domingo, março 08, 2015

Primeira pergunta - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 08/03

A quem aproveita o crime? Essa é a pergunta inicial de qualquer investigação, mas as instituições do país não a fizeram no mensalão e começam a demonstrar que ela não será feita no caso Petrobras. No escândalo que envolve a maior empresa do país, há indícios de roubo para beneficiar ex-dirigentes da companhia, mas também de que parte do dinheiro foi para partidos da base de sustentação da Presidência.

No mensalão, o ex-presidente Lula foi poupado, apesar de ter ficado provado que dinheiro do esquema financiou sua campanha, costurou a aliança entre PT e PL para a formação da chapa presidencial e pagou o marqueteiro em conta secreta no exterior. O então tesoureiro do PT confessou “dinheiro não contabilizado”; o então marqueteiro confessou que recebeu de forma irregular. A teoria do “domínio do fato” foi usada na condenação do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Mas nada chegou a quem foi eleito pelos recursos assim desviados, em contratos diretos e indiretos com o setor público, na engenharia financeira montada por Marcos Valério.

Na corrupção da Petrobras, tudo parece mais escancarado. Houve uma aceleração do crescimento do propinoduto por onde saíram bilhões de reais. Muito dinheiro foi para quem, hoje, em processos de delação, confessa que recebeu para seu próprio proveito. Nas confissões em que admitem seus crimes, eles contam que propinas foram pagas também a vários operadores dos partidos da base. Um deles, o Partido dos Trabalhadores. Os dedos dos delatores apontam para o tesoureiro João Vaccari Neto.

Vaccari foi indicado pela então ministra das Minas e Energia Dilma Rousseff para o conselho de administração de Itaipu, a maior hidrelétrica do país, e lá ficou até 2014, por 11 longos anos.

Tudo o que está sendo investigado na Petrobras ocorreu enquanto a presidente Dilma tinha poderes sobre a estatal. Ela foi ministra da área, foi presidente do conselho de administração da Petrobras, ministra-chefe da Casa Civil, cargo no qual manteve sob seu controle mais próximo o setor de energia, foi presidente da República. Por personalidade, é centralizadora e detalhista. Pelos poderes exercidos, tomou decisões de iniciar e manter obras que passaram a ter indícios flagrantes de irregularidades, como a refinaria Abreu e Lima. Conduziu a reunião que autorizou a compra de Pasadena. Decidiu sobre os atos de gestão da companhia que, mesmo não tendo indícios de corrupção, ajudaram a colocar a estatal na situação precária em que está. Ninguém tem dúvidas sobre quem teve a última palavra, o mando, no setor de energia, em geral, e na Petrobras, em particular, nos últimos 12 anos.

É bom que fique claro que não há indícios, a mais leve menção que seja, de que a presidente da República obteve vantagens pessoais no esquema. Nem ela, nem qualquer pessoa de sua família. Isso é tranquilizador. Mas o funcionamento do partido ao qual ela pertence recebeu recursos que podem ter financiado sua campanha eleitoral. Se ela foi a vencedora das eleições assim financiadas, por que em torno dela deve ser posta uma redoma prévia? Por que a Procuradoria-Geral da República não se faz a pergunta dos investigadores: quem acabou sendo beneficiado pelos desvios que robusteceram os partidos da base parlamentar?

O procurador-geral, Rodrigo Janot, se baseou na Constituição, que estabelece que “o presidente, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. A Presidência vira então um escudo impenetrável a qualquer dúvida sobre financiamento das campanhas ou irregularidade cometida mesmo em área sob seu estrito controle.

A primeira pergunta da investigação precisa ser feita até para dar ao cidadão brasileiro confiança na pessoa que exerce a Presidência. A presidente Dilma costuma chamar pelo leve eufemismo de “malfeitos” os atos repulsivos dos quais o país está sendo informado. Ficará sempre a dúvida: ela, como gestora, chefe ou presidente, jamais desconfiou de “malfeitos” nos números extravagantes de aditivos aos contratos e nos aumentos exorbitantes dos custos de várias obras e negócios da Petrobras? As instituições brasileiras estão fazendo todas as perguntas, exceto a primeira.

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