FOLHA DE SP 09/11
Como o gênio da Apple, ela opera com um 'campo de distorção da realidade', mas a conta vai para os outros
Na sua biografia de Steve Jobs, Walter Isaacson mostra que o gênio da Apple operava com um "campo de distorção da realidade". Um sujeito trazia uma ideia, ele dizia que era estupidez e dias depois anunciava que tivera uma grande ideia, a mesma. Se uma ideia dele acabava em encrenca, era de outro. Jobs lidava à sua maneira com a verdade.
A doutora Dilma não é nenhum Jobs, mas confirmou que opera com um campo de distorção da realidade. Ao mesmo tempo em que seu governo anunciava ter aceito o pedido de licença de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, soltava a informação de que ele não voltaria ao cargo. Claro, o afastamento do doutor fora uma exigência da empresa que audita as contas da Petrobras. Desde setembro sabia-se que ele estava no catálogo de percentagens mostrado pelo "amigo Paulinho" ao Ministério Público. Em áudio, ele informou que recebera de Machado um capilé de R$ 500 mil.
É comum que se disfarcem os defenestramentos de hierarcas, mas a doutora exagerou. E não foi só nesse caso. Durante os debates da campanha, disse duas vezes que "Paulinho" foi demitido da diretoria da Petrobras. Falso. Ele renunciou e foi elogiado pelo ministro Guido Mantega na ata que registrou seu desligamento.
Dois outros episódios mostram que a doutora opera temerariamente no campo de distorção da realidade. Em 2009 o repórter Luiz Maklouf Carvalho revelou que, apesar de ser apresentada oficialmente como doutora em economia pela Unicamp, ela nunca recebera o título, pois não concluíra o curso. Em setembro passado ela repetiu que "fui para a cadeia por crime de opinião". A jovem Dilma Rousseff foi para a cadeia por ter pertencido a duas organizações envolvidas em atos terroristas. O Comando de Libertação Nacional, que ajudou a fundar, dizia em seu programa que "o terrorismo, como execução (nas cidades e nos campos) dos esbirros da reação, deverá obedecer a um rígido critério político". (Com esse cuidado, em 1968, antes do AI-5, mataram um major alemão pensando que fosse um capitão boliviano).
Steve Jobs adaptava a realidade, mas mexia apenas com os interesses dos acionistas da Apple. A doutora governa um país de 202 milhões de habitantes.
HOMEM-PAIOL
A entrada de Augusto Mendonça no plantel de empresários que estão colaborando com a Viúva nas investigações das petrorroubalheiras pode ultrapassar em importância a adesão do "amigo Paulinho" e do operador financeiro Alberto Youssef.
Mendonça tem mais de vinte anos de experiência no mercado, foi um líder de sua classe e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Construção Naval e Offshore.
Seu acervo de informações é mais rico que o de "Paulinho" e mais amplo que o de Youssef.
Se o Ministério Público tiver interesse, Mendonça poderá mostrar estruturas e plataformas de negócios que existiam na Petrobras antes da chegada do comissariado ao poder. Afinal, na Petrobras pode-se demonstrar que Lula se engana quando diz que o Brasil começou em 2003.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acha que o ministro Marcelo Nery confundiu-se quando justificou ideia do Ipea de aguardar o resultado da eleição para revelar um estudo que apontava para um pequeno aumento do número de miseráveis em Pindorama.
Ele disse que "a decisão de não divulgar nada no período eleitoral foi tomada de forma autônoma pela diretoria do Ipea para preservar a instituição".
O cretino acha que ele queria dizer o seguinte: "A decisão de não divulgar nada no período eleitoral foi tomada para preservar os diretores da instituição". (E o doutor Nery.)
BASTARDOS GLORIOSOS
Para quem gosta de histórias da Segunda Guerra e de música, está na rede um grande livro. É "Leningrad: Siege and Symphony" ("Leningrado -- O cerco e a Sinfonia, a história de uma cidade aterrorizada por Stalin, esfomeada por Hitler e imortalizada por Shostakovich"). O jornalista inglês Brian Moynahan fez uma prodigiosa narrativa, contando a vida cultural de uma cidade sitiada pelo alemães de 1941 a 1944, enquanto o compositor Dmitri Shostakovich compunha sua Sétima Sinfonia, a "Leningrado". O que aconteceu ali supera Hiroshima, Nagasaki e Dresden. No dia 9 de agosto de 1942 os alemães estavam a 14 quilômetros, as pessoas caíam na rua, mortas de fome, e a orquestra da cidade emocionou o mundo tocando a "Sétima" para uma plateia que não sabia o dia de amanhã. A fome matara 27 de seus músicos e o trompetista que tocaria um solo teve um edema pulmonar durante a execução.
Moynahan conta que em 1941, quando os alemães estavam a poucos quilômetros de Moscou, eram esperados por uma surpresa. Sabia-se que, entrando na cidade, os generais de Hitler iriam para o melhor hotel, o Moskva. Certamente visitariam o Kremlin, gostariam de ver um balé no Bolshoi e, com sorte, confraternizariam com suas bailarinas. O hotel tinha uma tonelada de explosivos no porão. (A equipe que colocou as 58 caixas lá foi fuzilada e a carga só foi descoberta em 2005.) Os palácios e o teatro também explodiriam. Quanto às bailarinas, aprenderam a usar granadas. Era uma versão realista do "Bastardos Inglórios".
ARMA-SE UM PINEHIRINHO 2.0
Em dezembro de 2005 cerca de 100 pessoas invadiram o terreno de uma fábrica desativada em Guaianases, na periferia de São Paulo. Começou-se a escrever ali um capítulo da inépcia da máquina do Estado que poderá resultar num novo e pequeno Pinheirinho, episódio durante o qual a Polícia Militar desalojou cinco mil pessoas que haviam invadido uma propriedade do empresário Naji Nahas, destruindo-lhes as casas.
Os donos do terreno, no exercício do seu direito, requereram a reintegração da posse. O caso arrastou-se por nove anos. O terreno ocupado é hoje parte do bairro de Jardim Lourdes, com 160 edificações de alvenaria, comércio e infraestrutura. A prefeitura demarcou a área como Zona Especial de Interesse e nela só podem ser construídas habitações populares.
A Justiça marcou para o próximo dia 25 a desocupação da área, que resultará no despejo das famílias e na demolição das casas. Numa fracassada audiência de conciliação, moradores ofereceram-se para pagar pelo terreno, cujo valor é inferior ao das casas que serão demolidas.
O poder público não expulsou os invasores, muitos deles venderam os lotes e o mesmo Estado que custeia o Minha Casa, Minha Vida demolirá seus imóveis. Expulsos, os moradores ficarão sem teto e entrarão na fila dos programas de habitações populares. Imagine-se uma hipótese: a família é expulsa, o dono do terreno faz um conjunto popular e a mesma família vai morar no endereço onde existia sua casa.
domingo, novembro 09, 2014
Jogando agora os próximos quatro anos - PEDRO MALAN
O ESTADO DE S.PAULO - 09/11
Meu amigo Everardo Maciel, em brilhante e recente discurso de posse, citou a bela frase de Raymond Aron a uma turma de alunos. "Decerto, este curso não se destina a ensinar o que vocês devem pensar; mas desejaria que ele lhes ensinasse duas virtudes intelectuais: a primeira, o respeito aos fatos; e a segunda, o respeito aos outros". Lembrei-me da observação de Norberto Bobbio sobre a maior lição de sua vida: "Aprendi a respeitar as ideias alheias, a deter-me diante do segredo de cada consciência, a compreender antes de discutir e a discutir antes de condenar. E a detestar fanáticos com todas as minhas forças".
As sábias lições de Aron e Bobbio talvez, quem sabe, pudessem ter maior presença no fundamental debate público brasileiro ao longo dos próximos quatro anos. Quanto mais não seja, porque, passadas as eleições, se espera que não seja possível ao "novo" governo continuar com seus marqueteiros e militância "chamada às armas", como nas semanas pré-eleição. Agora, trata-se de governar um país complexo, rico em sua diversidade e de enorme potencial. Mas com sérios desafios de curto, médio e longo prazos à frente, impossíveis de lidar com marquetagem/militância, insistente retórica contra um vago "eles" e plebiscitos sobre questões que não comportam simples respostas.
Na verdade, será com seus atos concretos, e não com discursos e gerúndios, que a presidente Dilma estará definindo agora, isto é, nos próximos dois a seis meses, todo o seu segundo mandato. E em circunstâncias que não lhe são muito favoráveis. Em boa medida, como notei em meu artigo anterior neste espaço, por dois tipos de pesada herança que deixa para si própria.
Primeiro, pelas consequências de suas decisões (ações e omissões) ao longo, pelo menos, dos últimos quatro anos; e de implicações de legados que criou para si (ou permitiu que seus marqueteiros criassem) pelo teor de seu discurso de campanha, a forma "estarrecedora" com a qual procurou desconstruir os seus dois principais adversários.
Na área econômica, pela taxativa recusa de reconhecer problemas sérios de crescimento, que vai ser negativo em termos per capita em 2014 e menos de 1% per capita na média nos quatro anos de seu primeiro mandato; de inflação, que vai pelo quarto ano consecutivo de novo roçar o teto da meta. Reconhecer o grave desequilíbrio causado no setor elétrico por sua Medida Provisória (MP) 579, de fins de 2012, bem como problemas com a Petrobrás e com o etanol.
As contas a pagar estão chegando, todas, e rápido: para o contribuinte, para o consumidor, para as empresas, para o investidor, para o Tesouro. E não há mais como culpar "heranças malditas", a situação internacional, a mídia, um cambiante "eles", e assim por diante. As heranças com as quais o governo iniciará seu democraticamente conquistado segundo mandato são de sua própria lavra.
Vale lembrar, a propósito, que cerca de um ano e meio atrás (24/6/2013) a presidente Dilma convocou reunião de governadores, prefeitos e lideranças partidárias, em Brasília, para ouvirem o que seriam as respostas do governo às manifestações de rua que haviam marcado aquele mês. Ali, a presidente propôs cinco pactos. E em entrevista à Folha (29/7/2013) a presidente anunciou um sexto pacto: Pela Verdade.
Mas o pacto que nos interessa aqui e agora (apresentado, se me lembro bem, em primeiro lugar dentre os cinco) era sobre "responsabilidade fiscal", definida como "controle de gastos para garantir a estabilidade da economia e conter a inflação". À época, junho de 2013, o governo vinha reafirmando seu compromisso com um esforço fiscal de 2,3 % do PIB. Como este ano agora até as eleições, procurou manter a ficção de que estaria empenhado em realizar um esforço fiscal perto de 1,9% - sem mágicas contábeis do tipo das que subtraíram credibilidade à política fiscal do governo.
Em sua longa entrevista aos principais jornais do Brasil e publicada na sexta-feira, a presidente voltou ao tema do pacto, que havia ficado completamente esquecido ao longo da campanha (que durou bem mais que um ano e meio). Na verdade, passaram-se nove longos anos desde que, ao final de 2005, a então chefe da Casa Civil da Presidência da República detonou o embrião de uma sugestão em andamento na área econômica do governo, tachando a proposta de "rudimentar" e asseverando que "gasto é vida".
Na entrevista de sexta agora, passados nove anos, a presidente reeleita afirma que "ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas... o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar e o que dá para mandar para o Congresso".
O reconhecimento, ainda que tardio, tentativo e um tanto tortuoso (o que vamos tentar fazer, o que quer que venha a ser, não é o que "eles" fariam), deve ser saudado porque representa não só uma imperiosa necessidade, como a busca de uma credibilidade e um rumo meio que perdidos na área fiscal. Que, como se sabe, envolve o nível, a composição e a eficiência tanto do gasto público quanto da carga tributária.
Todos os jornais registraram as palavras da presidente "vamos fazer o dever de casa", em termos de combate à inflação e de controle da velocidade de crescimento do gasto público. No agregado, muitíssimo acima do crescimento do PIB nos últimos anos.
Todos registraram também as palavras com que, caracteristicamente, mandou seu recado aos leitores: "Estou dizendo que vou manter o emprego e a renda. Ponham na cabeça isso".
A presidente sabe, quero crer, que será com ações efetivas, e não com palavras, que estará jogando, a partir de agora, o Brasil dos próximos quatro anos. Pessoalmente, desejo-lhe boa sorte. Mas sempre com as lições de Aron e Bobbio na cabeça.
Meu amigo Everardo Maciel, em brilhante e recente discurso de posse, citou a bela frase de Raymond Aron a uma turma de alunos. "Decerto, este curso não se destina a ensinar o que vocês devem pensar; mas desejaria que ele lhes ensinasse duas virtudes intelectuais: a primeira, o respeito aos fatos; e a segunda, o respeito aos outros". Lembrei-me da observação de Norberto Bobbio sobre a maior lição de sua vida: "Aprendi a respeitar as ideias alheias, a deter-me diante do segredo de cada consciência, a compreender antes de discutir e a discutir antes de condenar. E a detestar fanáticos com todas as minhas forças".
As sábias lições de Aron e Bobbio talvez, quem sabe, pudessem ter maior presença no fundamental debate público brasileiro ao longo dos próximos quatro anos. Quanto mais não seja, porque, passadas as eleições, se espera que não seja possível ao "novo" governo continuar com seus marqueteiros e militância "chamada às armas", como nas semanas pré-eleição. Agora, trata-se de governar um país complexo, rico em sua diversidade e de enorme potencial. Mas com sérios desafios de curto, médio e longo prazos à frente, impossíveis de lidar com marquetagem/militância, insistente retórica contra um vago "eles" e plebiscitos sobre questões que não comportam simples respostas.
Na verdade, será com seus atos concretos, e não com discursos e gerúndios, que a presidente Dilma estará definindo agora, isto é, nos próximos dois a seis meses, todo o seu segundo mandato. E em circunstâncias que não lhe são muito favoráveis. Em boa medida, como notei em meu artigo anterior neste espaço, por dois tipos de pesada herança que deixa para si própria.
Primeiro, pelas consequências de suas decisões (ações e omissões) ao longo, pelo menos, dos últimos quatro anos; e de implicações de legados que criou para si (ou permitiu que seus marqueteiros criassem) pelo teor de seu discurso de campanha, a forma "estarrecedora" com a qual procurou desconstruir os seus dois principais adversários.
Na área econômica, pela taxativa recusa de reconhecer problemas sérios de crescimento, que vai ser negativo em termos per capita em 2014 e menos de 1% per capita na média nos quatro anos de seu primeiro mandato; de inflação, que vai pelo quarto ano consecutivo de novo roçar o teto da meta. Reconhecer o grave desequilíbrio causado no setor elétrico por sua Medida Provisória (MP) 579, de fins de 2012, bem como problemas com a Petrobrás e com o etanol.
As contas a pagar estão chegando, todas, e rápido: para o contribuinte, para o consumidor, para as empresas, para o investidor, para o Tesouro. E não há mais como culpar "heranças malditas", a situação internacional, a mídia, um cambiante "eles", e assim por diante. As heranças com as quais o governo iniciará seu democraticamente conquistado segundo mandato são de sua própria lavra.
Vale lembrar, a propósito, que cerca de um ano e meio atrás (24/6/2013) a presidente Dilma convocou reunião de governadores, prefeitos e lideranças partidárias, em Brasília, para ouvirem o que seriam as respostas do governo às manifestações de rua que haviam marcado aquele mês. Ali, a presidente propôs cinco pactos. E em entrevista à Folha (29/7/2013) a presidente anunciou um sexto pacto: Pela Verdade.
