domingo, agosto 24, 2014

Feliz aniversário - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 24/08


Ela sabe que é um pensamento improdutivo, mas mesmo assim se preocupa com a passagem do tempo, parece uma menina assustada diante do acúmulo de números que sua idade vem ganhando. Não entende onde foram parar seus 16 anos, seus 21, seus 29, seus 35, seus 42.

Ora, onde eles podem estar? Todos ainda dentro dela.

Ao assoprar as velas, a sensação é de que o passado também se apaga e um presente totalmente novo é inaugurado. Sendo virgem da nova idade, é como se estivesse nascendo naquele específico dia com pequenas rugas e manchas surgidas subitamente, e não trazidas do antes. Como se estivesse vindo ao mundo na manhã do festejado dia com os quilos, as dores e os limites de um adulto recém-nascido e com uma expectativa de vida mais curta, sem registro algum do tempo transcorrido até ali, aquele tempo que sumiu.

Sumiu nada.

Você tem seus 16 anos para sempre. Seus 21. Seus 25 e todos os outros números que contabilizou a cada aniversário: você tem oito anos, você tem 19, você tem 37. Você só ainda não tem o que virá, mas os anos que viveu ainda estão sendo vividos, são eles que, somados, lhe transformaram no que é hoje. Sua idade atual não é uma estreia, você não nasceu com esses anos todos que sua carteira de identidade diz que você tem. Só o dia do seu nascimento foi uma estreia. Desde então, você nunca mais saiu de cena. Ainda estão em curso seus primeiros minutos de vida.

Você ainda sente o nervosismo das primeiras vezes, as mesmas dúvidas diante das escolhas, o afeto por pessoas que foram importantes lá atrás, a adrenalina dos riscos corridos. Nada disso evaporou. O ontem segue agindo sobre você, segue interferindo na sua trajetória. É a mesma viagem, a mesma navegação. O meio de transporte é seu corpo, e ele ainda não atracou.

Mas e todo aquele peso extra que você um dia jogou ao mar? Não muda nada. A viajante que durante o percurso vem se desfazendo de algumas coisas continua sendo você. Aquele instante aos 19 anos ou aos 26 em que você cruzou o olhar com alguém que modificaria seu futuro continua acontecendo, o ponteiro continua se mexendo, o tempo não parou. Desiludem-se os amantes apaixonados que, quando se instalam num amor maduro, não encontram mais a mágica anterior que fazia o tempo parar, mas não se deve ser tão fatalista, você não tem 18 anos, ou 37, ou 53. Você tem 18, 37 e 53. No que tange o tempo vivido, não há “ou”. São várias idades contidas numa frequência cardíaca ininterrupta.

Você chegou a uma idade gloriosa, a idade de entender que não existem perdas, só ganhos. Não existe envelhecimento, e sim desenvolvimento constante. O tempo não passa, ele está sempre conosco. O novo não ficou para trás, ao contrário, o novo está adiante: na vida que ainda está por vir.

Três fábulas monterrosianas - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 24/08


O porco-espinho procurou um dermatologista, que constatou carência de vitamina D e recomendou banhos de sol


Era uma vez um porco-espinho que adorava a balada. Toda noite ele ia a festas, clubes ou raves, onde fazia o maior sucesso com seu visual loucão --era muito cool ser amigo de um porco-espinho. Um dia ele acordou às seis da tarde, como de costume, e percebeu que vários dos seus espinhos haviam se soltado durante o sono. O porco-espinho procurou um dermatologista, que constatou carência de vitamina D e recomendou banhos de sol pela manhã. Acontece que o porco-espinho era incapaz de acordar cedo e decidiu não abrir mão das baladas, mesmo sob o risco de ficar careca. Quanto mais caíam seus espinhos, porém, mais escasseavam os convites para as noitadas: o que gostavam no porco-espinho era justamente o seu visual loucão, cheio de espinhos. Hoje, ninguém mais o chama pra nada, as hostess o barram na porta, ele vaga sozinho noite adentro e atende pelo nome de gambá --quando atende, pois, geralmente, se alguém se aproxima, ele exala amargura e corre pro mato.

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A coruja estava no forro do telhado, lendo Proust, quando entrou a andorinha, ofegante. "Nossa, andorinha, que animação...", comentou a coruja, sem tirar os olhos do livro. "Ah, dona coruja! Tô voltando da minha primeira viagem pelo mundo! Eu cruzei a Amazônia e os desertos mexicanos, vi o sol se pôr atrás dos picos nevados dos Andes, fiz amor no céu vermelho da aurora, sobre o mar azul do Caribe!" "Veja só", disse a coruja, passando saliva na pata e virando a página 987 do livro. "Em Manaus, você foi no teatro Amazonas, claro." "Não...", respondeu a andorinha, "mas eu voei com as araras e...". "Poxa vida", cortou a coruja, "Não foi no teatro Amazonas... E no México? No México, pelo menos, você visitou o museu de antropologia, né?". "Na verdade, não...", admitiu a andorinha, se encolhendo entre as asas. "Não visitou o museu de antropologia?! Desculpa, andorinha, mas você não-foi-pro-Mé-xi-co! Só falta me dizer que depois dos Andes cê não passou por Buenos Aires, pra tomar um chá com medialuna num daqueles lindos cafés europeus." "Na-não", confessou a andorinha, com um fio de voz, então pediu licença e foi fazer seu ninho, angustiada, crente que quem sabia das coisas era a coruja, que seguia lendo Proust --agora, com um sorriso no rosto.

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Nada irritava tanto a rã mais pequenininha do brejo quanto ser confundida com uma perereca. "É rã!", ela dizia, cerrando os dentes, toda vez que a confundiam. Um domingo de manhã ela estava no brejo vizinho pegando umas moscas pro almoço quando passou por uma família de pererecas sobre uma vitória-régia. "Nossa, que perereca enorme!", exclamou uma delas. A rã estava prestes e xingar e exibir o dedo médio, mas os comentários das outras foram mais rápidos. "Uau, deve ser ótimo ser uma perereca tão grande!!" "Incrível!" "Mãe, mãe, se eu comer bastante mosca eu vou ficar desse tamanho?"

Na segunda, bem cedo, a rã fez as malas e se mudou para o brejo vizinho, onde é tratada com todas as deferências devidas à maior perereca já vista, às quais ela responde com azedume e rispidez, dedicando as piores patadas às pererecas mais pequenininhas.

O dia seguinte hoje - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 24/08


Ao fazer festa em casa, do que mais gosto é a bagunça.

Não da festa em si, mas daquilo que precisarei arrumar no dia seguinte.

Sou vidrado pela ideia de reconstrução de um ambiente em algumas horas.

Tudo repentinamente fora do lugar, sujo, imundo, e há o desafio de reencontrar a ordem natural das coisas.

É uma recriação do mundo num final de semana.

O corredor beira o estado de sítio, o banheiro sofreu com o desespero dos boêmios, as estantes dos livros estão cheias de bandejinhas de salgados.

Nem espero o dia seguinte.

Nada mais íntimo dentro de um casamento do que o silêncio das 6h. Todos já foram embora, felizes com a balbúrdia, e nós dois decidimos ajeitar o lar enfrentando o cansaço.

O previsível era deitar com a roupa do corpo e desmaiar, desprezando os escombros e a vida virada pelo avesso.

Mas não, eu e minha mulher adoramos o pós-festa, quando estamos sozinhos.

Reina uma sensação de paz, de sobrevivência.

A faxina é partilhar a memória do encontro. Melhor do que roda de violão.

A faxina é fixar as lembranças antes que sejam corrompidas pela enxaqueca do meio-dia.

Ela segura o lixo de 100 litros e eu vou buscando as garrafas de cerveja espalhadas pelos cantos.

Vamos conversando sobre as cenas mais engraçadas da festa, o comportamento dos amigos, as coreografias das músicas ridículas.

Cada um repassa o que viu e o que conversou. Como anfitriões, tínhamos o trabalho de nos revezar por diferentes turmas e atender a todos, não deixar ninguém excluído e isolado. Naquele momento, completamos o quebra-cabeça da noite.

– Você falou com a Vanessa? E como ela está com o marido?

– Sim, pareciam alegres. Já passou a tormenta.

De nosso papo frugal, seguimos com o rodo e a vassoura, um encarando o outro com ternura.

De vez em quando, reclamo da dor nos braços. De vez em quando, ela reclama da dor nos pés. São exclamações naturais do sacrifício que não se estendem por muito tempo.

Ela massageia rapidamente meus ombros e diz que providenciará uma massagem mais tarde. Eu tiro seus sapatos, apertos seus dedos e juro que depois pego um creme para aliviar o estresse.

A admiração é feita de pequenas pausas e promessas.

E seguimos nosso baile mudo, nossa coreografia de espuma e detergente.

Lamentamos uma mancha que não sairá no sofá ou algumas cicatrizes novas nas paredes. Não choramos por algo que tenha sido quebrado. Entendemos que a amizade é para ser usada.

Recolhemos o exército de copos e cálices, os pratos sujos, e não nos intimidamos com a quantidade de louça que ocupa a mesa inteira da cozinha.

Dividimos as tarefas: primeiro os copos, depois os pratos, em seguida os talheres. Assim não sofremos com a dimensão assustadora do compromisso.

E continuamos nossa troca de impressões ouvindo os pássaros assobiando ao longe. Não temos certeza se são os rumores das aves ou se é a claridade cantando lentamente na janela.

Ela pergunta se estou com fome. Paramos um pouco nossa arrumação para esquentar salgados e comer sentados no chão da cozinha, na posição de índios ao redor da fogueira.

Corre entre nós uma cumplicidade apaixonada, como se só nossos olhos dançassem.

O amor não é apenas uma festa, como alguns imaginam. O amor é também dividir o trabalho de limpar a casa.

Acordamos com o apartamento brilhando e nos beijamos de olhos fechados, ainda sonhando.

Frutos e migalhas - JOSÉ CASTELLO

GAZETA DO POVO - PR - 24/08


Em um e-mail que recebo de meu amigo Ricardo Arnt, se destaca uma bela, mas alarmante frase de Rubem Alves: “A vida é um fruto saboroso que cresce na parede do abismo”. A frase me esmurra e entorpece. Ela me pega em meio à leitura de A Festa da Insignificância, novo romance de Milan Kundera (Companhia das Letras). Uma delicada narrativa a respeito da fragilidade humana — que não exclui, ao contrário, intensifica a beleza de nossa aventura. O que dói na frase de Alves é, do mesmo modo, a demonstração de que a beleza se alia à insignificância. É de muito pouco — é de um abismo — que arrancamos a vida.

