segunda-feira, junho 15, 2015

Da missa a metade - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 15/06
 
No âmbito dos movimentos estudantis a liberdade de pensamento é uma senhora caçada a pauladas 

 
Tenho acompanhando a polêmica da PUC e a proibição da cátedra Foucault. Mas, se formos falar da liberdade de pensamento que a universidade supostamente defende (e que foi apontada pelos colegas que criticaram a PUC duramente), não me parece que o assunto seja tão simples. E não me refiro apenas a universidades ligadas a instituições religiosas. As públicas também caçam suas bruxas.  


Numa frase: não existe liberdade de pensamento na universidade. Isso é uma falácia. A universidade corre o risco de virar um celeiro de crenças ideológicas, vendidas aos alunos como “saber”.

Esta suposta liberdade de pensamento, que oporia aqui a Igreja Católica a uma universidade livre, é matéria de dúvida para qualquer um que conheça a realidade universitária. Não existe liberdade de pensamento na universidade e a Igreja está longe de ser o maior ator em termos de “censura”.

Voltemos ao contexto: a Igreja Católica proibiu a instalação de uma cátedra Foucault na PUC. Cátedras são instrumentos de poder na universidade. Uma cátedra significa a difusão de uma visão de mundo. E de verbas, claro.

Levantemos alguns cenários sobre o tema da liberdade na universidade. A afirmação de que existe uma universidade livre, sendo “oprimida” por instâncias religiosas (no caso específico da PUC ), “não é da missa a metade” quando falamos de “censura” à liberdade de ação na academia em geral. Sim, limites teológicos para o conhecimento são ruins mesmo, concordo. Mas a universidade está longe de ser uma instituição livre, por causas internas à própria máquina acadêmica.

Primeiro cenário. Muitos dos que criticaram a PUC em nome de uma universidade secular e aberta, suspeito, não resistiriam a questões como: que tal fundar uma cátedra Edmund Burke em política em algum departamento de filosofia? Ou Michael Oakeshott? Ou Isaiah Berlin? Ou Leo Strauss? Esses mesmos que berram em nome da liberdade usariam falsos adjetivos como “reacionários” para esses autores (o que é pura má-fé ou ignorância pura e simples).

Por que esses autores quase não existem em nossos departamentos de filosofia? Pesquisas sobre autores como esses podem custar a carreira de jovens filósofos. Logo, discordância ideológica é “censura” na universidade.

Segundo cenário. Imagine uma professora X, muito produtiva e reconhecida. Agora imagine que ela quisesse fundar uma cátedra são Tomás de Aquino numa universidade católica. Provavelmente, ela teria a bênção da Igreja. Mas, nem por isso, o caminho dela estaria aberto.

Caso ela tivesse desafetos dentro da instituição, provavelmente teria seu caminho para a cátedra impedido por jogos políticos nos órgãos colegiados. Uma penca de instrumentos “legítimos” seria jogada sobre ela para que não realizasse seu propósito. Mesmo atividades como colóquios e similares poderiam ser inviabilizadas (sempre por meio de mecanismos “legítimos”). Logo, desafetos políticos são uma forma de “censura” na universidade.

Terceiro cenário. Quantas vezes professores já tiveram suas aulas invadidas por grupos autoritários que se dizem “pela liberdade”? No âmbito dos movimentos estudantis, desde muito tempo, a liberdade de pensamento é uma senhora caçada a pauladas. Bullying ideológico é um fato entre os estudantes.

Quarto cenário. O caso da Federal de Santa Maria, que pediu uma lista de docentes e discentes israelenses ligados à instituição. Como não ver o bom e velho antissemitismo por trás da investida de buscar identificar uma lista de pesquisadores israelenses ligados à instituição?

Cadê os “indignados” de plantão? Ou a suposta “causa palestina” justifica a discriminação de israelenses/judeus no Brasil? A parceria entre grupos estrangeiros e grupos locais a fim de perseguir israelenses é “justa” para os “indignados”? Aliás, movimentos estudantis e acadêmicos foram agentes essenciais nos governos fascistas.

Vemos, assim, que “instituições do saber”, muitas vezes são agentes importantes na disseminação de “censura” política. Pergunto: na universidade, quem tem moral para posar de paladino da liberdade? 

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