terça-feira, junho 09, 2015

Conversa com uma esquerdista - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 09/06

O Brasil gasta em ensino público o mesmo que os países ricos em termos proporcionais. No entanto, veja nosso ranking nos testes internacionais, uma vergonha!



— Manu, soube que você defende o aborto em qualquer mês de gravidez. Qual o seu argumento?

— Liberdade de escolha. O corpo é da mulher e ela faz com ele o que bem entender.

— Mas e o feto, não teria direito algum, mesmo em estágio avançado de desenvolvimento?

— Não, pois o corpo é da mulher, sua propriedade.

— Mas você não andou aplaudindo medidas de confisco dos mais ricos pelo governo, em nome da igualdade? Como fica a questão da propriedade nesse caso?

— Precisamos combater a ganância materialista e pregar a igualdade de todos.

— E você pretende combater o materialismo focando somente na conta bancária da pessoa? Não acha que há mais do que dinheiro no mundo?

— Luto pela justiça social, e quero socializar as riquezas.

— Você fala como se riqueza fosse algo fixo, um bolo que precisa ser apenas melhor dividido, e não criado. Se é assim, por que não começa distribuindo a sua própria riqueza, já que você é parte da elite?

— Aceita uma dose de Blue Label?

— Não, obrigado. Quer dizer que você acha mesmo Cuba um bom exemplo a ser seguido? Mas por que prefere sempre ir para Paris ou Nova York nas férias?

— Cuba seria um paraíso se não fosse o embargo americano...

— Então você acha que se os cubanos fossem “explorados” pelos consumistas ianques, segundo sua própria lógica, eles teriam uma vida melhor?

— Mais lagosta?

— Manu, você é contra a redução da maioridade penal mesmo? Não está cansada da impunidade, dessa criminalidade toda?

— O pobre mata por desespero, ele é uma vítima da sociedade. Somos todos culpados.

— Mas eu não matei ninguém. E conheço muito pobre honesto e trabalhador. E há criminosos nas classes média e até alta também. Vide Brasília.

— Esse crepe de caviar está uma delícia! É daquela chef renomada, você precisa experimentar.

— Obrigado. Voltemos ao assunto da maioridade. Então qual solução você propõe?

— Mais educação!

— Esse modelo falido que serve apenas de doutrinação ideológica marxista? Acho que não está funcionando muito bem...

— Falta verba pro Estado.

— Mas o Brasil gasta em ensino público o mesmo que os países ricos em termos proporcionais. No entanto, veja nosso ranking nos testes internacionais, uma vergonha! Nossos alunos acham que o capitalismo não presta e amam o socialismo, mas não sabem ler direito e nem fazer contas.

— Paulo Freire sempre nos disse que precisamos educar para a vida de forma crítica, e não aceitar esse regime opressor da elite que produz apenas trabalhadores para o mercado.

— Creio que o tiro saiu pela culatra. Mas diga, o galalau que enfia a faca num inocente por uma bicicleta, ele é mesmo uma criança indefesa que precisa apenas de mais “educação paulofreireana”?

— Ele é uma pobre criatura que precisa de uma nova chance para recomeçar. Estamos falando de crianças de apenas 16 ou 17 anos!

— Mas você não defende o direito ao voto dessa faixa etária? Quer dizer que são pobres crianças na hora que matam, mas jovens responsáveis para escolher o governante?

— Mais champanhe? É de boa safra.

— Vem cá, o que está achando do estelionato eleitoral da Dilma? Disse que não ia fazer nada do que está fazendo. Subiu juros, aumentou preços, impostos...

— Culpa do neoliberalismo. Aumento de juros, por exemplo, é pura pressão do capital financeiro.

— Mas a inflação está acima de 8%! O que fazer?

— Quer um cigarro de maconha?

— Não. Você defende a legalização das drogas, né?

— Claro. Liberdade de escolha.

— Mas não defendeu outro dia medidas cada vez mais restritas ao cigarro e até ao sal?

— O Estado tem que cuidar da saúde das pessoas como um pai cuida do filho.

— Não sou filho de Dilma, e acho que há uma clara incoerência aí...

— Você é sempre muito racional. O importante é “sentir”, sacou?

— Saquei. Mas eu “sinto” que você defende coisas muito contraditórias. Diz pra mim um só país socialista que deu certo!

— Vale a Suécia?

— Não. A Suécia faria uma esquerdista como você pular da cadeira e sair gritando revoltada contra o capitalismo. Não há nem salário-mínimo, e existe uma ampla abertura comercial e império das leis. O Estado de bem-estar social, que aqui é pregado pelo PSDB que você chama de “neoliberal”, jogou o país em crise, e reformas liberais foram necessárias para evitar o pior. Tenta outro.

— O importante é não abandonar as utopias, os sonhos...

— Mesmo um “sonho” que virou o pesadelo de milhões de pessoas, como o socialismo, trazendo apenas miséria, escravidão e morte?

— Você é muito radical.

— Eu? Não Fidel Castro ou Maduro, ou então o PT, mas eu que sou o radical?

— Só não te ofereço uma coxinha porque não gosto de comida de pobre...

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