Apesar da arrogância e presunção, não deixamos de ser pequenos. A vida nos dá ninharias e — ainda que de nariz empinado — enchemos o peito. É tudo, de fato, muito pouco, mas justamente por isso comovente e admirável. Assim também sentem os quatro amigos parisienses que protagonizam o romance de Kundera. Diz Ramon a D’Ardelo: “A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Ela está conosco em toda parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la”. Mas, prossegue Ramon, não basta reconhecer a insignificância como alicerce da existência. O mais difícil vem depois: “É preciso amar a insignificância, é preciso aprender a amá-la”. Porque só assim chegamos um pouco mais perto de nós mesmos.

Em busca das migalhas que compõem a viagem humana, o romance de Kundera traça um inesperado paralelo entre a Paris de nossos dias e a União Soviética do passado. A figura onipresente de Joseph Stalin circula pelo relato. Apesar de seu poder, Stalin se envolve em situações em que a insignificância o suplanta. As maiores demonstrações de força não vêm, necessariamente, das grandes brutalidades, mas das pequenas resistências. Lendo as memórias de Nikita Khruschóv, um perplexo Alain descobre em Stalin, em alguns momentos, a presença da ternura. “A palavra ternura não combina com a reputação de Stalin, ele é o Lúcifer do século”, admite. Diante de seu auxiliar Mikhail Kalinin, e ainda que sem ceder aos apelos do poder, ele consegue provar de doces momentos de afeto. Originados não dos grandes atos, mas de pequenos sentimentos.

Já na velhice, o amigo sofre da próstata. Em espaços muito curtos, tem necessidade de ir ao mictório. Stalin o provoca, contando longas anedotas que Kalinin não ousa interromper. Nessas horas de sofreguidão, admira a resistência do amigo. “Sofrer para não molhar a cueca... Ser um mártir de sua higiene... Combater a urina que nasce, cresce, avança, que ameaça, ataca, mata...”. Leitor das memórias, Alain se pergunta: “Existe um heroísmo mais prosaico e mais humano?” Talvez a batalha contra a urina tenha sido a grande guerra que Kalinin lutou. Do mais desprezível, surge o mais grandioso.

Stalin, o inflexível, gostava de contar uma tola história sobre vinte e quatro perdizes que, durante uma caçada, encontrara pousadas em uma árvore. Só carregava consigo doze balas — e, por isso, matou apenas doze. Andou de volta os treze quilômetros até sua casa, pegou mais uma dúzia de balas, e voltou para matar as que restavam. Sempre que ouviam a história, seus companheiros bufavam de ódio. Como Stalin podia supor que acreditassem que as doze perdizes restantes permaneceram estáticas, na mesma posição, à sua espera? Ninguém entende que o ditador está brincando. Que ele os provoca. Levam a sério o insignificante e por isso sofrem. A experiência do poder é, também, a experiência da desprezível. É tudo muito pequeno.

Charles, outro amigo, fala sempre de uma peça de teatro que tem quase pronta, destinada às marionetes. Um dia, em um momento de sinceridade, ele desabafa a Alain: “Você entende, minha peça para marionetes é apenas uma brincadeira, uma tolice, eu não a escrevi, apenas a imagino, mas que posso fazer se nada mais me distrai...” No fim da peça que não consegue terminar — até porque nunca a escreveu — surgirá um anjo. Não sabe por quê. “No momento, sei apenas que no fim haverá um anjo”. Comenta Alain que uma das poucas coisas que sabemos a respeito dos anjos é que são magros. Tudo muito pouco — sonhos frágeis, detalhes inúteis —, mas é dessas ilusões que o pequeno Charles se alimenta.

A experiência da insignificância pode vir dos sentimentos mais prosaicos. Caminhando pelas ruas de Paris, Alain descobre que nas mulheres não são as coxas, nem os seios que o atraem, mas o umbigo. Pergunta-se: “Como definir o erotismo de um homem (ou de uma época) que vê a sedução feminina concentrada no meio do corpo, no umbigo?” Mais uma vez, é no que, para a maioria dos homens, não passa de um detalhe que o personagem de Kundera se detém. Ali ele se concentra. Ali guarda sua frágil atenção. Ali o desejo lhe brota.

O arrebatamento pode vir de coisas tão inesperadas quanto a ameaça de morte. D’Ardelo vai ao médico, pois teme estar com câncer. O diagnóstico, para seu desafogo, é negativo. Na saída do consultório, atravessando aliviado o Jardim de Luxemburgo, ele cruza com Ramon. Conta de onde está vindo. “Que foi que o médico disse?”, o amigo quer saber. Responde com uma única palavra, cheia de poder: “Câncer”. Por que mentiu? Não sabe responder. Mas por que, também, diria a verdade? Não pode negar que seu câncer imaginário o alegra. Não ela, a doença, mas a pequena farsa que produz. Também de migalhas, de sobras do assombroso, é feita a imaginação.

Além do mais, a insignificância tem suas vantagens. Em outro momento, os amigos refletem sobre a inutilidade de ser brilhante. O sujeito brilhante — supõe-se — “sabe tudo”. Mas diante dele, em vez de se aproximar, uma mulher logo se sente obrigada a entrar em competição. Ser brilhante é não só inútil, mas nocivo. Prossegue Ramon: “Ao passo que a insignificância a libera. A liberta das precauções. Não exige nenhuma presença de espírito. A torna despreocupada e, portanto, mais acessível”. São muitas as vantagens do pequeno — por isso, aceitar a insignificância, se a olhamos bem de perto, não é tão doloroso assim. Pode até trazer pequenas alegrias. É o fruto saboroso de que Rubem Alves nos fala.

Mais perguntas que respostas - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 24/08


Marina Silva ir para o segundo turno, e não Aécio Neves, é, creio eu, o maior temor de Lula e sua turma


Como têm observado os comentaristas políticos, a morte de Eduardo Campos e sua consequente substituição na candidatura à Presidência da República, por Marina Silva, mudou radicalmente o quadro político eleitoral.

Antes que ela manifestasse a decisão de substituir Eduardo como candidata ao governo do país, já os dois outros candidatos temiam pelo que viesse a acontecer. Sem dúvida, no mínimo, o projeto de campanha eleitoral que haviam elaborado não serviria mais.

Como a candidatura de Marina parecia inevitável, Lula teria telefonado para Roberto Amaral, presidente do PSB, sugerindo que desistissem de apresentar outro candidato e voltassem a aliar-se ao PT, como antes da ruptura provocada por Eduardo Campos.

Não resta dúvida que Roberto Amaral sempre teve simpatia por Lula e Dilma, razão por que este teria tentado convencê-lo a retirar seu partido da disputa presidencial.

Roberto Amaral não teria dito nem sim nem não, claro, mesmo porque não tinha ele autoridade para tomar tal decisão. A rigor, digo eu, nem se atreveria a prometê-la, já que isso soaria como traição ao companheiro que acabara de morrer tragicamente.

Se essa conversa aconteceu mesmo, não posso afirmar; o que sei é que, como dizia Brizola, "Lula é capaz de pisar no pescoço da mãe" para não perder o poder. Sem dúvida, se ele conseguisse impedir a candidatura de Marina, as eleições de outubro estariam vencidas por Dilma Rousseff.

Sucede que a exclusão do PSB da disputa eleitoral é inviável, não só pela identificação que nascera entre Marina e Eduardo, como porque a desistência seria como uma espécie de suicídio do partido.

Outra alternativa que, conforme se fala, poderia ajudar a candidatura de Dilma seria conseguir que Marina, no caso de ficar em terceiro lugar, tomasse a mesma atitude que tomara, em 2010, quando Dilma e Serra disputaram o segundo turno: ela simplesmente se omitiu, não disse a seus eleitores que votassem em Serra e, com isso, garantiu a vitória de Dilma.

Só que, desta vez, ao que tudo indica, caso Aécio vá para a disputa final com Dilma, Marina não adotaria a mesma atitude, uma vez que sua relação com o PT é hoje muito diferente.

Na verdade, ela o tem como seu inimigo, quando mais não seja, porque deve ter atribuído a ele, pelo menos em parte, não ter conseguido registrar seu partido na Justiça Eleitoral. Sim, porque não interessava ao PT que ela se candidatasse outra vez.

Porém, e se nas eleições deste ano ocorrer o contrário, se ela, e não Aécio, for para o segundo turno? Esse é, creio eu, o maior temor de Lula e sua turma. Numa tal hipótese, não resta dúvida de que Aécio apoiaria a candidatura de Marina Silva e, caso isso ocorra, dificilmente Dilma seria eleita.

Mas é evidente que tudo isso são hipóteses. Acredito que razoavelmente baseadas em possibilidades reais, em observações aceitáveis mas, de qualquer modo, discutíveis. Além disso, neste momento em que a morte de Eduardo Campos comove a nação, as considerações que fiz aqui levam em conta a influência que esse fator emocional terá na decisão dos eleitores.

Mas pode ser que, passado este momento, questões mais objetivas --como a inflação, as dificuldades econômicas que o país enfrenta, os problemas relacionados com a saúde, com a educação e a com segurança-- passem a determinar a escolha do eleitor em outubro.

Claro que isso é possível, mas tudo dependerá de como os candidatos de oposição --e particularmente Marina Silva-- consigam valer-se desse fator emocional para convencer o eleitor de que é possível livrar o país do populismo lulopetista.

Não se trata, evidentemente, de usar a morte de Eduardo Campos para chantagear o eleitor e, sim, de chamá-lo a participar de um momento decisivo para o futuro do país, fazê-lo crer que nem todo político é corrupto e demagogo.

Enfim, valer-se do fator emocional, para trazer o eleitor desencantado a confiar na mudança. Nesse sentido, pode ser que a candidatura de Marina consiga atuar de maneira decisiva, como já se viu na primeira pesquisa em que ela aparece. Isso é precisamente o que Lula e seu pessoal não querem. Para eles, quanto mais abstenção, melhor.

Momentos de Lula e Dilma - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 24/08


Nesta fase pré-eleitoral, em que a política se destaca e se sobrepõe à realidade econômica, muitos analistas passaram a comparar o primeiro ano do próximo governo com o primeiro ano de mandato do ex-presidente Lula. Esses dois períodos têm em comum a necessidade de ajustes e correção de rumos depois das turbulências econômicas nos finais de mandato de FHC, em 2002, e de Dilma Rousseff, em 2014. Entre estes analistas está o economista e filósofo Eduardo Gianetti da Fonseca, um livre pensador próximo dos economistas tucanos e, desde a eleição de 2010, conselheiro da candidata Marina Silva. "Lula teve um bom resultado em 2003", lembrou Gianetti há dias, sugerindo dúvidas quanto ao êxito ou fracasso do próximo governante.

