domingo, abril 12, 2015

Para abrir as portas ao investimento - LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA

O GLOBO - 12/04

Lucro é visto como algo indesejável, pecaminoso, como se a pobreza derivasse da ganância dos empresários. Mauá foi perseguido por Dom Pedro II



Jorge Paulo Lemann e seus sócios históricos Marcel Telles e Beto Sicupira, através da 3G Capital em nova associação com Warren Buffet, a terceira fortuna do mundo, fundiram a Heinz, de propriedade do grupo, com a Kraft, numa operação de US$ 45 bilhões de dólares. Com isso, está criada a terceira maior companhia de alimentos do EUA e a quinta do mundo. Sobre a trajetória de Lemann e o trio já existem livros. Sobre a operação que tem como lógica para os dois grupos a sinergia e a economia de custos, a imprensa vem digerindo e explicando. O principal foi dito.

O objetivo deste artigo é fazer uma análise diferente. O primeiro ponto a se ressaltar é que os maiores e mais recentes negócios da 3G Capital foram feitos todos no exterior. Com eles, o trio galgou posições no ranking dos bilionários mundiais. O que podemos concluir disso? Haveria uma aversão a investir no Brasil? Creio que não. As Lojas Americanas foram o embrião da entrada deles no comércio e varejo e a compra da Brahma, do ingresso na indústria. O que podemos deduzir é que o ambiente comercial e jurídico do Brasil torna impossível a expansão da vida empresarial na escala atual em que ela é exigida.

Temos uma mentalidade de ódio ao empreendedorismo. Os séculos de uma formação patrimonialista estatal ancorada na escravidão e no latifúndio deixaram estruturas poderosas no inconsciente coletivo da nossa sociedade. A dádiva das Capitanias Hereditárias. O lucro é visto como algo indesejável, pecaminoso, como se a pobreza derivasse da ganância dos empresários. Mauá foi perseguido por Dom Pedro II como um verdadeiro inimigo.

Abraham Lincoln, o mais icônico presidente americano, apesar de sua origem humilde, tem uma famosa passagem quando adverte: “Não criarás prosperidade se desestimulares a poupança. Não ajudarás o assalariado se arruinares aquele que o paga. Não ajudarás o pobre se eliminares os ricos”. No Brasil atual, seria taxado de reacionário.

Numa fusão como a que foi feita, é fundamental a confiança e a seriedade dos elementos contábeis e fiscais. Vejam: a maior parte dos US$ 45 bilhões será uma troca de participação acionária entre os dois grupos, sendo a diferença em favor do grupo Kraft paga por um dividendo especial. Sem essa confiança e fidúcia, como fazer um negócio como esse? A nossa ex-maior empresa nacional encontra dificuldades contínuas de apresentar seu balanço ao mercado.

Do ponto de vista jurídico, temos que reconhecer que as dificuldades não seriam menores. Temos um sistema jurídico no qual as discussões se eternizam e, quando temos decisões definitivas, as situações fáticas já estão tão alteradas que muitas vezes elas não têm mais aproveitamento. Os credores que aguardam seus precatórios sabem que são donos de causas que atravessam gerações. O juízo arbitral foi criado, mas muitas vezes as empresas que a ele recorrem, depois tornam a discutir a mesma matéria no Judiciário.

Na área tributária há muito que se sabe que a capacidade de uma empresa reverter uma autuação fiscal só existe judicialmente, uma vez que a instância administrativa é sempre arrecadadora. Talvez por essa razão sejam feitas permanentes anistias fiscais quando se reduzem multas exorbitantes e juros, como forma de o setor privado desistir das demandas e assim o Estado aumentar sua arrecadação.

Penso que essa associação econômica mundial possa ser uma excelente oportunidade para pensarmos nosso país. Por que não possuímos um ambiente econômico moderno que permita que grandes investimentos possam vir para o Brasil? O mundo é invenção. Precisamos reinventar nosso futuro.

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