Mas o pacto que nos interessa aqui e agora (apresentado, se me lembro bem, em primeiro lugar dentre os cinco) era sobre "responsabilidade fiscal", definida como "controle de gastos para garantir a estabilidade da economia e conter a inflação". À época, junho de 2013, o governo vinha reafirmando seu compromisso com um esforço fiscal de 2,3 % do PIB. Como este ano agora até as eleições, procurou manter a ficção de que estaria empenhado em realizar um esforço fiscal perto de 1,9% - sem mágicas contábeis do tipo das que subtraíram credibilidade à política fiscal do governo.
Em sua longa entrevista aos principais jornais do Brasil e publicada na sexta-feira, a presidente voltou ao tema do pacto, que havia ficado completamente esquecido ao longo da campanha (que durou bem mais que um ano e meio). Na verdade, passaram-se nove longos anos desde que, ao final de 2005, a então chefe da Casa Civil da Presidência da República detonou o embrião de uma sugestão em andamento na área econômica do governo, tachando a proposta de "rudimentar" e asseverando que "gasto é vida".
Na entrevista de sexta agora, passados nove anos, a presidente reeleita afirma que "ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas... o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar e o que dá para mandar para o Congresso".
O reconhecimento, ainda que tardio, tentativo e um tanto tortuoso (o que vamos tentar fazer, o que quer que venha a ser, não é o que "eles" fariam), deve ser saudado porque representa não só uma imperiosa necessidade, como a busca de uma credibilidade e um rumo meio que perdidos na área fiscal. Que, como se sabe, envolve o nível, a composição e a eficiência tanto do gasto público quanto da carga tributária.
Todos os jornais registraram as palavras da presidente "vamos fazer o dever de casa", em termos de combate à inflação e de controle da velocidade de crescimento do gasto público. No agregado, muitíssimo acima do crescimento do PIB nos últimos anos.
Todos registraram também as palavras com que, caracteristicamente, mandou seu recado aos leitores: "Estou dizendo que vou manter o emprego e a renda. Ponham na cabeça isso".
A presidente sabe, quero crer, que será com ações efetivas, e não com palavras, que estará jogando, a partir de agora, o Brasil dos próximos quatro anos. Pessoalmente, desejo-lhe boa sorte. Mas sempre com as lições de Aron e Bobbio na cabeça.
Desafio de terceiro grau - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 09/11
A presidente Dilma tem três graus de desafios, se dividirmos o eleitorado entre os que votaram no governo, os que preferiram a oposição e quem se absteve ou votou nulo e branco. Aos 38% dos eleitores que votaram nela, Dilma tem que provar coerência; aos 36% que optaram pela oposição, ela tem que provar competência; e os 26% que não votaram precisam ser trazidos para o jogo.
Será difícil mostrar coerência aos seus. Os primeiros dias já foram de contorcionismo quase circense. Os juros, que os adversários elevariam, seu Banco Central os elevou; o ajuste fiscal, que não precisaria ser feito, virou um pedido ao Congresso para descumprir as metas de 2014; o dever de casa que ela negou, já admitiu que terá que fazer; os banqueiros, que "tomam comidas e livros dos pobres", frequentaram listas de ministeriáveis; a empresa na qual não ficaria pedra sobre pedra até se descobrir todo o "mal feito" teve a primeira pedra removida por exigência de uma firma internacional de auditoria; a crise elétrica inexistente pode provocar cortes de luz durante o verão. Coerência foi um produto escasso nesses primeiros dias.
Na entrevista que a presidente Dilma concedeu aos jornalistas, na quinta-feira, o marketing eleitoral sofreu novas torções. A presidente disse que o governo precisa cortar os gastos e tem que controlar a inflação. Os dois temas estiveram na campanha com outro tom: a inflação estaria controlada e os gastos, também, já que o ajuste fiscal não seria necessário. Agora, o ministro Guido Mantega diz que vão ser "reformatados" o seguro-desemprego, auxílio-doença e abono salarial. Não disse o que significa "reformatar", mas garantiu que o gasto vai diminuir. Admitiu também que os bancos públicos terão um papel menor.
Quando falou de onde diminuir gastos, Dilma disse que é "lorota" reduzir os ministérios. O exemplo que deu de como todos eles são necessários mostra uma avaliação deficiente de administração. "Eu não posso acabar com portos e aeroportos", justificando os ministérios dos Portos e da Aviação Civil. Ora, todos podem estar dentro do Ministério dos Transportes. Até porque hoje a logística é integração dos modais. Essa pulverização de instâncias administrativas é exatamente o oposto do que tem que acontecer. Lorota é achar que uma área tem relevância e gestão eficiente se tiver um ministério só seu. Esse monte de ministérios existe para atender a todos os pedidos fisiológicos da base partidária e distribuir nacos de poder para cada facção dos partidos e para as cotas pessoais dos líderes influentes.
Ela desagrada ao seu grupo quando fala em ajuste, em corte de gastos, em revisão do seguro-desemprego, e quando aumenta a gasolina e os juros. Não atrai os que não votaram nela ao entrar em contradição ou ao insistir em contar a história com as distorções do palanque.
Apesar do alerta do governo de aumento do risco de falta de energia neste verão, ela disse que tem 20 mil megawatts de energia térmica e "quando teve o apagão se tinha 4 mil era muito". Isso assalta a inteligência alheia. É claro que comparado com 13 anos atrás tem que haver mais megawatts de qualquer fonte. A ideia de montar um sistema de térmicas como garantia para as oscilações hídricas foi criada naquela época pelos gestores da crise no governo Fernando Henrique. A crise é grave, há uma enorme conta que irá bater no bolso do consumidor provocada pelo adiamento de medidas necessárias na área energética. O tarifaço que houve este ano será seguido por outro no ano que vem, em que se começa a pagar a conta do empréstimo às distribuidoras.
Na quinta-feira, foi divulgado o aumento da miséria que havia sido adiado pelo Ipea. Na sexta, seriam divulgados os dados de desmatamento, mas depois o governo recuou. Esses dados, do sistema de alerta em tempo real, têm que sair mensalmente. O governo continua escondendo que o desmatamento aumentou.
Nestas duas semanas está sendo desmontado o palanque: a cada dia se confirma algo que era negado. O problema é que desta forma ela não atrai quem não votou nela e pode decepcionar quem acreditou no que a propaganda oficial dizia. Os que se abstiveram não têm motivos para entusiasmo diante dessa triste forma de fazer política.
A presidente Dilma tem três graus de desafios, se dividirmos o eleitorado entre os que votaram no governo, os que preferiram a oposição e quem se absteve ou votou nulo e branco. Aos 38% dos eleitores que votaram nela, Dilma tem que provar coerência; aos 36% que optaram pela oposição, ela tem que provar competência; e os 26% que não votaram precisam ser trazidos para o jogo.
Será difícil mostrar coerência aos seus. Os primeiros dias já foram de contorcionismo quase circense. Os juros, que os adversários elevariam, seu Banco Central os elevou; o ajuste fiscal, que não precisaria ser feito, virou um pedido ao Congresso para descumprir as metas de 2014; o dever de casa que ela negou, já admitiu que terá que fazer; os banqueiros, que "tomam comidas e livros dos pobres", frequentaram listas de ministeriáveis; a empresa na qual não ficaria pedra sobre pedra até se descobrir todo o "mal feito" teve a primeira pedra removida por exigência de uma firma internacional de auditoria; a crise elétrica inexistente pode provocar cortes de luz durante o verão. Coerência foi um produto escasso nesses primeiros dias.
Na entrevista que a presidente Dilma concedeu aos jornalistas, na quinta-feira, o marketing eleitoral sofreu novas torções. A presidente disse que o governo precisa cortar os gastos e tem que controlar a inflação. Os dois temas estiveram na campanha com outro tom: a inflação estaria controlada e os gastos, também, já que o ajuste fiscal não seria necessário. Agora, o ministro Guido Mantega diz que vão ser "reformatados" o seguro-desemprego, auxílio-doença e abono salarial. Não disse o que significa "reformatar", mas garantiu que o gasto vai diminuir. Admitiu também que os bancos públicos terão um papel menor.
Quando falou de onde diminuir gastos, Dilma disse que é "lorota" reduzir os ministérios. O exemplo que deu de como todos eles são necessários mostra uma avaliação deficiente de administração. "Eu não posso acabar com portos e aeroportos", justificando os ministérios dos Portos e da Aviação Civil. Ora, todos podem estar dentro do Ministério dos Transportes. Até porque hoje a logística é integração dos modais. Essa pulverização de instâncias administrativas é exatamente o oposto do que tem que acontecer. Lorota é achar que uma área tem relevância e gestão eficiente se tiver um ministério só seu. Esse monte de ministérios existe para atender a todos os pedidos fisiológicos da base partidária e distribuir nacos de poder para cada facção dos partidos e para as cotas pessoais dos líderes influentes.
Ela desagrada ao seu grupo quando fala em ajuste, em corte de gastos, em revisão do seguro-desemprego, e quando aumenta a gasolina e os juros. Não atrai os que não votaram nela ao entrar em contradição ou ao insistir em contar a história com as distorções do palanque.
Apesar do alerta do governo de aumento do risco de falta de energia neste verão, ela disse que tem 20 mil megawatts de energia térmica e "quando teve o apagão se tinha 4 mil era muito". Isso assalta a inteligência alheia. É claro que comparado com 13 anos atrás tem que haver mais megawatts de qualquer fonte. A ideia de montar um sistema de térmicas como garantia para as oscilações hídricas foi criada naquela época pelos gestores da crise no governo Fernando Henrique. A crise é grave, há uma enorme conta que irá bater no bolso do consumidor provocada pelo adiamento de medidas necessárias na área energética. O tarifaço que houve este ano será seguido por outro no ano que vem, em que se começa a pagar a conta do empréstimo às distribuidoras.
Na quinta-feira, foi divulgado o aumento da miséria que havia sido adiado pelo Ipea. Na sexta, seriam divulgados os dados de desmatamento, mas depois o governo recuou. Esses dados, do sistema de alerta em tempo real, têm que sair mensalmente. O governo continua escondendo que o desmatamento aumentou.
Nestas duas semanas está sendo desmontado o palanque: a cada dia se confirma algo que era negado. O problema é que desta forma ela não atrai quem não votou nela e pode decepcionar quem acreditou no que a propaganda oficial dizia. Os que se abstiveram não têm motivos para entusiasmo diante dessa triste forma de fazer política.
Dilemas de Dilma Rousseff - SUELY CALDAS
O ESTADO DE S.PAULO - 09/11
O que os brasileiros podem esperar da gestão Dilma Rousseff nos próximos quatro anos? Não sei. E suspeito de que a presidente recém-eleita também não saiba. Na economia ela fez, até agora, o que durante a campanha eleitoral ela disse que não faria: elevou juros, aumentou o preço dos combustíveis e deixou o dólar correr mais frouxo. Demitiu o ministro da Fazenda e disse que só vai anunciar o substituto "semanas" (não disse quantas) depois da reunião do G-20 (15/11 e 16/11), alimentando dúvidas e a desconfiança dos empresários.
Depois de eleita, Dilma deu entrevistas a quatro emissoras de TV, tirou quatro dias de férias e chamou quatro jornais para uma conversa na quinta-feira. Nas entrevistas, repetiu a promessa de punir a corrupção ("doa a quem doer") feita há quatro anos, na primeira posse, e não cumprida; declarou-se "estarrecida" com as reações da oposição; avisou que "nem que a vaca tussa" vai extinguir ministérios; e chamou tarifas represadas de "lorota". Prometeu "cortar gastos e apertar o controle da inflação", sem especificar o que fará para consegui-lo. E falou muito de "diálogo", mas não apresentou propostas nem definiu sobre o que dialogar.
Há quatro anos, Dilma Rousseff chegou à Presidência com ideias. Algumas descosturadas, outras equivocadas, mas ideias. Quase tudo deu errado. O Produto Interno Bruto (PIB) desabou, o desequilíbrio fiscal piorou, a inflação disparou, a taxa de investimento recuou, o comércio exterior ficou deficitário, a arrecadação tributária caiu com a economia em queda e desonerações desconexas, a indústria perdeu importância, o valor da Petrobrás despencou, as empresas elétricas se desorganizaram, desvalorizaram e com a seca passaram a viver de subsídios que o governo atrasa e demora a pagar.
Os fracassos geraram perda de confiança em seu governo - de investidores, de empresários e de 51 milhões de brasileiros que votaram na oposição. Os acertos em sua gestão são os programas sociais que distribuíram renda aos mais pobres, a baixa taxa de desemprego e o aumento da renda dos salários. Mas, se a economia não prosperar, os investimentos não retornarem e o País não voltar a crescer, as conquistas sociais ficam ameaçadas (o desemprego já reapareceu).
O segundo mandato começa com um dilema para Dilma: o que fazer agora? Na campanha eleitoral seu lema foi "governo novo, ideias novas", mas o que apresentar de novo aos brasileiros? A demora na escolha do ministro da Fazenda é sintoma das indefinições de Dilma. Ela recusou três nomes sugeridos por Lula: dois por vê-los ligados ao mercado financeiro e o terceiro por ter sido seu desafeto no passado. Na verdade, ela preferiria alguém com experiência, competência, respeito e reconhecimento do mundo econômico e capacidade de reunir uma boa equipe, de formular um novo programa de governo na direção do crescimento e de devolver a confiança perdida no primeiro mandato. Existem profissionais com esse perfil, mas difícil é ela encontrar alguém com todos esses atributos e que acate sem discutir, muito menos contestar, suas assíduas e não raro disparatadas interferências (ou imposições?). Como foi Guido Mantega.
Não há ministro, não há equipe econômica nova nem ideias diferentes das que ela já experimentou e deram errado. Nestes quatro anos de governo ela resistiu em reconhecer e corrigir erros. Como no caso da privatização dos Aeroportos do Galeão (RJ) e de Confins (MG), em que ela insistia em fazer da Infraero sócia majoritária, ingenuamente acreditando que empresas operadoras de grandes aeroportos do mundo correriam a trazer sua experiência para o Brasil na condição de sócias minoritárias e sob as ordens da Infraero - empresa alvo de investigações da CPI do Apagão aéreo. Dilma chegou a enviar ao exterior missão chefiada pela ex-ministra Gleisi Hoffmann para consultar as maiores operadoras de aeroportos. Todas recusaram. Dilma acabou se rendendo à realidade porque a Copa do Mundo estava à porta e os dois aeroportos precisavam de obras.
Por enquanto, só há incertezas para os próximos quatro anos. Dos brasileiros e dela.
O que os brasileiros podem esperar da gestão Dilma Rousseff nos próximos quatro anos? Não sei. E suspeito de que a presidente recém-eleita também não saiba. Na economia ela fez, até agora, o que durante a campanha eleitoral ela disse que não faria: elevou juros, aumentou o preço dos combustíveis e deixou o dólar correr mais frouxo. Demitiu o ministro da Fazenda e disse que só vai anunciar o substituto "semanas" (não disse quantas) depois da reunião do G-20 (15/11 e 16/11), alimentando dúvidas e a desconfiança dos empresários.
Depois de eleita, Dilma deu entrevistas a quatro emissoras de TV, tirou quatro dias de férias e chamou quatro jornais para uma conversa na quinta-feira. Nas entrevistas, repetiu a promessa de punir a corrupção ("doa a quem doer") feita há quatro anos, na primeira posse, e não cumprida; declarou-se "estarrecida" com as reações da oposição; avisou que "nem que a vaca tussa" vai extinguir ministérios; e chamou tarifas represadas de "lorota". Prometeu "cortar gastos e apertar o controle da inflação", sem especificar o que fará para consegui-lo. E falou muito de "diálogo", mas não apresentou propostas nem definiu sobre o que dialogar.
