e têm impacto ambiental controlado. O custo da energia nuclear é compatível com a média da matriz elétrica mesmo levando-se em conta elevados investimentos em segurança contra acidentes.
ADVERTISEMENTAté o fim desta década o Brasil terá três grandes usinas nucleares em funcionamento situadas entre os dois principais centros de consumo (São Paulo e Rio). O país acumula larga experiência na operação dessas usinas, mas precisa de um modelo que agilize a construção e o investimento, com a participação de grupos privados. Novas tecnologias permitem que se construam usinas nucleares intrinsecamente seguras (cujos mecanismos de segurança sejam independentes da ação humana).

Como disse o ministro das Minas e Energia, a opção nuclear tem de ser considerada, sem preconceitos.

Governo descoordenado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/06

Dois episódios no mesmo dia mostram como o governo carece de uma coordenação, e não apenas no campo político. Nos dois casos, teve que voltar atrás de decisões anunciadas, ou propostas veladamente, diante da reação da opinião pública.

O mais notável tiro no pé foi a tentativa de ressuscitar a famigerada CPMF, extinta em 2007 em uma mobilização histórica do Congresso, refletindo a indisposição da sociedade em pagar mais impostos.

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, autorizado pela presidente, começou a negociar o retorno dessa contribuição, e a reação foi tamanha que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, teve que vir a público para dizer que não via condições neste momento para tal decisão.

A verdade é que o governo está em busca de cerca de R$ 20 bilhões para completar o ajuste fiscal, e certamente veremos tentativas diversas de criação de impostos nos próximos meses.

Além de ter seu objetivo, o de atender à Saúde, desvirtuado, a CPMF acabou sendo identificada com a injustiça do sistema tributário brasileiro, pois estudos acadêmicos identificaram que, ao contrário do que defende o PT, a CPMF é tremendamente regressiva.

Na época em que a CPMF estava em debate, a professora Maria Helena Zockun, da Fipe, que coordenara uma proposta de reforma fiscal para a Fecomércio, aproveitou cálculos realizados pela revista da USP e converteu o peso da CPMF em proporção da renda de cada bloco de família.

O estudo muito detalhado dos economistas Nelson Paes e Mirta Noemi sobre parâmetros tributários apurou quanto da CPMF incide sobre o consumo das famílias brasileiras, divididas em dez classes de renda e por tipo de consumo.

Por ser um tributo indireto em sua maior parte, as empresas repassam a CPMF para o preço dos produtos comprados pelas famílias, e assim a alíquota de 0,38% acaba virando entre 1,31% e 1,33% sobre o que gastam com consumo, não havendo praticamente diferença entre ricos e pobres, que pagam o mesmo sobre o consumo.

Ao converter o peso da CPMF para cada renda familiar proporcionalmente, porém, a professora chegou a um quadro de desigualdade flagrante. Segundo o estudo, como quem ganha menos gasta parcela maior de sua renda com consumo do que os que ganham mais, e os de renda mais baixa gastam tudo que ganham e às vezes até mais, o resultado é que, em proporção de renda, os pobres pagam mais CPMF do que os ricos. Quanto maior a renda, menor a carga de CPMF, justamente ao contrário do discurso do Planalto.

Para as famílias que ganham até dois salários mínimos por mês, o peso da CPMF é de 2,19% da renda total mensal, ao mesmo tempo em que, para as famílias que ganham mais de 30 salários mínimos, esse indicador é de 0,96% da renda total mensal - o que, segundo o estudo, mostra nitidamente como esse tributo é regressivo.

Outro desencontro governamental formidável foi a tentativa do Itamaraty de proteger Lula de pedido da "Época" baseado na Lei de Acesso, para que os documentos referentes a atividades da empreiteira Odebrecht no exterior entre 2003 e 2010 fossem divulgados. Documentos arquivados sob a classificação de "reservados" estão liberados depois de 5 anos, segundo a legislação.

Pois não é que o diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD) do Itamaraty, João Pedro Corrêa Costa, tomou a iniciativa de sugerir por escrito que os documentos fossem reavaliados? Como disse posteriormente o Itamaraty em nota oficial, não há nada de errado nisso, já que a Lei de Acesso à Informação prevê que os documentos sejam revistos de tempos em tempos. O que há de errado é a motivação do pedido.

Segundo o diplomata João Pedro Costa, "dado o fato de o referido jornalista já ter produzido matérias sobre a Odebrecht e um suposto envolvimento de Lula em seus negócios internacionais, muito agradeceria a Vossa Excelência reavaliar a anexa coleção de documentos e determinar se há, ou não, necessidade de sua reclassificação para o grau de secreto".

O importante é que o nome "Lula" não fora mencionado no pedido da "Época". O sagaz diplomata juntou dois mais dois e prontificou-se a proteger o ex-presidente. Incorreu no artigo 32 da mesma Lei de Acesso, que diz ser ilícito "impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem".