quarta-feira, outubro 14, 2015

Um novo paradigma internacional - LUIZ FELIPE LAMPREIA

O GLOBO - 14/10

Parceria Transpacífica não inclui a China. Isto significa que o acordo se transformou em ponto saliente da rivalidade sino-americana na Ásia


Já foram feitas análises pertinentes e, geralmente, desiludidas sobre as conclusões a tirar para o Brasil do término dos cinco anos de negociação do Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês). Este próprio jornal, em editorial, fez uma avaliação precisa e incontestável das fortes implicações negativas para o Brasil, no que tange a comércio e investimentos. Concordo com todas estas conclusões. Basta lembrar que três países latino-americanos (México, Peru e Chile) já integram o TPP, e a Colômbia considera aderir, sendo todos países com os quais o Mercosul tem acordos comerciais limitados, e o acordo se sobreporá a eles. Mas não é o caso de retomar aqui estes aspectos da questão. Pretendo apenas examinar o tratado por outro prisma.

O ambicioso acordo entre 12 países cobrirá 40% da economia global e promoverá a eliminação ou redução gradual de milhares de tarifas e barreiras ao comércio entre os membros. Por outra parte, tornará mais homogêneos entre eles os padrões regulatórios sobre temas tão diversos quanto propriedade intelectual, serviços, direitos trabalhistas, normas ambientais e mecanismos para resolver conflitos de investidores com os estados. Até mesmo as impenetráveis fortalezas protecionistas agrícolas dos países desenvolvidos serão afetadas pelos ventos liberalizantes do acordo, ainda que não se tenha estabelecido um verdadeiro livre comércio nessa área chave. Em suma, o TPP vai muito além dos dispositivos da Organização Mundial do Comércio. Sua implementação será, por certo, cheia de matizes e resistências de interesses deslocados. Mas o novo acordo terá uma implementação desafiante em muitos casos. Entretanto, há outros aspectos críticos que só os especialistas detectaram até agora. Vale abordá-los aqui.

Em primeiro lugar, o TPP não inclui a China, hoje o maior player do comércio internacional e, obviamente, parte do âmbito geográfico do acordo. Isto significa que o acordo se transformou em ponto saliente da rivalidade sino-americana na Ásia. O governo chinês teve até uma reação discreta, mas não ignorará que o TPP representa uma derrota para a visão e a influência chinesa no Pacífico. Pequim tem apresentado suas próprias propostas de acordos bilaterais, em particular ao vizinho (e rival) Japão mas ficou muito atrás dos Estados Unidos, que lideraram enfaticamente a negociação do acordo entre os 12 países. Como afirmou em recente artigo a analista Myreia Solis, da Brookings Institute, de Washington, “no centro da grande estratégia americana está a modernização da arquitetura internacional para adaptá-las às realidades do século XXI e consolidar o papel central dos Estados Unidos como (a maior) potência do Pacífico.”

Outra questão importante é que, no campo de integração produtiva, se encontra hoje a variável crítica do comércio internacional, e o TPP tem precisamente o objetivo básico de ampliar e facilitar o espaço para a criação e expansão de cadeias produtivas entre os países membros. É patente que isto reduz ou exclui virtualmente as chances de outros países entrarem neste círculo, a menos que decidam aderir ao TPP, como deve ser o caso de Coreia do Sul, Colômbia e talvez Indonésia. A OMC não teve êxito nesses campos, embora já contivesse a intenção de fazê-lo em seus documentos originais.

Finalmente, deve-se ter em conta que a aprovação pelos negociadores dos 12 países não é ainda o ponto final do processo. Falta ainda a aprovação dos parlamentos de cada um. No particular, o governo americano terá pela frente uma difícil batalha pela aprovação do Congresso, no prazo de 90 dias , como comprovado pelas declarações contrárias de políticos tão diversos quanto Hillary Clinton e Donald Trump. Obama já havia conseguido recentemente um feito notável, eliminando a possibilidade de emendas pelos parlamentares na consideração de acordos de comércio, o chamado fast track. Em outras palavras, ao contrário do que vigorava há muitos anos, a discussão é limitada agora à aprovação ou rejeição global de um acordo comercial, o que é politicamente bem mais manejável do que uma discussão em muitos planos. Não tenho dúvidas que o acordo será finalmente aprovado pelos congressos dos 12 países.

Sempre podem ser identificadas dificuldades e dúvidas sobre sua implementação, mas penso que o TPP veio para ficar e vai estabelecer um novo paradigma na área.

Luiz Felipe Lampreia foi ministro das Relações Exteriores

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