Há quatro anos, Dilma Rousseff chegou à Presidência com ideias. Algumas descosturadas, outras equivocadas, mas ideias. Quase tudo deu errado. O Produto Interno Bruto (PIB) desabou, o desequilíbrio fiscal piorou, a inflação disparou, a taxa de investimento recuou, o comércio exterior ficou deficitário, a arrecadação tributária caiu com a economia em queda e desonerações desconexas, a indústria perdeu importância, o valor da Petrobrás despencou, as empresas elétricas se desorganizaram, desvalorizaram e com a seca passaram a viver de subsídios que o governo atrasa e demora a pagar.
Os fracassos geraram perda de confiança em seu governo - de investidores, de empresários e de 51 milhões de brasileiros que votaram na oposição. Os acertos em sua gestão são os programas sociais que distribuíram renda aos mais pobres, a baixa taxa de desemprego e o aumento da renda dos salários. Mas, se a economia não prosperar, os investimentos não retornarem e o País não voltar a crescer, as conquistas sociais ficam ameaçadas (o desemprego já reapareceu).
O segundo mandato começa com um dilema para Dilma: o que fazer agora? Na campanha eleitoral seu lema foi "governo novo, ideias novas", mas o que apresentar de novo aos brasileiros? A demora na escolha do ministro da Fazenda é sintoma das indefinições de Dilma. Ela recusou três nomes sugeridos por Lula: dois por vê-los ligados ao mercado financeiro e o terceiro por ter sido seu desafeto no passado. Na verdade, ela preferiria alguém com experiência, competência, respeito e reconhecimento do mundo econômico e capacidade de reunir uma boa equipe, de formular um novo programa de governo na direção do crescimento e de devolver a confiança perdida no primeiro mandato. Existem profissionais com esse perfil, mas difícil é ela encontrar alguém com todos esses atributos e que acate sem discutir, muito menos contestar, suas assíduas e não raro disparatadas interferências (ou imposições?). Como foi Guido Mantega.
Não há ministro, não há equipe econômica nova nem ideias diferentes das que ela já experimentou e deram errado. Nestes quatro anos de governo ela resistiu em reconhecer e corrigir erros. Como no caso da privatização dos Aeroportos do Galeão (RJ) e de Confins (MG), em que ela insistia em fazer da Infraero sócia majoritária, ingenuamente acreditando que empresas operadoras de grandes aeroportos do mundo correriam a trazer sua experiência para o Brasil na condição de sócias minoritárias e sob as ordens da Infraero - empresa alvo de investigações da CPI do Apagão aéreo. Dilma chegou a enviar ao exterior missão chefiada pela ex-ministra Gleisi Hoffmann para consultar as maiores operadoras de aeroportos. Todas recusaram. Dilma acabou se rendendo à realidade porque a Copa do Mundo estava à porta e os dois aeroportos precisavam de obras.
Por enquanto, só há incertezas para os próximos quatro anos. Dos brasileiros e dela.
Caixinha de surpresas - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 09/11
O PMDB pode tolerar a arrogância petista, mas não ao ponto de aceitar seu próprio fim
Gostaria de deixar claro que, muito embora tenha criticado a atuação de Dilma Rousseff e do PT durante a campanha eleitoral, não torço para que seu governo fracasse, mesmo porque o que está em jogo, neste caso, é o interesse do país e, consequentemente, o interesse de todos nós.
Na última crônica, afirmei que Dilma terá de enfrentar graves problemas, tanto no plano econômico e político, como nos escândalos que envolvem a Petrobras e o próprio partido do governo. Não me rejubilo com isso. Apenas constato o que está evidente para todo mundo que acompanha a vida política brasileira.
Não resta dúvida que o escândalo das propinas, na Petrobras, não foi inventado pela imprensa, como já agora admite a própria Dilma.
Não sei qual é o grau de envolvimento que têm ela e Lula com esses escândalos, mas espero, como todo cidadão, que os fatos sejam apurados e os culpados, punidos. E certamente ela própria, a presidente da República, pensará assim, uma vez que, durante a campanha eleitoral, sempre se declarou contra a corrupção e a favor da punição dos culpados. Quanto a esse ponto, portanto, podemos ficar tranquilos. Ou não?
Que Dilma neste segundo mandato enfrentará grandes dificuldades não é opinião apenas minha, mas sim da maioria dos comentaristas políticos e até mesmo de gente do governo. E isso se tornou evidente, mais cedo do que todos esperavam, uma vez que, dois dias após sua vitória nas urnas já a Câmara dos Deputados recusava sua proposta de criação dos conselhos populares. Ela já havia feito a proposta de reforma política através de plebiscito, como resposta às manifestações populares de junho do ano passado. Não houve receptividade dos parlamentares.
A derrota de Dilma, agora, surpreendeu a todo mundo, inclusive, creio eu, a ela própria e seu pessoal, conforme se deduz da declaração do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para quem a decisão da maioria dos deputados foi uma vitória de Pirro, que seria, além do mais, "anacrônica e contra a vontade irreversível da população". Quem disse isso a ele, não se sabe.
Trata-se, sem dúvida, da declaração de alguém que ficou surpreso e indignado com a tal derrota, e a tal ponto que agrediu a seu principal aliado no Congresso, que é o PMDB, cujos dirigentes consideram a criação dos conselhos populares um modo de enfraquecer o Legislativo.
Na verdade, a criação dos conselhos populares seria um avanço. Errado seria entregar a eles a realização da reforma política, que implica o conhecimento cabal das questões jurídicas e políticas envolvidas em tal tarefa. É claro que a maioria das pessoas --e aí me incluo-- não tem conhecimento e capacidade exigidos para a realização de uma reforma dessa natureza.
Falando francamente, a proposta de Dilma Rousseff é, como frequentemente ocorre, populista, ou seja, apela para aquele setor da sociedade que, usufruindo da generosidade oficial, pode ser facilmente manipulado.
Ao contrário do que afirmou o ministro Gilberto Carvalho, anacrônico é tentar sobrepor a chamada massa popular ao Congresso, democraticamente eleito para legislar, como têm feito os governos bolivarianos. O PMDB pode tolerar a arrogância petista, mas não ao ponto de aceitar seu próprio fim.
Em sua declaração, o ministro dá a entender que a derrota da proposta de Dilma se deveu à oposição, quando se sabe que esta não tem o número de deputados suficiente para derrotar o governo. Renan Calheiros chegou a garantir isso, ao afirmar que também no Senado a proposta oficial seria rejeitada.
Outra surpresa destes primeiros dias após a reeleição foi a inesperada decisão do Banco Central, aumentando a taxa Selic para 11,25%.
Ninguém contava com isso, mesmo porque, durante toda a campanha eleitoral, a candidata petista garantia que seu oponente, se eleito, aumentaria os juros e com isso provocaria milhões de desempregos. Por isso, ninguém sabe se esse aumento dos juros foi decisão dela mesma ou rebeldia do Banco Central.
Nesta semana, mais surpresas: caiu para 0,24% a previsão do crescimento e surgiu novo escândalo, agora envolvendo a Transpetro, subsidiária da Petrobras. E o segundo mandato de Dilma ainda não começou.
O PMDB pode tolerar a arrogância petista, mas não ao ponto de aceitar seu próprio fim
Gostaria de deixar claro que, muito embora tenha criticado a atuação de Dilma Rousseff e do PT durante a campanha eleitoral, não torço para que seu governo fracasse, mesmo porque o que está em jogo, neste caso, é o interesse do país e, consequentemente, o interesse de todos nós.
Na última crônica, afirmei que Dilma terá de enfrentar graves problemas, tanto no plano econômico e político, como nos escândalos que envolvem a Petrobras e o próprio partido do governo. Não me rejubilo com isso. Apenas constato o que está evidente para todo mundo que acompanha a vida política brasileira.
Não resta dúvida que o escândalo das propinas, na Petrobras, não foi inventado pela imprensa, como já agora admite a própria Dilma.
Não sei qual é o grau de envolvimento que têm ela e Lula com esses escândalos, mas espero, como todo cidadão, que os fatos sejam apurados e os culpados, punidos. E certamente ela própria, a presidente da República, pensará assim, uma vez que, durante a campanha eleitoral, sempre se declarou contra a corrupção e a favor da punição dos culpados. Quanto a esse ponto, portanto, podemos ficar tranquilos. Ou não?
Que Dilma neste segundo mandato enfrentará grandes dificuldades não é opinião apenas minha, mas sim da maioria dos comentaristas políticos e até mesmo de gente do governo. E isso se tornou evidente, mais cedo do que todos esperavam, uma vez que, dois dias após sua vitória nas urnas já a Câmara dos Deputados recusava sua proposta de criação dos conselhos populares. Ela já havia feito a proposta de reforma política através de plebiscito, como resposta às manifestações populares de junho do ano passado. Não houve receptividade dos parlamentares.
A derrota de Dilma, agora, surpreendeu a todo mundo, inclusive, creio eu, a ela própria e seu pessoal, conforme se deduz da declaração do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para quem a decisão da maioria dos deputados foi uma vitória de Pirro, que seria, além do mais, "anacrônica e contra a vontade irreversível da população". Quem disse isso a ele, não se sabe.
Trata-se, sem dúvida, da declaração de alguém que ficou surpreso e indignado com a tal derrota, e a tal ponto que agrediu a seu principal aliado no Congresso, que é o PMDB, cujos dirigentes consideram a criação dos conselhos populares um modo de enfraquecer o Legislativo.
Na verdade, a criação dos conselhos populares seria um avanço. Errado seria entregar a eles a realização da reforma política, que implica o conhecimento cabal das questões jurídicas e políticas envolvidas em tal tarefa. É claro que a maioria das pessoas --e aí me incluo-- não tem conhecimento e capacidade exigidos para a realização de uma reforma dessa natureza.
Falando francamente, a proposta de Dilma Rousseff é, como frequentemente ocorre, populista, ou seja, apela para aquele setor da sociedade que, usufruindo da generosidade oficial, pode ser facilmente manipulado.
Ao contrário do que afirmou o ministro Gilberto Carvalho, anacrônico é tentar sobrepor a chamada massa popular ao Congresso, democraticamente eleito para legislar, como têm feito os governos bolivarianos. O PMDB pode tolerar a arrogância petista, mas não ao ponto de aceitar seu próprio fim.
Em sua declaração, o ministro dá a entender que a derrota da proposta de Dilma se deveu à oposição, quando se sabe que esta não tem o número de deputados suficiente para derrotar o governo. Renan Calheiros chegou a garantir isso, ao afirmar que também no Senado a proposta oficial seria rejeitada.
Outra surpresa destes primeiros dias após a reeleição foi a inesperada decisão do Banco Central, aumentando a taxa Selic para 11,25%.
Ninguém contava com isso, mesmo porque, durante toda a campanha eleitoral, a candidata petista garantia que seu oponente, se eleito, aumentaria os juros e com isso provocaria milhões de desempregos. Por isso, ninguém sabe se esse aumento dos juros foi decisão dela mesma ou rebeldia do Banco Central.
Nesta semana, mais surpresas: caiu para 0,24% a previsão do crescimento e surgiu novo escândalo, agora envolvendo a Transpetro, subsidiária da Petrobras. E o segundo mandato de Dilma ainda não começou.
O embate continua - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 09/11
O andar da carruagem não deixa dúvida: a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados vai repetir o clima de beligerância que marcou a eleição presidencial. Guardadas as devidas proporções e observado o reposicionamento dos personagens na arena, o PT estará de novo no centro de um embate pesado na defesa de seus espaços de poder.
A escolha do novo presidente é só em fevereiro, mas os partidos já delimitam seus terrenos, mostram suas armas e, pela primeira vez desde que se tornaram parceiros no Planalto, PT e PMDB partem para um enfrentamento direto. São as duas maiores forças com representação na Câmara.
O PMDB apresenta Eduardo Cunha, o líder da bancada, como candidato. O PT anuncia que não aceita e lançará um dos seus para combatê-lo. Faz o gesto inesperado do veto, carimba em Cunha a marca de "oposicionista" e, com isso, dá margem à interpretação de que considera declarada a guerra.
Enquanto os dois aliados polarizam, o PSDB, adversário na eleição, em princípio aposta na terceira via e pensa seriamente em lançar a candidatura do deputado Júlio Delgado (PSB). Na eleição passada ele teve 167 votos para a presidência da Câmara contra Henrique Eduardo Alves. Delgado examina a conveniência da empreitada, pois não vê sentido em entrar numa disputa apenas para marcar posição. "Ou vou para tentar ganhar e qualificar o Parlamento ou não vou."
Para "ir" ele precisa transpor dois obstáculos: a decisão do PSB sobre apoio ao governo ou à oposição e a tomada de posição dos tucanos entre sustentar realmente um nome de oposição ou preferir aderir a Eduardo Cunha no intuito de derrotar o Palácio do Planalto.
O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira, tende a achar que o melhor é a oposição não ficar a reboque do PMDB. "Não podemos perder de vista que, divergências à parte, o partido é governo." Em outros termos, de certa forma concorda com ele o deputado Lúcio Vieira Lima, do PMDB, que rechaça a pecha de candidatura "oposicionista" para Eduardo Cunha.
"Ele não é chapa branca, representa a insatisfação da Casa com a imposição de vontades do Executivo. Com essa candidatura, não queremos derrotar ninguém, mas apenas afirmar a independência do Legislativo. Se a oposição compreender isso, entenderá que é melhor vir conosco, embora tenha todo o direito de apresentar um nome, assim como o PT."
Já petistas que participaram da reunião da bancada em que foi decidido o veto a Eduardo Cunha e o lançamento de candidatura própria argumentam que não são justos os ataques que apontam para o desejo de o PT conquistar hegemonia de poder.
Ainda mais partindo do PMDB, que tem nas mãos as presidências da Câmara e do Senado, além da vice-presidência da República. "A menos que reconheçam que Michel Temer na vice-presidência não vale nada", diz um deles, lembrando que o PT tem o maior número de deputados e, assim, tem o mesmo direito de aspirar à presidência da Câmara que o PMDB de presidir o Senado, onde tem a maior bancada.
Presença vip. Além do anúncio das medidas adiadas em função das necessidades eleitorais, outra mudança é possível observar na presidente Dilma Rousseff marcando desde já o início do segundo mandato: ela está muito mais loquaz. Sociável, até.
Recebeu parlamentares, deu entrevista coletiva para os principais jornais, falou para emissoras de televisão, discursou em cerimônia oficial abordando tema político, enfim, fez o que lhe cabia "no que se refere" a não deixar a oposição tomar sozinha conta da cena.
Quanto às questões de conteúdo necessárias para refazer os malfeitos, a presidente continuou devendo maiores esclarecimentos. Tanto é assim que da longa entrevista o que se extraiu de destaque no noticiário foi a promessa de fazer "o dever de casa". Depois de quatro anos de mandato.
O andar da carruagem não deixa dúvida: a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados vai repetir o clima de beligerância que marcou a eleição presidencial. Guardadas as devidas proporções e observado o reposicionamento dos personagens na arena, o PT estará de novo no centro de um embate pesado na defesa de seus espaços de poder.
A escolha do novo presidente é só em fevereiro, mas os partidos já delimitam seus terrenos, mostram suas armas e, pela primeira vez desde que se tornaram parceiros no Planalto, PT e PMDB partem para um enfrentamento direto. São as duas maiores forças com representação na Câmara.
O PMDB apresenta Eduardo Cunha, o líder da bancada, como candidato. O PT anuncia que não aceita e lançará um dos seus para combatê-lo. Faz o gesto inesperado do veto, carimba em Cunha a marca de "oposicionista" e, com isso, dá margem à interpretação de que considera declarada a guerra.
Enquanto os dois aliados polarizam, o PSDB, adversário na eleição, em princípio aposta na terceira via e pensa seriamente em lançar a candidatura do deputado Júlio Delgado (PSB). Na eleição passada ele teve 167 votos para a presidência da Câmara contra Henrique Eduardo Alves. Delgado examina a conveniência da empreitada, pois não vê sentido em entrar numa disputa apenas para marcar posição. "Ou vou para tentar ganhar e qualificar o Parlamento ou não vou."
