quarta-feira, outubro 07, 2015

O Judiciário e a correção monetária - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

CORREIO BRAZILIENSE - 07/10

Contam biógrafos de Chales de Gaulle, o estadista líder da resistência francesa aos nazistas na 2ª Guerra Mundial, que certa ocasião, diante de provável crise, lembrou ao ministro das Finanças que, em questões de economia, a prudência recomenda não dar ouvidos a juristas. A frase me veio à memória ao ler voto proferido pelo dr. Ayres Brito, hoje ministro aposentado doSupremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, quando a Corte decidiu suprimir, da Constituição, o § 12 do art. 100, para afastar "a aplicação da TR como índice de correção monetária". Apoiado no julgamento do Supremo, o Tribunal Superior do Trabalho definiu "a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de reposição monetária dos débitos trabalhistas da Justiça do Trabalho", com efeito retroativo aos últimos cinco anos.

A mudança resultou na imediata elevação dos valores devidos em reclamações trabalhistas, segundo alguns cálculos da ordem de 36% (DCI, 12/8/2015). Do acórdão do Supremo, aguçou-me a curiosidade esse trecho: "Ao menos no plano dos fins a que visa a Constituição, na matéria, ninguém enriquece e ninguém empobrece por efeito de correção monetária, porque a dívida que tem o seu valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida". Em breves linhas, o jurista apontou antídoto para a inflação, velho e temido problema econômico: basta determinar a correção monetária, pois "a dívida que tem o seu valor nominal atualizado ainda é a mesma dívida".

Renomados economistas não se põem de acordo sobre as reais causas da inflação, ou a definição do fenômeno. Segundo Helmuth Frisch, "os problemas relacionados à inflação não começam quando se procura explicá-la. Na verdade, não existe definição satisfatória ou de aceitação generalizada". Para Milton Friedman, Prêmio Nobel de economia, "é uma doença perigosa e, algumas vezes, fatal; se não for controlada a tempo, pode destruir uma sociedade".

Filha legítima do processo inflacionário, a correção monetária surgiu no Brasil com a Lei nº 4.357, de 16/7/1964, que autorizou a emissão de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional. Leis e decretos-leis se seguiram, na tentativa inócua de neutralizar a aceleração de preços. A decisão do STF comprova a permanência da memória inflacionária e sua terrível força inercial: como solução para a alta de preços, basta corrigir a expressão nominal do dinheiro desvalorizado.

Foi o que se fez durante o regime autoritário. No plano salarial, o festival se iniciou com a Lei nº 4.725/65. Vieram em sequência os decretos-leis nº 15, 17 e 75, as leis nº 5.451, 6.708, 6.686, e assim por diante. O governo Sarney, quando fui ministro do Trabalho, também mirou os efeitos por meio de congelamentos de preços e reajustes indexados. A tentativa mais ousada consistiu na adoção do gatilho salarial ou salário móvel, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.284 e regulamentado pelo Decreto-Lei nº 2.302.

Nunca, porém, se atingiram os resultados sonhados. Quanto maior a dose de correção, mais forte retrucava a inflação. O controle só seria precariamente alcançado com o Plano Real, em maio de 1994. Valendo-se de malogradas experiências, conseguiu-se a estabilização da moeda, dando ao país a possibilidade de gozar de período relativamente dilatado de segurança e prosperidade.

A decisão do STF, inspirada na crença de que a correção monetária é neutra, foi utilizada pelo TST para aplicar, à execução de débitos trabalhistas passados, presentes e futuros, o índice mais elevado, sob a alegação de que "a atualização monetária incidente sobre obrigações expressas em pecúnia constitui direito subjetivo do credor e deve refletir a exata recomposição do poder aquisitivo". Trata-se, a toda evidência, de fórmula simples e duvidosa para a solução de complexos problemas econômicos e financeiros, que transfere ao devedor a culpa pela morosidade do processo.

Acautele-se quem tem débitos sujeitos a atualização monetária. Os índices oficiais, como se sabe, conduzem a quatro resultados: corrigem créditos, depreciam a moeda, elevam o valor das dívidas, aceleram a inflação. Para concluir, pergunto: a fórmula decretada pelo Judiciário será válida para as cadernetas de poupança e depósitos do Fundo de Garantia, ou aqui a conversa é outra?


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