terça-feira, dezembro 29, 2015

Corrupção, impeachment e reforma - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo -29/12

Tomar os desejos pela realidade é um vezo tipicamente petista do qual o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deu um magnífico exemplo em entrevista publicada no Estado. É claro que um ministro de Estado, principalmente da área política, tem de ter o dom de manejar com habilidade as palavras, o que implica responder sempre o que lhe convém e não necessariamente o que foi perguntado. Mas o abuso desse recurso retórico pode se tornar uma faca de dois gumes. Ao tomar a iniciativa – em quatro respostas sucessivas a questões que não se referiam exatamente ao impeachment – de trazer o assunto à baila para desqualificá-lo, Cardozo revelou uma preocupação obsessiva com o tema do afastamento da presidente, o que contradiz a tranquilidade que procurou sempre, por dever de ofício, aparentar em relação à grave crise política que o governo impopular de Dilma Rousseff enfrenta.

Para o ministro da Justiça, “as condições para um processo de saída da crise agora estão dadas”, o que significa que “a realidade política começa a ser pacificada” e “começa, cada vez mais, a se caracterizar a rejeição de um impeachment”. “Ou seja, fica cada vez mais claro que o impeachment não é solução.” Ora, ninguém com um mínimo de bom senso e responsabilidade pode achar que o impeachment de Dilma Rousseff é uma “solução”. Trata-se de um recurso constitucional de absoluta excepcionalidade que se oferece a uma sociedade livre e democrática não como um fim em si mesmo, mas como um meio para atingir objetivos maiores. No caso, para a remoção de uma presidente que cometeu crime capitulado em lei e também de um obstáculo ao efetivo combate à crise política, econômica, social e moral que infelicita o País por obra e graça da irresponsabilidade populista, do sectarismo ideológico e da absoluta incompetência da chefe do ministro.

Mas para o titular da Justiça o processo de impeachment, defendido por dois em cada três brasileiros, é apenas um ato de “vingança” de Eduardo Cunha, que “não tem fundamento” legal. Para Cardozo, ser favorável ao impeachment é “defender o quanto pior melhor”, expressão corrente na retórica petista dos momentos difíceis, a que o ministro recorreu mais de uma vez na entrevista.

É bizarra também a posição do auxiliar de Dilma em relação à corrupção que contamina hoje praticamente toda a administração pública. Chega a ser tocante a delicadeza com que se refere à participação do PT nos esquemas de corrupção que já botaram atrás das grades dois de seus ex-presidentes e dois ex-tesoureiros: “É evidente que o PT sofrerá críticas e será acusado por um eventual erro que alguns dos seus dirigentes e militantes fizeram”. Ou seja, o mensalão e a farra da propina na Petrobrás, para citar apenas os exemplos mais luzidios, foram apenas “eventual erro” de dirigentes – e não uma estrutura criminosa montada na administração pública para garantir os recursos necessários à realização do “projeto de poder” do PT.

O mais notável, porém, é a sutil tentativa de Cardozo de relativizar a responsabilidade do PT nos casos de corrupção com o argumento de que esses malfeitos só estão sendo investigados e punidos porque os governos do PT assim o quiseram. Mais ou menos assim: a corrupção não existe porque é praticada. Existe porque é descoberta.

Mas José Eduardo Cardozo, justiça seja feita, é extremamente crítico do sistema político que elegeu e tem mantido o PT no poder: “É um sistema que gera corrupção e que gera problemas estruturais no âmbito da governabilidade”. Mais: “Eu tenho que atacar as causas, como também tenho que combater os efeitos. Combatem-se os efeitos punindo e prendendo os corruptos. A lei vale para todos. Mas tenho que atacar as causas. E elas, em larga medida, remontam a questões estruturais de nosso sistema político. Isso só pode ser enfrentado com uma reforma”.

Pena que o PT, há 13 anos no poder, jamais tenha cogitado a sério colocar sua influência, hoje decadente, a serviço da concretização de uma ampla reforma política. Dilma Rousseff, por exemplo, prefere continuar praticando o toma lá dá cá e arcando com os “problemas estruturais no âmbito da governabilidade”. Como revolucionária que ainda é, a palavra “reforma” causa-lhe engulhos.

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