Para "ir" ele precisa transpor dois obstáculos: a decisão do PSB sobre apoio ao governo ou à oposição e a tomada de posição dos tucanos entre sustentar realmente um nome de oposição ou preferir aderir a Eduardo Cunha no intuito de derrotar o Palácio do Planalto.
O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira, tende a achar que o melhor é a oposição não ficar a reboque do PMDB. "Não podemos perder de vista que, divergências à parte, o partido é governo." Em outros termos, de certa forma concorda com ele o deputado Lúcio Vieira Lima, do PMDB, que rechaça a pecha de candidatura "oposicionista" para Eduardo Cunha.
"Ele não é chapa branca, representa a insatisfação da Casa com a imposição de vontades do Executivo. Com essa candidatura, não queremos derrotar ninguém, mas apenas afirmar a independência do Legislativo. Se a oposição compreender isso, entenderá que é melhor vir conosco, embora tenha todo o direito de apresentar um nome, assim como o PT."
Já petistas que participaram da reunião da bancada em que foi decidido o veto a Eduardo Cunha e o lançamento de candidatura própria argumentam que não são justos os ataques que apontam para o desejo de o PT conquistar hegemonia de poder.
Ainda mais partindo do PMDB, que tem nas mãos as presidências da Câmara e do Senado, além da vice-presidência da República. "A menos que reconheçam que Michel Temer na vice-presidência não vale nada", diz um deles, lembrando que o PT tem o maior número de deputados e, assim, tem o mesmo direito de aspirar à presidência da Câmara que o PMDB de presidir o Senado, onde tem a maior bancada.
Presença vip. Além do anúncio das medidas adiadas em função das necessidades eleitorais, outra mudança é possível observar na presidente Dilma Rousseff marcando desde já o início do segundo mandato: ela está muito mais loquaz. Sociável, até.
Recebeu parlamentares, deu entrevista coletiva para os principais jornais, falou para emissoras de televisão, discursou em cerimônia oficial abordando tema político, enfim, fez o que lhe cabia "no que se refere" a não deixar a oposição tomar sozinha conta da cena.
Quanto às questões de conteúdo necessárias para refazer os malfeitos, a presidente continuou devendo maiores esclarecimentos. Tanto é assim que da longa entrevista o que se extraiu de destaque no noticiário foi a promessa de fazer "o dever de casa". Depois de quatro anos de mandato.
O cenário é ruim no setor elétrico - ADRIANO PIRES
GAZETA DO POVO - PR - 09/11
O setor de energia elétrica encontra-se numa crise sem precedentes e a solução para que voltemos aos trilhos exigirá medidas muito duras no curto prazo e muito planejamento, gestão e regulação no médio e longo prazos.
Os cenários para 2015, já com um novo governo, serão basicamente dois. No primeiro, assumimos que vai chover bastante entre novembro de 2014 e abril de 2015 e, com isso, o abastecimento estaria assegurado. No entanto, para que os reservatórios atinjam níveis mais confortáveis, as usinas térmicas permaneceriam ligadas, o que faria que os preços da energia permanecessem muito elevados. No segundo cenário, as chuvas vêm com pouca intensidade durante o período úmido, e com isso teremos de decretar um racionamento em abril ou maio de 2015.
O primeiro cenário é melhor por evitar o racionamento, fato politicamente ruim, principalmente no início de um novo governo; mas, por outro lado, teremos a continuidade de um ciclo de preços muito altos, que têm provocado – e continuarão a provocar – danos irreparáveis aos agentes do setor e à própria economia. Portanto, me parece que o país não resiste a esse cenário de preços em torno de R$ 500 por MWh. Uma medida que certamente será tomada para minimizar os problemas decorrentes desse cenário é fixar um novo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) num patamar bem inferior ao atual, de R$ 822/MWh. No entanto, é importante lembrar que alterações no PLD de forma arbitrária e unilateral representam uma nova mudança nas regras do jogo, o que contribui para elevar ainda mais o risco regulatório e a insegurança jurídica, que praticamente já bateram no teto.
O cenário do racionamento tem de ser encarado como possível e, nesse caso, teremos de fazer do limão a limonada. O racionamento de 2001 custou, a preços de hoje, R$ 25 bilhões, enquanto a atual política de negar os problemas e fazer populismo já ultrapassou os R$ 100 bilhões. Na realidade, o racionamento de 2015 já deveria ter sido feito em 2014 e só não aconteceu pelo fato de a política do setor estar atrelada ao calendário eleitoral. Essa subordinação ao calendário eleitoral fez o governo errar na forma como publicou a Medida Provisória 579 e administrar de forma temerária os reservatórios das usinas, que podem chegar ao fim de 2014 com níveis entre 15% e 17%. Portanto, com ou sem um racionamento, teremos de colocar ordem na casa.
Além do aumento da fragilidade do sistema, as consequências da desorganização do setor têm tido um custo elevado. Estima-se que somente no triênio 2012-2014 sejam gastos R$ 100 bilhões em recursos provenientes do próprio sistema elétrico, do Tesouro Nacional e dos empréstimos das distribuidoras no sistema bancário. Os consumidores pagarão 2/3 e os contribuintes, 1/3. E, ainda assim, as tarifas ao consumidor têm apresentado reajustes acima de 20% e em 2015 o estimado também é de aumentos de 20%. É fundamental que o próximo governo implante mudanças modernizantes na administração do setor elétrico. Caso contrário, a energia elétrica irá impedir o crescimento da economia.
O setor de energia elétrica encontra-se numa crise sem precedentes e a solução para que voltemos aos trilhos exigirá medidas muito duras no curto prazo e muito planejamento, gestão e regulação no médio e longo prazos.
Os cenários para 2015, já com um novo governo, serão basicamente dois. No primeiro, assumimos que vai chover bastante entre novembro de 2014 e abril de 2015 e, com isso, o abastecimento estaria assegurado. No entanto, para que os reservatórios atinjam níveis mais confortáveis, as usinas térmicas permaneceriam ligadas, o que faria que os preços da energia permanecessem muito elevados. No segundo cenário, as chuvas vêm com pouca intensidade durante o período úmido, e com isso teremos de decretar um racionamento em abril ou maio de 2015.
O primeiro cenário é melhor por evitar o racionamento, fato politicamente ruim, principalmente no início de um novo governo; mas, por outro lado, teremos a continuidade de um ciclo de preços muito altos, que têm provocado – e continuarão a provocar – danos irreparáveis aos agentes do setor e à própria economia. Portanto, me parece que o país não resiste a esse cenário de preços em torno de R$ 500 por MWh. Uma medida que certamente será tomada para minimizar os problemas decorrentes desse cenário é fixar um novo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) num patamar bem inferior ao atual, de R$ 822/MWh. No entanto, é importante lembrar que alterações no PLD de forma arbitrária e unilateral representam uma nova mudança nas regras do jogo, o que contribui para elevar ainda mais o risco regulatório e a insegurança jurídica, que praticamente já bateram no teto.
O cenário do racionamento tem de ser encarado como possível e, nesse caso, teremos de fazer do limão a limonada. O racionamento de 2001 custou, a preços de hoje, R$ 25 bilhões, enquanto a atual política de negar os problemas e fazer populismo já ultrapassou os R$ 100 bilhões. Na realidade, o racionamento de 2015 já deveria ter sido feito em 2014 e só não aconteceu pelo fato de a política do setor estar atrelada ao calendário eleitoral. Essa subordinação ao calendário eleitoral fez o governo errar na forma como publicou a Medida Provisória 579 e administrar de forma temerária os reservatórios das usinas, que podem chegar ao fim de 2014 com níveis entre 15% e 17%. Portanto, com ou sem um racionamento, teremos de colocar ordem na casa.
Além do aumento da fragilidade do sistema, as consequências da desorganização do setor têm tido um custo elevado. Estima-se que somente no triênio 2012-2014 sejam gastos R$ 100 bilhões em recursos provenientes do próprio sistema elétrico, do Tesouro Nacional e dos empréstimos das distribuidoras no sistema bancário. Os consumidores pagarão 2/3 e os contribuintes, 1/3. E, ainda assim, as tarifas ao consumidor têm apresentado reajustes acima de 20% e em 2015 o estimado também é de aumentos de 20%. É fundamental que o próximo governo implante mudanças modernizantes na administração do setor elétrico. Caso contrário, a energia elétrica irá impedir o crescimento da economia.
A hora é de temperança - GAUDÊNCIO TORQUATO
O ESTADO DE S.PAULO - 09/11
Não há mais como esconder o sol com a peneira. A presidente reeleita, os novos governantes estaduais e a representação no Congresso Nacional terão de enfrentar nos próximos tempos o sol mais abrasador de verões que o País viveu nas últimas décadas.
Há razões de sobra para demonstrar a hipótese, mas fixemos a atenção em apenas numa: a sociedade organizada está adiante do universo político. O que quer dizer que a comunidade nacional, abrigada em núcleos de interesse e em fortalezas de demandas, está um passo à frente dos mandatários; e estes, infelizmente, não têm conseguido acompanhar as massas apressadas e estabelecer com elas pontes de acesso e diálogo. É visível a distância entre as esferas política e social, principalmente quando se constata que a profusão de demandas reprimidas não consegue entrar nos ouvidos de representantes inertes e insensíveis.
As manifestações que despertaram a sociedade em meados do ano passado e se estenderam por bom tempo refluíram, dando passagem à onda eleitoral, mas não significa que tenham sido enterradas nas urnas. Ao contrário, a qualquer momento podem dar sinal de vida, se não de maneira estrondosa e impactante, ao menos de modo pontual, atacando aqui e ali as carências nas áreas de mobilidade urbana, moradia, degradação ambiental, falta d'água, assentamentos, demarcação de terras, etc. A propósito, a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz acaba de identificar 490 pontos de tensão no País, nas áreas urbanas e rurais de todos os Estados. Essas bombas-relógio deverão ser desarmadas pelos chefes de Poder que governarão o País nos próximos quatro anos, sob pena de vermos vulcões jorrando lava aqui e ali.
As massas aguardam apenas o momento adequado para disparar sua munição. Ou, pelo alfabeto de Elias Canetti no clássico Massa e Poder, para jogar sua descarga, fenômeno em que ele descreve os componentes das turbas como pessoas iguais, unidas e em uníssono usando a força para obter, de quem detém as rédeas do poder, soluções para os problemas. Quando as demandas chegam ao pico, em decorrência de carências que se tornam agudas - como a escassez de água, o disparo da inflação, o aumento do preço da cesta básica, o esgotamento dos meios de transporte urbano -, as massas tendem a expandir sua densidade e procurar um direcionamento. Se suas metas não forem atendidas, não se extinguem, podem se recolher momentaneamente para, mais adiante, voltarem com maior ímpeto ao palco das pressões. Pelo visto, o ânimo das massas passa ao largo da sensibilidade dos governantes - não se viram até agora obras de vulto ou investimentos de porte para desobstruir os gargalos que têm originado as manifestações de rua nas grandes cidades e nas áreas rurais; e também não veremos um 2015 pacificado.
As camadas tectônicas da política ainda não se acomodaram no território dividido pelo voto. E é pouco provável que se ajustem no curto prazo, até porque os exércitos dos dois lados, alinhados durante a sangrenta batalha eleitoral, continuam a disparar seus canhões pelas redes sociais, atirando a torto e a direito, usando munição pesada dos anos de chumbo, no caso, apelos radicais pela volta dos militares, ou exageros como palavras de ordem pelo impeachment da mandatária reeleita.
O debate faz bem à democracia, mas o discurso político, parta de onde partir, mesmo ancorado na animosidade, há de se regrar pelo império da lei e da ordem. Essa é a direção que se enxerga da fala do candidato tucano derrotado, indício de que a oposição tende a desempenhar seu papel sem extrapolar o limite do bom senso. Da candidata reeleita já se ouviu a peroração com foco no diálogo. Resta esforçar-se para que a militância petista, vestindo a roupa de milícia disposta a usar armas de grosso calibre, se convença de que o acirramento de ânimos não é a melhor estratégia.
Ao Congresso Nacional cabe uma releitura do País que saiu das urnas, com ênfase ao clamor de grupos e regiões, sem procurar protelar a agenda das reformas, particularmente a que lhe diz mais respeito, a reforma política. Pouco adianta olhar para o retrovisor e perder tempo com a querela verbal do pleito. Os partidos urge chegarem a um mínimo de consenso em torno de pontos centrais para a mudança dos padrões da política. Não é possível que os atores não percebam que a sociedade anda a passos geométricos enquanto a esfera representativa arrasta os pés em compasso aritmético. Ou será que não enxergam a possibilidade de um ciclo legislativo tumultuado, com os corredores e salões das Casas congressuais ocupados pelos movimentos organizados? O País não suporta conviver com a postergação de medidas de correção de rumos.
Senhores políticos de todos os partidos, afastem tal risco. Senhores do PT, tenham cuidado com a ideia de construir um "Brasil democrático-popular", eis que a argamassa a ser usada nesse empreendimento - revolução cultural, luta de classes, revisão da Lei da Anistia, reforma e desmilitarização das Polícias Militares, entre outras medidas avocadas na nota da Comissão Executiva do PT, semana passada - pode fazer desabar a construção. A convocação para a militância acorrer às ruas é saudável quando a causa for a defesa do Estado de Direito. Nossa Constituição estabelece os meios para a democracia direta - plebiscito, referendo e projetos de lei de iniciativa popular. A criação de um amontoado de instâncias populares com essa finalidade poderá descambar no caos. E um controle social da mídia (seja lá o que for isso) tem jeitinho de disfarce para censura. Ou nossa democracia representativa está exaurida?
Muita calma com o andor. Lembrem-se da observação de Thomas Hobbes, ante a moldura de uma sociedade que se defronta com horizontes embaçados pela fumaça de incêndios prolongados: "Nesse estágio em que nada mais se vê e se apresenta, o trunfo é paus".
Longe de nós mudança na base do "pé na porta".
Não há mais como esconder o sol com a peneira. A presidente reeleita, os novos governantes estaduais e a representação no Congresso Nacional terão de enfrentar nos próximos tempos o sol mais abrasador de verões que o País viveu nas últimas décadas.
Há razões de sobra para demonstrar a hipótese, mas fixemos a atenção em apenas numa: a sociedade organizada está adiante do universo político. O que quer dizer que a comunidade nacional, abrigada em núcleos de interesse e em fortalezas de demandas, está um passo à frente dos mandatários; e estes, infelizmente, não têm conseguido acompanhar as massas apressadas e estabelecer com elas pontes de acesso e diálogo. É visível a distância entre as esferas política e social, principalmente quando se constata que a profusão de demandas reprimidas não consegue entrar nos ouvidos de representantes inertes e insensíveis.
As manifestações que despertaram a sociedade em meados do ano passado e se estenderam por bom tempo refluíram, dando passagem à onda eleitoral, mas não significa que tenham sido enterradas nas urnas. Ao contrário, a qualquer momento podem dar sinal de vida, se não de maneira estrondosa e impactante, ao menos de modo pontual, atacando aqui e ali as carências nas áreas de mobilidade urbana, moradia, degradação ambiental, falta d'água, assentamentos, demarcação de terras, etc. A propósito, a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz acaba de identificar 490 pontos de tensão no País, nas áreas urbanas e rurais de todos os Estados. Essas bombas-relógio deverão ser desarmadas pelos chefes de Poder que governarão o País nos próximos quatro anos, sob pena de vermos vulcões jorrando lava aqui e ali.