Os dois momentos são diferentes. Eleito para governar o Brasil a partir de 2003, Lula era uma caixa de surpresas naquela época: tentou reverter a imagem de incendiário inconsequente, acumulada em muitos anos, assumindo compromissos na Carta ao Povo Brasileiro, em junho de 2002. Mas o mundo econômico, o mercado financeiro, empresários e investidores ainda tinham dúvidas. O fenômeno "pânico Lula" fez dispararem o câmbio, a inflação e a taxa de risco Brasil. Controlar a economia e impedir que o Real descambasse ladeira abaixo foi uma tarefa difícil e custosa para quem comandava a economia em 2002. Armínio Fraga, presidente do Banco Central na época, desabafou um ano depois: "Havia medo em relação ao futuro, mas o futuro não estava em nossas mãos".

E o futuro chegou com Antônio Palocci no comando da economia no primeiro ano de governo Lula. Por indicação do próprio Armínio, Palocci levou para sua equipe economistas que o PT rotulava de neoliberais, ignorou as maluquices econômicas do partido e deu continuidade à política econômica de FHC, por anos condenada pelos petistas. O ajuste se deu pelo freio de arrumação que quase levou à recessão. Mas o resultado foi melhor que o esperado: em 2003 a inflação fechou em 9,3%, abaixo das previsões e acima da meta de 4%; e o PIB cresceu só 0,5%, mas o clima de confiança foi recuperado e as portas começaram a abrir para construir o desenvolvimento - não fossem o mensalão, a vitória de Dilma Rousseff no conflito com Palocci sobre o equilíbrio fiscal e a queda do ministro e de sua equipe de neoliberais.

Agora, em 2014, o momento é diferente: os candidatos são conhecidos e não mais assustam como Lula assustava em 2002. Os problemas são outros e as soluções para eles não constituem nenhum mistério. Até mesmo a candidata Dilma, em cujo mandato esses problemas foram criados ou acentuados, sabe que em 2015 terá de corrigir seus erros se ganhar nas urnas.

Na energia elétrica reinam a confusão, o represamento da tarifa, o endividamento das empresas cresce a galope e a Eletrobrás cambaleia. No petróleo, nem a promissora área do pré-sal salvou - pelo contrário, sobrecarregou - a já combalida Petrobrás, punida com a tarifa congelada e obrigada a multiplicar o endividamento para dar conta de investimentos.

A produtividade do trabalho é rasteira, a geração de empregos perde fôlego, a indústria definha, o custo Brasil é alto, o comércio exterior emagrece e gerar superávit primário para pagar a dívida virou um pesadelo diante de um Estado gastador, com 39 ministérios (12 deles criados por Lula e Dilma) que só produzem disputa e conflitos políticos. Por fim, o crescimento econômico é cada ano mais medíocre, a inflação é persistente e a falta de confiança de empresários e investidores na condução da economia suspende ou adia investimentos - e o País não cresce.

Nenhum dos três candidatos desconhece essa realidade. A diferença entre eles está na escolha dos caminhos de cada um para corrigir os erros. E há enorme desconfiança de quem investe e empurra o progresso para a frente em relação a Dilma Rousseff, que lidera as pesquisas. Ela não mostra, por exemplo, disposição de abrir mão de intervir em negócios privados, método que originou muitos desses erros.

Como Lula em 2003, é dela que vêm as maiores incertezas para 2015.

Decisões erradas - AFFONSO CELSO PASTORE

O ESTADÃO - 24/08


Embora o governo insista que "tudo vai bem", há uma forte desaceleração do crescimento brasileiro. Ela não deriva apenas de uma queda na demanda agregada. É predominantemente uma consequência da queda abrupta do crescimento da capacidade produtiva do País, isto é, do seu PIB potencial. Hoje, mais do que em qualquer outro período de nossa história, esse crescimento depende do aumento da produtividade da mão de obra.

Primeiro, porque dada a taxa baixa e declinante de crescimento da população em idade ativa, o País não pode contar, tanto quanto no passado, com a contribuição do "fator trabalho". Segundo, porque contrariamente ao que ocorria nos anos posteriores ao encerramento da 2.ª Guerra, não há mais um "exército industrial de reserva", que em resposta ao aumento do protecionismo à indústria saia do campo obtendo emprego em atividades urbanas, mais produtivas, elevando a produtividade total dos fatores.

As baixas margens de lucro na indústria brasileira não estimulam os investimentos em capital fixo. Se tivéssemos uma taxa de investimentos mais elevada, o crescimento do PIB potencial seria mais intenso, e a maior densidade de capital por trabalhador empregado elevaria a produtividade do trabalho.

O governo, em busca de desvendar o enigma do baixo crescimento criado por ele próprio, passou a se aconselhar com empresários. Dentre as sugestões, estava a de que um forte estímulo aos investimentos viria da desoneração da folha de trabalho. Afinal, o custo da mão de obra no Brasil supera em muito o dos países concorrentes, estreitando as margens de lucro, e o diferencial deriva em larga medida da tributação excessiva sobre a folha de pagamentos. Olhado do ponto de vista de cada empresa, isoladamente, tal medida levaria à queda do custo da mão de obra e, consequentemente, a um aumento das margens de lucro e da taxa de investimentos.

Contudo, antes mesmo da desoneração da folha já era claro que a escassez de mão de obra vinha desestimulando a indústria. Os dados do IBGE indicam que o custo unitário do trabalho medido em reais - o quociente dos salários reais com relação à produtividade média do trabalho - vinha se elevando fortemente desde o início de 2010. Estes mesmos dados mostram que por muitos anos, antes da crise de 2007/2008, o custo unitário do trabalho flutuou em torno de um patamar constante.

O que mudou a partir do início de 2010 foram os fortes estímulos à expansão da demanda agregada de bens e serviços, deslocando para a direita a curva de demanda de mão de obra o que, ao lado dos aumentos do salário mínimo acima da produtividade média do trabalho, acelerou o crescimento dos salários reais. Por isso, a partir do início de 2010, o custo unitário do trabalho passou a crescer continuamente, situando-se atualmente acima de 20% do seu valor inicial.

Um dos objetivos do crescimento econômico é a elevação dos salários reais, mas isso tem de ocorrer em uma velocidade determinada endogenamente, compatível com o aumento da produtividade da mão de obra. Quais são as consequências da imposição de uma divergência entre estas duas taxas? O PIB da indústria (como o PIB de qualquer setor da economia) é a soma dos valores adicionados dos vários produtos (quer finais, quer intermediários), e o valor adicionado nada mais é do que a soma das remunerações: do trabalho (a folha de salários); e do capital (os lucros). Ora, uma elevação do custo unitário do trabalho leva a um estreitamento da outra componente do valor adicionado - os lucros -, desestimulando os investimentos e contribuindo para o quadro de estagnação em que vivemos.

Ocorre que a desoneração da folha de trabalho em um país caracterizado pela escassez de mão de obra não foi a única ação do governo. Através de todo um conjunto de transferências de renda, criou estímulos para que um número elevado de homens e mulheres em idade ativa tomasse a decisão de sair do mercado de trabalho, deixando de fazer parte da população economicamente idade ativa. Com isso, caiu a taxa de participação, isto é, o quociente entre a população economicamente ativa e a população em idade ativa.

Não é possível atribuir a nenhuma dessas transferências de renda, isoladamente, o efeito ocorrido sobre a taxa de participação, mas a sua queda - qualquer que tenha sido a causa - representou uma contração na oferta de mão de obra. Quando a demanda se expande e a oferta se contrai acentua-se a elevação daquele preço relativamente aos demais. Ou seja, esse efeito acentuou a elevação dos salários reais.

Os empresários devem estar perplexos e frustrados. Esperavam que com as desonerações sobre a folha de trabalho colheriam uma elevação da taxa de lucro, e estão obtendo uma queda, que é publicamente revelada pela queda nas cotações das ações das suas empresas. O que deu errado? A explicação repousa naquilo que os economistas chamam de "falácia da composição", que traduzida em termos simples significa que o que vale para uma empresa (ou indivíduo) isoladamente, nem sempre vale para o conjunto.

Mas este não é o único exemplo de medidas que isoladamente favorecem as empresas e que levam a resultados opostos para a economia como um todo. O governo atendeu a outro pleito dos empresários - a redução das tarifas de energia elétrica. O propósito era semelhante ao anterior, isto é, derrubar os custos de produção em produtos intensivos na utilização de energia, elevando a competitividade da indústria. Mas o governo não se satisfez em reduzir apenas as tarifas industriais. Estendeu esse benefício aos consumidores.

A questão imediatamente levantada por alguns economistas rebeldes era se o governo havia dado a devida atenção à magnitude da "elasticidade preço" da demanda de energia. Nenhuma resposta foi dada. Afinal, esse tipo de "purismo" é incompatível com o voluntarismo nas decisões do atual governo. Como seria de se esperar, o consumo não industrial de energia elétrica cresceu aceleradamente, acentuando-se a escassez de energia mesmo com as usinas termoelétricas ligadas 100% do tempo. O efeito foi a explosão das tarifas no mercado livre. Para algumas indústrias passou a fazer sentido vender no mercado livre a energia que seria consumida na produção, que caiu.

Em contrapartida, indústrias sem sobra de energia são obrigadas a comprá-la no mercado livre, pagando custos bem mais elevados do que antes da redução de tarifas. Em resumo, a expectativa de que a redução das tarifas de energia levaria a um aumento da produção foi substituída pela "surpresa" de que tal aumento, se ocorreu, foi bem menor.

Esses dois exemplos nos mostram que o que precisamos é de um governo que formule a política econômica com base em uma teoria econômica sólida, e não com base no voluntarismo. É preciso manter o diálogo com os empresários, buscando sugestões. Se não fosse o seu instinto em descobrir caminhos para acumular capital, não teríamos o crescimento econômico. Mas antes de tudo é preciso levar em consideração que a teimosia em desprezar os ensinamentos da história e da teoria econômica abre caminho para aventuras ingênuas e para investidas de grupos de pressão, com elevados custos para o País.

