quarta-feira, outubro 14, 2015

É possível levar uma nação a poupar mais? - AQUILES MOSCA

VALOR ECONÔMICO - 14/10

Seja qual for o indicador analisado, vemos que há no Brasil uma dificuldade muito grande de poupar e, consequentemente, conquistar verdadeira independência financeira. Isso vale para pessoas e também para o governo. Tal independência é importante porque traz consigo liberdade de escolha. No entanto, observa-se que, como nação, conseguimos poupar pouco mais que 15% do PIB. Ao pesquisar o comportamento das famílias de classe média com relação à baixa taxa de poupança, a maioria alega que não poupa mais porque ganha pouco.

Ora, se o nível de renda fosse determinante para a capacidade de poupar, todo país com renda per capita menor que a brasileira deveria ter taxas de poupança baixas, certo? Errado! Há inúmeros exemplos de países emergentes que possuem taxas de poupança bem superiores à nossa, apesar de possuírem renda per capita inferior à brasileira. E não estou me referindo a países como Coreia do Sul, Cingapura e outros emergentes de primeira linha. Na Ásia, Índia e Vietnã poupam, respectivamente, 32% e 34% de seus PIBs (mais que o dobro do Brasil) e ambos têm renda per capita inferior à brasileira. Igualmente, na América Latina, Colômbia e Peru também possuem renda per capita inferior à nossa e mesmo assim poupam 20% e 22% do PIB, respectivamente.

Colocar a culpa da baixa capacidade de poupança na renda inferior à considerada ideal é uma desculpa que apenas oculta a verdadeira razão da incapacidade de poupar. A raiz de tudo está na dificuldade de controlar as despesas de forma a materializar um potencial de poupança relevante. Atribuir à renda a razão para a baixa poupança é colocar a culpa em algo que está fora do nosso controle, uma responsabilidade que não deveria ser terceirizada. Ninguém tem controle sobre seu nível de renda, ao passo que sobre as despesas temos, ao menos em parte delas, ingerência muito superior. As nações que poupam mais que o Brasil o fazem porque as pessoas de forma geral e seus governos têm maior controle sobre suas despesas.

Por que os brasileiros têm tanta dificuldade de controlar seu consumo e postergar a gratificação que está a ele associada? Esse é um assunto amplamente debatido em finanças comportamentais. Trata-se de decisões intertemporais que envolvem troca entre custos e benefícios que ocorrem em momentos distintos. Os estudos mais recentes revelam que, para abrir mão da gratificação que o consumo nos gera hoje em prol de um benefício a que teremos acesso apenas no futuro, é necessário que as pessoas recebam um incentivo ou que sejam obrigadas a agir dessa forma.

Para complicar as coisas, a mecânica mental por trás da decisão de postergar uma gratificação não é tão elementar. Um exemplo pode ser útil para explicar: quando perguntamos às pessoas se preferem receber R$ 20 hoje ou R$ 22 daqui a uma semana, a maioria esmagadora diz preferir receber R$ 20 agora mesmo. Alegam que não vale a pena esperar uma semana inteira para receber apenas R$ 2 a mais.

No entanto, quando mudamos a dimensão temporal e perguntamos se preferem receber R$ 20 daqui a sete semanas ou R$ 22 daqui a oito semanas, a maioria prefere esperar uma semana a mais para receber o valor maior. Isso é bem estranho. Afinal, nos dois casos temos uma diferença de uma semana para receber os R$ 2 adicionais. A explicação está na diferença entre ir de zero para um e de sete para oito. Para quem já esperou sete semanas, o que significa postergar a gratificação por apenas mais uma?

Dadas as dificuldades que temos no Brasil para que as pessoas, e mais recentemente o próprio governo, exerçam maior protagonismo sobre o controle das despesas, de forma a gerar maior poupança nacional, qualquer medida que a estimule deve ser considerada. Um raro exemplo digno de admiração é a proposta que tramita no Congresso Nacional a pedido da Funpresp (Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), de tornar a adesão ao plano de aposentadoria automática para os funcionários da categoria. Isto está longe de ser uma imposição, uma vez que aqueles que não desejarem tal benefício teriam toda a liberdade para optar por deixar esse sistema de poupança voltado à aposentadoria. Há inúmeros casos em outros países que adotaram a alternativa de adesão automática ao plano de pensão como a opção inicial.

Em todos os casos, tanto o número de poupadores como o percentual de renda poupado superam a dos países onde o regime faculta ao funcionário decidir se irá ou não aderir ao plano de pensão (abordei esse tema e exemplos internacionais nessa coluna em artigo publicado em julho de 2013).

Em tempos de cenário político tão conturbado, seria um avanço notável, e bem-vindo, a aprovação da Medida Provisória proposta pelo Funpresp. Um ótimo exemplo a ser seguido por todo o sistema de previdência complementar. Os casos estrangeiros semelhantes sugerem que tal medida certamente traria em prazo não muito longo impacto significativo sobre a capacidade de poupança do Brasil. Além disso, ajudaria a desenvolver uma cultura de poupar que é quase inexistente em um país onde apenas 3% dos aposentados conseguem se sustentar integralmente com recursos próprios.

*Aquiles Mosca é estrategista de investimentos pessoais e superintendente executivo comercial do Santander Asset Management. É autor dos livros "Investimentos sob medida" e "Finanças Comportamentais". Preside o Comitê de Educação de Investidores da Anbima.


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