As massas aguardam apenas o momento adequado para disparar sua munição. Ou, pelo alfabeto de Elias Canetti no clássico Massa e Poder, para jogar sua descarga, fenômeno em que ele descreve os componentes das turbas como pessoas iguais, unidas e em uníssono usando a força para obter, de quem detém as rédeas do poder, soluções para os problemas. Quando as demandas chegam ao pico, em decorrência de carências que se tornam agudas - como a escassez de água, o disparo da inflação, o aumento do preço da cesta básica, o esgotamento dos meios de transporte urbano -, as massas tendem a expandir sua densidade e procurar um direcionamento. Se suas metas não forem atendidas, não se extinguem, podem se recolher momentaneamente para, mais adiante, voltarem com maior ímpeto ao palco das pressões. Pelo visto, o ânimo das massas passa ao largo da sensibilidade dos governantes - não se viram até agora obras de vulto ou investimentos de porte para desobstruir os gargalos que têm originado as manifestações de rua nas grandes cidades e nas áreas rurais; e também não veremos um 2015 pacificado.
As camadas tectônicas da política ainda não se acomodaram no território dividido pelo voto. E é pouco provável que se ajustem no curto prazo, até porque os exércitos dos dois lados, alinhados durante a sangrenta batalha eleitoral, continuam a disparar seus canhões pelas redes sociais, atirando a torto e a direito, usando munição pesada dos anos de chumbo, no caso, apelos radicais pela volta dos militares, ou exageros como palavras de ordem pelo impeachment da mandatária reeleita.
O debate faz bem à democracia, mas o discurso político, parta de onde partir, mesmo ancorado na animosidade, há de se regrar pelo império da lei e da ordem. Essa é a direção que se enxerga da fala do candidato tucano derrotado, indício de que a oposição tende a desempenhar seu papel sem extrapolar o limite do bom senso. Da candidata reeleita já se ouviu a peroração com foco no diálogo. Resta esforçar-se para que a militância petista, vestindo a roupa de milícia disposta a usar armas de grosso calibre, se convença de que o acirramento de ânimos não é a melhor estratégia.
Ao Congresso Nacional cabe uma releitura do País que saiu das urnas, com ênfase ao clamor de grupos e regiões, sem procurar protelar a agenda das reformas, particularmente a que lhe diz mais respeito, a reforma política. Pouco adianta olhar para o retrovisor e perder tempo com a querela verbal do pleito. Os partidos urge chegarem a um mínimo de consenso em torno de pontos centrais para a mudança dos padrões da política. Não é possível que os atores não percebam que a sociedade anda a passos geométricos enquanto a esfera representativa arrasta os pés em compasso aritmético. Ou será que não enxergam a possibilidade de um ciclo legislativo tumultuado, com os corredores e salões das Casas congressuais ocupados pelos movimentos organizados? O País não suporta conviver com a postergação de medidas de correção de rumos.
Senhores políticos de todos os partidos, afastem tal risco. Senhores do PT, tenham cuidado com a ideia de construir um "Brasil democrático-popular", eis que a argamassa a ser usada nesse empreendimento - revolução cultural, luta de classes, revisão da Lei da Anistia, reforma e desmilitarização das Polícias Militares, entre outras medidas avocadas na nota da Comissão Executiva do PT, semana passada - pode fazer desabar a construção. A convocação para a militância acorrer às ruas é saudável quando a causa for a defesa do Estado de Direito. Nossa Constituição estabelece os meios para a democracia direta - plebiscito, referendo e projetos de lei de iniciativa popular. A criação de um amontoado de instâncias populares com essa finalidade poderá descambar no caos. E um controle social da mídia (seja lá o que for isso) tem jeitinho de disfarce para censura. Ou nossa democracia representativa está exaurida?
Muita calma com o andor. Lembrem-se da observação de Thomas Hobbes, ante a moldura de uma sociedade que se defronta com horizontes embaçados pela fumaça de incêndios prolongados: "Nesse estágio em que nada mais se vê e se apresenta, o trunfo é paus".
Longe de nós mudança na base do "pé na porta".
Sinais ambíguos - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 09/11
Em cenários feitos antes da eleição pelo cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, não havia um quadro tão confuso como o que emergiu das urnas. Uma mistura otimista, do ponto de vista político, e pessimista para a presidente Dilma. O cenário pessimista previa vitória no segundo turno por uma pequena diferença, e isso foi o que aconteceu. Mas o PT continuou sendo o maior partido na Câmara, apesar de ter perdido 18 deputados federais. Manteve-se mais ou menos o que era no Senado e teve uma grande conquista nas eleições estaduais, que foi o governo de Minas.
A relação do governo com o Congresso vai depender muito dos sinais que Dilma vier a dar nas próximas semanas, e o cientista político tem três critérios paia ela melhorar a relação com a base governista: primeiro, tratar melhor os aliados no que concerne à distribuição de cargos, sobretudo o PMDB. Ele diz que insiste no PMDB porque a pulverização partidária é tal que os partidos estão muito pequenos paia pedir mais de um ministério. Só o PMDB teria direito a mais. Outra coisa que sinalizaria maior disposição de Dilma para ouvir, consultar e cooperar seria reduzir a emissão das medidas provisórias.
Para Octavio Amorim Neto, Dilma é uma das presidentes mais "decretistas" desde a promulgação da Constituição de 1988, se relacionarmos o número de decretos e a promulgação de projetos de lei. Nos três primeiros anos, emitiu 116 medidas provisórias e propôs apenas 81 projetos de lei. No segundo mandato de Fernando Henrique, foram 206 medidas provisórias e 236 projetos de lei ordinária. Muito mais equilibrado.
O terceiro critério seria a presidente respeitai" os vetos de aliados a determinadas iniciativas. Isso já não aconteceu no discurso da vitória, ressalta Amorim Neto. Em junho de 2013, após as grandes manifestações, ela propôs plebiscito para a reforma política e o PMDB vetou. Passado um ano e meio, faz a proposta novamente, forçando o PMDB a vetá-la no dia seguinte, esgarçando a relação dos partidos.
Isso tem a ver com problemas intrapartidá-rios de Dilma, lembra. Ela tem problemas dentro do PT e dentro da coalizão. No PT, tem que lidar não apenas com Lula e sua proposta de se adotai" uma política econômica mais pragmática, mas também com a esquerda do partido, que demanda projetos mais vigorosos. A sinalização tem sido muito ambígua, refletindo o resultado da eleição.
Dentro da ambiguidade dos resultados, a redução da bancada do PT na Câmara, que perdeu pela primeira vez a hegemonia dos votos de legenda para o PSDB. Mas a situação do PSDB também é ambígua. Nunca teve um desempenho tão bom no segundo turno, saiu renovado da eleição, mas teve a derrota em Minas, uma marca muito séria. Por pouco, o PSDB não cai à condição de partido médio na Câmara, ressalta o cientista político. Como temos um sistema muito fragmentado, um partido médio no Brasil é o que tem menos de 10% das cadeiras. O PSDB teve um pouco mais que esses 10% (52), com 54 cadeiras na Câmara.
Temos, portanto, analisa Octavio Amorim Neto, um sistema bipartidário no plano presidencial há 20 anos e um sistema altamente fragmentado no Congresso; porém, os três maiores partidos continuam sendo os mesmos: PT, PMDB e PSDB. Há indicadores de pulverização por um lado, mas de estabilidade por outro.
A consequência do processo do "petrolão" vai depender, segundo Amorim Neto, do que acontecer no plano econômico. Se se fizer necessário um ajuste profundo, como alguns economistas dizem, é muito provável que o Executivo tenha de propor reformas constitucionais ao Congresso. Neste caso, a coligação de Dilma, que tem 59% da Câmara, teria que pedir a cooperação da oposição, especialmente de PSDB e PSB.
A oposição pediria, em contrapartida, investigação mais dura na Petrobras, o que pode tomar muito tempo do Congresso em 2015. Esta ambiguidade de Dilma vai se traduzir em um fosso muito grande entre sua retórica e as ações do governo. É muito possível, avalia Amorim Neto, que use uma clássica tática peronista: ir paia a direita, sinalizando paia a esquerda. Lula é mestre nisso: ter uma retórica pública muito à esquerda para compensar decisões que vão em sentido contrário.
Em cenários feitos antes da eleição pelo cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, não havia um quadro tão confuso como o que emergiu das urnas. Uma mistura otimista, do ponto de vista político, e pessimista para a presidente Dilma. O cenário pessimista previa vitória no segundo turno por uma pequena diferença, e isso foi o que aconteceu. Mas o PT continuou sendo o maior partido na Câmara, apesar de ter perdido 18 deputados federais. Manteve-se mais ou menos o que era no Senado e teve uma grande conquista nas eleições estaduais, que foi o governo de Minas.
A relação do governo com o Congresso vai depender muito dos sinais que Dilma vier a dar nas próximas semanas, e o cientista político tem três critérios paia ela melhorar a relação com a base governista: primeiro, tratar melhor os aliados no que concerne à distribuição de cargos, sobretudo o PMDB. Ele diz que insiste no PMDB porque a pulverização partidária é tal que os partidos estão muito pequenos paia pedir mais de um ministério. Só o PMDB teria direito a mais. Outra coisa que sinalizaria maior disposição de Dilma para ouvir, consultar e cooperar seria reduzir a emissão das medidas provisórias.
Para Octavio Amorim Neto, Dilma é uma das presidentes mais "decretistas" desde a promulgação da Constituição de 1988, se relacionarmos o número de decretos e a promulgação de projetos de lei. Nos três primeiros anos, emitiu 116 medidas provisórias e propôs apenas 81 projetos de lei. No segundo mandato de Fernando Henrique, foram 206 medidas provisórias e 236 projetos de lei ordinária. Muito mais equilibrado.
O terceiro critério seria a presidente respeitai" os vetos de aliados a determinadas iniciativas. Isso já não aconteceu no discurso da vitória, ressalta Amorim Neto. Em junho de 2013, após as grandes manifestações, ela propôs plebiscito para a reforma política e o PMDB vetou. Passado um ano e meio, faz a proposta novamente, forçando o PMDB a vetá-la no dia seguinte, esgarçando a relação dos partidos.
Isso tem a ver com problemas intrapartidá-rios de Dilma, lembra. Ela tem problemas dentro do PT e dentro da coalizão. No PT, tem que lidar não apenas com Lula e sua proposta de se adotai" uma política econômica mais pragmática, mas também com a esquerda do partido, que demanda projetos mais vigorosos. A sinalização tem sido muito ambígua, refletindo o resultado da eleição.
Dentro da ambiguidade dos resultados, a redução da bancada do PT na Câmara, que perdeu pela primeira vez a hegemonia dos votos de legenda para o PSDB. Mas a situação do PSDB também é ambígua. Nunca teve um desempenho tão bom no segundo turno, saiu renovado da eleição, mas teve a derrota em Minas, uma marca muito séria. Por pouco, o PSDB não cai à condição de partido médio na Câmara, ressalta o cientista político. Como temos um sistema muito fragmentado, um partido médio no Brasil é o que tem menos de 10% das cadeiras. O PSDB teve um pouco mais que esses 10% (52), com 54 cadeiras na Câmara.
Temos, portanto, analisa Octavio Amorim Neto, um sistema bipartidário no plano presidencial há 20 anos e um sistema altamente fragmentado no Congresso; porém, os três maiores partidos continuam sendo os mesmos: PT, PMDB e PSDB. Há indicadores de pulverização por um lado, mas de estabilidade por outro.
A consequência do processo do "petrolão" vai depender, segundo Amorim Neto, do que acontecer no plano econômico. Se se fizer necessário um ajuste profundo, como alguns economistas dizem, é muito provável que o Executivo tenha de propor reformas constitucionais ao Congresso. Neste caso, a coligação de Dilma, que tem 59% da Câmara, teria que pedir a cooperação da oposição, especialmente de PSDB e PSB.
A oposição pediria, em contrapartida, investigação mais dura na Petrobras, o que pode tomar muito tempo do Congresso em 2015. Esta ambiguidade de Dilma vai se traduzir em um fosso muito grande entre sua retórica e as ações do governo. É muito possível, avalia Amorim Neto, que use uma clássica tática peronista: ir paia a direita, sinalizando paia a esquerda. Lula é mestre nisso: ter uma retórica pública muito à esquerda para compensar decisões que vão em sentido contrário.
Indigência política - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 09/11
Governo Dilma divulga com atraso dados negativos sobre miséria e desmatamento que teriam sido prejudiciais à campanha de reeleição
Veio à luz na quarta-feira (5) um dado chocante: pela primeira vez desde 2003, quando se iniciou a série de mandatos presidenciais do PT, a miséria aumentou no país. Apenas 3,7%, mas aumentou.
O espanto decorre de duas razões. A primeira está na própria inversão da tendência de queda de indicador tão importante quanto esse. A segunda é a confirmação de que o governo federal ocultou do público uma informação negativa com relevância eleitoral.
Para empregar um termo caro à presidente Dilma Rousseff, trata-se de prática estarrecedora.
A petista usou e abusou da redução da pobreza e da miséria como tema de campanha. Obediente ao comando do marqueteiro, martelou na sua propaganda que a oposição, se vitoriosa, interromperia o ciclo virtuoso na área social.
Pelo menos desde o primeiro turno, contudo, a candidata decerto já tinha conhecimento de que o total de miseráveis ou indigentes no Brasil havia passado de 10,08 milhões em 2012 para 10,45 milhões em 2013, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
No conceito do instituto, são miseráveis os brasileiros cuja renda não basta para adquirir uma cesta mínima de alimentos. Sob a alegação cínica de que o dado teria efeito eleitoral, o Ipea o escondeu por quase um mês e só o publicou em surdina, no último dia 30, no banco de dados digital Ipeadata.
Do ponto de vista estatístico, a rigor caberia falar antes de estagnação dos avanços do que de crescimento da indigência. Do ângulo político, representa grave revés para a promessa de eliminar a miséria do país até o final deste ano.
Outro tema sensível que o Planalto se permitiu escamotear foi o desmatamento na Amazônia. Havia indicações de que a destruição avançara em agosto e setembro, mas o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) atrasou a divulgação mensal das cifras de devastação do sistema de monitoramento por satélite Deter.
Só na sexta-feira (7) elas vieram a público, confirmando o desastre ambiental: 1.626 km² de desmate nos dois meses, 122% a mais que no mesmo intervalo de 2013.
Não estará errado quem, diante disso, evocar a imagem de um estelionato eleitoral. O governo, afinal, sonegou informações que a população tinha o direito de conhecer antes de decidir seu voto.
O quanto esses atestados de incompetência teriam mudado a escolha de cada eleitor, isso não se pode afirmar com certeza.
O que é certo, todavia, não é menos preocupante numa democracia: a sem-cerimônia com que o Planalto lança à sarjeta a reputação de dois importantes institutos nacionais e a pusilanimidade com que alguns de seus dirigentes e pesquisadores aceitam sujeitar funções públicas a mesquinhos interesses partidários.
Governo Dilma divulga com atraso dados negativos sobre miséria e desmatamento que teriam sido prejudiciais à campanha de reeleição
Veio à luz na quarta-feira (5) um dado chocante: pela primeira vez desde 2003, quando se iniciou a série de mandatos presidenciais do PT, a miséria aumentou no país. Apenas 3,7%, mas aumentou.
O espanto decorre de duas razões. A primeira está na própria inversão da tendência de queda de indicador tão importante quanto esse. A segunda é a confirmação de que o governo federal ocultou do público uma informação negativa com relevância eleitoral.
Para empregar um termo caro à presidente Dilma Rousseff, trata-se de prática estarrecedora.
A petista usou e abusou da redução da pobreza e da miséria como tema de campanha. Obediente ao comando do marqueteiro, martelou na sua propaganda que a oposição, se vitoriosa, interromperia o ciclo virtuoso na área social.
