quarta-feira, outubro 07, 2015

Preservar a Lei - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/10

A reação do governo contra o Tribunal de Contas da União, recorrendo ao Supremo Tribunal Federal, não faz sentido. O julgamento já deveria ter acontecido quando foi divulgado o primeiro relatório. O TCU decidiu dar mais tempo, argumentando que as contas não estavam prontas para serem avaliadas. Depois, acatou dois pedidos de adiamento. Foi longo o tempo para o governo justificar o que fez.

Foi ainda maior o tempo em que o governo cometeu todos os deslizes, truques, alquimias e manipulações a despeito das críticas e denúncias feitas pelos especialistas em contabilidade pública. No primeiro mandato, do Ministério da Fazenda saíram artifícios para desmontar o edifício instalado no Brasil para dar mais transparência às contas públicas.

Há uma briga política em torno da recomendação que o TCU vier a fazer ao Congresso sobre as contas públicas de 2014. O que interessa para quem analisa a questão do ponto de vista da economia são os atos do governo no primeiro mandato, especialmente no ano de 2014. Eles afrontam o princípio da estabilidade e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Bancos públicos não podem emprestar para seus controladores, e o que o governo fez, em algumas das decisões que estão sendo escrutinadas pelo TCU, foi exatamente o que é proibido. Tanto é verdade que a Caixa Econômica Federal foi à Justiça para ser ressarcida com multas e taxas dessas operações.

O governo cometeu uma infinidade de irregularidades: receitas foram antecipadas indevidamente, estatais pagaram dividendos de lucros ainda não auferidos, pagamentos foram postergados de forma explícita ou disfarçada, dívidas foram camufladas. Chegou a um ponto em que os especialistas em contas públicas e os departamentos econômicos dos bancos começaram a fazer indicadores paralelos para entender qual era a verdadeira situação do déficit público.

Parte do desastre fiscal deste ano é resultado do esforço da atual equipe para "despedalar", ou seja, quitar dívidas que ficaram pendentes, ou foram empurradas para a frente para melhorar o número de um mês ou de um ano.

Nem toda a confusão conseguirá ser corrigida ou está incluída nesse voto do TCU.

Há heranças que vão se estender por anos, como a confusão gerada pelo endividamento público para transferência de dinheiro para o BNDES. Está falsamente registrado como empréstimo o que nunca será pago pelo banco ao Tesouro. O governo "emprestou" mais de R$ 500 bilhões e passará os próximos anos pagando o custo das dívidas que contraiu para essa transferência e sendo, na outra ponta, sub- remunerado. Parte disso impacta a dívida, parte, algo em torno de R$ 10 bilhões, entra no déficit público. Ao todo, como recentemente publicou o "Valor Econômico", o custo no ano que vem desse desatino será de R$ 38 bilhões.

O governo fez tudo ao arrepio das leis e contra toda a teoria sobre como bem gerir as contas públicas porque achou que não haveria reprimenda. Apenas os alertas dos mesmos especialistas. E que ao fim teria suas contas aprovadas "com ressalvas". Mas o TCU decidiu analisar detalhadamente alguns dos abusos, perguntar aos órgãos responsáveis, auditar números e contas. Depois disso, abriu o espaço do contraditório. O governo teve tempo de se explicar. Agora, chegou o momento de votar a recomendação que o TCU fará ao Congresso, e o órgão precisa fazer seu trabalho sem intimidações.

O mundo político se agita em torno das consequências políticas do parecer do TCU, mas no Congresso tudo pode acontecer, inclusive nada. O importante é o órgão de assessoramento do legislativo ouvir o seu corpo técnico e o que eles dizem sobre as manobras contábeis do governo. O mais importante é manter o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e coibir a bagunça que foi instituída no primeiro mandato da presidente Dilma. Tudo era feito pelo Ministério da Fazenda, e o centro de criação das manobras, como todos sabem, foi a Secretaria do Tesouro, mas, centralizadora como é, a presidente certamente concordou com tudo. Se não concordasse, poderia ter ouvido o alerta feito pelos economistas especializados em finanças públicas e mandado parar com as alquimias. Foi dela a última palavra


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