Juros baixos e estagnação secular - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 24/08


O juro nos EUA será baixo nos próximos anos; para quem depende de capital externo, é uma boa notícia


É possível que a taxa real de equilíbrio nos Estados Unidos, após o processo de normalização dos juros naquela economia, estabilize-se em nível ainda inferior a 1,5%, que vigorou no período anterior à crise.

Essa possibilidade foi aventada pelo influente economista Lawrence Summers, em novembro de 2013, em uma conferência no FMI em homenagem ao atual vice-presidente do banco central americano (Federal Reserve ou Fed), Stanley Fischer.

O argumento de Summers é que, ao longo da primeira década do século 21, o juro real foi de 1,5%. Nesse período, houve forte bolha especulativa no mercado de imóveis, o que ajudou a manter o consumo das famílias crescendo mais do que seria normal. Mesmo assim, a inflação ficou em 2,2% ao ano.

O endividamento das famílias cresceu quatro pontos percentuais do PIB por ano. Esse endividamento à época não parecia excessivo, pois a riqueza das famílias, que são proprietárias de imóveis, crescia em razão da subida do preço das residências. Ou seja, a bolha de imóveis injetou demanda por consumo na economia americana ao ritmo de quatro pontos percentuais do PIB por ano!

Summers considera o seguinte exercício contrafactual: qual teria sido a taxa real de juros de equilíbrio --isto é, que mantém a inflação em 2% ao ano e a economia em pleno emprego-- se não tivesse havido a bolha imobiliária? Certamente abaixo de 1,5% ao ano. Há analistas que consideram que, na próxima década, essa taxa ficará próxima de zero.

Dado que os EUA são uma das economias financeiramente mais integradas com o resto do mundo, além de emitirem a principal moeda, que funciona como reserva internacional de valor, a taxa básica de juro americana é, de fato, a taxa básica da economia mundial.

Ou seja, observa-se, ao menos desde os anos 1980, um contínuo processo de redução da taxa de juros internacional. Aparentemente as enormes taxas de poupança da China e de outros asiáticos emergentes explicam boa parte do fenômeno.

No entanto, essa elevação da poupança deveria ter sido compensada pela redução da poupança dos países desenvolvidos --EUA, Europa e Japão--, fruto do processo de envelhecimento.

Os indivíduos poupam ao longo de sua vida ativa e consomem a poupança após se retirarem do mercado de trabalho. Com a elevação da população aposentada, deveria ocorrer forte redução da taxa de poupança nos países desenvolvidos.

De fato, essa taxa tem caído. Por exemplo, a taxa de poupança no Japão reduziu-se nas últimas décadas. O que não estava previsto é que o envelhecimento da população também reduz as oportunidades de investimento. Em uma sociedade que envelhece, a taxa de crescimento populacional se reduz. Se o crescimento da população é menor, há menor necessidade de investir em infraestrutura urbana, moradias, estradas, portos etc.

A experiência do Japão sugere que o envelhecimento reduz mais a poupança do que o investimento. Nos últimos anos, a poupança externa, que o Japão exporta, diminuiu. No entanto, o efeito foi pequeno e mais do que compensado pelo crescimento da poupança nos emergentes, China à frente.

Outro fator que pressiona para baixo a taxa de juros na economia mundial é a possível redução da taxa de crescimento de longo prazo da produtividade do trabalho nas economias centrais.

De fato, como bem documentado em recente artigo do economista Robert Gordon, da Northwestern University, nos EUA, a taxa de crescimento do produto por trabalhador da economia americana da década de 1970 para cá é pouco mais de 0,5 ponto percentual inferior à observada nos cem anos anteriores.

Se o crescimento da produtividade do trabalho é menor, as possibilidades de investimento também são menores. Por outro lado, se o crescimento da renda for menor, em razão do menor crescimento da produtividade do trabalho, a demanda por crédito também será menor.

Tudo somado, a menos que a transição para uma economia liderada pelo consumo ocorra rápida e profundamente na China, a taxa de juros americana nos próximos anos será baixa.

Para nós, economia cronicamente dependente de capitais externos, não deixa de ser uma boa notícia!

A TV a cabo sob assédio - CELSO MING

O ESTADÃO - 24/08


Tem gato gordo que se mete na TV a cabo. Essa intromissão do além impede que os administradores comemorem a marca de quase 19 milhões de domicílios (30% do total) conectados a canais fechados.

Os furtos de sinal cobrem hoje 4 milhões de domicílios no Brasil, como aponta pesquisa divulgada no início de agosto pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA).

Nos cálculos do seu presidente, Oscar Simões, a utilização de sinal clandestino impõe perdas de faturamento ao setor de R$ 6 bilhões por ano, ou 21% do total. O segundo sócio nessas perdas são os poderes públicos que ficam sem arrecadar impostos, de cerca de R$ 1,8 bilhão por ano, o equivalente a 3,5% do orçamento do Município de São Paulo.

Dá para dizer que há um terceiro sócio, o assinante que paga. “Este é um negócio de escala. Quanto maior o número de assinantes, mais o preço poderia ficar mais baixo”, diz Simões.

O roubo de sinal pode ser obtido por meio de ligação clandestina via cabo, que é o gato propriamente dito. Ou, então, envolve o uso de decodificadores não homologados pela Anatel, a agência encarregada de fiscalizar o setor. Embora proibida, a venda desses aparelhos é fortemente difundida, mais ou menos como os CDs piratas ou os baseados. Em alguns casos, a captação não envolve só engenhocas eletrônicas, mas também transmissões feitas a partir do exterior. Ou seja, são esquemas clandestinos sofisticados praticados por profissionais.

Para inibir esse tipo de pirataria, as prestadoras do serviço procuram mudar constantemente o código dos canais fechados para que, mesmo desbloqueados, os aparelhos clandestinos percam o acesso à programação paga. E, lá de quando em quando, a polícia também colabora e estoura um desses centros de transmissão. Mas parece que esse crime compensa, porque tem prosperado.

Outra ameaça não vem da família dos felinos, mas das novas tecnologias. As empresas de TV paga enfrentam, no mundo todo, a implacável concorrência da internet. Mais do que simples acesso a algumas centenas de canais, o telespectador cada vez mais procura – e encontra – conteúdos audiovisuais na hora e na plataforma mais conveniente para ele, como laptops, smartphones ou tablets.

Os sites que transmitem vídeos online também vêm tirando clientela da TV paga, sobretudo nos Estados Unidos. A empresa líder do segmento, Netflix, conta com 50 milhões de assinantes, em 40 países, 1 milhão deles na América Latina. Ela começou a atuar no Brasil em 2011, mas não divulga estatísticas sobre o universo dos seus assinantes.

Simões não se deixa impressionar pela novidade. Nos Estados Unidos, 90% dos domicílios já dispõem de acesso à TV por assinatura. Por isso, lá, o setor está mais vulnerável a perdas desse tipo. Aqui, ainda há um enorme mercado por conquistar. Por enquanto, a principal resposta das empresas a esse novo assédio da internet é o oferecimento de conteúdos sob demanda (on demand).

O setor de TV paga no Brasil apresentou crescimentos médios de 30% ao ano entre 2009 e 2012. Embora obtivesse avanço menos expressivo de sua base de clientes em 2013, de apenas 11,3%, o faturamento do setor foi de R$ 27,9 bilhões, 17,2% superior ao de 2012.

A consultoria especializada PTS aponta dois cenários para o futuro. No mais otimista, o número de assinantes pode chegar a 40,3 milhões em 2019, mais do que o dobro do atual. No cenário mais pessimista, que leva em conta crescimento econômico baixo, aumento do desemprego e queda da renda média, a base de assinantes cresceria 32% no período de cinco anos, para 25,1 milhões de brasileiros . /COLABOROU LAURA MAIA

Desnorteados - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 24/08


Enquanto o PSB corre para apaziguar divergências internas e vencer resistências externas ao nome de Marina Silva, o PT e o PSDB andam com cuidado, sabendo que pisam em terreno minado: a concorrência de uma candidatura que mexe com o emocional do eleitorado.

É sobre o sonho de muita gente de eleger um governante do “bem” que Dilma Rousseff e Aécio Neves terão de caminhar nos próximos 40 dias. Período difícil e completamente imprevisível, dizem os números captados diariamente pelas campanhas por meio de consultas telefônicas que não têm o rigor científico das pesquisas, mas registram tendências de crescimento de Marina em relação ao último Datafolha*, onde ela aparecia com 21%. Na ocasião a ex-senadora ainda não havia sido confirmada como candidata do PSB nem chegado ao auge da exposição no noticiário, o que se deu ao longo da semana a partir do domingo, data do enterro de Eduardo Campos.

Embora em público simulem tranquilidade, os adversários temem Marina. Um perigo cuja dimensão exata eles ainda preferem esperar de uma semana a dez dias para medir. Desde já, no entanto, têm consciência de que uma coisa são os desacertos políticos das alianças partidárias e outra bem diferente as demandas do eleitorado.

Marina é uma figura vista como mítica. Transita numa espécie de altar acima do bem e do mal e fazê-la descer dele será uma tarefa espinhosa. Nesse aspecto, PT e PSDB criaram uma rara zona de convergência de interesse: os tucanos querem estar no segundo turno e os petistas querem que eles estejam porque acham mais fácil derrotá-los.

A ordem na campanha de Aécio Neves é não atacá-la para não transformá-la em vítima e preservar o voto do eleitorado dela para eventual segundo turno. Os tucanos esperam que o PT faça esse serviço. Mas os petistas também têm dificuldade de travar esse combate candidata a candidata. O mais provável é que o façam por intermédio da tropa virtual que atua na internet. O PSB acredita que o “chumbo” – não identifica a natureza – sairá do PT e que o PSDB atuará na linha da desqualificação administrativa. Quando, como e se conseguirão transferi-la do imaginário para o lado racional do eleitor sem dar tiros nos próprios pés é o desafio a ser vencido.

Missão Renata. A retirada barulhenta de Carlos Siqueira da campanha de Marina Silva deflagrou no PSB uma operação de emergência para a redução de danos. Homem da estrita confiança de Eduardo Campos, de total influência no partido do qual é secretário-geral, Siqueira também desfruta da intimidade da família Campos. Renata, a viúva de Eduardo, foi acionada para convencer Siqueira a não se afastar do partido para não desmobilizar a militância e se dedicar às campanhas dos governadores, senadores e deputados. Se possível, sem hostilizar Marina.