Pelo menos desde o primeiro turno, contudo, a candidata decerto já tinha conhecimento de que o total de miseráveis ou indigentes no Brasil havia passado de 10,08 milhões em 2012 para 10,45 milhões em 2013, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
No conceito do instituto, são miseráveis os brasileiros cuja renda não basta para adquirir uma cesta mínima de alimentos. Sob a alegação cínica de que o dado teria efeito eleitoral, o Ipea o escondeu por quase um mês e só o publicou em surdina, no último dia 30, no banco de dados digital Ipeadata.
Do ponto de vista estatístico, a rigor caberia falar antes de estagnação dos avanços do que de crescimento da indigência. Do ângulo político, representa grave revés para a promessa de eliminar a miséria do país até o final deste ano.
Outro tema sensível que o Planalto se permitiu escamotear foi o desmatamento na Amazônia. Havia indicações de que a destruição avançara em agosto e setembro, mas o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) atrasou a divulgação mensal das cifras de devastação do sistema de monitoramento por satélite Deter.
Só na sexta-feira (7) elas vieram a público, confirmando o desastre ambiental: 1.626 km² de desmate nos dois meses, 122% a mais que no mesmo intervalo de 2013.
Não estará errado quem, diante disso, evocar a imagem de um estelionato eleitoral. O governo, afinal, sonegou informações que a população tinha o direito de conhecer antes de decidir seu voto.
O quanto esses atestados de incompetência teriam mudado a escolha de cada eleitor, isso não se pode afirmar com certeza.
O que é certo, todavia, não é menos preocupante numa democracia: a sem-cerimônia com que o Planalto lança à sarjeta a reputação de dois importantes institutos nacionais e a pusilanimidade com que alguns de seus dirigentes e pesquisadores aceitam sujeitar funções públicas a mesquinhos interesses partidários.
Dilma e o ajuste de contas duvidoso - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 09/11
A então candidata à reeleição Dilma Rousseff, de discurso mais sintonizado com a desenvolvimentista histórica que sempre foi, parece estar travando duro debate íntimo com a agora presidente reeleita, instada pelos mercados a responder à série de desafios econômicos. Entre todos os ajustes que terá de executar para evitar o pior e até mesmo para garantir a governabilidade até 2018, o que se apresenta como o mais complexo, abrangente e urgente é o de sanar o grave e crescente desequilíbrio das contas públicas.
Nas entrevistas que vem dando desde o resultado das urnas, Dilma promete ouvir as opiniões divergentes e impedir que se alarguem os rombos fiscais, sejam os conhecidos, sejam os só revelados agora. Mais: a petista insiste que fará o "dever de casa" para recuperar a compatibilidade entre receitas, em queda, e despesas, ainda em alta. Cortes no Orçamento não são novidade no Executivo, algo que é sempre anunciado por volta da véspera do carnaval para adequar a peça de ficção orçamentária à realidade de caixa da administração.
Gastança em ano eleitoral e arrumação das contas no ano seguinte também são triste rotina nesta República, desde quando as eleições livres em todos os níveis voltaram à cena, em 1989. O drama atual, contudo, está no fato de que as contenções de despesas a serem canetadas este ano e no começo do próximo precisam ser suficientemente ousadas e exequíveis para não empurrar a nota de crédito brasileira para baixo.
O rebaixamento do indicador da capacidade de honrar os compromissos e o infame clube dos países marcados pela desconfiança dos credores trouxeram arrocho e instabilidades de toda ordem no século passado. Apesar disso, a presidente, fiel à sua formação econômica, de viés intervencionista, parece resistir a tomar medidas realmente capazes de recolocar o Orçamento nos eixos, em paralelo com inflação alta e debacle da indústria.
Declarações que refletem as teses defendidas em palanque de campanha, basicamente a da existência de opção entre ajustes com dor (creditados à oposição) e ajustes sem dor (já adotados pelo primeiro governo Dilma) não contribuem com nada. Dizer que é bobagem reduzir o número de ministros, dos atuais e inacreditáveis 39, também não. Investidores e especialistas sabem que ajuste indolor soa ajuste mentiroso ou parcial, que pode fazer a fatura ficar ainda mais cara a curto prazo.
Sem cortar despesas, restará ao governo elevar a já pesada carga tributária, sobretudo sobre as classes médias, com implicações diretas no crescimento já perto de zero do Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto Dilma libera aos poucos as ações corretivas para fazer o governo recuperar o azul das planilhas, como o aumento nos preços de combustíveis e da eletricidade, ela tenta encontrar forças para contornar obstáculos erguidos pela falta de diálogo que lhe marcou a gestão.
A presidente sabe que os sinais emitidos pelo cenário externo só complicam a inadiável tarefa de equilibrar as contas federais. Ela também entende que o Tesouro e suas pedaladas contábeis já não têm mais tanta desenvoltura para represar preços controlados. Para completar, o contexto político advindo das eleições não lhe é confortável e exige mudanças de postura não percebidas até agora.
A então candidata à reeleição Dilma Rousseff, de discurso mais sintonizado com a desenvolvimentista histórica que sempre foi, parece estar travando duro debate íntimo com a agora presidente reeleita, instada pelos mercados a responder à série de desafios econômicos. Entre todos os ajustes que terá de executar para evitar o pior e até mesmo para garantir a governabilidade até 2018, o que se apresenta como o mais complexo, abrangente e urgente é o de sanar o grave e crescente desequilíbrio das contas públicas.
Nas entrevistas que vem dando desde o resultado das urnas, Dilma promete ouvir as opiniões divergentes e impedir que se alarguem os rombos fiscais, sejam os conhecidos, sejam os só revelados agora. Mais: a petista insiste que fará o "dever de casa" para recuperar a compatibilidade entre receitas, em queda, e despesas, ainda em alta. Cortes no Orçamento não são novidade no Executivo, algo que é sempre anunciado por volta da véspera do carnaval para adequar a peça de ficção orçamentária à realidade de caixa da administração.
Gastança em ano eleitoral e arrumação das contas no ano seguinte também são triste rotina nesta República, desde quando as eleições livres em todos os níveis voltaram à cena, em 1989. O drama atual, contudo, está no fato de que as contenções de despesas a serem canetadas este ano e no começo do próximo precisam ser suficientemente ousadas e exequíveis para não empurrar a nota de crédito brasileira para baixo.
O rebaixamento do indicador da capacidade de honrar os compromissos e o infame clube dos países marcados pela desconfiança dos credores trouxeram arrocho e instabilidades de toda ordem no século passado. Apesar disso, a presidente, fiel à sua formação econômica, de viés intervencionista, parece resistir a tomar medidas realmente capazes de recolocar o Orçamento nos eixos, em paralelo com inflação alta e debacle da indústria.
Declarações que refletem as teses defendidas em palanque de campanha, basicamente a da existência de opção entre ajustes com dor (creditados à oposição) e ajustes sem dor (já adotados pelo primeiro governo Dilma) não contribuem com nada. Dizer que é bobagem reduzir o número de ministros, dos atuais e inacreditáveis 39, também não. Investidores e especialistas sabem que ajuste indolor soa ajuste mentiroso ou parcial, que pode fazer a fatura ficar ainda mais cara a curto prazo.
Sem cortar despesas, restará ao governo elevar a já pesada carga tributária, sobretudo sobre as classes médias, com implicações diretas no crescimento já perto de zero do Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto Dilma libera aos poucos as ações corretivas para fazer o governo recuperar o azul das planilhas, como o aumento nos preços de combustíveis e da eletricidade, ela tenta encontrar forças para contornar obstáculos erguidos pela falta de diálogo que lhe marcou a gestão.
A presidente sabe que os sinais emitidos pelo cenário externo só complicam a inadiável tarefa de equilibrar as contas federais. Ela também entende que o Tesouro e suas pedaladas contábeis já não têm mais tanta desenvoltura para represar preços controlados. Para completar, o contexto político advindo das eleições não lhe é confortável e exige mudanças de postura não percebidas até agora.
A falta que os fatos fazem - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 09/11
Foram apenas palavras - ainda que as mais surpreendentes que a presidente Dilma Rousseff terá pronunciado em muito tempo. Na quinta-feira, dois dias depois de se reunir com o mentor Luiz Inácio Lula da Silva, o que decerto contribuiu em não pouca medida para algumas de suas inesperadas afirmativas, Dilma deu uma entrevista de duas horas aos quatro principais jornais brasileiros, cumprindo um compromisso assumido em seguida à reeleição. Pela primeira vez, ela abriu uma fresta para se admitir a possibilidade de que não será, nos próximos quatro anos, cópia fiel do que tem sido - uma combinação tóxica de soberba, dogmatismo e incompetência. Não é nada, não é nada, a governante que se comportava como a proverbial rainha da cocada preta do léxico popular pelo menos agora usa a expressão para dizer como não devem agir os ganhadores de uma eleição. Com algum otimismo, pode soar como indício de autocrítica.
Em matérias substanciais reconheceu - ainda que no limbo das generalidades - que terá de fazer "o dever de casa" para enfrentar a inflação. Salvo melhor juízo, não se recorda de Dilma ter recorrido alguma vez a esse termo, de emprego corrente no jargão ortodoxo, segundo o qual a arrumação das contas públicas é condição necessária, embora não suficiente, para o crescimento sustentado da economia. Isso dito, literalmente, a reeleita deu um pequeno passo em direção ao mundo real, ao admitir, além do aperto imperativo do controle da inflação, que existem restrições fiscais para fazer "a política anticíclica que poderia ser necessária agora" - traduzido do jargão, significa gastar mais quando as coisas vão mal, o que é o caso de um país que deverá fechar o ano com um PIB crescendo menos de 1%. E assinalou que combaterá a carestia com a arma fiscal, não com a monetária - segurando e racionalizando gastos, de preferência a aumentar os juros.
Derramando um saleiro nas feridas petistas que ela abriu de caso pensado com o aparente aggiornamento de suas ideias, respondeu no melhor estilo Dilma a uma pergunta sobre a hidrófoba resolução aprovada três dias antes pela Executiva Nacional do PT - que declarava guerra de extermínio à oposição e à liberdade de imprensa, e ainda deixava escancarada a pretensão de tomar de assalto o Banco Central. Ela até que poderia ter se limitado a retrucar, da forma convencional como fez, que não representa o PT, mas a Presidência, e que não é presidente da agremiação, mas "dos brasileiros". Houve situações em que o seu próprio patrono Lula disse algo assemelhado. Mas a afilhada escolheu ir além. "A opinião do PT é a opinião do partido, não me influencia", fulminou. De notar que ela nem sequer amenizou a estocada, dizendo respeitar os pontos de vista da sigla pela qual chegou ao Planalto.
Quem comprar as palavras de Dilma pelo seu valor de face poderá, ou não, fazer um bom negócio no mercado de especulações sobre o que será o seu novo período de governo. O desembolso será de pouca monta: o farto retrospecto da presidente respalda, ainda, o ceticismo em relação ao que virá depois de 1.º de janeiro. Mas a leitura da íntegra de sua entrevista, claramente concebida como uma minuta do discurso de posse, deixa no ar a sensação - não mais do que uma sensação - de que a entrevistada está "na dela", de maneira diferente daquela a que acostumou os brasileiros a vê-la. Quando ela explica, por exemplo, que o diálogo que prega não é algo "metafísico", mas a busca de pontos em comum "que podemos levar juntos" em áreas específicas de governo, como a educação, quem sabe não seja mais do mesmo. O óbvio problema é a ausência de fatos que corroborem essa generosa avaliação.
Pior é a deliberada demora da presidente em apresentá-los, supondo que existam. Enquanto o País, com justos motivos, espera para ontem o nome do sucessor do submisso Guido Mantega no Ministério da Fazenda, Dilma informa que só anunciará o escolhido depois de regressar da reunião do G-20, a começar no próximo sábado, em Brisbane, na Austrália. E não será de imediato, como avisou com perversa ênfase, "mas nas semanas seguintes - com vários esses". Ela simplesmente não atina com a gravidade do momento econômico.
Foram apenas palavras - ainda que as mais surpreendentes que a presidente Dilma Rousseff terá pronunciado em muito tempo. Na quinta-feira, dois dias depois de se reunir com o mentor Luiz Inácio Lula da Silva, o que decerto contribuiu em não pouca medida para algumas de suas inesperadas afirmativas, Dilma deu uma entrevista de duas horas aos quatro principais jornais brasileiros, cumprindo um compromisso assumido em seguida à reeleição. Pela primeira vez, ela abriu uma fresta para se admitir a possibilidade de que não será, nos próximos quatro anos, cópia fiel do que tem sido - uma combinação tóxica de soberba, dogmatismo e incompetência. Não é nada, não é nada, a governante que se comportava como a proverbial rainha da cocada preta do léxico popular pelo menos agora usa a expressão para dizer como não devem agir os ganhadores de uma eleição. Com algum otimismo, pode soar como indício de autocrítica.
Em matérias substanciais reconheceu - ainda que no limbo das generalidades - que terá de fazer "o dever de casa" para enfrentar a inflação. Salvo melhor juízo, não se recorda de Dilma ter recorrido alguma vez a esse termo, de emprego corrente no jargão ortodoxo, segundo o qual a arrumação das contas públicas é condição necessária, embora não suficiente, para o crescimento sustentado da economia. Isso dito, literalmente, a reeleita deu um pequeno passo em direção ao mundo real, ao admitir, além do aperto imperativo do controle da inflação, que existem restrições fiscais para fazer "a política anticíclica que poderia ser necessária agora" - traduzido do jargão, significa gastar mais quando as coisas vão mal, o que é o caso de um país que deverá fechar o ano com um PIB crescendo menos de 1%. E assinalou que combaterá a carestia com a arma fiscal, não com a monetária - segurando e racionalizando gastos, de preferência a aumentar os juros.
Derramando um saleiro nas feridas petistas que ela abriu de caso pensado com o aparente aggiornamento de suas ideias, respondeu no melhor estilo Dilma a uma pergunta sobre a hidrófoba resolução aprovada três dias antes pela Executiva Nacional do PT - que declarava guerra de extermínio à oposição e à liberdade de imprensa, e ainda deixava escancarada a pretensão de tomar de assalto o Banco Central. Ela até que poderia ter se limitado a retrucar, da forma convencional como fez, que não representa o PT, mas a Presidência, e que não é presidente da agremiação, mas "dos brasileiros". Houve situações em que o seu próprio patrono Lula disse algo assemelhado. Mas a afilhada escolheu ir além. "A opinião do PT é a opinião do partido, não me influencia", fulminou. De notar que ela nem sequer amenizou a estocada, dizendo respeitar os pontos de vista da sigla pela qual chegou ao Planalto.
Quem comprar as palavras de Dilma pelo seu valor de face poderá, ou não, fazer um bom negócio no mercado de especulações sobre o que será o seu novo período de governo. O desembolso será de pouca monta: o farto retrospecto da presidente respalda, ainda, o ceticismo em relação ao que virá depois de 1.º de janeiro. Mas a leitura da íntegra de sua entrevista, claramente concebida como uma minuta do discurso de posse, deixa no ar a sensação - não mais do que uma sensação - de que a entrevistada está "na dela", de maneira diferente daquela a que acostumou os brasileiros a vê-la. Quando ela explica, por exemplo, que o diálogo que prega não é algo "metafísico", mas a busca de pontos em comum "que podemos levar juntos" em áreas específicas de governo, como a educação, quem sabe não seja mais do mesmo. O óbvio problema é a ausência de fatos que corroborem essa generosa avaliação.
Pior é a deliberada demora da presidente em apresentá-los, supondo que existam. Enquanto o País, com justos motivos, espera para ontem o nome do sucessor do submisso Guido Mantega no Ministério da Fazenda, Dilma informa que só anunciará o escolhido depois de regressar da reunião do G-20, a começar no próximo sábado, em Brisbane, na Austrália. E não será de imediato, como avisou com perversa ênfase, "mas nas semanas seguintes - com vários esses". Ela simplesmente não atina com a gravidade do momento econômico.