Labirinto. Muito difícil entender a lógica da presidente Dilma Rousseff. Ela considera natural que o governo exerça pressão sobre o Tribunal de Contas da União para evitar que os bens da presidente da Petrobras, Graça Foster, sejam bloqueados. Semana passada, porém, recusou-se a comentar a posição do PT sobre o julgamento do mensalão alegando que como presidente não pode se imiscuir em decisão de outro Poder. 


Dilma acha injusto que se investigue com rigor a compra da refinaria de Pasadena, mas não se faça o mesmo com dois casos ocorridos da empresa durante o governo Fernando Henrique: o afundamento da Plataforma P-36 e a troca de ativos com a Repsol. Não explica, contudo, por que os governos do PT não tomaram a iniciativa de pedir investigação. 

A presidente lamenta o uso da Petrobras como arma política, enquanto seu partido faz da empresa há três eleições uma de suas principais armas políticas.

O papel dos partidos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 24/08
Com o retorno da ex-senadora Marina Silva ao proscênio da vida política brasileira na disputa pela Presidência da República, está em debate a importância dos partidos na democracia representativa. Marina, em reunião com aliados no primeiro dia de candidata, insistiu no descrédito do que chama de velha política junto à opinião pública e ressaltou que a aliança que importa neste momento é com a sociedade, não com os partidos.
Em outra ocasião, disse que o presidente não é propriedade de um partido. A sociedade está dizendo que quer se apropriar da política. E as lideranças políticas precisam entender que o Estado não é o partido, e o Estado não é o governo . Sua velha amiga e agora coordenadora da campanha presidencial, Luiza Erundina, do PSB, fizera há algum tempo uma crítica a essa visão de Marina, que agora foi revivida na internet.

Erundina dizia, em síntese, que Marina, embora seja uma pessoa maravilhosa , entra no senso comum da sociedade do ponto de vista de negar a política, de negar o partido. Tanto é que (criou) uma Rede, não partido. Acho que isso desorganiza, deseduca politicamente. Não há política e não há democracia sem partidos. Pode ser um partido dentro da concepção do que ela defende, mas não negando o partido, não negando a política .

O tema foi também abordado esta semana pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em palestra no ciclo Novos olhares - Perspectivas políticas do século XXI: crise e reinvenção da democracia -, na Academia Brasileira de Letras, sob a coordenação do historiador José Murilo de Carvalho. Segundo Fernando Henrique, se quisermos repensar a democracia não podemos cair na armadilha de achar que com menos liberdade e com autoritarismo se vá conseguir. É preciso reafirmar que não se trata de cancelar a democracia representativa, mas de ampliá-la, de encontrar mecanismos que possam comunicar a democracia representativa com as outras formas de manifestação da sociedade .

Ele ressaltou que alguns passos já estão sendo dados, que não há lei importante que não seja apresentada na internet para consulta pública, ou mesmo decisões que são tomadas após audiências públicas. Geralmente quem se apresenta para opinar são os grupos de interesse, daí a necessidade de ter mecanismos de representatividade, como é o Congresso , comentou.

O risco, advertiu, é fazer isso de forma autoritária. O decreto criando os conselhos populares é o oposto disso. É o Estado tentando organizar a sociedade civil, um passo para aumentar o grau de controle do Estado sobre o indivíduo . As transformações havidas na sociedade foram de tal natureza, e o empoderamento do indivíduo é crescente de tal maneira, que os partidos ficaram limitados diante das expectativas gerais que existem , disse.

Estamos em uma época em que é preciso fazer uma releitura da pessoa , lembrou o ex-presidente. Não se trata da volta ao individualismo, quem está ligado a uma rede está opinando, é parte daquilo, mas tem sua individualidade. Nada a ver com ser do partido e seguir a orientação geral .

O mundo contemporâneo implicaria preservar essa capacidade de escolha e ao mesmo tempo fazer parte, ter uma identidade, que é global. Sonho, talvez, mas uma possibilidade que se divisa como nunca antes. Acrescentar ao interesse de pessoa, ao de uma classe, de nação, o que diz respeito a uma comunidade mais ampla, à Humanidade . Mas Fernando Henrique disse não acreditar que sem as instituições esses mecanismos tenham condições de duravelmente afetarem o comportamento das pessoas.

Acho que é preciso prestar atenção à representação, a despeito de todas as dificuldades, é preciso tentar dar vida aos partidos. E fazer com que os partidos tomem partido. Como eles partem de uma posição de apenas querer votos, não tomam partido, e ao não tomar partido as pessoas não acreditam no que dizem .

Os partidos passaram a ser um agregado de pessoas que querem um pedacinho do orçamento. O sistema é corrompido. Isso é a deterioração da democracia representativa , insistiu Fernando Henrique. Para ele, reinventar a democracia é um processo social em curso.

Mas fez uma ressalva: a cultura política brasileira precisa ser alterada, sem essa mudança nada acontecerá. E essa mudança cultural se dá pela exemplaridade, pela repetição, pelo embate, e nós ainda não temos uma cultura democrática .

A opção dos eleitores - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 24/08

A situação econômica do país de 2010 a esta parte é de progressiva deterioração. Bem podemos passar de baixo crescimento para a recessão, segundo alguns analistas.

O quadriênio 2010-2014 coincide com o governo da presidente Dilma, destituída de experiência política e traquejo econômico, tanto acadêmico quanto profissional. Não estava preparada para governar o país. Foi-nos imposta pelo presidente Lula. Sua eleição deveu-se aos bons ventos internacionais até 2008 e às políticas assistencialistas massivas do PT. Fato é que, desde a proclamação da República, no século 19, passando pela chamada década perdida dos anos 80 do século 20, foi o quadriênio de menor crescimento econômico do país.

Dilma foi-nos apresentada como excepcional gestora, a "mãe do PAC", destinada a conduzir a nação a um futuro grandioso de desenvolvimento com igualdade. Contudo, ocorreu exatamente o contrário, pois os resultados do seu governo são desastrosos.

Na área de petróleo e gás, a Petrobras, já vitimada pela roubalheira e o empreguismo herdados de Lula, por ordens expressas de Dilma, passou a represar os reajustes da gasolina, perdendo 2/3 do valor nas bolsas de São Paulo e Nova York, o que arrasou o programa do álcool combustível, somente viável se custar nas bombas 70% do preço real dos combustíveis fósseis.

No campo da energia elétrica, a presidente quebrou, unilateralmente, contratos de concessão em vigor, prometendo preços menores. Na prática, os preços subiram estupidamente e o sistema acumula hoje prejuízo de R$ 70 bilhões, que os usuários pagarão em 2015, após as eleições.

A política cambial é controlada pelo governo, rompendo a flutuação cambial instituída no segundo mandato de FHC. Dilma fez a apreciação do real com três consequências gravíssimas: (a) incentivou as importações e compras de particulares no exterior; (b) desincentivou as exportação e; (c) transformou indústrias em meras importadoras dos produtos que fabricavam.

Sua política de desenvolvimento consistiu em conceder bolsas e auxílios a fundo perdido e dar aumentos do salário mínimo acima da produtividade média da economia, além de incentivar o consumo a qualquer custo, levando o povo a endividar-se tão logo a inflação subiu, pois os custos trabalhistas e os impostos pesados sobre receitas brutas, folhas de pagamento e consumo aumentaram os preços dos bens e serviços (inflação), impelindo os juros para 11% ao ano, os quais, por sua vez, encareceram os empréstimos.
Sua resistência comunista em conceder atividades econômicas aos empreendedores, privatizar e fazer parcerias público-privadas resultou em deterioração da educação, da saúde, da mobilidade urbana, da segurança pública e das fronteiras, da infraestrutura em geral (portos, ferrovias, estradas, hidrovias, usinas etc.).

O viés estatista de seu governo e o neopopulismo militante estagnou o país e gerou descrédito dentro e fora do país. União e estados investiram apenas 3,2% do PIB, quando o necessário é 22% para crescer a 4%. Sem o investimento particular, o país não tem futuro algum.

Como votar na reeleição de governo tão inepto, a gastar fortunas em propaganda política, além de alianças partidárias espúrias? (Loteiam os cargos para tirar vantagens.)

A política externa de Dilma não tem formulação. A par do apoio aos governos liberticidas do continente - Cuba, Venezuela, Argentina e Bolívia -, não conseguiu reformar o Mercosul, encorpar economicamente a Unasul nem celebrar acordos bilaterais. O Brics puxa o Brasil para uma política global, em vão! A reaproximação econômica com os EUA se impõe mas não se concretiza. Rússia e China nos cortejam, mas a noiva é desajeitada.

A outra ficaria melhor no Acre, mas tem o orgulho ferido e enorme ambição. Para ela, a morte de Eduardo Campos "não aconteceu por acaso". Ela é messiânica. Acha que Deus matou Eduardo para ela ser candidata!
Marina, além de seu louvável ambientalismo, também não tem nenhuma experiência administrativa nem cultura política. Como ministra só fez atrapalhar o agronegócio. Seu maior triunfo é ter sido vice de um morto ilustre, esse sim, testado, aprovado, hábil e capaz. Mas os mortos não governam...

Dilma ou Marina, tanto faz, são "farinhas do mesmo saco". Insistem na velha política com falsas palavras (neopopulismo e estatismo). No caso de Marina, vem de contrabando a intolerância ao empresariado. É arestosa. Brigou com o PT e quis pôr cabresto em Eduardo, sem êxito.

Não porei em risco o futuro do meu país. Não vou desistir do Brasil. Votarei em Aécio. Ele, juntamente com o senador Anastásia, governaram bem Minas Gerais, tirando-a do marasmo. Aécio já presidiu o Congresso e tem a política nas veias. Chega de improvisos. "Sursum corda", diziam os romanos, ou seja, que haja esperança em nossos corações. É preciso amar e redimir o povo, ao invés dele aproveitarem-se os demagogos.

O blá-blá-blá da mudança - GAUDÊNCIO TORQUATO

O ESTADO DE S.PAULO - 24/08


A palhaçada chama a atenção pela estética escatológica. Tiririca, de peruca e vestido de branco, parodiando o cantor Roberto Carlos na propaganda do grupo que lidera o processamento de carnes no mundo, espeta bifões, entremeando risadas incontroláveis (e sem nenhum nexo) com estrambótica versão da música O Portão, interpretada pelo Rei: "Eu votei, de novo vou votar, Brasília é o seu lugar". Em 2010, o deputado açambarcou 1,3 milhão de votos embalado por um jingle em que prometia: "Vote no Tiririca, pior do que tá não fica". O profeta acertou na mosca. O quadro político pouco mudou, reformas tão clamadas e prometidas ficaram ao léu e Brasília continuará a ser lugar aprazível para o ex-palhaço, que continua a brincar de circo.

Imutável também é a feição da campanha eleitoral. O desfile de caras e bocas que se viu na TV neste início de programação eleitoral comprova que a mudança política é uma quimera, a confirmar a ironia do axioma francês plus ça change, plus c'est la même chose (quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem a mesma coisa).

Da promessa à ação, muita embromação. Essa é a imagem da prática política no País. Quem se lembra da primeira palavra pronunciada pelo presidente Lula em 1.º de janeiro de 2003, quando tomou posse? "Mudança: esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança, finalmente, venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos." Que slogans cobrem as promessas dos três principais candidatos na campanha deste ano? Dilma Rousseff prega "mais mudança, mais futuro". Aécio Neves resgatou o "muda, Brasil" usado pelo avô Tancredo há 30 anos, saudando ainda os eleitores com um "bem-vindo à mudança". Já o PSB trabalhará com o slogan de Eduardo Campos, muito repetido nestes últimos dias: "Coragem para mudar o Brasil". Qual a razão para pôr a mudança no altar mais alto das promessas? Por ser esse o sentimento nacional. As pesquisas detectam que 67% das pessoas reivindicam que o próximo presidente adote ações diferentes da atual administração.

O clima das ruas, fervente desde as manifestações de junho de 2013, aponta para uma reviravolta nos padrões da gestão, implicando melhoria dos serviços públicos, com destaque para mobilidade urbana, saúde, educação e segurança. Nas entrelinhas enxergam-se um veto à mesmice, a condenação das práticas eleitorais (as mesmas que se apresentam na campanha em curso), a inapetência da representação política em promover a planilha de reformas, um basta aos escândalos que flagram atores políticos nos mais diversos palcos da corrupção. Por que tais avanços não se concretizam? A resposta tem que ver com falta de vontade de mudar, receio dos participantes de que mudar as regras do jogo possa significar prejuízo para seus patrimônios eleitorais, além da desarmonia entre os Poderes. Quando um não quer, a coisa não vai.

Há duas formas de fazer mudanças: de forma rápida, completa, chegando a romper valores e alterar a ordem das instituições políticas; ou desenvolvê-las de maneira limitada, em tempo moderado e com razoável consenso. Seria inviável promover um programa mudancista na base do "pé na porta", adotando a estratégia Blitzkrieg. O modus faciendi possível seria a abordagem paulatina, pontual, ramificada, fabiana. Essa é a modalidade para o nosso meio, mesmo que possa agradar a uns e desagradar a outros, conforme explica o cientista social Albert Hirschman: "Uma reforma é uma mudança em que o poder de grupos até então privilegiados é reduzido e a posição econômica e o status social de desprivilegiados são consequentemente melhorados". Ora, os habitantes do andar de cima temem perder privilégios, sobrando para os do andar de baixo a expectativa pelo dia em que a mesa deles será mais farta.

Há condições de promover algum avanço no próximo governo e na nova legislatura que se abrirá em 2015? Sem dúvida, caso exista razoável dose de consenso entre os entes. Mas, como é sabido, nos últimos tempos tem se acirrado o conflito de interesses entre o Executivo e o Legislativo.

O pressuposto para alcançar progresso em qualquer frente reformista - política, econômica, tributária/fiscal, previdenciária, trabalhista - é a concordância desse dois Poderes. Apesar de esporádicas inclinações a votar contrariamente aos interesses do Palácio do Planalto, principalmente em anos eleitorais, os parlamentares tendem a seguir a orientação do governante, que se ampara num presidencialismo de índole imperial. O primeiro ano do Executivo e também o primeiro da legislatura, pela força que seus mandatários juntam no processo eleitoral, são os mais indicados para realizar o intento. Dentro dessa moldura, como se apresentam os perfis dos principais candidatos?

A presidente Dilma, pelo que se sabe e tendo em vista a crise que já faz estragos na economia, terá como foco os campos da inflação e do emprego, sinalizando, assim, mudança de comandantes e gestores nesses bastiões. Fará os ajustes necessários para preencher os buracos na teia social, enquanto imporá controles mais rígidos para acompanhar os cronogramas do defasado Programa de Aceleração do Crescimento, uma das pernas capengas do governo.

O tucano Aécio, ao atacar que o cerne dos problemas nacionais é o próprio governo, deixa antever mexida profunda na gestão, a começar do enxugamento da máquina, além da adoção de uma política econômica mais liberal.

E de Marina Silva o que se pode esperar, caso ganhe, é tensão, na esteira de uma visão que exclui a possibilidade de governar com a velha política. (Curiosidade: um dos comandantes da campanha do PSB em Pernambuco é o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira, que mais parece contraponto à mudança.) Teria ela lastro parlamentar? Pouco provável.

E que se pode esperar do Congresso? Ora, se puser na agenda e votar a reforma política, o feito já será de bom tamanho.

Itamarina - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 24/08


BRASÍLIA - Pensando bem, há semelhanças entre Marina Silva e Itamar Franco, que, contrariando expectativas, se tornou o homem certo na hora certa. Não só Deus, também a história e a política muitas vezes escrevem certo por linhas tortas.

Marina tem voto, Itamar não tinha, mas os dois eram vices e tiveram sua grande chance na vida por um golpe do destino. Marina foi alçada à cabeça de chapa por uma fatalidade, a morte de Eduardo Campos. Itamar chegou à Presidência pelo imponderável, o impeachment de Fernando Collor.

Sem um partido para chamar de seu, Marina pulou no barco do PSB, mas não no avião que matou Campos. "Foi a providência divina", justificou, reforçando o que seus companheiros acrianos mais criticam nela: a arrogância de se sentir "predestinada", enquanto constrói sua imagem em cima do oposto: a humildade.

Sem se impor no velho PMDB e no mundo político tradicional, Itamar pulou no PRN, mas caiu fora quando o Titanic afundou.

Antes de Collor ir a pique, as forças políticas jogaram uma boia para Itamar. Engoliram divergências e ambições imediatas, unificaram o discurso da governabilidade e fecharam um cerco para dar sustentação à transição com Itamar. Só um partido optou pelo seu próprio projeto, em detrimento do esforço geral: o PT. Que o diga Luiza Erundina, hoje no topo da campanha de Marina. Virou ministra de Itamar e foi banida do ambiente petista.

Ao abrir mão da reeleição, Marina faz um chamamento aos partidos. Caso derrote Aécio no primeiro turno e Dilma no segundo, ela será a única presidente, desde Itamar, em condições de convocar um pacto nacional com as principais forças políticas do país. Particularmente com o PSDB, já que o PT vive de apoios, mas não apoia o outro.

O PSDB precisaria de Marina no segundo turno, mas ela dependeria do PSDB também para governar. Quase tanto quanto Itamar dependeu.

Com Marina na disputa, muitas perguntas no ar - SERGIO FAUSTO

O ESTADO DE S.PAULO - 24/08


De dois passamos a três candidatos claramente competitivos, com a entrada de Marina Silva na corrida presidencial. De um governo de Dilma Rousseff ou Aécio Neves é mais fácil saber o que esperar. Já as dúvidas sobre um eventual governo de Marina são certamente maiores. Tal como se colocou na disputa, sua candidatura à Presidência é menos uma construção política e mais um acidente histórico, em que pese a já longa trajetória política da ex-senadora e sua admirável figura pública.

Nada na trajetória anterior do PSB e do grupo que se organizou em torno de Marina indicava a possibilidade de que a aliança entre ambos pudesse ocorrer. O PSB aceitou que a líder da Rede Sustentabilidade se hospedasse temporariamente no partido com a certeza de que Eduardo Campos seria o candidato a presidente. Nem poderia ser de outra maneira: por méritos, ele era o "dono" do partido.

Sem a liderança pessoal de Campos, a incorporação de Marina e seu grupo ao PSB não teria sido possível nem sobrevivido nos meses subsequentes. Trata-se do encontro súbito e inesperado de duas correntes com trajetórias políticas, modos de atuação, referências culturais e mesmo visões de mundo bastante diferentes. De um lado, um partido político de tamanho médio, organizado nacionalmente desde a redemocratização, participante ativo de diversificadas alianças políticas em Estados e municípios, voltado para a conquista de espaços de poder, com responsabilidades de governo, composto por políticos e quadros partidários profissionais e portador de uma sensibilidade política "desenvolvimentista". De outro, um movimento político recente, em busca de formas de organização originais, com escassa aderência ao mundo político institucional, poucos políticos profissionais e expressiva representação de indivíduos pertencentes à classe média mais intelectualizada; menos preocupado, até aqui, em exercer o poder do que em renovar as práticas políticas e repensar os paradigmas do desenvolvimento.

A experiência compartilhada por esses dois grupos tão assimétricos e distintos se limita aos últimos nove meses. Por intenso e produtivo que tenha sido o processo interno de discussão nesse breve período, cabe perguntar se é possível que dele tenham resultado convergências sólidas em torno de uma substantiva agenda de governo em áreas, críticas para o País, nas quais há conhecidas divergências entre os membros da aliança (agronegócio, energia, biotecnologia, etc.). Convergências em torno de diretrizes gerais são suficientes para aprovar um programa conjunto e evitar dissonâncias gritantes numa campanha eleitoral. Não o são para assegurar consistência às políticas de governo. Sob a dura pressão das decisões governamentais e da disputa do poder, vagas convergências tendem a estourar como bolhas de sabão.

Marina tem ao redor de si algumas pessoas de notável capacidade intelectual que lhe poderão ser muito úteis na campanha e num eventual governo. São poucas, porém, e nenhuma delas tem especial gosto pela gestão pública. Cabe, portanto, perguntar: de onde virão os quadros principais de sua administração? Qualquer governo, se quiser responder às expectativas geradas por sua eleição, precisa de quadros que, tecnicamente qualificados, sejam também politicamente afinados entre si e com o(a) presidente, para imprimir às ações de governo uma marca própria e um claro sentido de direção.

Não são necessários milhares, muito menos que sejam militantes partidários, ao contrário do que parece acreditar o PT. Algumas centenas são suficientes, às vezes menos. Mas esses quadros são indispensáveis, caso contrário os ministros, por mais notáveis que sejam, flutuam no ar e as intenções do governo não se traduzem em ações, frustrando expectativas. Para recrutá-los, ajuda muito poder recorrer a grupos já constituídos em experiências de governo anteriores ou em administrações de Estados ou municípios de maior porte governados por um mesmo partido ou uma coalizão de partidos. Falta a Mariana essa base institucional. Além de o PSB ser-lhe terra estranha, o partido não é governo em nenhum Estado grande e mais desenvolvido e tem apenas três prefeituras em cidades maiores. A Rede, por ser nova, nem isso. Esse não é um obstáculo insuperável, mas será possível ultrapassá-lo em poucos meses juntando pessoas de cá e de lá?