Aumenta pressão sobre a imprensa no continente - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 09/11
Governos bolivarianos, como o da Venezuela, e simpatizantes, como o da Argentina, usam meios econômicos e políticos no cerco ao jornalismo profissional
Cercear a liberdade de imprensa continua sendo uma das preocupações centrais de governos bolivarianos, como os de Venezuela, Bolívia e Equador, e de simpatizantes, como o kirchnerista, da Argentina. O objetivo é o de todos os governos autoritários: limitar a informação à verdade oficial, calando críticos por meio de intimidação de jornalistas, de pressão econômica sobre as empresas de comunicação, montando uma poderosa cadeia estatal de notícias e manipulando verbas de publicidade para beneficiar amigos e aliados.
O kirchnerismo está há 11 anos no poder na Argentina e, nesse período, tem aumentado o cerco à imprensa profissional. Fez aprovar uma Lei de Meios cuja justificativa era “democratizar” a informação, ao obrigar as grandes empresas de comunicação a se desfazer de uma série de veículos. Mas o grande alvo era mesmo o Grupo Clarín, o maior do setor no país, que se manteve fiel ao papel de fiscalizar a atuação do Executivo (e também dos demais poderes).
Iniciou-se longa batalha judicial sobre a legitimidade da lei, durante a qual o governo não pôde avançar em seu objetivo de quebrar a espinha do “Clarín”. Ano passado, a Suprema Corte argentina opinou pela constitucionalidade da legislação, mas condicionou sua aplicação à forma igualitária; por um organismo neutro e independente; com a distribuição equânime da publicidade oficial; e que os meios de comunicação oficiais sejam públicos. Apesar de nada disso estar sendo respeitado, o governo decidiu avançar na adequação compulsória do Grupo Clarín à lei, rechaçando o plano apresentado pela empresa, que a dividia em seis unidades de negócios.
O desmembramento do grupo, com a venda de ativos, abre a possibilidade de expansão dos meios de comunicação ligados a Cristina Kirchner. A decisão da Casa Rosada foi condenada, entre outros, pelo Foro Iberoamérica, integrado por ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso e Ricardo Lagos (Chile).
O ataque à liberdade de imprensa foi iniciado por Chávez, na Venezuela. Em 2004, foi aprovada a Lei de Responsabilidade de Rádio e TV, que permitiu ao governante fechar estações de rádio e TV que não seguiam a linha oficial. A fase seguinte foi fechar veículos privados e criar uma grande rede para trombetear a versão oficial. O governo Maduro usa o controle cambial para negar o fornecimento de papel de imprensa aos meios “inimigos”. Muitos jornais fecharam ou tiveram a tiragem muito reduzida em todo o país.
A censura e a autocensura tolhe os jornalistas venezuelanos. Duas delas, Tamoa Calzadilla e Laura Weffer, deixaram o “Últimas Noticias” após ter uma reportagem sobre os protestos de rua contra o governo censurada pela direção do diário. Mas o trabalho rendeu às duas o Prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, um dos mais prestigiosos da imprensa mundial. Neste caso, o tiro saiu pela culatra. Mas em muitos outros, não.
Governos bolivarianos, como o da Venezuela, e simpatizantes, como o da Argentina, usam meios econômicos e políticos no cerco ao jornalismo profissional
Cercear a liberdade de imprensa continua sendo uma das preocupações centrais de governos bolivarianos, como os de Venezuela, Bolívia e Equador, e de simpatizantes, como o kirchnerista, da Argentina. O objetivo é o de todos os governos autoritários: limitar a informação à verdade oficial, calando críticos por meio de intimidação de jornalistas, de pressão econômica sobre as empresas de comunicação, montando uma poderosa cadeia estatal de notícias e manipulando verbas de publicidade para beneficiar amigos e aliados.
O kirchnerismo está há 11 anos no poder na Argentina e, nesse período, tem aumentado o cerco à imprensa profissional. Fez aprovar uma Lei de Meios cuja justificativa era “democratizar” a informação, ao obrigar as grandes empresas de comunicação a se desfazer de uma série de veículos. Mas o grande alvo era mesmo o Grupo Clarín, o maior do setor no país, que se manteve fiel ao papel de fiscalizar a atuação do Executivo (e também dos demais poderes).
Iniciou-se longa batalha judicial sobre a legitimidade da lei, durante a qual o governo não pôde avançar em seu objetivo de quebrar a espinha do “Clarín”. Ano passado, a Suprema Corte argentina opinou pela constitucionalidade da legislação, mas condicionou sua aplicação à forma igualitária; por um organismo neutro e independente; com a distribuição equânime da publicidade oficial; e que os meios de comunicação oficiais sejam públicos. Apesar de nada disso estar sendo respeitado, o governo decidiu avançar na adequação compulsória do Grupo Clarín à lei, rechaçando o plano apresentado pela empresa, que a dividia em seis unidades de negócios.
O desmembramento do grupo, com a venda de ativos, abre a possibilidade de expansão dos meios de comunicação ligados a Cristina Kirchner. A decisão da Casa Rosada foi condenada, entre outros, pelo Foro Iberoamérica, integrado por ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso e Ricardo Lagos (Chile).
O ataque à liberdade de imprensa foi iniciado por Chávez, na Venezuela. Em 2004, foi aprovada a Lei de Responsabilidade de Rádio e TV, que permitiu ao governante fechar estações de rádio e TV que não seguiam a linha oficial. A fase seguinte foi fechar veículos privados e criar uma grande rede para trombetear a versão oficial. O governo Maduro usa o controle cambial para negar o fornecimento de papel de imprensa aos meios “inimigos”. Muitos jornais fecharam ou tiveram a tiragem muito reduzida em todo o país.
A censura e a autocensura tolhe os jornalistas venezuelanos. Duas delas, Tamoa Calzadilla e Laura Weffer, deixaram o “Últimas Noticias” após ter uma reportagem sobre os protestos de rua contra o governo censurada pela direção do diário. Mas o trabalho rendeu às duas o Prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia, um dos mais prestigiosos da imprensa mundial. Neste caso, o tiro saiu pela culatra. Mas em muitos outros, não.
A resolução e a realidade - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 09/11
Totalmente descolado das preocupações dos brasileiros, texto da Executiva Nacional do PT insiste em conceitos anacrônicos
Na noite em que Dilma Rousseff venceu o segundo turno da eleição presidencial, ela falou da necessidade de diálogo com a oposição e do respeito à posição de dezenas de milhões de brasileiros que votaram em seu adversário, uma fala que mereceu nossos elogios. No entanto, poucos dias depois, a Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores emitiu uma “resolução política” que contraria todo o discurso da presidente reeleita, ao insistir na divisão do país e pregar o confronto aberto com os setores da sociedade que não aderiram ao projeto petista.
Enquanto Dilma, na noite de 26 de outubro, dizia que “em lugar de ampliar divergências, de criar um fosso, tenho forte esperança de que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para a construção de pontes”, a resolução petista, datada de 3 de novembro, associa os 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio Neves com “o machismo, o racismo, o preconceito, o ódio, a intolerância, a nostalgia da ditadura militar”, repetindo acusações que, se já não tinham fundamento quando dirigidas a Aécio, menos sentido ainda fazem em relação a seus eleitores. Assim, talvez inconscientemente, passa a valer a ideia de que quem não votou no PT seria um portador de preconceitos deploráveis.
A insistência na retórica do “nós contra eles”, insuflada por Lula ao longo não só da última campanha, mas dos 12 anos de petismo no poder, se baseia na adesão a um conceito anacrônico, o da “luta de classes que aqui se trava sob as mais variadas formas”, segundo expressão do documento petista. É exatamente essa explicação infundada e superficial da lógica do funcionamento da sociedade que cria divisões profundas, seja socioeconômicas – entre ricos e pobres, patrões e empregados –, seja raciais ou de gênero. Divisões que o documento petista tenta atribuir à oposição, quando na verdade são fomentadas por essa mentalidade da “luta de classes”.
E o resultado final dessa visão petista, o documento não esconde, é a “hegemonia”, ou seja, a dominação completa do Estado nos moldes do Moderno Príncipe gramsciano, que será atingida por meio do tripé formado por “ação institucional, mobilização social e revolução cultural”. É por isso que a resolução insiste em plataformas específicas como uma “Lei da Mídia Democrática” – praticamente copiando o nome da Lei de Meios argentina, que amordaçou a imprensa oposicionista do país vizinho – e o plebiscito para uma Assembleia Constituinte da reforma política, contornando o Congresso Nacional em uma manobra reveladora: enquanto se exalta a decisão do povo que conduziu Dilma a um segundo mandato, despreza-se a vontade desse mesmo povo que também elegeu uma “maioria conservadora da Câmara dos Deputados”, ou seja, o voto popular só é digno quando dado a um determinado partido.
Como afirmamos na segunda-feira, trata-se de um distanciamento total das preocupações mais urgentes do brasileiro, que vê a economia se deteriorando e as conquistas sociais murchando – não é à toa que o governo deliberadamente adiou para depois do segundo turno a divulgação de um rombo recorde no Tesouro Nacional e do crescimento do número de miseráveis. Sobre isso não se diz praticamente nada na resolução. E, mesmo sobre a corrupção, é sintomático que a Executiva Nacional não fale propriamente no combate a essas práticas nocivas, e sim em “ser muito mais proativo no enfrentamento das acusações de corrupção, em especial no ambiente dos próximos meses, em que setores da direita vão continuar premiando delatores” – ou seja, responder às denúncias parece mais importante que o combate à corrupção em si.
Estamos certos de que o conteúdo dessa resolução não traduz o que pensa a esmagadora maioria dos eleitores de Dilma. Nossa esperança é a de que as mentes mais esclarecidas dentro do PT percebam isso e se manifestem com coragem, seguindo a própria presidente, que se distanciou do documento em entrevista na quinta-feira. Entre o discurso conciliador de Dilma e o tom belicoso desse documento, é o primeiro que precisa prevalecer, e os petistas que lutarem por isso – inclusive na reunião do Diretório Nacional do PT, no fim deste mês – estarão prestando um valioso serviço ao país.
Totalmente descolado das preocupações dos brasileiros, texto da Executiva Nacional do PT insiste em conceitos anacrônicos
Na noite em que Dilma Rousseff venceu o segundo turno da eleição presidencial, ela falou da necessidade de diálogo com a oposição e do respeito à posição de dezenas de milhões de brasileiros que votaram em seu adversário, uma fala que mereceu nossos elogios. No entanto, poucos dias depois, a Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores emitiu uma “resolução política” que contraria todo o discurso da presidente reeleita, ao insistir na divisão do país e pregar o confronto aberto com os setores da sociedade que não aderiram ao projeto petista.
Enquanto Dilma, na noite de 26 de outubro, dizia que “em lugar de ampliar divergências, de criar um fosso, tenho forte esperança de que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para a construção de pontes”, a resolução petista, datada de 3 de novembro, associa os 51 milhões de brasileiros que votaram em Aécio Neves com “o machismo, o racismo, o preconceito, o ódio, a intolerância, a nostalgia da ditadura militar”, repetindo acusações que, se já não tinham fundamento quando dirigidas a Aécio, menos sentido ainda fazem em relação a seus eleitores. Assim, talvez inconscientemente, passa a valer a ideia de que quem não votou no PT seria um portador de preconceitos deploráveis.
A insistência na retórica do “nós contra eles”, insuflada por Lula ao longo não só da última campanha, mas dos 12 anos de petismo no poder, se baseia na adesão a um conceito anacrônico, o da “luta de classes que aqui se trava sob as mais variadas formas”, segundo expressão do documento petista. É exatamente essa explicação infundada e superficial da lógica do funcionamento da sociedade que cria divisões profundas, seja socioeconômicas – entre ricos e pobres, patrões e empregados –, seja raciais ou de gênero. Divisões que o documento petista tenta atribuir à oposição, quando na verdade são fomentadas por essa mentalidade da “luta de classes”.
E o resultado final dessa visão petista, o documento não esconde, é a “hegemonia”, ou seja, a dominação completa do Estado nos moldes do Moderno Príncipe gramsciano, que será atingida por meio do tripé formado por “ação institucional, mobilização social e revolução cultural”. É por isso que a resolução insiste em plataformas específicas como uma “Lei da Mídia Democrática” – praticamente copiando o nome da Lei de Meios argentina, que amordaçou a imprensa oposicionista do país vizinho – e o plebiscito para uma Assembleia Constituinte da reforma política, contornando o Congresso Nacional em uma manobra reveladora: enquanto se exalta a decisão do povo que conduziu Dilma a um segundo mandato, despreza-se a vontade desse mesmo povo que também elegeu uma “maioria conservadora da Câmara dos Deputados”, ou seja, o voto popular só é digno quando dado a um determinado partido.
Como afirmamos na segunda-feira, trata-se de um distanciamento total das preocupações mais urgentes do brasileiro, que vê a economia se deteriorando e as conquistas sociais murchando – não é à toa que o governo deliberadamente adiou para depois do segundo turno a divulgação de um rombo recorde no Tesouro Nacional e do crescimento do número de miseráveis. Sobre isso não se diz praticamente nada na resolução. E, mesmo sobre a corrupção, é sintomático que a Executiva Nacional não fale propriamente no combate a essas práticas nocivas, e sim em “ser muito mais proativo no enfrentamento das acusações de corrupção, em especial no ambiente dos próximos meses, em que setores da direita vão continuar premiando delatores” – ou seja, responder às denúncias parece mais importante que o combate à corrupção em si.
Estamos certos de que o conteúdo dessa resolução não traduz o que pensa a esmagadora maioria dos eleitores de Dilma. Nossa esperança é a de que as mentes mais esclarecidas dentro do PT percebam isso e se manifestem com coragem, seguindo a própria presidente, que se distanciou do documento em entrevista na quinta-feira. Entre o discurso conciliador de Dilma e o tom belicoso desse documento, é o primeiro que precisa prevalecer, e os petistas que lutarem por isso – inclusive na reunião do Diretório Nacional do PT, no fim deste mês – estarão prestando um valioso serviço ao país.
Só o governo não via a crise - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 09/11
Empresários e analistas especializados já vinham alertando que a crise de graves proporções do setor elétrico poderia levar a um racionamento de energia a curto prazo. A crise foi provocada pelo progressivo esgotamento dos estoques dos reservatórios das grandes usinas das Regiões Sudeste e Centro-Oeste em razão da estiagem que se prolonga desde o fim de 2012. Mesmo com todas as termoelétricas em operação, a oferta de eletricidade chegou a um ponto crítico, o que torna inevitáveis medidas de racionalização do consumo, de modo a evitar "apaguinhos" localizados. Não faltaram sugestões de revisão do modelo para o setor, para a adoção de esquema emergencial e atrair novos investimentos, mas o governo continuou agindo como se tudo estivesse "sob controle" nessa área.
Essa percepção começou a mudar na esfera oficial na última quarta-feira (5/11) com a informação de que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) elevou de 4,7% para 5% o risco de um déficit de energia nas duas regiões, sinalizando a necessidade de um eventual racionamento, já que foi atingido o limite tolerado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Para isso concorreu também o fato de que só foram acrescentados ao sistema elétrico nacional 7.641 MW em 2014, 25% aquém da projeção feita pela Aneel em janeiro (10.126 MW).
Com a economia estagnada, inflação elevada e contas públicas em desordem, não poderia haver pior notícia, tendo em vista as perspectivas para 2015. Em outubro, as chuvas ficaram 60% abaixo da média histórica nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste. Ainda que os índices pluviométricos devam ser mais favoráveis de agora em diante, só depois de muitos meses, talvez anos, os reservatórios das hidrelétricas voltarão ao normal. Isso faz prever cortes frequentes de eletricidade em diversos pontos nas regiões que concentram o maior contingente populacional e a maior parte da produção.
O intenso acionamento do parque termoelétrico, a pesados custos, evitou um racionamento, termo que é anátema para o governo, mas o CMSE admite que, "mesmo com o sistema em equilíbrio estrutural, ações conjunturais específicas" podem ser necessárias. A nota, contudo, não menciona que ações poderiam ser adotadas - elas são de competência do Operador Nacional do Sistema (ONS).
Uma das hipóteses é um "racionamento branco" ou cortes seletivos de carga, que poderiam ser viáveis mediante acordos com grandes consumidores e distribuidoras para reduzir o uso de energia. Essa alternativa, no entender dos técnicos, seria melhor que cortes não planejados do fornecimento ou "apaguinhos". Seja como for, os empresários se queixam de que nenhuma autoridade responsável pela área tomou qualquer iniciativa para uma gestão racional da demanda.
Mas, independentemente dos efeitos sobre a produção da falta de energia, não há dúvida de que haverá novas rodadas de aumentos de tarifas, além dos reajustes já autorizados, criando novos ônus para os consumidores e contribuintes, afetando a inflação. Isso porque as distribuidoras, que incorreram em prejuízos com o acionamento de termoelétricas e compra de energia no mercado livre, terão de amortizar os empréstimos que tomaram de instituições financeiras, especialmente bancos públicos.
Calcula-se que o governo tenha negociado, até agosto, R$ 17,8 bilhões em empréstimos às distribuidoras para compensá-las pelos prejuízos incorridos com a energia que foram obrigadas a comprar para atender ao consumo. A isso se deve somar um empréstimo mais recente de R$ 1,9 bilhão feito pela Caixa Econômica Federal à Celg, a estatal goiana de eletricidade.
Além disso, houve repasses diretos do Tesouro Nacional, pagamento de indenizações, etc. Segundo cálculos de especialistas, o governo federal gastou nada menos que R$ 105 bilhões desde a edição da MP 579 - transformada na Lei 12.783, de janeiro de 2013 -, cujo objetivo era reduzir o preço da energia, mas desorganizou o setor e elevou o preço da energia.
Empresários e analistas especializados já vinham alertando que a crise de graves proporções do setor elétrico poderia levar a um racionamento de energia a curto prazo. A crise foi provocada pelo progressivo esgotamento dos estoques dos reservatórios das grandes usinas das Regiões Sudeste e Centro-Oeste em razão da estiagem que se prolonga desde o fim de 2012. Mesmo com todas as termoelétricas em operação, a oferta de eletricidade chegou a um ponto crítico, o que torna inevitáveis medidas de racionalização do consumo, de modo a evitar "apaguinhos" localizados. Não faltaram sugestões de revisão do modelo para o setor, para a adoção de esquema emergencial e atrair novos investimentos, mas o governo continuou agindo como se tudo estivesse "sob controle" nessa área.
Essa percepção começou a mudar na esfera oficial na última quarta-feira (5/11) com a informação de que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) elevou de 4,7% para 5% o risco de um déficit de energia nas duas regiões, sinalizando a necessidade de um eventual racionamento, já que foi atingido o limite tolerado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Para isso concorreu também o fato de que só foram acrescentados ao sistema elétrico nacional 7.641 MW em 2014, 25% aquém da projeção feita pela Aneel em janeiro (10.126 MW).
Com a economia estagnada, inflação elevada e contas públicas em desordem, não poderia haver pior notícia, tendo em vista as perspectivas para 2015. Em outubro, as chuvas ficaram 60% abaixo da média histórica nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste. Ainda que os índices pluviométricos devam ser mais favoráveis de agora em diante, só depois de muitos meses, talvez anos, os reservatórios das hidrelétricas voltarão ao normal. Isso faz prever cortes frequentes de eletricidade em diversos pontos nas regiões que concentram o maior contingente populacional e a maior parte da produção.
O intenso acionamento do parque termoelétrico, a pesados custos, evitou um racionamento, termo que é anátema para o governo, mas o CMSE admite que, "mesmo com o sistema em equilíbrio estrutural, ações conjunturais específicas" podem ser necessárias. A nota, contudo, não menciona que ações poderiam ser adotadas - elas são de competência do Operador Nacional do Sistema (ONS).
Uma das hipóteses é um "racionamento branco" ou cortes seletivos de carga, que poderiam ser viáveis mediante acordos com grandes consumidores e distribuidoras para reduzir o uso de energia. Essa alternativa, no entender dos técnicos, seria melhor que cortes não planejados do fornecimento ou "apaguinhos". Seja como for, os empresários se queixam de que nenhuma autoridade responsável pela área tomou qualquer iniciativa para uma gestão racional da demanda.
Mas, independentemente dos efeitos sobre a produção da falta de energia, não há dúvida de que haverá novas rodadas de aumentos de tarifas, além dos reajustes já autorizados, criando novos ônus para os consumidores e contribuintes, afetando a inflação. Isso porque as distribuidoras, que incorreram em prejuízos com o acionamento de termoelétricas e compra de energia no mercado livre, terão de amortizar os empréstimos que tomaram de instituições financeiras, especialmente bancos públicos.
Calcula-se que o governo tenha negociado, até agosto, R$ 17,8 bilhões em empréstimos às distribuidoras para compensá-las pelos prejuízos incorridos com a energia que foram obrigadas a comprar para atender ao consumo. A isso se deve somar um empréstimo mais recente de R$ 1,9 bilhão feito pela Caixa Econômica Federal à Celg, a estatal goiana de eletricidade.
Além disso, houve repasses diretos do Tesouro Nacional, pagamento de indenizações, etc. Segundo cálculos de especialistas, o governo federal gastou nada menos que R$ 105 bilhões desde a edição da MP 579 - transformada na Lei 12.783, de janeiro de 2013 -, cujo objetivo era reduzir o preço da energia, mas desorganizou o setor e elevou o preço da energia.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“O governo começa com a herança maldita que ele mesmo criou”
Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) criticando os desacertos do governo Dilma
Lobista do PMDB se ofereceu para depor 3 vezes
Citado como o lobista do PMDB junto à maracutaia da Petrobras, Fernando Soares, o “Fernando Baiano”, já se ofereceu três vezes, por meio dos advogados, para prestar depoimento à Justiça Federal no âmbito da Operação Lava Jato. Ainda não obteve resposta. Ansioso, considera fechar acordo de delação premiada para contar tudo o que sabe. Se fizer isso mesmo, pode comprometer toda a cúpula do PMDB.
Bem longe
Pelo sim, pelo não, “Fernando Baiano” está no exterior, bem distante de uma eventual Operação Lava Jato II. Dias atrás foi visto em Miami.
Delação
O megadoleiro Alberto Youssef, que fazia o “varejo” do esquema de corrupção e pagamento de propinas, implicou “Fernando Baiano”.
Esclarecimentos
O lobista do PMDB disse a amigos não fazer ideia do que é acusado, por isso procurou a Justiça para “prestar esclarecimentos”.
Belos ‘parceiros’
Investiga-se a “parceria” de Fernando Baiano com Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras na época da negociata da refinaria de Pasadena.
Processo de Maluf dormita no TSE há um mês
O processo contra Paulo Maluf parou no Tribunal Superior Eleitoral desde 2 de outubro, quando foi liberado para ir a plenário pela relatora, ministra Luciana Lóssio. O TSE barrou a candidatura de Maluf a deputado federal com base na Lei da Ficha Limpa. A pauta do TSE está bem enxuta, mas o presidente, ministro Dias Toffoli, que define o que vai ou não a julgamento, mantém o recurso longe da apreciação. Pela praxe, registros de candidatura devem ter prioridade máxima.
Vapt-vupt
Na quinta (6), a sessão ordinária do TSE, onde pendências devem ser apreciadas, foi encerrada em menos de uma hora.
Reversão possível
Com a demora, Maluf e seus advogados podem trabalhar para reverter algum voto contrário. A votação contra ele foi apertada: 4x3.
Na mira da Interpol
Paulo Maluf não pode sair do país para não ser preso pela Interpol, que está à espreita. A França irá julgá-lo por lavagem de dinheiro.
Bem me quer, mal me quer
Lula prefere o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, mas a “nova” Dilma só aceita na Fazenda quem tem tímpano complacente, como Guido Mantega, que além de ouvir seus gritos sem reclamar, ainda se sujeita a “chás de cadeira” que chegam a quatro horas.
Mais do que nunca
Líder da oposição, Domingos Sávio (MG) defende o compartilhamento das delações premiadas da Lava Jato com a CPMI da Petrobras, “até para dissipar a ideia de conluio para livrar quem quer que seja”.
‘Prost!’
O parlamento alemão aprovou a prorrogação por cinco anos do acordo nuclear Brasil-Alemanha, sob protesto do Partido Verde. Assinado na ditadura, o acordo garante mais R$ 3 bilhões para a encrencada usina Angra II. A Alemanha está fechando suas usinas nucleares.
Fumo de rolo
Dilma recebeu na sexta (7) o presidente do Uruguai. Parece que José Mujica tentou em vão calçar nela suas sandálias da humildade. Ele, que de bobo não tem nada, quer vender o excedente de gás ao Brasil.
Apenas barbeiragem?
Tucanos criticam os erros do deputado Carlos Sampaio (SP), que teria agido sozinho ao pedir ao TSE a auditoria do resultado das eleições e ao fazer acordo com o PT para matar a CPMI da Petrobras.
Fora do padrão
Habituados ao temperamento difícil de Dilma, parlamentares e governadores do PT ficaram surpresos com o aparente bom humor dela na confraternização (inédita, em quatro anos) na última quinta (6).
Fraude no Pronaf
O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) tentará aprovar na Comissão de Agricultura a convocação do ministro Guido Mantega (Fazenda) para explicar desvios no Programa de Agricultura Familiar (Pronaf).
Tamos aí
O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) topa disputar a presidência do Senado, após Renan Calheiros (AL) negar interesse em novo mandato. Há pelo menos outros cinco candidatos ao cargo, só no PMDB.
Pensando bem...
...se Renan Calheiros não fosse mesmo candidato a novo mandato de dois anos na presidência do Senado, ele jamais diria isso.
PODER SEM PUDOR
A mão da História
A mão trêmula de José Sarney, nas imagens do seu voto em Aécio Neves (PSDB), no 2º turno das eleições presidenciais de 2014, lembra outro momento histórico: sua posse na Presidência da República, em 1985. Sarney estava devastado com a morte de Tancredo Neves e assustado com a "herança". Percebendo seu nervosismo instantes do juramento (que faria com a mesma mão trêmula, estendida), o então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sob testemunho do fiel escudeiro Heráclito Fortes, deu uma força:
- Vamos lá, Sarney, isto é como a primeira vez em que uma donzela faz sexo: dói, mas é bom...
As gargalhadas o fizeram relaxar, e Sarney prestou o juramento e entrou para a História.
Senador Cristovam Buarque (PDT-DF) criticando os desacertos do governo Dilma
Lobista do PMDB se ofereceu para depor 3 vezes
Citado como o lobista do PMDB junto à maracutaia da Petrobras, Fernando Soares, o “Fernando Baiano”, já se ofereceu três vezes, por meio dos advogados, para prestar depoimento à Justiça Federal no âmbito da Operação Lava Jato. Ainda não obteve resposta. Ansioso, considera fechar acordo de delação premiada para contar tudo o que sabe. Se fizer isso mesmo, pode comprometer toda a cúpula do PMDB.
Bem longe
Pelo sim, pelo não, “Fernando Baiano” está no exterior, bem distante de uma eventual Operação Lava Jato II. Dias atrás foi visto em Miami.
Delação
O megadoleiro Alberto Youssef, que fazia o “varejo” do esquema de corrupção e pagamento de propinas, implicou “Fernando Baiano”.
Esclarecimentos
O lobista do PMDB disse a amigos não fazer ideia do que é acusado, por isso procurou a Justiça para “prestar esclarecimentos”.
Belos ‘parceiros’
Investiga-se a “parceria” de Fernando Baiano com Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras na época da negociata da refinaria de Pasadena.
Processo de Maluf dormita no TSE há um mês
O processo contra Paulo Maluf parou no Tribunal Superior Eleitoral desde 2 de outubro, quando foi liberado para ir a plenário pela relatora, ministra Luciana Lóssio. O TSE barrou a candidatura de Maluf a deputado federal com base na Lei da Ficha Limpa. A pauta do TSE está bem enxuta, mas o presidente, ministro Dias Toffoli, que define o que vai ou não a julgamento, mantém o recurso longe da apreciação. Pela praxe, registros de candidatura devem ter prioridade máxima.
Vapt-vupt
Na quinta (6), a sessão ordinária do TSE, onde pendências devem ser apreciadas, foi encerrada em menos de uma hora.
Reversão possível
Com a demora, Maluf e seus advogados podem trabalhar para reverter algum voto contrário. A votação contra ele foi apertada: 4x3.
Na mira da Interpol
Paulo Maluf não pode sair do país para não ser preso pela Interpol, que está à espreita. A França irá julgá-lo por lavagem de dinheiro.
Bem me quer, mal me quer
Lula prefere o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, mas a “nova” Dilma só aceita na Fazenda quem tem tímpano complacente, como Guido Mantega, que além de ouvir seus gritos sem reclamar, ainda se sujeita a “chás de cadeira” que chegam a quatro horas.
Mais do que nunca
Líder da oposição, Domingos Sávio (MG) defende o compartilhamento das delações premiadas da Lava Jato com a CPMI da Petrobras, “até para dissipar a ideia de conluio para livrar quem quer que seja”.
‘Prost!’
O parlamento alemão aprovou a prorrogação por cinco anos do acordo nuclear Brasil-Alemanha, sob protesto do Partido Verde. Assinado na ditadura, o acordo garante mais R$ 3 bilhões para a encrencada usina Angra II. A Alemanha está fechando suas usinas nucleares.
Fumo de rolo
Dilma recebeu na sexta (7) o presidente do Uruguai. Parece que José Mujica tentou em vão calçar nela suas sandálias da humildade. Ele, que de bobo não tem nada, quer vender o excedente de gás ao Brasil.
Apenas barbeiragem?
Tucanos criticam os erros do deputado Carlos Sampaio (SP), que teria agido sozinho ao pedir ao TSE a auditoria do resultado das eleições e ao fazer acordo com o PT para matar a CPMI da Petrobras.
Fora do padrão
Habituados ao temperamento difícil de Dilma, parlamentares e governadores do PT ficaram surpresos com o aparente bom humor dela na confraternização (inédita, em quatro anos) na última quinta (6).
Fraude no Pronaf
O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) tentará aprovar na Comissão de Agricultura a convocação do ministro Guido Mantega (Fazenda) para explicar desvios no Programa de Agricultura Familiar (Pronaf).
Tamos aí
O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) topa disputar a presidência do Senado, após Renan Calheiros (AL) negar interesse em novo mandato. Há pelo menos outros cinco candidatos ao cargo, só no PMDB.
Pensando bem...
...se Renan Calheiros não fosse mesmo candidato a novo mandato de dois anos na presidência do Senado, ele jamais diria isso.
PODER SEM PUDOR
A mão da História
A mão trêmula de José Sarney, nas imagens do seu voto em Aécio Neves (PSDB), no 2º turno das eleições presidenciais de 2014, lembra outro momento histórico: sua posse na Presidência da República, em 1985. Sarney estava devastado com a morte de Tancredo Neves e assustado com a "herança". Percebendo seu nervosismo instantes do juramento (que faria com a mesma mão trêmula, estendida), o então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, sob testemunho do fiel escudeiro Heráclito Fortes, deu uma força:
- Vamos lá, Sarney, isto é como a primeira vez em que uma donzela faz sexo: dói, mas é bom...
As gargalhadas o fizeram relaxar, e Sarney prestou o juramento e entrou para a História.