Se vencer, Marina chegará à Presidência hospedada num partido que não é o seu (e no qual já disse não pretender ficar) e apoiada na menor coalizão eleitoral desde a eleição de Fernando Collor (hoje os partidos da coligação têm, juntos, 30 deputados e 4 senadores apenas). Ela poderia amenizar esse problema ampliando a sua aliança já para o segundo turno. No entanto, sua tendência a dividir o mundo da política entre as "pessoas de bem" e as demais é prenúncio de dificuldades, não só para ampliar a aliança eleitoral como, principalmente, para compor sua base de sustentação no Congresso. Num caso e noutro, para produzir o resultado esperado as alianças teriam de ser feitas com partidos, e não com indivíduos. A ideia de governar apenas com as "pessoas boas" é aparentemente sedutora do ponto de vista da ética da vida privada, mas ilusória e perigosa quando aplicada à vida pública.

O exercício da Presidência não requer que o incumbente venda seus princípios ao diabo e abandone os objetivos estratégicos de seu governo, mas exige flexibilidade tática para negociar e conviver conflituosamente dia e noite, por pelo menos quatro anos seguidos, com pessoas e grupos de diversos índoles e interesses. Um(a) presidente sem essa aptidão ou ao menos disposição, como se vê no caso de Dilma, tende a produzir mais problemas que soluções.

A candidatura de Marina representa, sem dúvida, uma novidade e abre interessantes perspectivas para o Brasil, todavia traz também uma série de perguntas para as quais não existem respostas fáceis.

Equívocos em série - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/08


No tema da competitividade do país na esfera global, não há como esconder os erros do governo federal e o prejuízo de suas decisões às empresas


O Brasil permanece nas últimas colocações em listas que organizam os países de acordo com a dificuldade para fazer negócios, a qualidade da mão de obra ou o número de horas demandadas para cumprir obrigações tributárias.

São problemas institucionais, por vezes culturais, e dificilmente poderiam ser atribuídos a um governo específico. Quando o tema é competitividade, porém, a responsabilidade da administração federal e o prejuízo provocado por suas decisões aparecem com clareza.

Estudo da consultoria The Boston Consulting Group (BCG) mostra que o custo de produzir aqui é 23% maior do que nos EUA. Em 2004, era 3% menor. Entre 25 países analisados, o Brasil se sai mal também na comparação com outros emergentes, como China, México, Índia e Rússia.

O BCG considerou quatro fatores cruciais: salários na indústria, produtividade, custo da energia e taxa de câmbio. Em todos eles o Brasil piorou nesses dez anos.

Não surpreende, pois, que as empresas brasileiras tenham dificuldade de disputar o mercado internacional e já percam terreno no ambiente doméstico. Calcula-se que, neste ano, a indústria sofrerá contração de quase 2%.

A situação decorre em especial dos seguidos erros de política econômica. Um dos principais, de natureza estratégica, foi o crescente protecionismo e a paralisia na busca por acordos comerciais com outros países, na contramão do que pratica o restante do mundo.

Hoje, as multinacionais conduzem a divisão de produção, que será cada vez mais regionalizada e centrada em locais de baixo custo. O resultado é o isolamento das empresas brasileiras das cadeias globais. Perdeu-se escala e acesso a insumos de ponta, sem o que não é possível competir.

Outro erro foi a decisão de estimular o consumo a todo custo. Para esse fim, o governo expandiu o crédito em excesso e descuidou de suas contas, propiciando um cenário de inflação e juros altos.

As intervenções em vários setores e a miríade de incentivos também bagunçaram o ambiente econômico e comprometeram o crescimento da produtividade. O preço da energia para a indústria, por exemplo, dobrou na última década, segundo a consultoria.

Por fim, o governo fracassou em destravar os investimentos em infraestrutura, outro gargalo que eleva custos e causa desperdícios.

Tudo isso derivou de um diagnóstico equivocado sobre o real desafio a ser enfrentado. O caminho deveria ter sido outro: mais abertura e integração comercial com outras nações, previsibilidade nas regras e ênfase na infraestrutura e na redução de custos, inclusive de juros, o que demanda uma gestão cautelosa do orçamento público.

Para recuperar o tempo perdido, o país precisará adotar uma nova estratégia --ou, mais precisamente, terá de criar uma.

Semelhanças e diferenças - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 24/08


Dizia Montesquieu que na política é essencial atentar para as semelhanças entre as coisas diferentes e as diferenças entre as coisas semelhantes. É natural que, decepcionados com a política e os políticos, os brasileiros tendam a acreditar, especialmente quando entra em cena o discurso eleitoreiro, que "político é tudo igual". Não é bem assim, claro. Por isso, no momento em que a campanha eleitoral ingressa em sua fase decisiva com o início da propaganda dita gratuita, é mais do que oportuno lembrar a recomendação do filósofo francês, um dos principais arquitetos do Estado moderno, e atentar para as principais diferenças entre os discursos das duas - pelo menos, até agora - mais importantes forças concorrentes no próximo pleito presidencial: o lulopetismo no poder e a oposição tucana.

Como bem observou a colunista Dora Kramer no dia seguinte à inauguração da propaganda no rádio e na TV, foi notável a "diferença central" na conceituação dos dois primeiros discursos de PT e PSDB no que diz respeito ao papel do governo na relação com a sociedade.

De fato, os programas inaugurais dos antagonistas Dilma Rousseff e Aécio Neves transmitiram mensagens substancialmente distintas, radicalmente divergentes, que com toda certeza marcarão o tom de toda a campanha: para o lulopetismo, o governo é o grande provedor do bem comum, o todo-poderoso gerente-geral da felicidade dos cidadãos e fora dele não há garantia de conquistas sociais e progresso. Para os tucanos, no Brasil de hoje o maior problema é o próprio governo do PT, que desde que o País deixou de surfar na onda internacional de prosperidade tragada pela crise de 2009 meteu os pés pelas mãos e, especialmente durante o mandato da atual presidente, não tem sido capaz de conter o retrocesso econômico que ameaça comprometer até mesmo as conquistas sociais e econômicas da administração Lula.

Dizer que as divergências entre os dois grupos são de natureza ideológica implicaria admitir que o balaio de gatos que abriga os atuais detentores do poder - petistas e "base aliada" - seja fiel a alguma ideia que não a do mero apego ao poder. O PT nasceu como resultado da associação do voluntarismo obreirista com os influxos progressistas da militância católica e a arrogância autoindulgente de intelectuais e acadêmicos "de esquerda". O tempo se encarregou de fazer vazar pelo ralo do fisiologismo as veleidades "redentoras" do partido "dos trabalhadores" e acabou sobrando apenas o séquito dos deslumbrados com as benesses do poder.

No que diz respeito ao outro lado, há quem se anime ainda a identificar traços do pensamento social-democrata que inspirou a fundação do PSDB, estabilizou a economia e recolocou o País nos trilhos do desenvolvimento social e econômico a partir de 1995. Escamoteado na campanha eleitoral de 2002, que acabou resultando na entrega do poder ao populismo lulopetista, esse pensamento permanece no momento à espera de alguma explicitação capaz de empolgar quem não se satisfaz em saber apenas o que não deseja para o País.

De modo que, se é difícil de identificar alguma substância programática no discurso dos dois principais, até agora, concorrentes à Presidência, o tom da campanha pelo menos revela claramente, de um lado, que na hipótese da reeleição de Dilma o que se pode esperar é mais do mesmo estatismo populista que, a continuar evoluindo na contramão da História, estará abrindo para os brasileiros as portas do paraíso bolivariano. De outro lado, os tucanos limitam-se a apontar os erros do governo, tarefa fácil na atual conjuntura - é isso que também se espera da oposição. Mas é muito pouco, mesmo que qualquer alternativa ao pesadelo lulopetista possa ser considerada uma bênção. O eleitor consciente merece mais do que ter de optar pelo que é menos pior.

O que importa é que existe, sim, uma diferença essencial entre a visão de mundo inerente ao discurso e à prática lulopetistas de que a sociedade precisa ser tutelada por um Estado todo-poderoso e onipresente, e a convicção oposta, escorada nos fundamentos da sociedade democrática, de que o poder deve ser exercido em nome dos interesses da cidadania e não ser monopolizado por autointitulados benfeitores da Humanidade incapazes de enxergar além do próprio umbigo.

Crise pode ser estímulo à revisão da política de águas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/08


O país tem a ganhar se aproveitar as pressões atuais para racionalizar a exploração de mananciais e adotar a gestão compartilhada dos recursos hídricos


Crises quase sempre trazem no seu rastro alguma imposição de quebra de rotinas, normas ou protocolos. Sair delas implica, também em geral, boas doses de sacrifício. Mas, a depender de como sejam enfrentadas, podem se transformar em agentes de necessárias transformações, se delas se extraírem lições. É o caso, por exemplo, da atual seca na bacia do Rio Paraíba do Sul, que jogou Rio e São Paulo numa guerra pela água.

Seja em razão de problemas climáticos (uma inédita estiagem prolongada no Sudeste), ou em decorrência de pífios planos governamentais de racionalização no uso dos mananciais, ou ainda pela crença, enraizada na população e governantes, de que o Brasil jamais teria problemas com esse bem vital, a região metropolitana de São Paulo está sob risco de desabastecimento. A crise transbordou para o Rio de Janeiro quando o governo paulista decidiu reduzir a vazão de um afluente do Paraíba do Sul, com risco de criar dificuldades no abastecimento a municípios fluminenses. Até acordo entre Rio, São Paulo e Minas, esta semana, o que havia sobressaído era a opção preferencial por penadas políticas, em vez de soluções técnicas. A população ainda espera que respostas de fundo possam emergir da crise.

O que ficou patente nas demandas trazidas à tona pela histórica seca em São Paulo é que o país não trata os recursos hídricos com a seriedade e a responsabilidade que a questão exige. Diferentemente de outros países, no Brasil a água, por abundante em determinadas regiões, não é vista como um bem a merecer cuidados. Em razão disso, há um descaso generalizado com a preservação de rios e matas ciliares, não se adotam políticas eficazes de racionalização — aí incluídas iniciativas de conscientização da população —, e programas de otimização da exploração dos mananciais em geral não costumam ser prioridade nas agendas do poder público. E não se trata de deficiência localizada, restrita à região do Paraíba do Sul: no São Francisco, com pontos críticos de “estresse hídrico", há inúmeros projetos que não saem do papel. E por aí vai. Tampouco, o problema é meramente conjuntural; ao contrário, estiagens têm sido recorrentes no país, como em 2003, quando houve sérias dificuldades de abastecimento no Rio de Janeiro.

O Brasil tem a ganhar se aproveitar as pressões da atual crise, ainda localizada, mas com reflexos em todo o país, pelas consequências na economia de uma região onde há a maior concentração do PIB nacional. Deve-se pelo menos discutir alternativas como a criação de uma instância federal de gestão hídrica compartilhada, com agenda única e perfil técnico — à maneira das Autorithys americanas, com poder de cuidar de conflitos, como os que envolvem Rio e São Paulo, e futuros. Programas de governo precisam contemplar, como prioridade, questões relacionadas ao tema. São lições, impostas pela crise, que podem ajudar o país a aperfeiçoar sua fluida política de águas.

O que Artur Ávila diz sobre nós - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 24/08


“Nobel dos números” para brasileiro é quase uma ironia em um país que patina no ensino das ciências matemáticas


Ganhar o maior prêmio mundial de matemática não é uma crônica anunciada para os brasileiros. Não se trata do nosso forte, embora bem pudesse ser. É fato que, em meio aos nossos 190 milhões em ação, milhares nasceram fadados à exatidão dos números e são muitos os que talam os cotovelos para resolver os problemas mais cabeludos, fazendo a sua parte. Mas nesse quesito o país joga mais contra do que a favor, e paga um preço alto por isso, não é de hoje.

Mesmo assim, contra tudo e contra todos, o carioca Artur Ávila, 35 anos, levou o “Nobel da Matemática”, a Medalha Fields da União Internacional de Matemática (IMU), entregue desde 1936, de quatro em quatro anos, para até quatro pesquisadores. A contribuição de Ávila: seus estudos de “teoria do caos” e as pesquisas de “sistemas dinâmicos” – espécie de problemas abertos, em geral bastante divertidos, calcados em conexões inusitadas de causa e efeito. Deve-se lembrar que Artur ajudou a resolver três dos 15 problemas matemáticos do século 21, levantados por Barry Simon, o que por si só o faz merecedor de uma parada militar.

Ponha-se na conta da perplexidade o caráter marginal dessa área do conhecimento no país. É deixada na sombra mesmo em meio às demais ciências, o que as torna, sem distinção, carentes de incentivo público e de exemplos palpáveis para os mais jovens. Cientistas e pesquisadores – por motivos que pedem uma tese – não são propriamente populares por aqui, ao contrário das luzes dedicadas a astros de futebol e estrelas de televisão. Logo, não causa espanto que tão poucos adolescentes e jovens marquem um xis na opção “cientista” quando decidem o que “querem ser”. E, à invisibilidade científica, some-se um dilema ainda maior: o pouco alcance da própria matemática, pródiga em não fazer discípulos. É uma disciplina maltratada no sistema público de ensino. Estima-se que o déficit de professores na área de exatas esteja próximo de 170 mil profissionais, o que redunda no fato de que neste exato momento um brasileirinho está voltando para casa por falta de professor de... Matemática.

Daí o caráter anestésico provocado pela premiação de Artur. Ele é visto como um ponto fora da curva, uma daquelas exceções à regra que não servem de refresco para nossos problemas sociais e educacionais. Outras vozes, rápidas, hão de apontar a genialidade do rapaz – conceito enganoso que faz acreditar que, se o pesquisador tivesse nascido nos interiores e frequentado uma escola deficitária, chegaria aonde chegou de qualquer maneira. A teoria do gênio não se sustenta, como se sabe. Nem a argumentação de que Artur estudou em superescolas do Rio de Janeiro, e daí vem todo o seu êxito. Ajudou, claro. Mas é bem mais produtivo entender o que o levou tão longe. No meio desse caminho contaram os bons colégios, o incentivo dos pais, mas principalmente ter se engajado no sistema internacional de estudos de matemática. Artur ganhou olimpíadas do gênero, garimpou seu lugar em instituições importantes, trabalhou junto com semelhantes do mundo inteiro. É gênio, mas também preparado e parte de uma comunidade científica.

Nossa propalada síndrome de vira-lata bem podia se chamar síndrome de lanterninha, em especial quando se trata de desempenho escolar e científico. O assento garantido nas últimas posições é confirmado a cada dois anos, desde o início da década passada, quando o país passou a amargar as piores posições no teste internacional Pisa, que avalia leitura, matemática e ciências entre estudantes de 15 anos. Ele serve de régua para medir o quanto enroscamos as pernas em questões básicas: nossas escolas têm grande mérito teórico, pensamento pedagógico arrojado, mas se atropelam em metodologia de ensino e avaliação. O resultado é que milhares de crianças e adolescentes frequentam aulas, mas não aprendem. Outros jovens como Artur nos escapam.

Modos de reverter esse quadro existem aos montes – basta lembrar as escolas inglesas, onde o científico e o artístico caminham pari passu: os pátios escolares estão cheios de alunos, mas também de olheiros, em busca de talentos para o balé, para a música, mas também para os laboratórios avançados de toda e qualquer ciência. O Brasil precisa acordar – ou melhor: nós precisamos acordar o Brasil a esse respeito. Quem sabe a medalha de Artur sirva para isso. Ele é uma das nossas glórias: trabalha no Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris, mas também no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, um centro avançado capaz de tantos feitos, embora nem sempre nos demos conta disso. Essa história começa no nosso quintal – eis o fato.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“O olho do dono engorda o boi”
Dilma Rousseff garantindo que a agenda da candidata não prejudica a da presidenta


APÓS DEMITI-LA, LULA QUER SE APROXIMAR DE MARINA

O ex-presidente Lula disse ao comando da campanha da presidenta Dilma que é preciso restabelecer uma “ponte” com sua ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que demitiu do cargo. Lula diz pretender “abrir um canal de diálogo” com Marina, para o caso de a disputa de segundo turno vir a ser travada entre Dilma e o tucano Aécio Neves. Se necessário, a conversa com Marina pode ganhar contornos religiosos.

A HISTÓRIA DA DEMISSÃO...

Lula diverte amigos contando que certa vez a então ministra Marina pediu demissão dizendo ser a “vontade de Jesus”. Ele pediu um tempo.

...SUSPENSA POR JESUS

Para segurá-la no governo, Lula chamou Marina e inventou ter ouvido de Jesus em sonho: “Companheiro Lula, Marina deve ficar”. Ela chorou.

SEJA FEITA SUA VONTADE

Marina só seria demitida após Lula perder a paciência. Ela chegou a levar um pastor para participar de suas audiências com o presidente.

CAINDO NA GALHOFA

Lula arranca gargalhadas imitando Marina. Ela põe o paletó sobre a cabeça, como se fosse um chale, e faz expressão de madona piedosa.

ODEBRECHT SE ENROLA EM POLÊMICA ATÉ NOS EUA

A empreiteira Odebrecht ameaça ir à Justiça americana para discutir a derrota na concorrência para a obra do novo terminal do aeroporto de Nova Orleans, nos Estados Unidos. A derrota fez a empresa perder um contrato de US$ 546 milhões (mais de R$ 1,2 bilhão). No primeiro processo de concorrência, uma das empresas parceiras da Odebrecht chegou a ser acusada de discriminar mulheres e minorias raciais.

PEGOU MAL

A empresa enrolada nas acusações de preconceito e racismo foi retirada do consórcio Odebrecht, que foi rebatizado. De nada adiantou.

SÓ ALEGRIA

A Odebrecht recebe boas notícias do BNDES, que vai bancar sua obra da última etapa do porto de Manta, no Equador, por R$ 350 milhões.

PODE SAIR ANTES

Dilma pode indicar o novo ministro do STF antes da eleição. Disputam a vaga Luis Inácio Adams (AGU) e José Eduardo Cardozo (Justiça).

O DERRADEIRO

O tucano Aécio Neves admitiu indicar um nordestino para o Supremo, na vaga de Joaquim Barbosa, caso vença a eleição e o substituto não tenha sido escolhido. O PT nomeou cariocas, paulistas e gaúchos e apenas um nordestino, já aposentado: o sergipano Carlos Ayres Britto.

REPULSA

Marina Silva (PSB) já sinalizou que não aceita apoio dos governadores tucanos Beto Richa e Geraldo Alckmin, no segundo turno. Dilma, ao contrário, não só aceita como até lhes promete “relação republicana”.

ATENÇÃO, ELEITOR

Candidatos à reeleição na Câmara dos Deputados ou no Senado devem ficar atentos às declarações de bens. Qualquer um deles ganha, em quatro anos, mais de R$ 1 milhão (líquidos) só com salários.

CONTAS FEITAS

Sem contar a verba indenizatória, um senador chega a ganhar mais de R$2 milhões, descontados os impostos, durante o mandato. Deputados estaduais e governadores recebem mais de R$1 milhão num mandato.

NOVA CRISE

O ministro Gilberto Carvalho sempre cria um problema novo para Dilma, quando viaja. Na Paraíba, durante encontro com políticos locais, nem sequer citou o senador Vital do Rêgo (PMDB), um aliado que na presidência das CPIs da Petrobras tem o dom de fechar os olhos.

APELO A DILMA

Em baixa no Planalto desde as pesquisas indicando a vitória de Eunício Oliveira (PMDB) para o governo do Ceará em primeiro turno, o atual governador Cid Gomes (Pros) jura que “vira o jogo” em duas semanas. Desde que Dilma se engaje na campanha do candidato petista.

REPETECO

Candidata ao governo do DF pelo Partido da Causa Operária (PCO), Perci Marrara até parece que não leva isso muito a sério. O registro da candidatura foi rejeitado pelo TRE, exatamente como em 2010.

CONTA, COSTA, CONTA

O fim de semana apreensivo de políticos graúdos, com a notícia de que o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, havia fechado acordo de delação premiada, foi amenizado com o meio desmentido de sua nova advogada. Ela disse que nada há de concreto, ainda.

SINAIS E CORES

Jorge Viana (PT-AC) destacou o “alerta vermelho” para Aécio Neves e o “amarelo” para Dilma. Ficou louco para dizer que “sinal verde” mesmo só para a conterrânea Marina Silva.